Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1481/09.2 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IVA
PRO RATA
OPERAÇÕES FINANCEIRAS ACESSÓRIAS
Sumário:I. No cálculo do pro rata de dedução, não se incluem, designadamente, as operações financeiras que tenham um caráter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo.

II. A não inclusão de concretas operações acessórias, no denominador da fração utilizada para o cálculo do pro rata de dedução, visa evitar que estas operações falseiem o quociente obtido, assegurando, assim, o respeito pelo princípio da neutralidade.

III. Para que determinadas operações levadas a efeito sejam consideradas acessórias, é designadamente evidenciador de tal circunstância o facto de as mesmas implicarem uma utilização muito limitada dos bens ou serviços pelos quais o IVA é devido.

IV. As instruções administrativas não vinculam os administrados.

V. Para efeitos de aferição do caráter acessório de uma determinada operação, o critério da materialidade não só não tem suporte legal, mas também não se afigura como o mais adequado.

VI. Nestes casos, e ainda que o critério da materialidade possa servir como ponto de partida da atuação inspetiva, o critério adequado tem de permitir aferir o nível de utilização feita dos bens e serviços relativamente aos quais se suportou IVA.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 03.05.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por E…, S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico relativo ao indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, versou sobre a liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e a dos respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2000.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por E… S.A., NIPC …….. contra o indeferimento expresso parcial da reclamação graciosa nº 3……/400305.5, que apresentou contra a liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2000, no valor de €29.837,54.

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação dos artigos 18.º, 19.º e 23.º CIVA.

III. Se bem entendemos o decidido na douta sentença, no caso sub judice, não obstante se reconhecer que os encargos financeiros relativos às vendas em prestações não representam o objetivo principal da atividade da Impugnante e serem acessórios a essa mesma atividade principal que era a venda de livros, os mesmos não deveriam ter sido incluídos na fração de cálculo do método pro rata, por forma a assegurar-se a neutralidade do sistema de IVA.

IV. Como característica fundamental deste imposto, destaca-se o facto de ser um imposto plurifásico, porquanto incide em todas as fases do processo produtivo, pois o IVA atinge toda a cadeia de atos de consumo através do método subtrativo indireto em que o IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços (inputs) é deduzido ao cobrado nas transmissões efetuadas (outputs), garantindo assim que não ocorre a cumulatividade do imposto em nenhuma das suas fases da cadeia económica, garantindo ainda a sua neutralidade e proporcionalidade, na medida em que todo o IVA incidente sobre a transação de bens e serviços utilizados nas atividades económicas tributadas é deduzido - cfr. artigo 19.º do CIVA e 17.º da Diretiva.

V. O princípio da neutralidade e da proporcionalidade é alcançado através do direito à dedução e do reembolso, constituindo a regra, no apuramento do imposto devido, a dedução do imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram.

VI. Confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens ou serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos de imposto, sejam tributadas, isentas com direito a dedução ou, ainda, não tributadas que conferem esse direito, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 20.º CIVA.

VII. Caso o imposto seja suportado na aquisição de bens ou de serviços exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução ou a operações que em sede de IVA não se insiram no exercício de atividades económicas, não é, naturalmente, admissível o exercício do direito à dedução.

VIII. Decorre do artigo 23.º CIVA que o legislador impôs determinadas limitações ao direito à dedução, que decorrem da 6ª Directiva, prevendo, além de outras, a não inclusão das operações acessórias imobiliárias e financeiras isentas de IVA, ou seja, o imposto é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual das operações que conferem direito à dedução, sendo excluída a dedução, com relevo para o caso sub judice, das mencionadas operações acessórias.

IX. Ora, se por um lado, não descoramos que não serão de incluir, naquele calculo, as operações financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo; por outro lado, também não podemos ignorar que esta possibilidade se encontra condicionada ao caracter acessório e materialmente irrelevante deste tipo de operações isentas que não conferem direito à dedução.

X. Nesta matéria e por ser da sua competência, entenderam os Serviços do IVA que esta possibilidade apenas se aplica quando o montante das operações do setor isento não ultrapasse 5% do volume total de negócios.

