Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:594/19.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO.
OBRA DE ESCASSA RELEVÂNCIA URBANÍSTICA.
Sumário:I. A instalação de um toldo retráctil através da colocação de uma caixa de recolhimento fixa à fachada tardoz do edifício e da implantação de três perfis metálicos fixos ao solo através de pequenas sapatas de cimento, constitui uma construção que tem natureza inamovível.
II. Por se tratar de um equipamento que se encontra funcionalmente afecto a fins de lazer, aplica-se no caso e porque o regulamento municipal não prevê especificamente a situação, o disposto na al. e) do n.º 1 do art.º 6.º-A do RJUE.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Ministério Público vem interpor recurso da sentença proferida no TAC de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial do despacho proferido pelo Município de Lisboa, que aplicou a C... a coima de 700,00€ pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 4°, n.° 4, al. d) e 98°, n.° 1, al. r) e n.º 2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção à data dos factos.
Formulou as seguintes conclusões:
1.Contrariamente ao invocado na decisão, ora em recurso, as obras de construção de uma estrutura com três perfis metálicos com cerca de 6,00mx4,00m2 fixos a pequenas sapatas de cimento com cobertura em sistema de toldo retráctil com base de fixação à fachada num espaço de empedrado das traseiras do imóvel sito P..., traseiras não se enquadram no conceito de obra de escassa relevância urbanística do artigo 6.ºA, n.º 1, alínea a), do RJUE.

2. Desde logo a obra realizada não se enquadra na alínea e) do citado artigo 6.ºA dada a área de implementação e cobertura ser superior a 10 metros quadrados, nem na alínea d), do artigo 5.º, do RMUEL.

3. E isto porque, não foi apenas executada uma estrutura fixa inamovível no solo, como também, foi executada uma operação urbanística na fachada a tardoz do imóvel, ao nível superior da padieira dos vãos da fiação em causa, com a colocação de um toldo retráctil, obra esta, que inevitavelmente carece de um projecto de arquitectura de alteração exterior.

4. No caso em análise para colocação do toldo retráctil, foram colocados suportes de metal e uma caixa de recolhimento fixos à fachada tardoz do imóvel, que exercem um esforço adicional na mesma e na edificação da estrutura metálica foram introduzidos parafusos e sapatas de cimento carecem obrigatoriamente da interligação de vigas de fundação, típico das estruturas metálicas, esta instalação, só se tornou exequível, devido à indispensável estabilidade assente no solo para qual são necessários cálculos de esforço e consistência, com a apresentação de um plano de pormenor de dimensão do aço a aplicar nas vigas de fundação, sujeita à responsabilidade técnica de um engenheiro de estruturas.
5. Trata-se pois duma obra de alteração exterior, nos termos do artigo 2.º n.º 2 alínea e) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação que define «Obras de alteração» são obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente ou sua fracção, designadamente, a respectiva estrutura resistente, a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior

6. Obra essa efectuada em violação das normas legais em matéria de urbanismo, que poderá acarretar danos estruturais no revestimento da fachada e a ocorrência de infiltrações na mesma, provenientes das águas pluviais.

7. A obra realizada é uma obra de alteração estrutural e exterior e como tal estava obrigatoriamente sujeita a controlo prévio nos termos art. 4.º, n.º 1 e n.º 4 alínea d) do RJUE, por não se verificarem os pressupostos do art. 6.º do mesmo diploma legal designadamente não se enquadrar na definição do art. 6.º-A de obra de escassa relevância urbanística.

8. Pelo que, a sentença recorrida ao decidir que se tratava de obra de escassa relevância urbanística e ao absolver a arguida, ora Recorrida, da contra-ordenação, incorreu em erro de julgamento.”.

Foram apresentadas as seguintes conclusões com as contra-alegações de recurso:

(i) Constituindo a instalação uma obra de escassa relevância urbanística nos termos previstos nas normas constantes na alínea l) do artº 2º, nas alíneas a), d) e e) do artº 6º-A do RJUE, e na alínea d) do artº 5º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa, está isento de controle prévio, nos termos previstos na alínea c) do artº 6º do RJUE;
(ii) Donde, o acto praticado pela Arguida, aqui Recorrida, não se encontra abrangido pela alínea d) do nº 4 do artº 4º do RJUE, i.e. não se encontra sujeito a procedimento de comunicação prévia em virtude do acto se enquadrar nos casos abrangidos por isenção de controle prévio;
(iii) Donde, não se enquadra no escopo legal da disposição sancionatória em apreço – alínea r), nº 1, artº 98º do RJUE

O processo foi a Visto junto do Digníssimo Procuradora-Geral Adjunto, nos termos e conforme previsto no art.º 416.º do CPP, tendo sido emitido douto parecer em que se conclui pela procedência do Recurso.

