Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2197/15.6 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMI. CASO DECIDIDO. DELIMITAÇÃO.
Sumário:Os vícios relativos à falta de fundamentação da avaliação dos vpt e à ilegalidade do regime jurídico aplicado na avaliação não estão abrangidos pela necessidade de impugnação graciosa e contenciosa dos actos avaliativos. Os mesmos podem ser invocados na impugnação da liquidação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
I...................... – Fundo ……………., representado por GEF – ……………….., S.A., deduziu impugnação judicial, na sequência da decisão que indeferiu o recurso hierárquico por si interposto da decisão que desatendeu a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IMI n.º ……….., relativa ao ano de 2012, no valor de €149.976, e que deu origem aos documentos de cobrança n.ºs ………………., …………… e ……………... O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença proferida a fls.557 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 22 de Novembro de 2019, julgou a impugnação improcedente.
O Impugnante interpôs recurso contra a sentença. Nas alegações de fls.576 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), formula as conclusões seguintes:
«A. A Sentença recorrida deverá ser objecto de revogação em virtude de um manifesto erro de julgamento;
B. Com efeito, no âmbito da impugnação judicial, o Recorrente imputou diversos vícios à liquidação, indicando como questões a decidir:
i. A falta de fundamentação da liquidação, porquanto, em nenhum momento, lhe foram dadas a conhecer as razões de facto e de Direito pelo qual foi fixado o coeficiente de localização utilizado para determinação do VPT dos prédios, pelo que a notificação, aquando da liquidação de IMI impugnada nos autos, da motivação de facto e de Direito por que o coeficiente de localização e, consequentemente, o VPT, foi fixado naquele concreto valor, seria indispensável naquele momento (i.e. notificação da liquidação);
ii. A ilegalidade do regime de avaliação, em virtude da publicação dos coeficientes de localização em local diverso do Diário da República e por acto legislativo que não o adequado, resultando na violação dos princípios constitucionais de legalidade, tipicidade e da reserva de Lei formal; e, subsidiariamente,
iii. O excesso da matéria colectável apurada tendo em conta o estado dos terrenos em questão e o valor de aquisição dos mesmos, manifestamente inferior ao VPT apurado pela Autoridade Tributária.
C. Estas causas de pedir encontram-se correctamente delimitadas pela Douta Sentença recorrida, quando, no ponto I - Relatório - menciona que o ora Recorrente "defende, em síntese, que se verifica:
- A falta de fundamentação da liquidação, pela absoluta ausência de justificação do coeficiente de localização de 1,1 aplicado;
-A ilegalidade do regime de avaliação porquanto os coeficientes concretamente utilizados não estão fixados na lei, mas apenas em portaria, pelo que a definição do valor patrimonial tributário mediante parâmetros e coeficientes determinados e publicados de outra forma que não a legalmente prevista - em Diário da República e sob a forma de Lei em sentido formal e material - viola os princípios e normas legais e constitucionais;
- O excesso do valor patrimonial tributário para efeitos da liquidação em crise”.
D. Tendo o seu alcance sido claramente percebido pelo Tribunal a quo, ao referir que "Nos artigos 44.º a 72.º da Petição Inicial, a Impugnante questiona, em suma a utilização do coeficiente de localização de 1,1 nas notificações dos actos de avaliação, por, na sua tese, não constar delas qualquer indicação das razões por que foi fixado esse coeficiente e não outro.
Nos artigos 73º a 92º da petição inicial, a Impugnante, em resumo, suscita a questão da legalidade (e inconstitucionalidade) do regime de avaliação, pois os coeficientes de localização aplicados em concreto não foram publicados sob a forma legal - em Diário da República e sob a forma de Lei em sentido formal e material.
Dos artigos 93º a 96º da petição inicial extrai-se que a Impugnante considera manifestamente excessivo o valor patrimonial dos prédios em causa face ao real valor de mercado dos mesmos."
