Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05169/11
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/29/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PROCEDIMENTO DE DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
ARTº.52, Nº.4, DA L.G.TRIBUTÁRIA. ARTº.170, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
ÓNUS DA PROVA.
PREJUÍZO IRREPARÁVEL.
Sumário:1. Ponderado o disposto nos artºs.52, nºs.1 e 2, da L. G. Tributária, e 183, nº.1, do C. P. P. Tributário, a execução fiscal pode suspender-se mediante a prestação de garantia idónea por parte do executado (ou até de um terceiro com interesse em tal-v.g.promitente-comprador de um imóvel que não ocupa o lugar de executado). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário). Sobre o valor da garantia, deve esta abranger a dívida exequenda, juros de mora computados até cinco anos e custas, tudo acrescido de 25% e conforme dispõe o artº.199, nº.5, do C. P. P. Tributário.

2. Este regime é, obviamente, uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais sempre devem presidir à constituição da garantia e sua manutenção, durante as vicissitudes que podem ocorrer no processo de execução fiscal suspenso.

3. O procedimento de isenção de prestação de garantia, está previsto no artº.52, nº.4, da L.G.Tributária, norma em que se consagra a possibilidade da Administração Tributária, a requerimento do executado, poder isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou existindo manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado. Por outras palavras, admite-se a dispensa da prestação de garantia a efectuar pelo órgão da execução fiscal, em caso de manifesta falta de meios económicos do executado ou, mesmo quando este disponha de meios económicos suficientes, a prestação de garantia lhe cause ou possa causar prejuízo irreparável, circunstância que obviamente lhe cabe provar. Por sua vez, a forma de o executado obter a dispensa da prestação da garantia está prevista no artº.170, do C.P.P.Tributário.

4. Face ao disposto no artº.342, do C.Civil, e no artº.74, nº.1, da L.G.Tributária, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois tratam-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. De resto, o texto do artº.170, nº.3, do C.P.P.Tributário, aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão.

5. A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao mesmo do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras consagradas no artº.344, do C.Civil. A acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário somente, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, assim aplicando a máxima latina “iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur”.

