Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:98/20.5BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2020
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:ART. 112.º DO RDLPFP
LIBERDADE DE PENSAMENTO E DE EXPRESSÃO
DIREITO À CRÍTICA
DIREITO AO BOM NOME E REPUTAÇÃO
Sumário:I. O direito à crítica constitui uma afirmação do valor da liberdade de pensamento e expressão, consagrado no artigo 37.°, n.° 1, da CRP; mas esse direito não é ilimitado, devendo respeitar outros direitos ou valores igualmente dignos de proteção legal e constitucional, nomeadamente o direito ao bom nome e reputação, previsto também ele na Constituição da República Portuguesa, especificamente no seu artigo 26°, n.° 1.
II. Ao publicar afirmações no sentido de que certas equipas de arbitragem não arbitraram certas e determinadas partidas de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que estão adstritas, insinua-se que os seus integrantes foram, por alguma forma, corrompidos pelo clube rival, colocando assim deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação, incorrendo-se na infração disciplinar prevista e punida no artigo 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).
III. Fazer referências explícitas a erros de arbitragem, comparando-as aos “tempos do apito dourado”, enquanto fenómeno da corrupção desportiva, põe em causa o direito ao bom nome e reputação dos intervenientes, abala a confiança nas instituições desportivas e dirigentes, cria um crescente desrespeito pela arbitragem e potencia comportamentos violentos e antidesportivos.
Votação:MAIORIA - VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul:

I. Relatório
S….. - FUTEBOL, SAD, Recorrente nos presentes autos, em que é Recorrido o CONSELHO DE DISCIPLINA DA DEMANDADA - FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL todos com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), datado de 29-09-2020, o qual julgou, por maioria, improcedente e Ação Arbitral apresentada e que visava sindicar a sanção que lhe fora aplicada pelo Recorrido.