O arguido foi notificado, nada tendo dito.


*

Objecto do recurso.

Há, assim, que decidir, nos termos do art.º 75.º do RGCO, se a sentença recorrida sofre do erro de julgamento que lhe é imputado por, ao contrário do decidido, não estarmos perante uma obra de escassa relevância urbanística, mas sim perante uma obra de alteração estrutural exterior ao edifício, sujeita a controlo prévio.

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Dos factos.

Na sentença recorrida foram fixados os seguintes factos:


1. Em 15.02.2017, a Polícia Municipal lavrou um auto de notícia, aí dando conta de que, em 09.02.2017, “no sítio de P..., traseiras, freguesia de Parque das Nações, concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, o Agente J... - N° 9… - Polícia Municipal - constatou que o infrator acima identificado [Recorrente], praticou a seguinte infração: (…) - verificou-se num espaço de empedrado, nas medidas em cerca de 6,00mx4,00m, a ocupação com uma estrutura com três perfis metálicos fixos a pequenas sapatas de cimento e cobertura em sistema de toldo retrátil com base de fixação à fachada. No interior da referida cobertura, foi verificada a ocupação com um conjunto de sofás, um candeeiro de pé alto e um estendal de roupa, em violação às disposições do Regulamento Geral das Edificações Urbanas”, circunstâncias que, no entender daquele órgão de polícia criminal, infringiriam o disposto no “Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38 382, de 7 de agosto de 1951, na sua redação atual” (cf. cópia do auto de notícia juntas a fls. 3 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

2. Em 24.02.2017, foi proferido despacho pela Câmara Municipal de Lisboa, determinando a instauração de processo de contra-ordenação (cf. cópia do despacho junta a fls. 13 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
3. Em 26.04.2017, foi proferido despacho pela instrutora do processo contra-ordenacional mandado instaurar através do despacho a que se alude no ponto
anterior, autuado sob o n.º 1-806-2017, dando conta de que “Atento os factos descritos na participação PI-7…-2017, verifica-se que os mesmos são susceptíveis de violar o art. 4o n.° 4 alínea d) do Regime Jurídico da Edificação e da Urbanização e não o artigo 74° do Regulamento Geral de Edificações Urbanas uma vez que se trata da realização de obras de alteração com a construção de uma estrutura no logradouro e não de ocupações duradouras de logradouros das edificações. // Nestes termos, atendendo a que a fiscalização não procedeu ao correcto enquadramento legal dos factos verificados, procedeu-se à alteração do enquadramento legal do normativo violado, Artigo 4.° n.°4 al. d) e respectivo normativo sancionatório previsto nos Artigos 98.° n.° 1 al. r) e n.° 2, ambos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.” (cf. cópia do despacho junta a fls. 14 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