XI. Ora, considerando o princípio da neutralidade, intrínseco a este imposto, temos que o carácter acessório deve ser definido com base nos custos e respetivo IVA.

XII. Vale isto por dizer que, tendo em conta que a lógica do IVA é a da dedução de IVA incorrido nas operações tributadas e a não dedutibilidade do IVA incorrido nas atividades isentas, a acessoriedade advém do facto de o sujeito passivo não suportar IVA e de não existirem custos na atividade do sujeito passivo ou estes terem significado pouco expressivo na sua atividade global. O que não sucede in casu.

XIII. No caso que nos ocupa, embora os encargos financeiros relativos às vendas a prestações não representarem o objeto principal da atividade e serem acessórias a essa mesma atividade principal que é a venda de livros, os mesmos apresentam, contudo, um valor materialmente relevante (6.2%) que supera os 5% atras referidos e devem, consequentemente, ser incluídos no calculo para obter a percentagem que é definida no artigo 23.º CIVA.

XIV. Todavia, ao contrario do decidido na douta sentença, entende a Fazenda Pública que não podem considerar-se “pontuais” e muito menos “insignificantes” os encargos financeiros relativos às vendas a prestações suportados pela Impugnante, ora recorrida, quando os mesmos consubstanciam 6.2% do seu volume de negócios.

XV. Efetivamente, no CIVA não existe nenhuma norma que defina quando é que uma atividade é acessória e, por consequência, quando é que os respetivos proveitos não devem entrar no cálculo de percentagem. Contudo, verificando-se a inexistência na lei de um critério definidor do conceito de acessoriedade, a mesma deve-se pautar por critérios o mais objetivos ou concretos possíveis.

XVI. Da mesma forma, à semelhança do que sucede na Sexta Diretiva, também o CIVA não especifica o que deve entender-se por “Operações financeiras acessórias”. Nessa conformidade, tem entendido a administração fiscal que o caracter acessório das operações financeiras em relação à atividade de um sujeito passivo ocorre quando o montante destas não exceda 55 do volume de negócios daquele, deixando, assim, de considerar-se acessórias quando ultrapassem a referida percentagem.

XVII. Ou seja, a análise da acessoriedade deve assentar na maior ou menor importância dessa operação na atividade económica da sociedade e não às condições subjetivas da realização das operações financeiras, como defende a impugnante. Em bom rigor, o que importa é o impacto real da operação na atividade económica da sociedade, o impacto na órbita do imposto em que incide. E neste sentido, só se pode concluir que a impugnante praticava tais operações no âmbito comercial, enquadrando-se assim no nº 4 do art.23º do CIVA.

XVIII. Pelo que, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, violando o consagrado nos artigos 19.º e 23º do CIVA.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que a não consideração do valor atinente às operações do setor isento se encontra condicionada ao caráter acessório e materialmente irrelevante deste tipo de operações?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. As liquidações impugnadas tiveram como base o Relatório Final da acção inspectiva realizada à Impugnante do qual consta designadamente o seguinte: (prova documental cfr. fls 4 e seguintes do processo administrativo)

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2. Na sequência do mencionado no facto provado anterior foi a Impugnante notificada da liquidação nº…… no montante de 24.538,49€ referente a IVA e da liquidação nº…… no montante de 5.309,05€ referente a juros compensatórios (acordo e cfr. prova documental fls 83 e seguintes do processo administrativo).

3. A 2 de Maio de 2005, a Impugnante deduziu reclamação graciosa referente às liquidações mencionadas no facto provado anterior tendo a mesma sido instaurada no Serviço Local de Finanças de Lisboa 10 sob o número ……. (acordo e cfr. prova documental fls 54 e seguintes do processo administrativo da reclamação graciosa).

4. Elaborado o projecto de decisão no sentido do deferimento parcial da pretensão da Impugnante, propondo-se a anulação do montante de 201,72 € foi esta notificada para exercer o seu direito de audiência prévia sobre o mesmo através do ofício nº4….., datado de 9 de Junho de 2006 ( cfr. prova documental fls 54 e seguintes do processo administrativo da reclamação graciosa).