Para tanto, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1. A Decisão Recorrida, salvo o devido respeito, desconsidera, em sede de matéria de facto provada, diversa factualidade que resultou provada, nomeadamente, em face dos documentos juntos aos Autos e não impugnados pela Recorrida.
2. Igualmente, a Decisão Recorrida não faz a melhor aplicação do direito ao caso concreto, nomeadamente, no que concerne à concretização e limites da liberdade de expressão à luz da hodierna jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
3. Atentos os elementos probatórios melhor referidos em sede de Alegações, resultam provados os seguintes factos:
i. “Desde a época 2016/2017 que a F….. - Futebol, SAD (….. SAD), utilizando seu Director de Comunicação, F….., e o Porto Canal,, tem conduzido campanha difamatória e de intoxicação da opinião pública com suspeitas permanentes sobre a isenção dos árbitros e a actuação da S….. SAD, e de criação de um manto permanente de dúvida sobre a verdade desportiva e a credibilidade das competições. É conhecido, aliás, o “naming” depreciativo utilizado pela F….. SAD para alcunhar a Liga NOS 2016/2017, baptizada de “Liga Salazar" ”
ii. Essa campanha difamatória contra a S….. SAD ganhou dimensão inaudita com a orquestração do “caso dos emails” através do qual, com recurso à prática de ilícitos disciplinares e criminais, a F….. SAD tem tentado implantar em parte dos adeptos a ideia de que a S….. SAD controla os árbitros e adultera a verdade desportiva, utilizando o Director de Comunicação da F….. SAD as expressões “polvo”, “corja", corrupção” e “cambalacho", por exemplo, para se referir à S….. SAD, como se de instituição mafiosa se tratasse".
iii. Desta forma de actuação da F….. SAD tem permitido que a suspeição se perpetue no espaço público e na competição, e constitui, ao mesmo tempo, estratégia de condicionamento emocional do desempenho das equipas de arbitragem durante os jogos".
iv. “a S….. SAD e o Impugnante têm procurado manter postura institucional e desportivamente discreta e adequada, alertando reiteradamente para o grave clima de condicionamento sobre os árbitros e para o facto dos erros de arbitragem - não intencionais, é certo - estarem a suceder-se com muito mais frequência do que o desejado, visto que o tipo de discurso reiterado de suspeição sobre o trabalho dos árbitros em nada contribui para que os árbitros possam exercer a sua actividade com a tranquilidade e estabilidade exigidas à difícil função de julgar e aplicar as leis do jogo".
v. Também que “o clima vivenciado actualmente no futebol nacional motivou diversas tomadas de posições dos árbitros e da APAF, seja com o pré-anúncio de greves, seja em comunicados e intervenções públicas".
vi. “De entre os exemplos de ameaças aos árbitros temos a invasão por elementos ligados aos S….., afectos à F….. - Futebol, SAD., do Centro de Treino dos Árbitros na Maia, onde ameaçaram e insultaram o árbitro Artur Soares Dias":
vii. "Têm sido remetidas aos árbitros mensagens com o seguinte teor:
• "« - “meu —! Hoje vais arbitrar o teu —! Tem juízo, senão vais ter com o P….., fdpl";
• "vai te correr mal";
• "vais-te assustar o —. Eles vão te matar pah”
• "filho duma grande p—“;
• 'Vamos-te apanhar e vais ver o que te vai custar";
• "Se tiveres filhos cuidado seu mouro de m—"
viii. "O prédio em que reside o árbitro V….. foi vandalizado com os seguintes dizeres: "F….., tens razão, aqui mora um pulha pidesco, contudo, não desculpa a incompetência da SAD nos últimos quatro anos. Acorda P…..! 30/11/86", numa alusão a F….., director de comunicação da F….., SAD."
ix. “O Grupo Organizado de Adeptos S….. fez deslocar um conjunto dos seus elementos, incluindo o seu líder, ao restaurante explorado pelo pai do árbitro J….. ";
x. “Os factos supra descritos colocam em causa a estabilidade emocional e a própria integridade física dos árbitros e das suas famílias
xi. "Continua a pairar sobre os árbitros clima de forte pressão, conforme evidenciado pela exibição de dois bonecos “enforcados” um deles ostentando um equipamento de um árbitro, aquando do último F….. SAD vs S….. SAD realizado em 08/02/2020 ou mais uma visita à casa do árbitro V….., realizada em 08/03/2026';
xii. “Tais comportamentos são, inevitavelmente, idóneos, por força do ambiente externo que criam, a condicionar e constranger os árbitros no exercício das suas funções, encontrando- se estes, por tal motivo, desprotegidos e mais expostos ao erro":
xiii. “a crítica desportiva considera ter existido, na época passada, um benefício para a F….., SAD, decorrente de erros, ainda que não intencionais, de arbitragem, resultando na atribuição de mais 4 a 10 pontos do que aqueles que deveriam ter sido efectivamente atribuídos";
xiv. “Perante um conjunto de acontecimentos que provocaram indignação e revolta por parte dos sócios e adeptos, a Impugnante limitou-se a:
• dar conhecimento de determinados factos, nomeadamente, a existência de um elevado número de erros de arbitragem (ainda que não intencionais, porquanto em momento algum se disse que os árbitros erram deliberada e conscientemente em favor deste ou daquele) com reflexo directo no resultado final dos jogos;
• manifestar incompreensão sobre tais erros - designadamente tendo em conta os meios tecnológicos ao dispor da arbitragem proporcionados peto sistema do vídeo-árbitro e;
• exprimir discordância relativamente a decisões das instâncias desportivas que considera injustas e que não compreende".1'.
xv. “A Impugnante exerceu assim o seu direito a relatar factos e a exprimir opinião crítica - contundente, certo - sobre determinados temas que estavam na ordem do dia e que eram objecto de discussão pública e de notícia por parte da generalidade da comunicação social."',
xvi. “A Impugnante não proferiu quaisquer declarações gratuitas susceptíveis de colocar em causa o bom nome e reputação de qualquer agente desportivo e ou de qualquer órgão da estrutura desportiva, imputando quaisquer factos ou formulando quaisquer juízos ofensivos da honorabilidade de qualquer órgão ou agente".
xvii. No dia 10 de Dezembro de 2018, o Conselho de Arbitragem, efectuando um balanço sobre as primeiras 11 jornadas da Liga NOS 2018/2019, reconheceu isso mesmo, ao publicar na sua conta oficial Twitter denominada “Projeto@Videoarbitro, Conta oficial do Conselho de Arbitragem para partilha de informação sobre o projeto vídeo-árbitro. Mínima interferência, máximo benefício è o lema do IFAB”, acessível através do link https://twitter.com/videoarbitro, os seguintes tweets:
• ‘‘Com 11 jornadas completas, o Conselho de Arbitragem faz um balanço do VAR no primeiro terço da Liga NOS.”;
• “Nas primeiras 11 jornadas foram efetuados 639 «checks», distribuídos da seguinte forma: lances de golo (295), possível cartão vermelho (152), possível penálti (187) e erro de identidade (5).”;
• “Dos 639 lances analisados, 33 resultaram em momentos de revisão. No seguimento da revisão, 8 decisões iniciais mantiveram-se e 25 foram alteradas.”;
• Das 33 revisões, 23 levaram o árbitro a visionar o monitor no relvado. Nessas 23 ocasiões, o árbitro decidiu alterara decisão inicial em 16 casos.";
• De acordo com a análise técnica efetuada, em 639 «checks» (ao longo dos 99 jogos) verificaram-se nove avaliações erradas".
4. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a Recorrente agiu ao abrigo e dentro das margens do exercício da liberdade de expressão, tal como definidas pela Jurisprudência Nacional e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
5. A interpretação normativa consagrada nos Autos encontra-se datada no tempo e completamente ultrapassada nomeadamente em face da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo motivado mais de duzentas e cinquenta condenações do Estado Português.
6. A Recorrida pretende criar um estado de polícia, em que controla tudo e todos e apenas se admitem opiniões concordantes, nomeadamente, sobre as suas próprias condutas.
7. Os Árbitros e a própria Recorrida não são imunes ao erro, sendo legítimo aos agentes desportivos opinar sobre esses erros, criticando-os e evidenciando-os para que não se repitam.
8. De acordo com o entendimento jurisprudencial dominante, desde o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao Supremo Tribunal de Justiça (no caso Português), pelo facto de os visados serem figuras públicas e exercerem funções públicas, devem possuir uma maior margem de tolerância face à crítica dessas mesmas funções públicas.
9. Sendo, inclusive, admitida a critica contundente, violenta, irónica, etc.
10. A solução dada ao caso concreto implicou a omissão da matéria de facto provada de um conjunto de factos, essenciais para a boa decisão da causa, os quais se encontram suportados na documentação aos mesmos junta.
11. Os Tribunais administrativos, ao conhecerem em sede recursória, de decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral do Desporto - Tribunal de jurisdição plena - têm competência para conhecer dos factos integrantes da Defesa apresentada pelos Arguidos em processo Disciplinar.
12. Não se peticiona a este Tribunal que conheça da bondade das Decisões de arbitragem o, mas apenas que reconheçam a sua existência factual, enquanto motivadoras das declarações proferidas pelo S….. - com referência textual nas mesmas.
13. O não conhecimento da factualidade invocada comporta em si mesmo um acto de denegação de justiça, não admitido pela Constituição, sendo violador do disposto no n.° 4 do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
14. Conforme decorre da matéria invocada em sede de Alegações, a Recorrida agiu dentro dos limites da liberdade de expressão, nos termos em que tal direito é configurado pela Jurisprudência Nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
15. Por seu turno, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a interpretação efectuada pela Recorrente dos n.ºs 1 e 4 do artigo 112.° do RDLPFP viola os artigos 8.°, 37.° e 38.° da Constituição da República Portuguesa, por se afigurar como uma compressão inadmissível da liberdade de expressão e de imprensa e, bem assim, por violação do artigo 10.° da CEDH, que faz parte integrante do ordenamento jurídico português por via do artigo 8.° da CRP.
16. Devendo tal inconstitucionalidade ser declarada.