4. Em 28.04.2017, a Câmara Municipal de Lisboa remeteu um ofício à Recorrente com vista a notificá-la da instauração de procedimento contra-ordenacional na sequência do auto de notícia a que se alude no ponto 1. supra, acusando-a da execução de “obras de alteração sujeitas a comunicação prévia sem que esta tivesse ocorrido”, em pretensa violação do “Artigo 4o n° 4 al. d) do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 136/2014, de 9 de setembro”, sancionável por força do “Artigo 98.° n.° 1 al. r) e n° 2 do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 136/2014, de 9 de setembro”, com coima entre EUR 500,00 e EUR 200.000,00, e instando-a a, querendo, apresentar defesa, no prazo de 15 dias úteis (cf. cópias do ofício e respectivo registo postal e aviso de recepção juntas a fls. 16-18 e 25 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
5. Em 22.05.2017, a Recorrente apresentou a sua defesa junto da Câmara Municipal de Lisboa (cf. cópias da petição de defesa e respectivo envelope juntas a fls. 26-29 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
6. Em 17.01.2019, a Câmara Municipal de Lisboa proferiu decisão no âmbito do procedimento contra-ordenacional ora em crise, cujo teor se reproduz parcialmente infra:
“(…) FACTOS PROVADOS
Dos elementos constantes dos presentes autos e com interesse para a boa decisão do processo, resultaram provados os seguintes factos:
1- No dia 9 de fevereiro de 2017 pelas 17:20 horas, verificou-se a execução de obras no imóvel sito P…, traseiras, neste concelho e comarca de Lisboa.
2- As obras em referência consistiram na construção de uma estrutura com três perfis metálicos com cerca de 6,00mx4,00m fixos a pequenas sapatas de cimento e cobertura em sistema de toldo retrátil com base de fixação à fachada num espaço de empedrado das traseiras do imóvel identificado em 1.
3- As obras acima referidas consubstanciam obras de alteração.
4- O imóvel identificado em 1. encontra-se inserido em Zona Urbana Consolidada.
5- A execução de obras de alteração em imóveis situados em Zona Urbana Consolidada está sujeita a comunicação prévia.
6- A arguida executou obras de alteração sujeitas a comunicação prévia sem que esta tivesse ocorrido.
7- A arguida é a proprietária do imóvel identificado em 1
8- As obras acima referidas foram promovidas pela Arguida, que foi a responsável pela sua execução.
9- A arguida na qualidade de proprietária do imóvel e usando como referência o critério do homem médio comum, capaz e diligente, exigível a quem vive em sociedade tinha obrigação de previamente diligenciar junto da Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de se informar sobre o necessário controlo prévio para realização de obras de alteração com a construção de uma estrutura com perfis metálicos nas traseiras do imóvel inserido em Zona Urbana Consolidada.
10. A arguida ao proceder à realização de obras de alteração sujeitas a comunicação prévia, sem o necessário controlo prévio para o efeito, violou os deveres objetivos e subjetivos de cuidado a que está obrigada e que é capaz, pelo que atuou de forma negligente.
11- Ausência de antecedentes contraordenacionais nesta Câmara.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão administrativa dos presentes autos, designadamente:
a) O concreto benefício económico que a Arguida tenha retirado com a prática da contraordenação acima descrita.
b) A situação económica da Arguida.
Nada mais ficou provado, não provado ou por provar com relevo para a boa decisão administrativa nos presentes autos.
FUNDAMENTAÇÃO
DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção da Autoridade Administrativa fundamentou-se na análise crítica do conjunto dos elementos de prova constantes dos autos, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade social, máxime, a participação interna n.° 741-2017, a defesa apresentada pela arguida bem como os demais documentos constantes dos autos, que aqui se valorou.
Especificando.
1- A arguida, em sede de defesa, justifica a sua atuação de inobservância legal por considerar que as obras de alteração com a construção de uma estrutura com três perfis metálicos com cerca de 6,00mx4,00m fixos a pequenas sapatas de cimento e cobertura em sistema de toldo retrátil com base de fixação à fachada num espaço de empedrado das traseiras não consubstanciam obras sujeitas a controlo prévia desta autarquia.
2- Contudo, informa que o artigo 6.° do RJUE isenta de controlo prévio as obras de escassa relevância urbanística, cfr. alínea c) do n.° 1 as quais se encontram elencadas no artigo 6°A do RJUE.
3- Ora, nos termos do n.° 1 desse último preceito legal, constituem obras de escassa relevância urbanística, alínea d) As pequenas obras de arranjo e melhoramento da área envolvente das edificações que não afectem área do domínio público; alínea e) A edificação de equipamento lúdico ou de lazer associado a edificação principal com área inferior à desta última;alínea f) A demolição das edificações referidas nas alíneas anteriores.
4- O Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL) no Artigo 5° "Obras de escassa relevância urbanística, para efeitos do disposto na alínea i) do n.° 1 do artigo 6.°-A do RJUE, e para além das obras previstas nas alíneas a) a h) do mesmo número, são obras de escassa relevância urbanística, sem prejuízo do disposto no n.° 2 do mesmo artigo, as seguintes:Obras complementares dos logradouro das edificações, designadamente arruamentos internos para acesso a estacionamento, desde que sejam executados em material permeável e não prejudiquem as condições de mobilidade na via pública;
5- Portanto para um jurista fácil será perceber, confrontado estes dois regimes que a instalação de um toldo num logradouro contiguo a uma moradia por forma a dele poder tirar partido quando chove ou faz sol, não constitui uma obra de construção, de alteração ou de ampliação, esta sim sujeita a comunicação prévia mas ao invés, constitui uma intervenção de escassa relevância urbanística no caso, uma pequena obra de arranjo e melhoramento da área envolvente sua cada que não afecta o domínio público, que consistiu na instalação de equipamento lúdico ou de lazer associado à edificação principal e com área inferior à desta última.