E. Sucede que, aquando do julgamento de Direito, a Douta Sentença recorrida limita-se a referir que "todos os vícios apontados pela Impugnante radicam na avaliação efectuada aos prédios por esta adquiridos e não em vícios próprios do acto de liquidação de IMI em si mesmo";
F. Inexistiu, portanto, uma qualquer análise, ainda que mínima, sobre as causas de pedir invocadas pelo Recorrente, decorrente do facto de o Tribunal a quo ter julgado a pretensa inimpugnabilidade do acto de liquidação como uma questão prejudicial ao objecto do litígio;
G. Não obstante, foi já decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão n.º0312/15, de 29 de Março de 2017, que "se o bem foi avaliado e lhe foi atribuído um valor, pode [o Contribuinte] impugnar esse acto de avaliação e impugnar o tributo que venha a ser liquidado com base nessa avaliação." (destaque e sublinhado nossos);
H. Ora, sucede que, conforme resulta claramente identificado do introito da p.i., o Recorrente vem "deduzir impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação de Imposto sobre Imóveis ("IMI"), relativo ao ano de 2012, constante dos documentos de cobrança nos ………………, ……………… e ……………….";
I. Pelo que, desde logo, o motivo de recurso à via judicial fica muito claro: a Impugnação apresentada tem por objecto a ilegalidade da liquidação de IMI de 2012, com fundamento em diversos vícios, a saber: falta de fundamentação da liquidação, a ilegalidade do regime de avaliação e o excesso do valor patrimonial tributário, e não o acto tributário de avaliação do valor patrimonial dos imóveis, ao contrário do que parece pretender sustentar o Tribunal a quo na sua Douta Sentença;
J. Por outro lado, também o Tribunal Central Administrativo, no seu Acórdão nº07753/14, de 29 de Junho de 2017, também já se pronunciou no sentido de que "I. A impugnação dos actos de fixação dos valores patrimoniais depende do prévio esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (nº1 e 7 do art.134º do CPPT) II. Não depende da realização de 2º avaliação de prédio prevista no art.76º, nº1 do CIMI a impugnação do acto de fixação dos valores patrimoniais em sede de 1º avaliação quando O que está em causa é a determinação do regime jurídico aplicável na avaliação do imóvel, ou seja, quando a impugnação se fundamenta na discordância dos pressupostos legais e do regime jurídico em que a realização da avaliação assentou." (destaque e sublinhado nossos);
K. Ora, como indicado na Douta Sentença recorrida, onde se menciona que "[n]os artigos 73º a 92º da petição inicial a Impugnante, em resumo, suscita a questão da legalidade (e inconstitucionalidade) do regime de avaliação, pois os coeficientes de localização aplicados em concreto não foram publicados sob a forma legal - em Diário da República e sob a forma de Lei em sentido formal e material.", a ilegalidade do regime de avaliação é um dos vícios que o Recorrente assaca à liquidação em crise e que não foi objecto de análise;
L. Com efeito, o Recorrente sustenta ainda que não estando demonstrado que a Autoridade Tributária tenha alguma vez notificado o ora Recorrente da fundamentação, legalmente exigível, das razões de facto e de Direito que presidiram à fixação, em concreto, do coeficiente de localização e, consequentemente, do VPT, não pode deixar-se de concluir pela falta de fundamentação da liquidação impugnada, na medida em que a fundamentação externada não permite ao Recorrente saber como foi alcançado o VPT dos prédios que serviu de base à liquidação em crise;
M. Subsidiariamente, sustentou, ainda, o Recorrente que, considerando o estado actual dos terrenos em questão, os quais não lograram obter qualquer valorização desde a data da sua aquisição, é evidente o exagero do VPT considerado para efeitos da liquidação em crise, pelo que deverá a mesma ser considerada ilegal e, em consequência, objecto de anulação;
N. Sucede que, entendeu o Tribunal a quo que o Recorrente apenas poderia ter invocado os vícios que imputa à liquidação, em sede de impugnação do acto de avaliação, e desde que tal impugnação tivesse sido precedida do pedido de segunda avaliação, invocando, para tal, o previsto no artº76º, nº1, e 77º do Código do IMI, bem como com o disposto no artº134º, n.os 1 e 7 do CPPT;