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O Recorrido, por sua vez, apresentou as seguintes contra-alegações:
“1. O recurso apresentando pela ora Recorrente junto do Tribunal Arbitral do Desporto visava a revogação da decisão do Conselho de Disciplina da ora Recorrida, que havia sancionado a Recorrente pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 112.º, n.os 1, 3 e 4 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante RD da LPFP), tendo-lhe aplicado uma multa de € 20.400,00 (vinte mil e quatrocentos euros).
2. Em causa nos presentes autos estão declarações produzidas e difundidas na imprensa privada da Recorrente passíveis de ofender o bom nome e reputação dos visados, e bem assim, a integridade, verdade e credibilidade da competição.
3. Em suma, entende a Recorrente alega que: (i) Há um conjunto de factualidade omissa e conclusiva no Acórdão recorrido; (ii) As declarações sub judice não ultrapassam o legítimo exercício do direito à liberdade de expressão; e (iii) mediante uma ampliação do pedido, entende, agora, a Recorrente, que a interpretação da norma prevista no artigo 112.º, n.º 1 e 3 do RD da LPFP é inconstitucional, por violação dos artigos 37.º e 38.º da CRP.
4. Determina o artigo 265.º, n.º 2, aplicável ex vi artigo l.º do CPTA, que "O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.
5. O mencionado preceito constitui, consabidamente, um desvio ao princípio da estabilidade da instância, consagrado no art. 260.º do CPC. Assim, da leitura do dispositivo em apreço pode extrair-se que não é qualquer ampliação de pedido que pode ser aceite pelo julgador.
6. Desde logo, a ampliação do pedido terá de ser deduzida “até ao encerramento da discussão em 1ª instância".
7. Em segundo lugar, o autor pode deduzir a ampliação do pedido "se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.
8. Nos presentes autos, nem a Recorrente procedeu à alteração do pedido no momento processual adequado, a saber, até ao encerramento da discussão em 1.ª instâncias, nem a ampliação agora requerida consubstancia um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
9. O Tribunal a quo apenas tem que considerar provados e não provados os factos com relevo para a decisão carreados para os autos. Não tem que se pronunciar sobre factos totalmente alheios à boa decisão da causa.
10. A factualidade que a Recorrente pretende que seja considerada provada, extravasa, largamente, o objeto, quer do processo administrativo, quer do presente processo arbitral.
11. Recorde-se que o objeto do Processo sub judice se encontra perfeitamente delimitado: declarações produzidas e divulgadas pela Recorrente, numa Nota à Comunicação Social no sítio da internet explorado pela mesma, sob o título "FALSEAR O CAMPEONATO" que afetam a credibilidade e bom funcionamento da competição desportiva, assim como ofendem a honra e reputação dos elementos da equipa de arbitragem visados.
12. Ora, os factos que a Recorrente entende que deveriam ter sido considerados provados são, na verdade, factos irrelevantes para os presentes autos.
13. Ainda, refira-se que a motivação da matéria de facto dada como provada está claramente elencada no acórdão recorrido.
14. Concretamente a factualidade dada como provada, que a Recorrente alega ser conclusiva, consubstancia um "chavão" da praxis que, em bom rigor, não necessitava de aí constar para que a imputação a título subjetivo se verificasse.
15. Mesmo que haja passagens desta matéria dada como provada que se possa considerar conclusiva - o que se admite por dever de patrocínio sempre se dirá que mesmo com o expurgo desses segmentos a decisão não se considerará prejudicada.
16. A Recorrente tem, designadamente, o dever de "manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.º, n.os 1 e 2, do RDLPFP18); "usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes), sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP); de "zelar por que dirigentes, técnicos, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i)" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RC da LPFP); de "incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de (...) intolerância nas competições" (Regulamento de Prevenção da Violência da Liga Portugal); e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes." (artigo 51.º, n.º 1 do Regulamento de Competições da LPFP).
17. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
18. Com efeito, para que a Recorrente seja condenada pela prática dos ilícitos disciplinares previsto no artigo 112.º, do RD da LPFP, é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pelas normas disciplinares: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
19. Como muito bem entendeu o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.
20. Em suma, o Acórdão andou bem ao não analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal, mas sim da perspetiva do direito disciplinar.
21. O valor protegido pelos ilícitos disciplinares em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
22. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (artigos 112.º do RD da LPFP) são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
23. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
24. A Recorrente sabia ser o conteúdo das declarações proferidas e produzidas adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
25. Com efeito como bem entendeu o Tribunal a quo, as declarações em crise não se limitam a remeter para erros das equipas de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de beneficiar outro competidor.
26. Para além de imputar a tais agentes de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.
27. Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica da Recorrente à atuação dos árbitros, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usou esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.
28. Não se nega que expressões como a usada pela Recorrente são corriqueiramente usadas no meio do desporto em geral e do futebol em particular. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de agentes de arbitragem, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que eventuais erros dos árbitros são intencionais. Deste modo, vão muito para além da crítica ao desempenho profissional do agente.
29. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a proteção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação;
30. Não se verifica qualquer inconstitucionalidade na interpretação do artigo 112.º do RD da LPFP, por violação dos artigos 37.º e 38.º da CRP, referindo-se desde já, que a referida norma foi aprovada em Assembleia geral da LPFP, onde esteve presente a Recorrente, que em concreto aprovou a referida norma, sendo que, nos encontramos no campo da autorregulação, com que a Recorrente se conformou;
31. Com efeito, a Recorrida não entende - ao contrário do que habilmente pretende a Recorrente fazer crer - que as SAD's e os agentes desportivos não podem exercer a crítica no âmbito do exercício do direito à liberdade de expressão. O que a Recorrida entende - e devidamente respaldada em variada doutrina e jurisprudência - é que tal exercício da liberdade de expressão não é ilimitado, não podendo comprimir desproporcionalmente o direito ao bom nome e reputação - artigo 26.º da CRP - pelas declarações proferidas.
32. O artigo 10.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem dispõe que o exercício da liberdade de expressão implica deveres e responsabilidades com restrições desenhadas, entre outras, pela proteção da honra e dos direitos de outrem.
33. Assim, na ponderação dos interesses em conflito - direito à liberdade de expressão e crítica da Recorrente e direito ao bom nome e consideração social do Conselho de Arbitragem da Recorrida e seus membros e dos árbitros visados - as declarações em causa, o seu conteúdo, não representam um meio razoavelmente proporcionado à prossecução da finalidade visada tendo em conta o interesse da Recorrente em assegurar a liberdade de expressão, porquanto facilmente se extrai que a Recorrente produziu e difundiu as declarações em crise, querendo dizer e dizendo que os árbitros visados, no exercício das suas funções, atuaram no sentido de prosseguir interesses particulares, próprios ou de terceiros e não com a isenção, seriedade e honestidade a que estão adstritos, tendo em conta as funções que desempenham.
34. Recorrente sabia ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros visados, a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
35. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
36. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos "atores" desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.
37. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira – limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
38. Face ao exposto, deve o Recurso da Recorrente ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo, designadamente por correta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 112.º, do Regulamento Disciplinar da LPFP.”
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, o D.º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer que antecede, no sentido de ser dado provimento ao recurso e revogado acórdão do TAD.