5. Por despacho, datado de 3 de Agosto de 2006, foi deferida parcialmente a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante nos termos do mencionado no facto provado anterior (cfr. prova documental fls 54 e seguintes do processo administrativo da reclamação graciosa).

6. A 20 de Setembro de 2006, a Impugnante deduziu recurso hierárquico (cfr. prova documental fls 84 e seguintes do processo administrativo).

7. A Impugnante não foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia no âmbito do procedimento administrativo referente ao recurso hierárquico ( acordo e cfr. prova documental vide processo administrativo).

8. A 2 de Junho de 2009, foi a Impugnante notificada do indeferimento do recurso hierárquico (cfr. prova documental fls 84 e seguintes do processo administrativo).

9. A decisão de recurso hierárquico foi no mesmo sentido da decisão da reclamação graciosa e inexistiam factos ou questões jurídicas novas a analisar no âmbito do recurso hierárquico (cfr. prova documental vide processo administrativo).

10. A Impugnante efectuou o pagamento das liquidações impugnadas (acordo)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto.

Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos “factos provados”, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como no alegado e contra-alegado pelas partes, tudo ponderado com os artigos 72º a 76º da L.G.T., 115º do C.P.P.T. e artigo 342º do Código Civil”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao decidir não ser de considerar o valor atinente às operações do setor isento, uma vez que tal circunstância se encontra condicionada ao caráter acessório e materialmente irrelevante deste tipo de operações.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis.

O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo.

Nos termos do art.º 19.º do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Por seu turno, o art.º 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

No caso de sujeitos passivos mistos, ou seja, que pratiquem operações sujeitas e operações isentas de IVA, a dedução de IVA pode ser determinada por recurso a dois métodos (em alternativa ou em simultâneo): o da afetação real e o do pro rata (global ou parcial).

Como se refere no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 16.09.2021, Balgarska natsionalna televizia, C-21/20, EU:C:2021:743, n.ºs 48 a 52:

“48. A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos de deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. Como o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente, esse direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.os 26 e 37 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 32].

49. O regime de dedução instituído pela Diretiva IVA visa, com efeito, desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA [Acórdãos de 10 de novembro de 2016, Baštová, C-432/15, EU:C:2016:855, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 33].

50 A esse título, em primeiro lugar, resulta do artigo 168.o da Diretiva IVA que, para poder beneficiar do direito a dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (Acórdãos de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 23).

51 Em contrapartida, quando bens ou serviços adquiridos por um sujeito passivo estão relacionados com operações isentas ou que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.o 30, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 24).

52 Decorre desta jurisprudência que é a utilização dos bens e dos serviços adquiridos a montante para fins de operações tributáveis que justifica a dedução do IVA pago a montante…”.

Acrescente-se, ainda, como se refere, v.g., no Acórdão do TJUE de 12.11.2020, Sonaecom, C-42/19, EU:C:2020:913, n.ºs 55 a 59:

“55. Quanto ao contexto em que o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva se insere, há que salientar que, em matéria de dedutibilidade do imposto pago a montante sobre bens de utilização mista, o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alíneas a) a d), desta diretiva enumera diferentes correções que os Estados-Membros podem adotar para, nomeadamente, aplicar regras de cálculo do pro rata de dedução mais precisas do que a prevista no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, da referida diretiva, tendo em conta as características específicas próprias das atividades do sujeito passivo em causa.

56 Neste contexto (…), os Estados-Membros podem prever métodos de cálculo diferentes do critério de repartição baseado no volume de negócios previsto na Sexta Diretiva, quando o método escolhido garanta um resultado mais preciso (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.os 23 a 26, e de 9 de junho de 2016, Wolfgang und Dr. Wilfried Rey Grundstücksgemeinschaft, C-332/14, EU:C:2016:417, n.° 33).

57 Além disso, resulta do artigo 20.°, n.° 6, da Sexta Diretiva, relativo ao ajustamento da dedução do imposto pago a montante, que esta dedução deve ser (…) adaptada com a maior exatidão possível à utilização efetiva, a fim de se evitarem «vantagens ou [...] prejuízos injustificados» para o sujeito passivo.

