Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:594/06.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES E DOAÇÕES,
AUDIÊNCIA PRÉVIA.
Sumário:Prevendo-se no procedimento uma forma de intervenção do contribuinte na formação da decisão, nomeadamente através da participação na avaliação das quotas sociais, e não havendo qualquer utilidade em admitir uma nova intervenção antes da liquidação, por não poder ser alterado o valor sobre que deve incidir o imposto sucessório, é de concluir que a participação dos interessados na formação da decisão é assegurada através da avaliação prevista no art. 87.º do CIMSISD.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

P..., N... e A... vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram contra os actos de liquidação de imposto sobre sucessões e doações e juros compensatórios, aos dois primeiros, e a cada um deles, no valor global de €12.457,21 e à terceira no montante total de € 20.142,16, efectuados no âmbito do processo de liquidação de imposto sucessório nº49.185 que corre termos no 1º Serviço de Finanças de Leiria.

Os Recorrentes apresentaram as suas alegações, e formularam as seguintes conclusões:

«A)– Os recorrentes interpõem o presente recurso da douta sentença que julgou improcedente impugnação deduzida contra a liquidação de imposto sucessório nº49185, no montante de €12.457,21, 12.457,21 e 20.142,16, perfazendo o total de € 45.056,58.

B)– Na douta sentença proferida, a Meritíssima juíza do tribunal “a quo” entendeu não se ter verificado qualquer violação do direito de audição prévia relativamente às liquidações de imposto sucessório.

C)– Os impugnantes não podem concordar com este entendimento, pelo seguinte:

D)– O princípio da participação previsto no artigo 60° da LGT traduz-se precisamente na intervenção dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito, princípio este expresso na nossa Constituição.

E)- A atuação omissiva da Autoridade Tributária constituiu uma restrição inadmissível e preterição de um direito essencial antes de efetuada a liquidação do imposto.

F)– Na douta sentença, entendeu-se que não era necessária qualquer notificação para que os contribuintes (ora recorrentes) exercessem o seu direito de audição antes da liquidação, porque a liquidação de imposto sucessório é efetuada com base nas declarações do contribuinte apresentadas na relação de bens, pelo que a audição prévia seria dispensada nos termos da alínea a do nº 2 do artigo 60º da LGT, a que acresce o facto de não ter sido pedida segunda avaliação nos termos do disposto no artigo 96º do CMISISSD.

G)– É certo que, os ora recorrentes não requereram, uma segunda avaliação, e não contestaram os valores apurados pela Autoridade Tributária, nos termos do art.º 96º do CIMSISSD.

H)– No entanto, em sede de direito de audição os contribuintes podiam ter invocado outros factos, que não a contestação de valores dos bens, os quais poderiam ter alterado liquidação que se pretendia efetuar.

I)– Tanto mais, que aquilo que os impugnantes/recorrente alegaram não foi o valor atribuído às quotas causa, mas sim o facto de existirem créditos inscritos na contabilidade de várias empresas a favor do autor da herança, que não configuram um activo da herança.

J)– Ora, sendo admitida a sua invocação e prova em sede de direito de audição, poderia resultar numa liquidação de imposto bem diversa da liquidação impugnada, e a ser assim, de nada serviria aos ora recorrentes ter requerido segunda avaliação dos valores atribuídos pela Autoridade Tributária, quando o que pretendiam era que tal montante não fosse considerado um ativo da herança.

L)- Assim, e ainda que a lei tenha previsto um mecanismo específico de intervenção do contribuinte na liquidação do imposto sucessório, tal intervenção serve para contestar a fixação do montante dos valores determinado pela Autoridade Tributária, mas não serve para os contribuintes alegarem outros factos ou razões determinantes da alteração do projeto de liquidação, o que apenas poderá acontecer através da sua participação em audiência prévia à liquidação.

M)– E nem se diga que a circunstância dos recorrentes terem impugnado esse ato de liquidação com vista à sua anulação, lhes assegurou o direito de se pronunciarem, isto porque o direito de audiência prévia previsto na lei reporta-se ao procedimento administrativo do ato de liquidação que é distinto (até porque anterior) do processo de impugnação judicial.

N)– Com efeito, a possibilidade do contribuinte participar na formação do ato de liquidação é um direito que está consagrado no artigo 267º, n.º 5 da CRP e está concretizado nos artigos 100° e seguintes do CPA e no artigo 60° da LGT, e é um direito de participação na formação das decisões administrativas/tributárias e não o direito de impugnar, administrativa ou judicialmente, essas decisões.