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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA):
A questão suscitada pela Recorrente prende-se com saber se o TAD incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e se, ao contrário do decidido, a Recorrente, na Nota à Comunicação Social, sob o titulo «FALSEAR O CAMPEONATO», publicada em site da Internet por si explorado, agiu dentro dos limites da liberdade de expressão e se a interpretação efetuada dos n.ºs 1 e 4 do artigo 112.° do RDLPFP se afigura desconforme à CRP e à CEDH.
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III. 1 - Factos (dados como provados na decisão recorrida):
“a) Na época 2019/2020 a Demandante S….. – Futebol, SAD disputa a Liga NOS, organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional;
b) No dia 11.01.2020, a Demandante produziu e publicou, numa Nota à Comunicação Social, sob o titulo «FALSEAR O CAMPEONATO», NO SITIO DA Internet por si explorado, sob o link ….., as seguintes afirmações:
«É altura de dizer de forma clara eu mais uma vez, contrariando a verdade desportiva, só devido a sucessivos erros de arbitragem o F….. consegue estar na luta pelo título com a pontuação que actualmente tem.
Na época passada nas contas finais foram mais dez pontos, enquanto todos os outros clubes entre eventuais ganhos e perdas no final ficaram naturalmente com saldos equilibrados.
Apenas e sempre só um clube é sistematicamente beneficiado. Um clube que tem uma prática constante de ameaças e coacção sobre equipas de arbitragem, invade centros de treino, diariamente através do seu presidente e dirigentes insinua e ataca tudo de nós, inclusive treinadores e jogadores de equipas adversárias, e que beneficia da total omissão da disciplina desportiva em flagrante contraste com o que acontece com todos os outros Clubes. Estando o campeonato a entrar na sua fase decisiva, o que se passou nestas últimas duas jornadas começa a ultrapassar todos os limites. Em Alvalade foi perdoada uma expulsão a A….. inexplicáveis. E ontem ultrapassou-me tudo, mas tudo com vários lances sempre ajuizados a favor do mesmo clube como no golo totalmente limpo, e que não merece qualquer tipo de dúvida, anulado ao M….. que daria o 2-0, a validação do terceiro golo do F….. claramente precedido de falta de ….. e o pênalti indiscutível que ficou por assinalar a favor do M….. por falta de F…...
Num Campeonato onde, só nesta primeira volta, o F….. também beneficiou de erros frente a vitória de G….., P….., S….. e R….., como é reconhecido pela generalidade dos analistas independentes. E a que acresce o golo mal validado no jogo para a Taça de Portugal também com o S….., em que só o árbitro e o VAR não viram a falta nítida que aconteceu o golo.
Tantos erros assim como têm acontecido nestas duas últimas épocas só mesmo nos tempos do Apito Dourado!
Factos são factos (por isso publicamos no nosso Site esses lances para todos poderem avaliar) e todas as tentativas grotescas, ridículas e artificiais com que procuram levantar suspeitas sobre lances perfeitamente limpos, como o penálti ontem cometido sobre Vinícius, mais não é do que a tradicional estratégia de desviar as atenções e esconder os sucessivos erros que os têm ajudado. Expulsões prematuras inventadas a adversários, sucessivas expulsões perdoadas aos seus jogadores, golos limpos contra invalidados, decisões absurdas que nem o VAR consegue escrutinar, de tudo têm beneficiado. Foi a época passada com mais 10 pontos, neste já vão com pelo menos mais sete.
São erros e erros de análise a mais sempre a favor do mesmo e sempre pelas mesmas equipas de arbitragem, e não se pode invocar sequer a inexperiência. Em nome do prestígio das competições a verdade desportiva exige mais!»
c) Nas citadas afirmações, a par de alusões à actuação das equipas de arbitragem, a arguida S….. - Futebol, SAD fez referência a jogos concretos, disputados na Liga NOS na época desportiva em curso, o que permitiu identificar os seguintes elementos de equipas de arbitragem;
d) C….. (árbitro principal), J….. (árbitro assistente n° 1), M….. (árbitro assistente n° 2), D….. (4o árbitro) e A….. (VAR), que arbitraram o jogo oficialmente identificado sob o n° ….., realizado no Estádio do Dragão, no dia 01.09.2019, relativo à 4a jornada da Liga NOS, entre a F….. - Futebol, SAD e a V….. - Futebol, SAD;
e) R….. (árbitro principal), T….. (árbitro assistente n° 1), J….. (árbitro assistente n° 2), G….. (4o árbitro) e V….. (VAR), que arbitraram o jogo oficialmente identificado sob o n° ….., realizado no Portimão Estádio, no dia 15.09.2019, relativo à 5a jornada da Liga NOS, entre a P….., SAD e a F….. - Futebol, SAD;
f) L….. (árbitro principal), R….. 8árbitro assistente n° 1), V….. (árbitro assistente n° 2), H….. (4a árbitro) e R….. (VAR), que arbitraram o jogo oficialmente identificado sob o n° ….., realizado no Estádio do Dragão, no dia 22.09.2019, relativo à 6a jornada da Liga NOS, entre a F….. - Futebol, SAD e a S….. - Futebol, SAD;
g) N….. (árbitro principal, A….. (árbitro assistente n° 1), P….. (árbitro assistente n° 2), J….. (4o árbitro) e J….. (VAR), que arbitragem o jogo oficialmente identificado sob o n° ….., realizado no Estádio do Rio Ave FC, no dia 29.09.2019, relativo à 7a jornada da Liga NOS, entre a R….. - Futebol, SDUQ. Lda. e a F….. - Futebol, SAD;
h) J….. (árbitro principal), N….. (árbitro assistente n° 1), S….. (árbitro assistente n° 2) V….. (4o árbitro) e C….. (VAR) , que arbitraram o jogo oficialmente identificado sob o n° ….., realizado no Estádio José Alvalade, no dia 05.01.2020, relativo à 15a jornada da Liga NOS, entre a S….. - Futebol, SAD e a F….. - Futebol, SAD;
i) A….. (árbitro principal), R….. (árbitro assistente n° 1), P….. (árbitro assistente n° 2), J….. (4º árbitro) e V….. (VAR), que arbitraram o jogo oficialmente identificado sob o n° ….., realizado no Estádio Com Joaquim de Almeida Freitas, no dia 10.01.2020, relativo à 16ª jornada da Liga NOS, entre a M….. - Futebol, SAD e a F….. - Futebol, SAD.
j) Tais afirmações foram difundidas para o público em geral, através da imprensa escrita desportiva, designadamente nas edições diárias dos jornais O jogo, Record e A Bola, datadas de 12.01.2020.
k) A Arguida S….. - Futebol, SAD agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as afirmações divulgadas pelos sítios da Internet por si explorados, ao atingirem o núcleo essencial da função da arbitragem, bem como a idoneidade e seriedade dos árbitros referidos, associando o processo judicial 2 Apito Dourado" (que incluiu investigações a alegados casos de corrupção e tráfico de influências no futebol profissional português) às actuações das referidas equipas de arbitragem que acusa de sistemática e exclusivamente beneficiarem a F….. - Futebol, SAD, eram proibidas e punidas pelos regulamentos desportivos, dessa feita afectando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva em que se encontrava envolvida, facto que consubstancia comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, o qual não se absteve, porém, de concretizar (convicção fundada nas regras de experiência e segundo juízos de normalidade e razoabilidade).
I) A arguida S….. - Futebol, SAD, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares, tendo sido sancionada dentro das três épocas desportivas anteriores, mediante decisões disciplinares já transitadas em julgado, pelo ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 112º do RDLPFP.
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III. 2 - Fundamentação da decisão de facto (carreada para a decisão recorrida):
Nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 94.° do CPTA, aplicável ex vi artigo 61.° da LTAD, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo segundo a convicção que forme sobre cada facto em discussão(1).
No caso, o Tribunal procurou fazer a destrinça entre as questões de facto e aquelas que, em rigor, se reconduzem a matéria de direito, muito embora as duas se possam por vezes cruzar, como ressalta inclusivamente do julgamento feito pela entidade aqui Demandada quanto à factualidade dada como assente na sua decisão.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto considerada provada assentou, assim, na análise crítica dos documentos constantes dos autos, designadamente no processo disciplinar junto com a Contestação da Demandada e todos os trazidos pela Demandante, conjugadamente com a prova testemunhal produzida em audiência.
Concretizando, e em especial:
1.Para a prova dos factos das alíneas a) e c) relevaram os documentos constantes de fls. 98 e ss do processo administrativo, não tendo a Demandante negado ou posto em causa as expressões que lhe são imputadas;
2. Para a prova do facto constante da alínea b) relevaram os documentos constantes de fls. 6 a 9 do processo administrativo, não tendo a Demandante negado ou posto em causa os mesmos;
3. A factualidade retratada na alínea d), resulta provada dos documentos junto a fls. 110 e ss do processo administrativo e da própria posição assumida na contestação;
4. O facto provado e) resultou dos documentos constantes de fls. 122 e ss do processo administrativo e da própria posição assumida na contestação;
5. O facto provado em f) resultou dos documentos constantes de fls 134 e ss do processo administrativo e da própria posição assumida na contestação;
6. O facto provado em g) resultou dos documentos constantes de fls. 146 e ss do processo administrativo e da própria posição assumida na contestação;
7. O facto provado em h) resultou dos documentos constantes de fls 155 e ss do processo administrativo e da própria posição assumida na contestação;
8. O facto provado em i) resultou dos documentos constantes de fls. 1 a 3 do processo administrativo e da própria posição assumida na contestação;
9. O facto provado em j) resultou dos documentos constantes de fls. 1 a 9 do processo administrativo e da própria posição ao longo dos autos.
10. O facto provado em k) resultou dos documentos constantes de fls. 39 a 64 do processo administrativo e da própria posição ao longo dos autos.
11. O facto provado em I) resultou dos documentos constantes de fls. 39 a 97 do processo administrativo.
Foi assim seriada toda a documentação que se entendeu ser útil e necessária à decisão sendo que dos restantes documentos e depoimentos não resultou outra matéria provada com interesse para a boa decisão da causa.”
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IV. Direito
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas alegações, importa conhecer da pretensão recursiva formulada e que se prende com saber se, ao contrário do decidido pelo TAD, a Recorrente, na Nota à Comunicação Social, sob o titulo «FALSEAR O CAMPEONATO», publicada em site da Internet por si explorado, agiu dentro dos limites da liberdade de expressão e se a interpretação efetuada dos n.ºs 1 e 4 do artigo 112.° do RDLPFP se afigura desconforme à CRP e à CEDH.
Porque do que aqui se trata é de uma alegada violação do disposto no artº 112º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 22 de junho de 2019) e da pretensa medida em que a interpretação feita desse mesmo artigo, pelo TAD, seria atentatória da liberdade de expressão da Recorrente.
O artigo 112°, aqui em causa, sob a epígrafe “Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros” diz o seguinte:
«1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga Portugal ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.
2. [...]
3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.
4. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, directamente ou por interposta pessoa».