O. A interpretação formulada pela Douta Sentença recorrida no sentido de que, não tendo sido requerida uma 2ª avaliação e não tendo sido impugnado o concreto acto de avaliação, não poderia o Recorrente ter impugnado a liquidação de IMI em crise nos autos nos termos em que o fez, revela um manifesto erro de julgamento, em virtude de uma aplicação errónea do Direito; 
P. Com efeito, não se pretendeu impugnar o acto de avaliação, mas sim a própria liquidação de IMI, pelo que estamos perante vícios imputáveis à própria liquidação de IMI e não ao acto de fixação do VPT subjacente a esta liquidação, sendo que tais vícios poderiam e deveriam ter sido conhecidos pelo Tribunal a quo no âmbito da impugnação judicial;
Q. Face a tudo o exposto, não poderia a Douta sentença recorrida ter decidido pela inimpugnabilidade da liquidação de IMI em crise nos autos em virtude da argumentação aduzida pelo Recorrente; pelo contrário, impunha-se que tivesse analisado tal argumentação;
R. Neste sentido, a Douta Sentença recorrida aplicou erroneamente ao caso sub judice o artº134º do CPPT, conjugado com os artigos 76º, nº1 e 77º do Código do IMI, isto porque a argumentação invocada pelo Recorrente, no sentido da ilegalidade do regime de avaliação dos prédios, poderia ter sido aduzida em sede de impugnação do próprio acto de liquidação, e não apenas em sede de impugnação do acto de avaliação precedida do pedido de segunda avaliação dos prédios como sustenta a Sentença recorrida;
S. Ao decidir da forma que o fez, a Douta Sentença recorrida violou ainda o disposto no art.º 97º, nº1, alínea a) e art.º 99º do CPPT, artigos 9º e 95º da LGT, bem como o art.º 77º também da LGT;
T. Considerando a factualidade que importa apurar e atendendo a que a Douta Sentença recorrida incorre em erro de julgamento quando determina que a liquidação em crise não poderia ser impugnada com base ilegalidade do regime de avaliação dos prédios, impõe-se por isso a anulação da mesma e a baixa do processo ao Tribunal a quo para averiguação da factualidade referida e outra que se entenda conveniente, essencial para a apreciação e decisão da questão da fundamentação e legalidade do acto de liquidação de IMI em crise nos autos, nos termos do art.º 682º, nº 3 do CPC;
U. Neste contexto e considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional - uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto - torna-se essencial que o tribunal a quo amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa. Sem prejuízo, caso este Douto Tribunal ad quem entenda que dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional, então, face a tudo o exposto, sempre haverá que concluir pela falta de fundamentação legalmente exigível da liquidação de IMI impugnada nos autos, nos termos do art.º 77º da LGT, revogando-se a Sentença recorrida, e em substituição, julgando-se procedente a impugnação judicial.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, sempre com o Vosso Mui Douto Suprimento, Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências, designadamente, revogando-se a Douta Sentença recorrida por erro de julgamento, em virtude de ter aplicado erroneamente ao caso sub judice o artº134º do CPPT, conjugado com os artigos 76º, nº1 e 77º do Código do IMI, e por violação do disposto no art.º 97º, n.º 1, alínea a) e art.º 99º do CPPT, artigos 9º e 95º da LGT, bem como o art.º 77º também da LGT, com todas as legais consequências».
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A Recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou.
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O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão proferido a fls.675 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datado de 12 de Maio de 2021, julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando competente para esse efeito este Tribunal Central Administrativo, ao qual o processo foi remetido.