6. Dano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação (cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável (cfr.artº.692, nº.4, do C.P.Civil). Não basta, pois, que o reclamante alegue e prove o risco de lesão considerável, ou até de lesão de difícil reparação (em resultado da actuação da A. Fiscal no âmbito do processo de execução fiscal). Antes é necessário que o dano invocado e objecto de prova tenha a característica de irreparável, que não seja susceptível de reparação. Prejuízo esse a analisar de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), mais sendo o carácter irreparável do mesmo derivado, desde logo, de uma conjuntura de impossível reparação ou reconstituição da situação existente. No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.105 a 109 do presente processo, através da qual julgou procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida por “G….. - Global Technologies ……………., S.A.”, executado no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………., o qual corre seus termos no 8º. Serviço de Finanças de Lisboa, mais anulando o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia no âmbito da mencionada execução.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.129 a 137 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-No que diz respeito à aplicação do artº.22, nº.4, da L.G.T., há que referir que as dívidas constantes dos autos de execução fiscal em apreço respeitam a I.S. (Imposto de Selo) e a retenções na fonte de I.R.S. (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares);
2-Ora, tais dívidas resultaram da submissão, das respectivas guias de pagamento de I.R.S.-Retenções na Fonte, pelo próprio sujeito passivo sem que a Administração Fiscal tivesse qualquer intervenção em tais actos;
3-O presente recurso visa, pois, reagir contra a douta sentença que declara a anulação da decisão reclamada, consubstanciada no indeferimento do pedido de isenção de garantia, por violação do artº.52, nº.4, da L.G.T., com base no entendimento de que a Administração Tributária não logrou, neste caso, provar que a insuficiência de bens da requerente lhe é imputável por os ter dissipado em prejuízo dos credores, prova que, como foi entendido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão citado no parecer do D.M.M.P., de 15 de Maio de 2007, no processo nº.01780/07, impende sobre a Administração;
4-Não pode a Fazenda Pública conformar-se com tal entendimento por ser contrário, quer ao espírito da lei, quer à jurisprudência formada;
5-Ou seja, a demonstração de que o património se tornou insuficiente por motivos alheios à vontade do sujeito passivo é um ónus que cabe ao executado provar;
6-Só assim poderá ser interpretado o artº.52, nº.4, da L.G.T.;
7-A este propósito, refere a douta sentença recorrida e alude o Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa referindo que esse ónus não colide com o reconhecido direito constitucional consagrado no artº.20, nº.1, da Constituição da República Portuguesa;
8-Ou seja, deve manter-se o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de garantia, face a não ter sido provado, pela parte da executada a sua irresponsabilidade na génese da pressuposta inexistência ou insuficiência de bens;
9-Com as devidas consequências legais, o mesmo será afirmar o facto de que o processo executivo não se suspende até à prestação de garantia idónea, ou enquanto não for autorizada a dispensa de garantia nos termos legais - artº.52, nº.4, da L.G.T.;
10-O que leva à conclusão de que o processo de execução fiscal não sofreu qualquer suspensão e nunca viria a sofrer entretanto, face ao indeferimento do pedido de prestação de garantia;
11-Pois que nem sequer se verifica que, juntamente com o pedido de pagamento em prestações, tenha efectivamente sido demonstrada a intenção de apresentar garantia caso assim fosse decidido, nem justificado o pedido da sua dispensa;
12-Deste modo, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no regime sub-judice;
13-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.156 a 158 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida, com a consequente procedência da reclamação deduzida.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.105 a 107 dos autos):
1-Por ofício datado de 28 de Março de 2011, foi a ora reclamante citada da instauração, contra si, de processo de execução fiscal para cobrança de dívidas de I.R.S. e Imposto de Selo do ano de 2011, no montante total de € 50.686,87 (cfr.documento junto a fls.38 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
2-Por requerimento dirigido ao Chefe do 8º. Serviço de Finanças de Lisboa, solicitou a ora reclamante o pagamento da dívida exequenda em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, ao abrigo do artº.196, do C.P.P.T., e do artº.52, nº.4, da L.G.T., conjugado com o artº.170, “ex vi” do artº.199, nº.3, do C.P.P.T. (cfr.documento junto a fls.29 a 37 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
3-No requerimento referido no nº.2, alegou a ora reclamante que o pagamento imediato da quantia exequenda não lhe permitirá ir solvendo as suas dívidas, provocando-lhe consequências económicas gravosas (cfr.documento junto a fls.29 a 37 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
4-Pelo requerimento referido no nº.2, pediu, ainda, a ora reclamante a dispensa de prestação de garantia, alegando que, em face da difícil situação financeira, a prestação de garantia causaria um prejuízo irreparável por desequilíbrio irremediável da contabilidade que determinaria a impossibilidade de solver as suas dívidas e de pagar aos seus funcionários, já que não possui bens imóveis (cfr.documento junto a fls.29 a 37 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
5-Para prova da alegada difícil situação financeira referida no nº.4, juntou a ora reclamante, com o requerimento identificado no nº.2, as folhas de férias dos seus funcionários relativas a Dezembro de 2010 e a Janeiro e Fevereiro de 2011, bem como relatório completo da sua actividade e situação financeira (cfr.documentos juntos a fls.39 a 80 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