Na decisão ora aposta em crise, no que releva, disse-se, designadamente, o seguinte:
“(…) O texto publicado no jornal electrónico da Recorrida, como vimos, não se limitou a apontar erros de apreciação, ou de arbitragem, na medida em que acusou os árbitros de terem atuado com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso.
(…) a Demandante, ao criticar as decisões dos árbitros nos termos supra referidos, imputando aos árbitros actos ilegais, está-se a atingir os árbitros em termos pessoais, dirigindo-lhes imputações desonrosas na forma como arbitraram as partidas em questão, significativas de que as respectivas atuações não se realizaram de acordo com critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, colocando-se deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação.
Tais imputações "atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa."
Em suma, os escritos publicados ultrapassaram uma mera crítica às decisões da justiça desportiva e não podem deixar de ser interpretadas com o alcance de ter havido uma intenção dos árbitros, mediante erros, beneficiarem outros competidores desportivos (…)”
Ora:
No caso em apreço deparámos com o já habitual conflito entre a liberdade de expressão e os direitos pessoais ao bom nome e à reputação.
A liberdade de expressão e de informação encontra-se consagrada na Constituição da República Portuguesa que prevê, no seu artigo 37°, n.° 1 que "[t]odos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar e de ser informado, sem impedimentos, nem discriminações”.
O exercício deste direito está, no entanto, limitado pela proteção de outros relevantes direitos pessoais, nomeadamente o direito ao bom nome e reputação, previsto também ele na Constituição da República Portuguesa, especificamente no seu artigo 26°, n.° 1 onde se diz que “[a] todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.".
Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (“CEDH”) estatui nesta matéria, em moldes semelhantes, determinando, no seu artigo 10°, n.°1 que “[q]ualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras”.
A existência de limites aplicáveis ao exercício deste direito é também aqui reconhecida, estatuindo-se no n.° 2 do citado artigo: “[o] exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”.