6- Ou, se preferir, numa intervenção complementar do logradouro da edificação principal, sem impermeabilização dom solo e que não prejudica as condições de mobilidade na via pública por se tratar de logradouro que deita para jardim comum de um condomínio fechado.
Analisando.
As razões invocadas em sede defesa não colhem o nosso provimento, porquanto tais argumentos em nada eximiam a arguida na sua obrigação legal de previamente diligenciar junto da Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de se informar sobre o necessário controlo prévio para realização de obras de alteração que queria promover, e de atuar em conformidade, o que estava perfeitamente ao seu alcance, e que no entanto não se verificou.
Quanto à natureza das obras realizadas, contrariamente ao alegado, a arguida realizou obras de alteração estruturais e exteriores no imóvel objeto dos autos. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 2o n° 2 alínea e) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação que define que «Obras de alteração» são obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente ou sua fração, designadamente, a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, pelo que os tais argumentos não procedem por não provados.
Ressalve-se que, de acordo com o disposto no artigo 6o n.° 1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação sob epígrafe "Isenção de controlo prévio" é referido expressamente que sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.° 2 do artigo 4.°, estão isentas de controlo prévio na sua alínea c) As obras de escassa relevância urbanística.
Por seu turno o artigo 6.° -A do citado diploma legal refere expressamente o que são obras de escassa relevância urbanística no seu número 1. No caso vertente, alínea a) As edificações, contíguas ou não, ao edifício principal com altura não superior a 2,2 m ou, em alternativa, à cércea do rés do chão do edifício principal com área igual ou inferior a 10 m2 e que não confinem com a via pública.
Ora, no caso sub júdice, a arguida não executou uma obra de escassa relevância urbanística no imóvel em causa, inserido em zona urbana consolidada, porquanto, a área da implantação da obra em questão, é superior a 10 m2, não se verificando, consequentemente em função da área, a isenção de controlo prévio.
Mais se refira que, contrariamente ao alegado pela arguida, a realização de tais obras, só se tomaram exequíveis, devido à edificação de uma estrutura metálica, fixa, não amovível caracterizada pela introdução de parafusos e sapatas, típico das estruturas metálicas, configurando deste modo, a indispensável rigidez e estabilidade existentes, sendo esta obra pela sua própria natureza uma obra de alteração estrutural que está sujeita à responsabilidade técnica sob forma de termo de responsabilidade, subscrito por um engenheiro de estruturas.
Acrescendo a que, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, a validade do projeto de estruturas pressupõe a existência de um projeto de arquitetura com o qual o projeto de estrutura tem que ser consentâneo com o termo de responsabilidade do coordenador do projeto de arquitetura.
Mais se refira que, a arguida para execução de tais obras, tinha a obrigatoriedade de apresentar no competente processo urbanístico, a apensação de ata do condomínio assinada em Assembleia de condóminos a autorizar a utilização do espaço com concordância das obras a promover e mediante definição das suas características.
Pelo que os argumentos apresentados pela arguida não colhem o nosso provimento.
Os factos internos ou subjetivos resultaram provados a partir da análise conjugada de todos os factos objetivos assentes, apreciados segundos as regras de experiência comum e da normalidade social e à luz do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127° do Código de Processo Penal (CPP), ex vi, artigo 41°, n° 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações.
Por sua vez, os factos não provados resultaram de nenhuma prova ter sido produzida quanto aos mesmos, ou de encerrarem em si matéria conclusiva, juízos de valor ou conceitos de direito.
DA MATÉRIA DE DIREITO
A arguida vem acusada, em autoria material e na forma consumada, da prática de uma contraordenação prevista e sancionável pelos artigos 4.° n.° 4 al. d) e 98.° n.° 1 al. r) e n.° 2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com coima de 500,00 euros a 200000,00 euros.
Vejamos pois, em concreto, se assim é:
Por zona urbana consolidada, entende-se "a zona caracterizada por uma densidade de ocupação que permite identificar uma malha ou estrutura urbana já definida, onde existem as infraestruturas essenciais e onde se encontram definidos os alinhamentos dos planos marginais por edificações em continuidade" (artigo 2º al. o) do RJUE).
Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo n.° 2 al. e) do mesmo diploma legal, são obras de alteração "as obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente ou sua fração, designadamente a respetiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área de pavimento ou de implantação ou da cércea.".
De acordo com o art.° 4º, n.° 4, al d) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, «Estão sujeitas a comunicação prévia as seguintes operações urbanísticas (...) as obras de construção, de alteração ou de ampliação em zona urbana consolidada que respeitem os planos municipais e das quais não resulte edificação com cércea superior à altura mais frequente das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra a nova edificação, no troço de rua compreendido entre as duas transversais mais próximas, para um e para outro lado.
Por seu turno, o artigo 74° n.° 2 do citado diploma legal dispõe que "a admissão de comunicação prévia das operações urbanísticas é titulada pelo recibo da sua apresentação acompanhado do comprovativo da sua admissão..."