O)– Ademais, a circunstância dos ora recorrentes terem sido notificados com a liquidação nos termos do artigo 87º do CIMSISSD para poderem contestar os valores sobre que foi feita a liquidação não substitui a audição prévia constante do artigo 60º da LGT que tem uma amplitude mais vasta do que o constante do artigo 87º do CIMSISSD.

P)– Conclui-se, pois, que a falta de audição dos ora recorrentes, sendo obrigatória, constitui um vício do procedimento que gera a anulação da liquidação, pelo que, deverá ser julgada procedente a impugnação anulando-se a liquidação de Imposto Sucessório efetuada aos ora recorrentes.

Q)– A liquidação de juros compensatórios efetuada à impugnante A..., no valor de €7.684,95, não se encontra fundamentada nem de facto nem de direito, conforme obriga o nº9 do artigo 35º da LGT.

R)– Na douta sentença considera que está cumprido o dever legal de fundamentação.

S)– No entanto, a impugnante desconhece a forma como foram apurados os juros compensatórios, porque não lhe foi remetida qualquer fundamentação que permita alcançar a forma como foram calculados os juros compensatórios.

T)– A notificação efetuada à impugnante A... (documento 3 junto com a p.i.), não foi acompanhada do cálculo dos juros de compensatórios, na notificação indica-se, apenas, o valor dos juros compensatórios apurados, sem que esteja acompanhada do cálculo dos mesmos.

U)– Não consta dos autos que a impugnante tenha sido notificada do respetivo cálculo, nem em conjunto com notificação junta como documento 3 da p.i., nem separadamente, pelo que a douta sentença, incorreu em erro de julgamento, quer de facto de quer de direito.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se as liquidações de Imposto Sucessório e de e juros compensatórios, fazendo-se, assim, a Costumada Justiça

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelos Recorrentes nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
- erro de julgamento de direito na parte em que se entendeu que não se verifica a violação do direito de audição prévia previsto no art. 60.º da LGT (conclusões A) a P) das conclusões de recurso);
- erro de julgamento, porquanto a liquidação de juros compensatórios efetuada à Impugnante “A...” não se encontra fundamentada nos termos do n.º 9, do art. 35.º da LGT (conclusões Q) a U) das conclusões de recurso).

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

«III.1 De facto:

Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

1. Em 3/8/1998, faleceu C..., casado com A..., com dois descendentes P... e N... (cf. Assento de óbito nº2231 a fls. 68, assento de casamento a fls. 69, e termo de Declaração a fls. 84 todas dos autos). 2. Em 12/10/1999, A..., foi notificada, pelo termo constante de fls. 88 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para no prazo de 60 dias, nos termos do artigo 60.º do Código do Imposto Municipal da SISA e do Imposto Sobre As Sucessões e Doações e em conformidade com o artigo 63.º do referido código, se tem ou não conhecimento de que a favor dos interessados por ele mencionados se operou outra transmissão por título gratuito provinda do auto da liberalidade e, em caso afirmativo, qual a natureza do acto e sua data, bem como a repartição de Finanças onde foi instaurado o processo respectivo. (…)

3. Em 12/10/1999, A... apresentou a relação de bens por óbito de C..., constante de fls. 91 a 95 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, composto por quatro verbas, de dois veículos automóveis um PPR e um cheque judicial, à qual correspondia um imposto sobre sucessões e doações a pagar no valor de ESC 1.088505$00 (cf. liquidação a fls. 96 e 97 dos autos).

4. Em data que não é possível apurar, A... apresentou no Serviço de finanças um “ADITAMENTO À RELAÇÃO DE BENS”, constante de fls. 98 a 100 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, do qual constam quatro verbas compostas por uma quota nominal no valor de um milhão e setecentos mil escudos, no capital social de dez milhões de escudos na sociedade “L... – Instalações eléctricas e mecânicas”, dois imóveis com o artigo 3... da freguesia de Leiria e artigo 1... da freguesia de Coimbrão e um passivo de despesas com o funeral.

5. Em 3/12/1999, A... apresentou no Serviço de finanças um “ADITAMENTO À RELAÇÃO DE BENS”, constante de fls. 102 e 103 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, do qual constam duas verbas compostas por veículo motorizado ligeiro e um cheque judicial.