Sobre este conflito já se tem pronunciado o STA. Por exemplo, veja-se o acórdão de 26.02.2019, proferido no proc. nº 66/18.7BCLSB, onde se sumariou o seguinte.

I – Os escritos em questão criticam a “jornada” no que se refere aos jogos neles aludidos, dirigindo expressões injuriosas e difamatórias aos árbitros que neles tiveram intervenção, expressões estas que excedem os limites do que deve ser a liberdade de expressão, conforme previsto no art. 37º, nºs 1 e 2 da CRP, pondo em causa o direito ao bom nome dos árbitros envolvidos.

II - Atingindo tais imputações não só os árbitros envolvidos, como assumindo potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, é o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa (nº 1 do art. 112º, 17º e 19º do RDLPFP).

III – De acordo com o nº 3 do art. 112º do RDLPFP, o clube é responsável pelos tweets publicados na sua conta Twitter oficial, na qual os mesmos foram divulgados, sendo certo que este sítio na Internet é explorado pela Recorrida, directamente ou pela empresa gestora de conteúdos. Isto é, ao publicar os tweets na referida página da Internet, procedeu a Recorrida à sua divulgação, já que a eles podiam ter (e tiveram) acesso um determinado grupo de pessoas, no caso jornalistas a quem o site era destinado”.

Da mesma forma, no acórdão datado de 4.06.2020, proferido no proc. 154/19.2BCLSB, concluiu-se:

I – Preenche o tipo de infração disciplinar previsto e punido nos artigos 19.º e 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP) a publicação de um artigo, na imprensa privada de um clube de futebol, onde se afirma que os árbitros atuaram com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso.

II – Aquelas normas não restringem desproporcionalmente a liberdade de expressão e de informação garantidas pelo artigo 37.º da CRP, que neste caso cedem para assegurar a salvaguarda de outros direitos e valores constitucionais, nomeadamente os direitos de personalidade inerentes à honra e à reputação dos árbitros (artigo 26º/1 da CRP), e a prevenção da violência no desporto (artigo 79.º/2 da CRP)”.

Mais recentemente, no acórdão datado de 2.07.2020, proferido no proc. n.º 139/19.9BCLSB, sumariou-se o seguinte:

I – Preenche a infracção disciplinar prevista e punida pelos artºs. 19.º e 112.º do RDLPFP a publicação de um artigo na “newsletter” de um clube desportivo onde se imputa ao VAR uma actuação deliberada de erro com o objectivo de favorecer um clube em detrimento de outro, colocando em causa a sua idoneidade para o exercício das funções que desempenha.