Nos termos do art.° 98°, n.° 1, alínea r) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação «Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contra-ordenação: (...) r) A realização de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia sem que esta tivesse ocorrido (...)»
Ora, conforme resulta dos factos dados como provados, a arguida procedeu à execução de obras sujeitas a comunicação prévia, sem ter obtido, previamente à sua execução o necessário titulo de admissão de comunicação prévia, através do comprovativo eletrónico da sua apresentação e do comprovativo do pagamento das taxas devidas por autoliquidação.
Estão assim preenchidos todos os elementos objetivos constitutivos do tipo legal de contraordenação em causa, mais concretamente a falta de comunicação prévia para a realização de obras de alteração num imóvel inserido em zona urbana consolidada.
Por sua vez, um dos princípios basilares do Código Penal e do RGCO é o princípio da culpa (não há pena sem culpa e a culpa decide a medida da pena) e, constituindo a aplicação de uma coima, um juízo de censura etico-social dirigido à arguida que desrespeitou o seu dever para com a Administração, há que aferir, no caso concreto, qual o grau de culpa que lhe é imputável, pois que, toda a sanção contraordenacional tem como suporte uma culpa concreta, em conformidade com o principio constitucional "nulla poena sine culpa" plasmado no artigo 29° da Constituição da República Portuguesa.
Assim, para que exista culpabilidade da arguida no cometimento dos ilícitos acima descritos, toma-se necessário que os mesmos lhe possam ser imputados a título de dolo ou, nos casos especialmente previstos, de negligência.
A negligência, em qualquer das suas modalidade, consciente ou inconsciente, consiste na omissão de um dever de cuidado e de diligência a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz cada um, para evitar a realização de um facto típico, compreendendo o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligências necessárias para o evitar.
Assim, da prova factual constante dos presentes autos, a arguida na qualidade de proprietária do imóvel e usando como referência o critério do homem médio comum, capaz e diligente, exigível a quem vive em sociedade tinha obrigação de previamente diligenciar junto da Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de se informar sobre o necessário controlo prévio para realização de obras de alteração com a construção de uma estrutura com perfis metálicos nas traseiras do imóvel inserido em Zona Urbana Consolidada.
Assim, a arguida ao proceder à realização de obras de alteração sujeitas a comunicação prévia, sem o necessário controlo prévio para o efeito, violou os deveres objetivos e subjetivos de cuidado a que está obrigada e que é capaz, pelo que atuou de forma negligente.
Pelo que, dúvidas não restam que a arguida preencheu na íntegra, com a sua conduta, os aludidos elementos, quer objetivos quer subjetivos, constitutivos da contraordenação.
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA COIMA
Nos termos do artigo 18.° do RGCO, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do arguido e do beneficio económico que este retirou da prática da contraordenação.
DA GRAVIDADE
Nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, a Administração tem sempre de conservar os poderes necessários para fiscalizar a atividade dos particulares e garantir que esta se desenvolva no estrito cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis, especialmente nos casos em que esse controlo prévio é mais esparso, como acontece no procedimento de comunicação prévia, pelo que no caso vertente, a prática da contraordenação reveste-se de uma gravidade elevada.
DA CULPA
Conforme exposto em sede de fundamentação, a culpa da arguida é mediana, por negligente, não se esboçando qualquer justificação razoável para os factos praticados.
A atitude da arguida é censurável pois, podendo ter agido em conformidade com o Direito, o que estava perfeitamente ao seu alcance, optou pelas condutas anti-jurídicas. O grau de censurabilidade é mediano, atendendo a que assumem já alguma relevância as exigências de prevenção geral que no domínio deste tipo de contraordenação se faz sentir, dado o alto índice de infrações praticadas, com o consequente aumento da degradação do edificado urbano e desrespeito pela vida em comunidade ao realizar obras sem o necessário controlo prévio para o efeito.
Face ao exposto, não pode deixar de se imputar à ora arguida a prática da contraordenação, e de lhe assacar a responsabilidade dela emergente.
Contudo, considerando a culpa da arguida na modalidade negligente, atenuada pela ausência de antecedentes contraordenacionais, afigura-se adequada a aplicação de uma coima próxima do montante mínimo legal, sendo esta suficiente para acautelar as finalidades da punição e para garantir que a arguida não volte a iniciar qualquer operação urbanística sujeita ao controlo prévio desta autoridade administrativa, sem antes estar munida do competente título que a legitime.
DA SITUAÇÃO ECONÓMICA Não foi apurada.
DO BENEFÍCIO ECONÓMICO Não foi apurado.
Assim, dá-se como provada a prática da contraordenação de que a arguida foi acusada e, em consequência:
DA DECISÃO
Considerando o acima exposto, nos termos do Artigo 58.° do Regime Geral das Contra-Ordenações, DECIDO:
Infração 1
Condenar o(a) arguido(a) pela violação do Artigo 4° n° 4 al. d) do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 136/2014, de 9 de setembro - artigo 74° n.°2 do citado diploma legal, ilícito previsto e punido pelo Artigo 98.° n.° 1 al. r) e n° 2 do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 136/2014, de 9 de setembro, na coima de 700,00 € (setecentos euros).
Condenar o(a) arguido(a) ao pagamento das custas do processo, nos termos do disposto no Artigo 94.° do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n° 244/95 de 14 de setembro, e com as alterações introduzidas pela Lei n° 109/2001 de 24 de dezembro, no montante de 51,00 € (cinquenta e um euros).” (cf. cópia da decisão junta a fls. 31-38 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).”.