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Aqui chegados os autos foram com vista ao Digno Procurador-Geral Adjunto que emitiu douto parecer onde acompanha na integra a posição expressa pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, na qual se entendeu que a “sentença recorrida deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente”.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Impugnante é um Fundo ………………… Fechado que desenvolve projectos de urbanização e construção de imóveis destinados a logística, comércio, habitação e serviços para sua posterior venda e arrendamento – facto não controvertido;
2. Por escritura pública de compra e venda celebrada em 8 de Agosto de 2006, a Impugnante adquiriu, pelo valor de € 21.171.386,00, ………. lotes de terreno, sitos no lugar de T……….., Freguesia de ……, Concelho ………… – cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial;
3. A Impugnante apresentou as declarações modelo 1 de IMI relativas aos prédios urbanos referidos no ponto anterior – facto que se extrai da informação elaborada na reclamação graciosa a fls. 535 do processo administrativo apenso aos autos;
4. Os terrenos em causa nos autos foram objecto de avaliação em 2012 – facto que se extrai da informação elaborada na reclamação graciosa a fls. 535 do processo administrativo apenso aos autos, cfr. igualmente o artigo 55.º da petição inicial;
5. A Impugnante não requereu segunda avaliação dos valores patrimoniais tributários fixados para os imóveis em causa – facto que se extrai da informação elaborada na decisão de indeferimento do recurso hierárquico que constitui o documento n.º 10 junto com a petição inicial;
6. Em 23 de Fevereiro de 2013, foi emitida a liquidação de IMI n.º …………., referente aos imóveis em causa e ao ano de imposto de 2012, no valor total de € 149.976,25 – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial e fls. 431 e 432 do processo administrativo apenso aos autos;
7. A liquidação de IMI referida no ponto anterior originou as notas de cobrança n.º ……………, com data limite de pagamento no dia 30 de Abril de 2013, n.º …………., com data limite de pagamento no dia 1 de Agosto de 2013 e, n.º ……….., com data limite de pagamento no dia 30 de Novembro de 2013, todas no valor unitário de € 49.992,09 – cfr. fls. 433 do processo administrativo apenso aos autos;
8. A Impugnante apresentou reclamações graciosas referente ao acto tributário de liquidação de IMI do ano de 2012, em relação a cada uma das notas de cobrança melhor identificadas no ponto anterior – cfr. documentos n.º 7, 12 e 18 juntos com a petição inicial;
9. As reclamações graciosas referidas no ponto anterior foram indeferidas – cfr. documentos n.ºs 8, 14 e 19 juntos com a petição inicial;
10. De cada um dos indeferimentos das reclamações graciosas apresentadas, a Impugnante interpôs recurso hierárquico – cfr. documentos n.ºs 9, 15 e 20 juntos com a petição inicial.»
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DOS FACTOS NÃO PROVADOS://Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO://Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil].»
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida, no que respeita ao enquadramento jurídico da causa. A recorrente invoca que a sentença incorreu em erro ao deixar de conhecer do bem fundado da pretensão impugnatória incidente sobre a liquidação de IMI, ainda que esteada em vícios assacados aos actos de avaliação do vpt dos prédios em liça.
2.2.2. A sentença julgou improcedente a impugnação, mantendo o acto de liquidação de IMI impugnado, com base no argumento de que uma vez que o impugnante não deduziu pedido de segunda avaliação dos vpts e não instaurou a subsequente impugnação judicial da decisão que sobre a mesma recaiu, não pode, com base nos vícios invocados, discutir a legalidade das subsequentes liquidações de IMI. Aí se consigna que «[n]o caso em concreto, a Impugnante pretende discutir os valores patrimoniais fixados em resultado da apresentação modelo 1 de IMI relativas aos prédios urbanos adquiridos, sem que tenha requerido segunda avaliação (cfr. pontos 3 a 5 dos factos assentes). // Ora, toda a argumentação carreada pela Impugnante [sobre a falta de fundamentação, a ilegalidade do regime de avaliação (e a sua “inconstitucionalidade” – (…), e o excesso do valor patrimonial tributário atribuído aos imóveis) deveria ter sido aduzida no procedimento referido, e caso não colhesse, na sua subsequente impugnação, nos termos do artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. // Não o tendo efectuado, não se mostra possível, em sede de impugnação da liquidação de IMI, agora discutir a legalidade da avaliação efectuada».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, assaca-lhe erro quanto à apreciação da matéria de facto e quanto ao enquadramento jurídico da causa.
Invoca que «a Douta Sentença recorrida aplicou erroneamente ao caso sub judice o artigo 134.º do CPPT, conjugado com os artigos 76.º, n.º 1 e 77.º do Código do IMI».
Apreciação. Através da presente impugnação, o impugnante vem requerer a anulação da liquidação de IMI, relativa ao ano de 2012 [n.º 6 do probatório]. Fundamenta o pedido nas asserções seguintes: i) Falta de fundamentação dos actos de avaliação, dado que da notificação dos actos de avaliação não consta qualquer indicação das razões por que foi fixado o coeficiente 1.1. e não qualquer outro (artigos 44.º a 72.º da petição inicial – “Da falta de fundamentação da liquidação”); ii) Ilegalidade do regime de avaliação aplicado, em resultado da falta de aprovação em instrumento legal adequado dos coeficientes de localização aplicados (artigos 73.º a 92.º da petição inicial - “Da ilegalidade do regime de avaliação”); iii) Carácter excessivo dos vpts apurados em face do valor de mercado dos prédios em causa (artigos 93.º a 95.º da petição inicial – “Da ilegalidade por excesso da matéria colectável apurada”).