6. Em 10/7/2001, o Chefe de finanças emitiu a liquidação adicional de imposto sucessório no valor total de EUR 254,648,00 (cf. liquidação a fls. 103 a 105 dos autos).

7. Em 13/7/2001 e 18/7/2001, P... e A... recepcionaram os avisos de recepção que acompanharam os ofícios com as liquidações emitidas a P..., A... e N... (cf. liquidações e AR a fls. 106 a 117 dos autos).

8. Em 20/10/2004, A... apresentou no Serviço de finanças um “ADITAMENTO À RELAÇÃO DE BENS”, constante de fls. 118 a 119 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, do qual constam duas verbas compostas por uma quota nominal de ESC 525.000$00 no capital de ESC 900.000$00 titulada em nome do falecido na sociedade “C... – Sociedade de Gestão e Participação Imobiliária, Lda.” e uma quota nominal de ESC 200.000$00, no capital de ESC 400.000$00, na sociedade “I... – Sociedade Imobiliária de Construções de Leiria, Lda.”.

9. Em 8/6/2005, o Chefe de Finanças emitiu a liquidação adicional de imposto sucessório no valor total de EUR 77.714,95, constante de fls. 122 a 124 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

10. Em 29/6/2005, A..., P... e N... apresentaram na repartição de finanças de Leiria, a reclamação constante de fls. 125 a 131 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta em sínteses o seguinte:

“ (…)

Tendo sido notificados da liquidação adicional que se procedeu no processo do imposto sucessório supra identificado, no montante de €34.507,09, 21.603,93 e 21.603,93 para cada um e que incidiu sobre o valor de €147.085,04, relativamente aos bem móveis e 104,60 relativamente aos bens imóveis, transmitidos a cada um, vêm por este meio apresentar contestação nos termos do artigo 87.º do Código do Imposto da SISA e do Imposto Sobre Sucessões e Doações,

(…)

B)- Da ilegalidade na determinação dos valores que serviram de base à liquidação:


6.º

Da leitura da certidão entregue aos reclamantes para efeitos de avaliação das quotas das firmas S…, V…, Construções Lda., I… – Sociedade de Investimentos, Lda., C… – Organização de Empresas, Lda. e C… – Sociedade Gestão e Participações Imobiliárias. Lda. verifica-se o seguinte:

(…)

Termos em que deve a presente contestação ser julgada provada e procedente e em consequência ser efectuada nova avaliação nos termos do artigo 87.º do Código do SISA reformando-se a liquidação de forma a apurar o valor do património da herança nos termos expostos neste pedido.

(…)

Nomeia-se como louvado o Dr. V..., casado (…)”

11. Em 11/10/2005, foi realizado o “TERMO DE AVALIAÇÃO” constante de fls. 136 a 156 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, realizado no Serviço de Finanças de Leiria, no qual participaram o Chefe de Finanças, dois inspectores tributários, e o revisor oficial de contas V..., nomeado pelos herdeiros A..., P... e N..., que declararam que avaliaram, com inteira observância de todas as formalidades legais, as quotas e créditos a seguir identificados, que o autor da herança C... e a cabeça-de-casal A... eram titulares à data do óbito, em 3 de Agosto de 1998, pela seguinte forma:

“(…)


«Imagem no original»



(…)”

12. Em 2/2/2006, o Serviço de Finanças de Leiria emitiu a certidão relativa a imóveis transmitidos por C... constante de fls. 26 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta o artigo urbano n.º 3..., sito em Leiria com o valor patrimonial de EUR 20.874,69 e o artigo urbano n.º 1...T, sito em Coimbrão com o valor patrimonial de EUR 3.525,65, no valor total de EUR 24.400,34.

13. Em 2/2/2006, o Chefe de Finanças emitiu o mapa demonstrativo do valor dos bens que constituem a Herança de C... constante de fls. 27 e seguintes dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta o seguinte:

“ (…)







(…)



(…)”

14. Em 13/12/2006, o Serviço de Finanças de Leiria 1 enviou por carta postal registada com aviso de recepção a A... o oficio n.º 2412, com o assunto “Processo de Imposto Sucessório n.º49185/ Notificação/Adicional”, constante de fls. 161 a 163 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual consta a seguinte liquidação de Imposto sucessório:

“ (…)


(…)”

15. Em 13/12/2006, o Serviço de Finanças de Leiria 1 enviou por carta postal registada com aviso de recepção a P... o oficio n.º 2413, com o assunto “Processo de Imposto Sucessório n.º 49185/ Notificação/Adicional”, constante de fls. 164 a 166 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual consta a liquidação de Imposto sucessório no valor de EUR 12.457,21.