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Direito
Alega o Recorrente que a sentença recorrida errou ao ter considerado que não se verifica a prática da contra-ordenação. Defende que as obras efectuadas não são de escassa relevância urbanística.
Para tanto, diz que se trata de obras de construção de uma estrutura com três perfis metálicos com cerca de 6,00mx4,00m2, fixos a pequenas sapatas de cimento com cobertura em sistema de toldo retráctil, com base de fixação à fachada num espaço de empedrado das traseiras do imóvel principal.
Refere que, para colocação do toldo retráctil, foram colocados suportes de metal e uma caixa de recolhimento fixa à fachada tardoz do imóvel, que exercem um esforço adicional na edificação e ainda uma estrutura metálica onde foram introduzidos parafusos, assente em sapatas de cimento, que carecem obrigatoriamente da interligação de vigas de fundação, típico das estruturas metálicas.
Entende que a instalação só se tornou exequível devido à indispensável estabilidade assente no solo para a qual são necessários cálculos de esforço e consistência e que era necessária a apresentação de um plano de pormenor de dimensão do aço a aplicar nas vigas de fundação, sujeita à responsabilidade técnica de um engenheiro de estruturas.
Defende que se tratam de obras de alteração estrutural, conforme previsto no artigo 2.º n.º 2 alínea e) do RJUE e que, como tal, estavam obrigatoriamente sujeitas a controlo prévio nos termos art. 4.º, n.º 1 e n.º 4 alínea d) do RJUE.