II – Os citados preceitos do RDLPFP não podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervêm nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Aliás, já o acórdão datado de 21.05.2020, proferido no proc. nº 156/19.9BCLSB, tirado em sede de apreciação preliminar no recurso de revista, referia que “[é] de admitir a revista do acórdão do TCA – confirmativo da pronúncia do TAD, que anulara a pena aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF a uma entidade desportiva por causa da emissão de um texto capaz de descredibilizar as competições futebolísticas e de ferir a honra e a consideração do visado – se o TCA recusou a aplicação do ilícito-típico disciplinar com base na ideia de «liberdade de expressão» e assim aparentemente se apartou da jurisprudência que o Supremo já emitiu na matéria.

Neste caso, considerando a factualidade apurada, a legislação acima e a interpretação que da mesma vem sendo feita pelos nossos tribunais superiores, temos que o exercício do direito da Recorrente à crítica e à indignação colidiu com os direitos da Recorrida e dos Conselhos de Disciplina e Arbitragem, visados com as expressões escritas e publicamente divulgadas, ao bom nome e reputação. Os escritos publicados ultrapassaram uma mera crítica às decisões da justiça desportiva e não podem deixar de ser interpretadas com o alcance de ter havido uma intenção dos árbitros e dos Conselhos de Disciplina e Arbitragem, mediante erros, beneficiarem outros competidores desportivos.

É certo que o direito à crítica constitui uma afirmação concreta do valor da liberdade de pensamento e expressão que assiste ao indivíduo, consagrado no artigo 37.°, n.° 1, da CRP; mas esse direito não é ilimitado. Esse direito deve respeitar outros direitos ou valores igualmente dignos de proteção legal e constitucional.

Como o acórdão do STA de 4.06.2020 citado, em situação factual em tudo semelhante à presente, afirmou:

Este Tribunal não tem dúvidas de que o texto publicado na edição n.º ….. do jornal eletrónico "……" é lesivo da reputação dos árbitros que arbitraram as partidas da primeira volta da Liga Portugal que nele são objeto de análise, nomeadamente quando nele se lança a suspeição de que os apontados erros de arbitragem prejudiciais à Recorrida foram cometidos com a intenção de beneficiar o seu clube rival.

Ao insinuar que esses erros ocorreram sempre «em momentos decisivos de jogos», ou que «houve quem não visse o que toda a gente viu», mas sobretudo, ao afirmar que os erros apontados não foram alheios ao «clima de pressão, ameaças e coação dirigidos a diferentes agentes desportivos», e que os mesmos consubstanciaram uma «dualidade de critérios e proteção absurda a um clube», o texto publicado naquela newsletter não se limitou a enunciar factos objetivos, ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo, atentando diretamente contra o bom nome e reputação dos árbitros envolvidos.

O texto não se limitou, pois, a apontar «erros de apreciação» aos árbitros, na medida em que afirma que os mesmos atuaram com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. Na verdade, ao afirmar que os árbitros não arbitraram aquelas partidas de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que estão adstritos, o texto insinua que os mesmos foram corrompidos pelo clube rival, colocando assim deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação.

Este Tribunal já se pronunciou no mesmo sentido que aqui é defendido, no seu Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, proferido no Processo n.º 066/18.7BCLSB, onde, numa situação análoga à dos autos, se afirmou, além do mais, que tais imputações «atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa”.

E mais adiante:

“(…) O acórdão recorrido, na linha do que decidiu o Tribunal Arbitral do Desporto, assentou a sua conclusão na liberdade de expressão e de informação garantida pelo artigo 37.º da Constituição, afirmando que «considerar juridicamente difamatório o comportamento de alguém que imputa a outrem o cometimento de erros de apreciação, seja em que domínio for, no caso dos autos, erros de arbitragem, equivale a proibir as pessoas de falar, constranger as pessoas no sentido de se guardarem de expressar o seu pensamento e se autocensurarem».

O texto publicado no jornal eletrónico da Recorrida, como vimos, não se limitou a apontar erros de apreciação, ou de arbitragem, na medida em que acusou os árbitros de terem atuado com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. E como se afirmou a propósito do abuso de liberdade de imprensa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de dezembro de 2002, proferido na Revista n.º 3553/02, da 7.ª Secção, «o simples facto de se atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado, é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade moral».

Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do artigo 26º da Constituição.

O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e à reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. artigo 112.º/4 do RDLPFP.

Acresce ainda, na linha do que se decidiu no Acórdão desta Secção, de 26 de fevereiro de 2019, atrás citado, que o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º da CRP. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido neste autos, sobre «(...) até que ponto se pode disciplinarmente reagir – com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro – contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