A questão suscitada nos autos consiste em saber se, na falta de impugnação do acto de avaliação do vpt dos prédios em causa, o contribuinte pode, com êxito, deduzir impugnação dos subsequentes actos de liquidação de IMI, invocando vícios próprios dos actos avaliativos.
A solução para a presente questão encontra-se nos preceitos dos artigos 86.º/1 e 2, da LGT, 54.º do CPPT, 134.º do CPPT, 75.º e 77.º do CIMI.
Assim, «[a] avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º/1, da LGT). «A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão» (artigo 86.º/2, da LGT). A contestação dos actos de avaliação dos prédios em apreço pressupõe o pedido de realização de segunda avaliação (artigo 75.º/1(1) - “Segunda avaliação directa”), do CIMI). «Do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário. // A impugnação referida no número anterior pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio» (artigo 77.º/1 e 2, do CIMI). Por outras palavras, a impugnação do acto de avaliação do vpt deve ser efectuada através do pedido de segunda avaliação e, depois, através da impugnação judicial desta última. «Os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 134.º/1, do CPPT).
Suscita-se a questão de saber como se articula o regime de impugnação dos actos de avaliação do vpt com o regime de impugnação dos subsequentes actos de liquidação do IMI. Podem as liquidações de IMI ser impugnadas com base em vícios próprios dos anteriores actos avaliativos, mesmo no caso destes não terem sido impugnados judicialmente?
A resposta à questão colocada depende de saber se os actos avaliativos em apreço são (ou não) actos destacáveis do procedimento que termina com a liquidação de IMI. É que, nos termos do artigo 54.º do CPPT (“Impugnação unitária”), os actos do procedimento que sejam destacáveis são impugnados contenciosamente de forma autónoma. Ora, do regime legal dos actos avaliativos do vpt acima descrito decorre que os mesmos são actos destacáveis. «Os actos destacáveis são aqueles que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma» (2). De onde se extrai que «os vícios que afectam o acto de avaliação directa, quer os existentes no próprio acto final de avaliação, quer os que se reportam ao respectivo procedimento de avaliação, apenas podem ser invocados na respectiva impugnação e não na impugnação do acto de liquidação que venha ser praticado com base no acto de avaliação» (3). E, no mesmo sentido, afirma-se que «[o]s actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, dependendo a impugnação judicial dos mesmos de prévio esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, como resulta dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT e artigo 77.º do CIMI onde só se prevê a possibilidade de impugnação judicial do resultado das segundas avaliações» (4).
Por outro lado, afirma-se também que «sendo a finalidade da segunda avaliação apreciar as razões da discordância do interessado (ou do chefe de serviço de finanças ou da câmara municipal), como se prevê naquelas normas do CIMI), com o resultado da primeira avaliação, a exigência de requerer a segunda avaliação, como pressuposto da impugnação judicial, deve ser afastada quando a impugnação se basear em fundamentos diferentes dessa discordância, como, por exemplo, a não verificação dos pressupostos legais de que depende a realização da avaliação» (5). No mesmo, sentido pronunciou-se o Acórdão do TCAS, de 29.06.2017, P. 07753/14.