Na sentença recorrida entendeu-se que, “por estar em causa uma mera “edificação de equipamento lúdico ou de lazer associado a edificação principal com área inferior à desta última” e, maxime, “Obras complementares dos logradouros das edificações”, não se verifica qualquer circunstância específica que impusesse a respectiva comunicação prévia à Câmara Municipal de Lisboa.

O Município considerou que foram realizadas obras de alteração, sujeitas a comunicação prévia nos termos do art.º 4° n° 4 al. d) do RJUE, pelo que, pela inobservância de tal dever, puniu a arguida pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo art.º 98.° n.° 1 al. r) e n° 2 do RJUE.

Contrariamente ao defendido pela arguida, aqui Recorrida, a instalação do toldo retráctil através da colocação de uma caixa de recolhimento fixa à fachada tardoz do imóvel e da implantação de três perfis metálicos fixos ao solo através de pequenas sapatas de cimento, constitui uma construção que tem natureza inamovível, dado que forma um conjunto afecto a uma funcionalidade específica, incorporado no solo com carácter duradouro e que não é susceptível de ser deslocado sem perda da sua individualidade construtiva – confira-se, neste sentido, o acórdão do TCA Sul de 08/11/2012, proc. nº 08753/12, in www.dgsi.pt.

E, para efeitos do RJUE, é tido como uma edificação. Estabelece-se no seu art.º 2.º, al. a), que constitui edificação “a atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência”.

Porém, trata-se de uma edificação em que, de acordo com o auto de notícia de 15/02/2017, se encontrava no seu interior, entre o mais, um conjunto de sofás e um candeeiro, pelo que do ponto de vista funcional há que concluir que, como se refere na sentença recorrida, se trata de um equipamento lúdico ou de lazer associado ao edifício.

Estabelece o art.º 6.º-A, n.º 1, al. e), do RJUE, que “são obras de escassa relevância urbanística (…) e) a edificação de equipamento lúdico ou de lazer associado a edificação principal com área inferior à desta última”.

A edificação em causa ocupa uma área de 24 m², no entanto nada demonstra que essa área seja superior à do edifício a que se encontra funcionalmente afecta, pelo que temos por preenchida a previsão da transcrita al. e) do art.º 6.º-A do RJUE.

O Recorrido defende que não estamos perante obras de escassa relevância urbanística, por se tratar de uma edificação com uma área superior à de 10 m², prevista na al. a) do n.º 1, do art.º 6.º-A do RJUE.

O art.º 6.º-A, n.º 1, al. a) do RJUE estabelece que “são obras de escassa relevância urbanística (…) a) as edificações, contíguas ou não, ao edifício principal com altura não superior a 2,2 m ou, em alternativa, à cércea do rés-do-chão do edifício principal com área igual ou inferior a 10 m2 e que não confinem com a via pública;”.

Tal norma apenas pode ser aplicada se a situação a considerar não se integrar na previsão das restantes normas desse art.º 6.º-A do RJUE.

No caso, como se viu, por se tratar de uma edificação que se encontra funcionalmente afecta a fins lúdicos ou de lazer, aplica-se a referida al. e) do n.º 1 do art.º 6.º-A do RJUE, pelo que não há que atender ao limite de 10 m2 imposto para as edificações em geral, previsto na al. a) do mesmo número e artigo.

O Recorrente alega ainda que por se tratar de obras de que resulta a modificação das características físicas de uma edificação, estamos perante obras de alteração face ao disposto no art.º 2.º, al. d) do RJUE, o que foi reconhecido pela sentença recorrida.

No entanto, são de obras de escassa relevância urbanística, pelo que não estavam sujeitas a comunicação prévia.

Por conseguinte, há que concluir que não foi praticado o ilícito contraordenacional por que a Recorrida foi punida.

Não significa isso que as obras realizadas estão excluídas da observância das regras urbanísticas de natureza legal ou regulamentar aplicáveis. Continuam sujeitas a fiscalização sucessiva e podem ser objecto de medidas de tutela da legalidade por parte do Município, conforme referem Fernanda Paula Oliveira e outros, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, 2019, 4ª ed, pág. 154. No entanto, esta é questão que se coloca em plano diverso daquele que agora nos ocupa.

Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.


Lisboa, 12 de Novembro de 2020

O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente Acórdão os Juízes Desembargadores que integram a formação de julgamento.



Jorge Pelicano


Celestina Castanheira


Ricardo Ferreira Leite