58 Assim, resulta não apenas do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), mas também de outras disposições da Sexta Diretiva que esta se baseia na lógica de que a dedução do imposto pago a montante pelo sujeito passivo deve corresponder com a maior exatidão possível à utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos por aquele.

59 Por conseguinte, uma utilização efetiva dos bens e dos serviços prevalece sobre a intenção inicial”.

O método da afetação real pressupõe a possibilidade de determinar concretamente os inputs afetos às atividades tributadas e às atividades isentas, deduzindo-se integralmente o IVA suportado, no primeiro caso, e não se deduzindo, no segundo.

Já o método do pro rata implica o cálculo da percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão direito à dedução, sendo que é apenas deduzido o IVA dos inputs na percentagem que seja determinada, sendo, para o efeito, fundamental demarcar que operações são consideradas no numerador e no denominador da fração de cálculo do pro rata de dedução.

Considerando o disposto no art.º 23.º do CIVA (redação à época em vigor):

“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um caráter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo.

6 - A percentagem de dedução, calculada provisoriamente, com base no montante de operações efetuadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores referentes ao ano a que se reporta, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7 - Os sujeitos passivos que iniciem a atividade ou a alterem substancialmente poderão praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 30º e 31º.

8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fração será arredondado para a centésima imediatamente superior.

9 - Para efeitos do disposto neste artigo, poderá o Ministro das Finanças e do Plano, relativamente a determinadas atividades, considerar como inexistentes as operações que deem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos nºs 2 e 3”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

A questão que aqui se coloca prende-se com o conceito de “operações financeiras que tenham um caráter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo”.

In casu, estamos perante correções efetuadas, relativas a 2000.

Atentando no relatório de inspeção tributária (RIT), onde reside a fundamentação da atuação da administração, decorre do mesmo o seguinte:

a) A Impugnante tem por objeto a comercialização de livros no sistema de venda direta a crédito;

b) São debitados aos clientes finais gastos relativos aos encargos financeiros, devidos pelo pagamento em prestações das suas aquisições, os quais não dão origem a liquidação de IVA;

c) No entanto, o IVA suportado foi integralmente deduzido;

d) Apesar de os encargos financeiros serem acessórios da atividade principal, os mesmos têm um valor materialmente relevante (6,2%), superior ao definido em instrução administrativa, pelo que deve ser aplicado pro rata de dedução.

Portanto, como resulta do RIT, a administração tributária (AT) sustentou a sua posição num critério meramente quantitativo, para considerar que deveria ter sido aplicado o pro rata de dedução.

Vejamos então.

O que está em causa, como vimos, é aferir se a atividade, consubstanciada no débito aos clientes de encargos financeiros devidos pelo pagamento em prestações das suas aquisições, é ou não atividade acessória, para efeitos do art.º 23.º, n.º 5, do CIVA.

Não é controvertido que as operações em causa são operações económicas, para efeitos de IVA, dele isentas (cfr. art.º 9.º, n.º 28, do CIVA).

É, sim, controvertido se se trata de operações acessórias, como considerado pela Impugnante, ou não, como defende a Recorrente.

Como decorre do mencionado n.º 5 do art.º 23.º do CIVA, no cálculo do pro rata, não se incluem, designadamente, as operações financeiras que tenham um caráter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo.

Refere-se, a este respeito, no Acórdão do TJUE de 29.04.2004, EDM, C-77/01, EU:C:2004:243, n.ºs 75 e 76:

“75

A este respeito, há que referir que, no quadro da aplicação do artigo 19.°, n.° 1, da Sexta Directiva, um aumento do montante do volume de negócios relativo às operações que não conferem direito à dedução conduz à diminuição do montante do IVA que o sujeito passivo pode deduzir. A não inclusão de determinadas operações acessórias no denominador da fracção utilizada para o cálculo do prorata de dedução, em conformidade com o artigo 19.°, n.° 2, segundo período, da Sexta Directiva, visa neutralizar os efeitos negativos para o sujeito passivo desta consequência inerente ao referido cálculo, para evitar que estas operações falseiem este último e assegurar, assim, o respeito do objectivo de neutralidade que o sistema comum de IVA garante.