16. Em 13/12/2006, o Serviço de Finanças de Leiria 1 enviou por carta postal registada com aviso de recepção a N... o oficio n.º 2414, com o assunto “Processo de Imposto Sucessório n.º 49185/ Notificação/Adicional”, constante de fls. 167 a 169 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual consta a liquidação de Imposto sucessório no valor de EUR 12.457,21.

17. Em 31/12/1997, a Sociedade “S… Construções, Lda.” apresenta activos “Produtos e trabalhos em curso” no valor de ESC 101.531.605$00 (cf. balanço a fls. 137 dos autos).

18. A Sociedade “S… Construções, Lda.” é proprietária de um terreno nos Pousos que aguarda aprovação de loteamento (cf. depoimento de V... e M...).

19. Em 31/12/1997, a Sociedade “C… – Sociedade de Gestão e Participação Imobiliária, Lda.” apresenta activos “Produtos e trabalhos em curso” no valor de ESC 2.000.000$00 (cf. balanço a fls. 150 dos autos).

20. Em 26/10/1999, o liquidatário da falência da firma “J…, Lda.” reclamou da herança o pagamento da quantia de EUR 303.028,55.

21. Em 1999, o Banco T…, SA instaurou acção de execução ordinária para pagamento pela herança da quantia de EUR 12.469,95 (cf. citação a fls. 64 67 dos autos).

22. Em 23/11/2001, o liquidatário judicial da falência da firma “P…, Lda.” reclamou da herança o pagamento da quantia de ESC 28.259,38 (cf. citação do 1º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Leiria, proc. n.º 659- G constante de fls. 56 a 63 dos autos).

23. No termo de avaliação descrito no ponto 11 que antecede, foram considerados os registos e valores contabilísticos que foram confirmados pelo Revisor Oficial de Contas V... (cf. depoimento de J...).


*

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e nos depoimentos das testemunhas V..., M... e J... que se revelaram concisos e coincidentes entre si quanto aos factos constantes dos pontos 18 e 23, não tendo sido considerado o restante conteúdo dos depoimentos, por apenas terem manifestado suposições, opiniões sem certezas ou conhecimento de facto suficiente.

*

Factos não provados:

A- Não provado que a herança tenha procedido a qualquer pagamento de dividas a particulares ou empresas (cf. ausência de prova de suporte das alegações do pagamento).

B – Não provado que nas acções judiciais movidas contra a herança e identificadas nos pontos n.º 20, 21 e 22 dos factos provados, os prováveis credores tenham obtido vencimento de causa e que os impugnantes tenham procedido aos pagamentos exigidos (cf. ausência de prova de suporte do desfecho das acções e do respectivo pagamento)»

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Com base na matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria julgou a impugnação judicial improcedente.

Os recorrentes não se conformam com o decidido e invocam, desde logo, erro de julgamento de direito na parte em que entendeu que não se verifica a violação do direito de audição prévia previsto no art. 60.º da LGT (conclusões A) a P) das conclusões de recurso).

Apreciando.

Na sentença recorrida considerou-se, em síntese, que não se verificava a preterição do direito de audição prévia porquanto, por um lado, a liquidação de imposto sucessório é realizada com base na declaração do contribuinte na relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, pelo que a audição prévia dos contribuintes ao ato de liquidação seria sempre dispensada nos termos do artigo 60.º, n.º 2, alínea a) da LGT, e por outro lado, essa liquidação foi objeto do procedimento de contestação nos termos do disposto no artigo 87.º do CIMSISD, tendo sido realizada a avaliação de bens prevista no artigo 93.º, na qual, os impugnantes participaram através da nomeação de um seu louvado, sendo ainda certo que a “não utilização do pedido de 2.ª avaliação previsto no artigo 96.º do CISISSD ou da suspensão do processo de liquidação nos termos e condições previstos no artigo 85.º do CISISSD, também previstas legalmente resultou de uma opção dos impugnantes.”

Mais se escreve na sentença recorrida que “a jurisprudência e a doutrina têm aceitado a possibilidade de, em determinadas situações, a preterição desta formalidade (dever de audição) se degradar em formalidade não essencial, dela não decorrendo qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, tendo presente o princípio do aproveitamento dos actos administrativos (não se justificando tal anulação nos casos «em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau», no caso a contestação e o respectivo pedido de avaliação com a participação de um Revisor Oficial de Contas em representação dos impugnantes, sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. (Cf. Diogo Leite Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, anotação 15 ao art. 60º, p. 515.)”