No caso vertente, a situação é semelhante à que foi objeto de escrutínio no acórdão supra.
Aqui, tal como ali, o texto publicado não se limitou a enunciar factos objetivos, ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo, atentando diretamente contra o bom nome e reputação das equipas de arbitragem envolvidas, tanto mais que a referência a jogos concretos, disputados na Liga NOS, na época desportiva em curso, permite claramente identificar os elementos dessas equipas de arbitragem, conotando-os com tais conclusões depreciativas dos mesmos.
Mais:
No caso vertente, as alusões feitas aos supostos erros de arbitragem, são devidamente “emolduradas” pela referência explicita, pelo paralelo, com os “tempos do apito dourado”.
Note-se que na sobredita publicação foi dito, em concreto, que “[t]antos erros assim como têm acontecido nestas duas últimas épocas só mesmo nos tempos do Apito Dourado!”
De seguida, são formuladas conclusões, dizendo-se que “[e]xpulsões prematuras inventadas a adversários, sucessivas expulsões perdoadas aos seus jogadores, golos limpos contra invalidados, decisões absurdas que nem o VAR consegue escrutinar, de tudo têm beneficiado. Foi a época passada com mais 10 pontos, neste já vão com pelo menos mais sete.
São erros e erros de análise a mais sempre a favor do mesmo e sempre pelas mesmas equipas de arbitragem, e não se pode invocar sequer a inexperiência. Em nome do prestígio das competições a verdade desportiva exige mais!”
Como já se enunciou acima, ao contrário do que pretende sugerir a Recorrente, são feitas alusões à atuação das equipas de arbitragem, com referência a jogos concretos, disputados na Liga NOS, na época desportiva em curso, o que permite identificar os elementos dessas equipas de arbitragem que nos mesmos intervieram, conotando-os com tais conclusões depreciativas dos mesmos.
É que o caso (o escândalo) do “apito dourado”, enquanto algo conotado indelevelmente com o fenómeno da corrupção desportiva, é algo ainda bem presente na mente dos portugueses. A forma como abalou a confiança nas instituições desportivas e dirigentes, foi avassaladora.
A alusão aos “tempos do apito dourado” e ao F….. são suscetíveis de induzir no leitor, mesmo no menos atento adepto futebolístico, a ideia de que, uma vez mais, as equipas de arbitragem e as instâncias dirigentes estarão a ser cúmplices de um fenómeno perverso de corrupção que beneficia apenas um e só um clube.
O texto não se limitou, pois, a apontar «erros de apreciação» aos árbitros, na medida em que afirma que os mesmos atuaram com a intenção deliberada de errar e de favorecer a equipa adversária, imputando-lhes um comportamento ilícito e, por isso mesmo, desonroso. Efetivamente, ao afirmar que os árbitros não arbitraram aquelas partidas de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que estão adstritos, o texto insinua que os mesmos foram, por alguma forma, corrompidos pelo clube rival, colocando assim deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação.
Conforme se entendeu no acórdão do STA, datado de 26 de fevereiro de 2019, proferido no Processo n.º 066/18.7BCLSB, numa situação análoga à dos autos, tais imputações “atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa”.
Conclui-se, pois, não merecer censura o acórdão recorrido, nesta parte.

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Em relação ao alegado erro de julgamento da matéria de facto:
A Arguida, agora, em sede de recurso, alega, no ponto 3 das respetivas conclusões, que dos elementos probatórios referidos em sede de Alegações, resultariam provados alguns factos que se prenderiam, designadamente, com alegada pressão que o F….. - Futebol, SAD (F….. SAD) e elementos ligados à claque desportiva “S…..” viriam exercendo sobre os árbitros e que estaria na génese de um suposto ambiente externo que condicionaria e constrangeria os árbitros no exercício das suas funções.
No entanto, tal como contrapõe a Recorrida, em sede de contra-alegações, estes alegados “factos” são alheios (e, consequentemente, irrelevantes, mais a mais atendendo ao que se disse acima e se reforçará infra) ao processo ora sob escrutínio e que se prende unicamente com declarações publicadas, no dia 11.01.2020, em nota à Comunicação Social, sob o titulo «FALSEAR O CAMPEONATO», no sitio da Internet por si explorado, sob o link …...
Se bem que aí é dito que se trata de “(…) clube que tem uma prática constante de ameaças e coacção sobre equipas de arbitragem, invade centros de treino, diariamente através do seu presidente e dirigentes insinua e ataca tudo de nós, inclusive treinadores e jogadores de equipas adversárias, e que beneficia da total omissão da disciplina desportiva em flagrante contraste com o que acontece com todos os outros Clubes (…)”, estas são as únicas afirmações, no dito texto, que de alguma forma tem algum ponto de contato com os argumentos esgrimidos no dito ponto 3 das conclusões de recurso.
Mas, uma vez mais, não são essas alusões, por sí só, que são suscetíveis de mais flagrantemente violar o disposto no sobredito artº 112° do RDLPFP.
Essas, em singelo, devidamente contextualizadas, poderão caber, efetivamente, dentro da reclamada liberdade de expressão que tanto tem sido defendida pelo TEDH e até por acórdãos deste TCA – Sul, onde a linha jurisprudencial de salvaguarda desses direitos tem sido ressalvada.
No entanto, neste caso, como se disse acima, o busílis da questão reside, designadamente, no facto de que todas as alusões feitas a erros de arbitragem, na publicação aqui em causa, são devidamente “emolduradas” pela referência explicita, pelo paralelo, com os “tempos do apito dourado”, com tudo quanto o caso (o escândalo) do “apito dourado” implica ao nível do fenómeno da corrupção desportiva e na forma como abalou a confiança nas instituições desportivas e dirigentes.
Claramente, tratar-se-ão de imputações que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal.
Afigura-se, pois, premente sancionar estes comportamentos tendencialmente injuriosos, difamatórios ou grosseiros, desde logo para lograr, também, a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva.
Inexiste, pois, também, o imputado erro de julgamento da matéria de facto.
Pelo acima exposto, cumpre negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão proferida.
*
*
V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão proferida.
Custas pela Recorrente.
***
Lisboa, 10 de Dezembro de 2020


______________________________
Ricardo Ferreira Leite*
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*O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º -A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão o Ex.º Sr. Juiz-Desembargador Dr. Pedro Marchão Marques e voto de vencido da Dr.ª Sofia David (em substituição da Dr.ª Ana Celeste Carvalho), nos termos infra.

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(1) Ressalvados os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial e aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. (nota de rodapé por nós renumerada).


DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto vencido pois daria procedência ao recurso. Está em causa uma situação idêntica à decidida no Ac. n.º 63/20.2BCLSB, de 01/10/2020, pelo que remeto para a fundamentação adotada nesse Acórdão. Também daria por não lido o facto K), pois aí não vem indicado um facto, mas aduz-se uma conclusão ou um juízo conclusivo.