76

Com efeito, como o Tribunal de Justiça observou no n.° 21 do acórdão Régie dauphinoise, já referido, se todos os resultados das operações financeiras do sujeito passivo relacionadas com uma actividade tributável devessem ser incluídos no referido denominador, mesmo quando a obtenção desses resultados não implica nenhuma utilização de bens ou de serviços pelos quais o IVA é devido ou, pelo menos, só implica uma utilização muito limitada, o cálculo da dedução seria falseado”.

Nas palavras de Patrícia Noiret da Cunha (Imposto sobre o Valor Acrescentado, Instituto Superior de Gestão, Lisboa, 2004, pp. 338 e 339):

“Esta exclusão das operações imobiliárias e financeiras deve-se ao facto de não constituírem a actividade económica prosseguida pelo sujeito passivo e de se tratar de operações que não dão origem a custos. Esta regra visa assegurar a neutralidade das operações: se todos os resultados das operações financeiras do sujeito passivo relacionados com uma actividade tributável devessem ser incluídos no denominador, mesmo quando a obtenção desses resultados não implica nenhuma utilização dos bens ou dos serviços pelos quais o IVA é devido ou, pelo menos, só envolve uma utilização muito limitada, o cálculo da dedução seria falseado”.

Portanto, para que determinadas operações levadas a efeito sejam consideradas acessórias, é designadamente evidenciador de tal circunstância o facto de as mesmas implicarem uma utilização muito limitada dos bens ou serviços pelos quais o IVA é devido.

In casu, a Impugnante considerou que a atividade em causa era acessória, motivo pelo qual deduziu integralmente o IVA suportado, tendo apresentado as respetivas declarações nesse pressuposto, presumindo-se tais declarações como verdadeiras [art.º 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT].

Logo, cabe à AT, antes de mais, demonstrar o erro que imputa à atuação da Impugnante, atento o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT. Ou seja, a AT tem de cabalmente demonstrar os pressupostos da sua atuação.

Compulsado o RIT e como, aliás, decorre das alegações de recurso, a fundamentação da AT sustentou-se exclusivamente num critério material, concretamente um critério material constante apenas de orientação administrativa, sem qualquer previsão legal.

Com efeito, nas Informações n.ºs … e … de 04.07.1990 e de 05.07.1990, da Direção de Serviços de Conceção e Administração do IVA, fazia-se coincidir o critério da acessoriedade com o da materialidade, espelhando a interpretação no sentido de que as operações são acessórias quando o seu montante não ultrapasse 5% do volume total de negócios.

Antes de mais, refira-se que as instruções administrativas não vinculam os administrados, vinculando apenas a administração.

A possibilidade de emissão de orientações genéricas por parte da AT decorre desde logo, do art.º 68.º-A, da LGT, nos termos de cujo n.º 1 (redação à data):

“1 - A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias”.

Por seu turno, nos termos do disposto no art.º 55.º do CPPT:

“2 - Somente as orientações genéricas emitidas pelas entidades referidas no número anterior vinculam a administração tributária.

3 - As orientações genéricas referidas no n.º 1 devem constar obrigatoriamente de circulares administrativas e aplicam-se exclusivamente à administração tributária que procedeu à sua emissão”.

O objetivo subjacente à emissão destas orientações genéricas é dotar os contribuintes de um instrumento que os esclareça sobre a interpretação que a AT faz num determinado caso, conferindo segurança adicional em termos de previsibilidade da atuação administrativa.

No entanto, como já referimos, estas orientações genéricas, vinculando a AT na sua atuação, não vinculam os sujeitos passivos e, pretendendo-se interpretar uma norma, não podem ir além disso mesmo, da interpretação.

Como referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.03.2013 (Processo: 00997/12.8BEPRT): “Atento o primado da lei sobre as orientações administrativas (princípio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência – normas jurídicas primárias –, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida”.