Vejamos.

Efetivamente, quando a liquidação de imposto sucessório é realizada com base na declaração do contribuinte na relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, a audição prévia dos contribuintes é dispensada nos termos do artigo 60.º, n.º 2, alínea a) da LGT.

Contudo, a expressão constante no n.º 2 do artigo 60.º da LGT “com base na declaração do contribuinte deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efetuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte nos aspetos factual e jurídico (Nesse sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. I, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 429) – v. acórdão do TCAS de 04/06/2015, proc. n.º 02994/09, e jurisprudência aí citada.

In casu, resulta dos autos que parte do imposto sucessório foi efetivamente apurado com base nos valores declarados na relação de bens, porém, note-se que foram apresentados “aditamentos às relações de bens”, nas quais se incluíram verbas compostas por quotas societárias, e, portanto, estas foram objeto de avaliação nos termos do art. 77.º do CIMSISD (cf. ponto 4,5 e 8, da matéria de facto).

Ou seja, em parte a liquidação de imposto sucessório foi com base nos valores declarados nas relações de bens, e assim sendo, nessa parte, é dispensada a audição prévia dos contribuintes nos termos do artigo 60.º, n.º 2, alínea a) da LGT. Contudo, o mesmo não se poderá concluir relativamente à parte respeitante aos valores respeitantes às quotas societárias que foram apurados pela AT nos termos do disposto no art. 77.º do CIMSISD. E tanto assim é que foi apresentada uma contestação nos termos do art. 87.º do CIMSISD, pelos herdeiros que não concordaram os valores fixados para as quotas societárias objeto de avaliação.

Ou seja, não se poderá concluir que é dispensada a audição do contribuinte nos termos do n.º 2, do art. 60.º, da LGT, quanto ao imposto sucessório apurado com base em valores apurados pela AT nos termos do disposto no art. 77.º do CIMSISD.

Não obstante, entendemos que, também nesta parte, não se verifica a preterição do direito de audição prévia dos Impugnantes, porque a sua participação foi assegurada através da notificação que lhes foi dirigida para apresentarem contestação nos termos do art. 87.º do CIMSISD, direito que efetivamente exerceram contestando os valores das quotas societárias que serviram de base à liquidação de imposto sucessório (cf. ponto 10 da matéria de facto), e mais participaram no respetivo procedimento de avaliação através do louvado que nomearam, que aliás, concordou com os valores aí fixados (cf. ponto 11 da matéria de facto), e com base nos quais foram efetuadas as liquidações.

Na verdade, prevendo-se uma forma de intervenção do contribuinte na formação da decisão através da participação na avaliação e não havendo qualquer utilidade em admitir uma nova intervenção antes da liquidação, por não poder ser alterado o valor sobre que deve incidir o imposto sucessório, é de concluir que a participação dos interessados na formação da decisão é assegurada através da avaliação prevista no art. 87.º do CIMSISD (v. nesse sentido, muito embora relativamente a contribuição especial, vide, entre muitos acórdão do Pleno do STA de 19/05/2010, proc. n.º 01053/09.

Portanto, a intervenção do contribuinte antes da liquidação seria completamente inócua, pois dela nunca poderia resultar a alteração dos valores das quotas societárias com base no qual foi apurado o imposto sucessório. Refira-se ainda que não colhe a argumentação constante da conclusão I) das alegações de recurso dos recorrentes, uma vez que no procedimento de avaliação poderia ser discutida a questão da existência de créditos que configuram ou não ativos, e a sua consideração no valor das quotas para efeitos de imposto sucessório.

Pelo exposto, nesta parte, improcedem as conclusões de recurso.

Invocam ainda os recorrentes erro de julgamento de direito e de facto, porquanto a liquidação de juros compensatórios efetuados à Impugnante “A...” não se encontra fundamentada nos termos do n.º 9, do art. 35.º da LGT, porquanto a notificação efetuada à Impugnante não foi acompanhada dos cálculos dos juros compensatórios (conclusões Q) a U) das conclusões de recurso).