Sucede, porém, que a questão em apreço nos autos não incide sobre a necessidade do prévio esgotamento dos meios graciosos. No caso em exame, o impugnante contesta a liquidação de IMI, invocando vícios que se reportam aos actos avaliativos do vpt. Por imperativo legal (artigos 86.º/1 e 2, da LGT e 134.º/1, do CPPT), a invocação de vícios próprios dos actos avaliativos deve ser efectuada através da impugnação contenciosa de tais actos e não através da impugnação do acto de liquidação do imposto subsequente/consequente aos mesmos. Ou seja, «[t]anto nos casos em que os actos de avaliação directa se inserem no procedimento tributário de liquidação, como naqueles em que são objecto de um procedimento autónomo, os vícios que afectam o acto de avaliação directa, quer os existentes no próprio acto de avaliação final quer os que se reportam ao respectivo procedimento de avaliação, apenas podem ser invocados na respectiva impugnação e não na impugnação do acto de liquidação que venha a ser praticado com base no acto de avaliação. // Por outro lado, para atacar o acto de liquidação, na respectiva impugnação, o interessado não poderá servir-se dos fundamentos que tiver para atacar o acto de avaliação directa e, designadamente, não poderá sustentar que a matéria tributável a considerar não é a que foi utilizada para efectuar a liquidação» (6).
Sem embargo, a regra do efeito preclusivo do caso decidido, associada à não impugnação graciosa e contenciosa do acto avaliativo deve ser entendida de forma adequada. É que «sendo a finalidade da segunda avaliação apreciar as razões da discordância do interessado (ou do chefe de serviço de finanças ou câmara municipal) com o resultado da primeira avaliação, a exigência de requerer a segunda avaliação, como pressuposto da impugnação judicial, deverá ser afastada quando a impugnação se basear em fundamentos diferentes dessa discordância, como por exemplo, a não verificação dos pressupostos legais de que depende a realização da avaliação. (…) // Na mesma linha, deverá entender-se que, quando o contribuinte entende que a primeira avaliação não está suficientemente fundamentada e pretende impugná-la, invocando o respectivo vício de falta de fundamentação, não será necessário requerer a segunda avaliação» (7).
Neste quadro, a invocação do efeito preclusivo da falta de impugnação graciosa e contenciosa dos actos de avaliação do vpt que antecedem a liquidação de IMI em causa apenas tem sentido no que respeita ao fundamento da impugnação em exame referido em iii, supra), dado que se invoca o excesso na determinação do vpt, pelo que se questiona o cerne do acto de avaliativo. No que respeita aos demais fundamentos da impugnação (referidos em i) e ii), supra) tal raciocínio não é aplicável, porquanto, seja a falta de fundamentação dos actos avaliativos, seja a ilegalidade do regime de avaliação aplicado no caso, são questões que não incidem sobre o âmago do referido acto avaliativo, pelo que restringir ou condicionar a sua impugnação contenciosa, à dedução de pedido de 2.ª avaliação e subsequente impugnação judicial do acto avaliativo, consubstanciaria restrição injustificada e desproporcionada do direito de tutela judicial efectiva (artigo 20.º/1, da CRP), dado que não existem obstáculos à cognição judicial, em sede de impugnação dos subsequentes actos de liquidação, dos vícios em referência.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença sob recurso incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que aprecie do bem fundado dos vícios em apreço.
Compulsado o probatório da sentença, verifica-se que não existem elementos que permitam a integração fáctico-jurídica das questões suscitadas, pelo que o conhecimento, em substituição, das referidas questões, por parte deste Tribunal de recurso, mostra-se precludido.
Impõe-se, por isso, revogar a sentença recorrida, na parte em que não conheceu dos fundamentos referidos em i) e ii), supra e ordenar a baixa dos autos à instância para que proceda à ampliação do probatório e aprecie do bem fundado das questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado, referidas em i) e ii), supra (8).
Termos em que se julga procedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em revogar a sentença recorrida, na parte em que não conheceu dos fundamentos referidos em i) e ii), supra e ordenar a baixa dos autos à instância para que proceda à ampliação do probatório e aprecie do bem fundado das questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado, referidas em i) e ii), supra.

Custas pela recorrida, na proporção do decaimento, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)


(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)

(1) «Quando o sujeito passivo ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios rústicos podem, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado».
(2) Acórdão do TCAS, de 05.11.2020, P. 1319/08.8BELRS.
(3) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, Anotado e comentado Vol. I, 6ª Ed., Áreas Editores, 2011, p. 471.
(4) Acórdão do TCAS, de 05.11.2020, P. 1319/08.8BELRS.
(5) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, Anotado e comentado, cit., p. 431.
(6) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, cit., p. 471.
(7) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, cit., p. 431.
(8) No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 06-11-2019, P. 0554/15.7BEMDL 0815/18