Por outro lado, o critério da materialidade, além de não ter suporte legal, não é o critério mais adequado para a aferição do caráter acessório de determinada operação.

Aliás, pode dar-se o caso de o volume de negócios ser em grande parte, num determinado contexto, devido a operações acessórias, que, nem por isso, deixam de ser qualificadas como tal.

Como referem Alexandra Martins e Lídia Santos [Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos (coord.), Código do IVA e RITI, Almedina, Coimbra, 2014, p. 289], “[o] carácter acessório das operações não é quantitativo, colocando a jurisprudência comunitária a tónica no facto de, independentemente do seu valor (absoluto ou relativo), tais operações registarem um consumo insignificante de recursos onerados com IVA”.

Aliás, como sublinham as mesmas AA., a AT defende, na instrução administrativa vertida no ofício-circulado n.º ..……., de 23.04.2008, justamente a adoção de um critério material.

Refere-se na mencionada instrução administrativa:

“2. Para que se avalie se se está perante operações financeiras acessórias deve ter-se em consideração:

a) A natureza da actividade exercida pelo sujeito passivo;

b) As condições concretas da realização das operações financeiras, nomeadamente o seu carácter habitual ou ocasional e a maior ou menor utilização de recursos da empresa na realização dessas operações, independentemente do respectivo montante”.

Sendo certo que o critério da materialidade pode constituir um ponto de partida na atuação da AT, em termos inspetivos, o mesmo, em si mesmo, não permite afastar a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, tendo de ser complementado com elementos fundamentadores que permitam comprovar que a atividade em causa não tem caráter acessório, atendendo à utilização feita dos bens e serviços relativamente aos quais se suportou IVA.

Esta conclusão extrai-se do já mencionado Acórdão do TJUE de 29.04.2004, EDM, C-77/01, EU:C:2004:243, n.ºs 77 a 79, onde se refere:

“77 A este respeito, importa referir que a amplitude dos rendimentos gerados pelas operações financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva pode constituir um indício de que estas operações não devem ser consideradas acessórias na acepção do seu artigo 19.°, n.° 2, segundo período, da Sexta Directiva. Contudo, o facto de serem gerados por essas operações rendimentos superiores aos produzidos pela actividade indicada como principal pela empresa em causa não pode, por si só, excluir a sua qualificação de «operações acessórias» na acepção da referida disposição. Com efeito, como correctamente referiu a Comissão, numa situação como a em causa no processo principal, em que a actividade de prospecção apenas tem rentabilidade a médio prazo ou pode mesmo revelar-se não rentável e o volume de negócios relativo às operações que conferem direito à dedução pode ser, consequentemente, muito limitado, a inclusão destas operações unicamente pela importância dos rendimentos que produzem poderia, precisamente, ter por efeito falsear o cálculo de dedução.

78 Decorre do que precede que devem ser consideradas operações acessórias na acepção do artigo 19.°, n.° 2, segundo período, da Sexta Directiva a concessão de empréstimos por uma holding às suas participadas, bem como as aplicações em depósito bancários ou em títulos, como obrigações do Tesouro ou operações de tesouraria, na medida em que estas operações apenas impliquem uma utilização muito limitada de bens ou de serviços pelos quais o IVA é devido. A este respeito, embora a amplitude dos rendimentos gerados pelas operações financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da Sexta Directiva possa constituir um indício de que estas operações não devem ser consideradas acessórias na acepção da referida disposição, o facto de tais operações produzirem rendimentos superiores aos obtidos pela actividade indicada como principal pela empresa em causa não pode por si só excluir a sua qualificação de «operações acessórias»” (sublinhados nossos).

Ora, no caso dos autos, nada disso foi aferido pela AT, que, como referimos, se sustentou exclusivamente na circunstância de o valor das operações ser superior em 1,2 pontos percentuais ao limite administrativamente fixado para efeitos de consideração de determinada operação como acessória.

Sendo esta a única fundamentação da AT, verifica-se que não foram, pela mesma, demonstrados os pressupostos inerentes à liquidação.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 10 de março de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)