Nesta parte é a seguinte a fundamentação da sentença recorrida:

A alegada falta de fundamentação da liquidação de juros à Impugnante A....
De acordo com o disposto no artigo 67.º do CISISSD, o cabeça de casal e os donatários são obrigados a apresentar, por si, seus representantes legais ou mandatários, na repartição de finanças onde tiver sido instaurado o processo, dentro dos sessenta dias ao da prestação das declarações a que se referem os artigos 60.º e 61.º designadamente a declaração do falecimento do autor da sucessão, uma relação com a descrição dos bens da herança, bem como do passivo existente.
As omissões de bens só serão de relevar quando deva razoavelmente admitir-se o desconhecimento da sua existência, ou se alegue ou prove a impossibilidade de os examinar.
O disposto no artigo 26.º não dispensa a relacionação de todos os mobiliários das espécies aí indicadas.
(…)
Quando o interessado reconhecer que é insuficiente o prazo fixado neste artigo para apresentação da relação de bens, poderá requerer ao chefe da repartição de finanças, por uma ou mais vezes, a prorrogação desse prazo até cento e oitenta dias, indicando os motivos que obstam à apresentação.
Decorrido o período constituído pela soma dos prazos estabelecidos no art. 60.º e 67.º do CISISSD, no caso de a participação de bens ter sido realizada fora de prazo, a liquidação considera-se retardada por facto imputável ao contribuinte, dando lugar ao cômputo de juros compensatórios calculados nos termos do artigo 113.º do CISISSD.
Em matéria de fundamentação de decisões de cálculo de juros compensatórios, o artigo 35º, nº 9, da Lei Geral Tributária estabelece que “a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas”.
Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos, constitucionalmente imposto (cfr.art.268, nº.3, da C.R.P.).
Da matéria de facto provada, resulta que a impugnante apresentou a primeira relação de bens em 12/10/1999, tendo sido notificada nessa data do prazo legal de sessenta dias para a respectiva apresentação, no entanto apresentou três aditamentos à relação, o ultimo em 20/10/2004, sem qualquer justificação ou pedidos de prorrogação de prazo.
No que se refere à alegada falta de fundamentação da liquidação de juros, importa verificar a liquidação impugnada, da qual resulta expressamente “1.ª adicional 359 dias, 2.ªadicional- 2180 dias – taxa 0,1” bem como o valor de juros em cada parcela de imposto (cf. ponto n.º 13 dos factos provados).
Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período e o valor dos juros.”

Ora, nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida.

Efetivamente, o ato de liquidação de juros compensatórios deverá respeitar o disposto no n.º 9 do art. 35.º da LGT: “9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.”

A jurisprudência do STA tem firmado entendimento no sentido de que para se considerar satisfeita a exigência de fundamentação, os atos de liquidação de juros compensatórios devem conter uma fundamentação mínima exigível, nomeadamente, devem indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo (cf. acórdãos do STA, de 21/4/2010, proc. n.º 743/09; de 16/10/2010, proc. n.º 830/10; de 30/11/2011, proc. n.º 619/11; de 29/2/2012, proc. n.º 928/11; e de 14/2/2013, proc. n.º 645/12).

In casu, como bem aponta a sentença recorrida decorre da fundamentação do ato de liquidação de juros compensatórios aquela fundamentação mínima exigida, pois da mesma consta “1.ª adicional 359 dias, 2.ªadicional- 2180 dias – taxa 0,1” bem como o valor de juros em cada parcela de imposto” (cf. ponto 13 da matéria de facto).

A questão que os recorrentes levantam quanto ao facto de não terem sido notificados daquele cálculo constitui uma questão que contende com a eficácia da liquidação, porque estaríamos uma deficiência de notificação do ato, mas que não afeta a sua validade, sendo certo que eventual irregularidade na notificação poderia ser suprida através do disposto no art. 37.º do CPPT.

Pelo exposto, improcedem todos os fundamentos do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida, e, portanto, negar provimento ao recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencidos na presente causa os recorrentes, estes deram causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, devem ser condenados nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Prevendo-se no procedimento uma forma de intervenção do contribuinte na formação da decisão, nomeadamente através da participação na avaliação das quotas sociais, e não havendo qualquer utilidade em admitir uma nova intervenção antes da liquidação, por não poder ser alterado o valor sobre que deve incidir o imposto sucessório, é de concluir que a participação dos interessados na formação da decisão é assegurada através da avaliação prevista no art. 87.º do CIMSISD.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


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Custas pelos recorrentes.

D.n.

Lisboa, 11 de fevereiro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora



A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.