6-Para prova de que não possui bem imóveis, invocou a ora reclamante, no requerimento identificado no nº.2, a consulta do sistema informático da D.G.C.I. (cfr. documento junto a fls.29 a 37 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
7-Por despacho de 20 de Maio de 2011, proferido com os fundamentos de informação elaborada por funcionário do 8º. Serviço de Finanças de Lisboa, a Chefe do Serviço autorizou o pagamento da dívida exequenda em 12 prestações mensais e indeferiu o pedido de isenção de garantia nos seguintes termos:
“…Defiro o pagamento em 12 prestações mensais, como consta da simulação anexa à informação.
Indefiro o requerido relativamente à dispensa de prestação de garantia por não ter sido cumprido por parte da Requerente o que lhe competia em matéria de prova da verificação dos requisitos para obter a isenção da garantia, nos termos previstos nos arts.52°, n° 4, da LGT e, bem assim, nos arts. 170° e 199° do CPPT…” (cfr.documento junto a fls.148 e 149 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
8-Na informação mencionada no nº.7, diz-se, no ponto 5: “…Consultado o PATRIMÓNIO não foram encontrados quaisquer prédios em seu nome…” (cfr.documento junto a fls.148 e 149 da cópia do processo de execução fiscal apensa).
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…O julgamento da matéria de facto assenta nos documentos constantes dos autos não impugnados…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
9-A execução fiscal referida no nº.1 supra, corre termos no 8º. Serviço de Finanças de Lisboa sob o nº…………………, tendo sido autuada no dia 21/3/2011, na mesma figurando como executada/reclamante a sociedade “G………. - Global ………………..”, com o n.i.p.c. ………….. (cfr. documentos juntos a fls.26 e 27 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
10-O valor da garantia a prestar pela sociedade executada no âmbito do processo de execução fiscal identificado no nº.9 cifra-se no montante de € 64.381,41 (cfr.informação exarada a fls.145 da cópia do processo de execução fiscal apensa);
11-À data de 31/12/2009 a sociedade executada era detentora de imobilizado corpóreo avaliado no montante de € 288.032,44 e de créditos sobre terceiros no montante total de € 4.332.174,40 (cfr.relatório contabilístico anexo pela executada/reclamante ao requerimento que originou os presentes autos e que se encontra junto a fls.50 a 80 da cópia do processo de execução fiscal apensa).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente a reclamação deduzida por “G……….. - Global …………………, S.A.”, mais anulando o acto reclamado (despacho de 20/5/2011 e identificado no nº.7 da matéria de facto provada), na vertente do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, devido a violação do regime previsto no artº.52, nº.4, da L.G.Tributária.
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O recorrente discorda do decidido sustentando em síntese, como supra se alude, que a douta sentença recorrida declara a anulação da decisão reclamada, consubstanciada no indeferimento do pedido de isenção de garantia, por violação do artº.52, nº.4, da L.G.T., quando a demonstração de que o património se tornou insuficiente por motivos alheios à vontade do sujeito passivo é um ónus que cabe ao executado provar, só assim podendo ser interpretado o artº.52, nº.4, da L.G.T., assim sendo o entendimento sufragado pela decisão recorrida contrário, quer ao espírito da lei, quer à jurisprudência formada (cfr. conclusões 1 a 13 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
Continua a ser dominante o entendimento de que a posição jurídica de supremacia que o Estado ocupa na relação fiscal não deve ficar afectada em virtude da utilização pelo sujeito passivo de um qualquer dos meios de defesa que a lei lhe faculta. Julgamos não ser necessária a invocação da ideia de supremacia do credor fiscal para justificar a ausência de efeito suspensivo do processo executivo resultante da utilização dos meios de defesa que a lei faculta ao contribuinte. Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.), consubstanciando um deles a hipótese em que o próprio executado oferece uma garantia idónea susceptível de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, do C.P.P.T.).
Ponderado o disposto nos artºs.52, nºs.1 e 2, da L. G. Tributária, e 183, nº.1, do C. P. P. Tributário, a execução fiscal pode suspender-se mediante a prestação da dita garantia idónea por parte do executado (ou até de um terceiro com interesse em tal-v.g.promitente-comprador de um imóvel que não ocupa o lugar de executado). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário). Sobre o valor da garantia, deve esta abranger a dívida exequenda, juros de mora computados até cinco anos e custas, tudo acrescido de 25% e conforme dispõe o artº.199, nº.5, do C. P. P. Tributário (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11; Diogo L. Campos e Outros, L.G.T. comentada e anotada, Vislis Editores, 3ª. edição, 2003, pág.226 e seg.; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.246 e seg.; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.73 e seg.).
Este regime é, obviamente, uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais sempre devem presidir à constituição da garantia e sua manutenção, durante as vicissitudes que podem ocorrer no processo de execução fiscal suspenso.
Haverá, agora, que analisar o procedimento de dispensa de prestação garantia, o qual encontra consagração legal nos artºs.52, da L.G.Tributária, e 170, do C.P.P. Tributário.
O procedimento de isenção de prestação de garantia, está previsto no artº.52, nº.4, da L.G.Tributária, norma em que se consagra a possibilidade da Administração Tributária, a requerimento do executado, poder isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou existindo manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado. Por outras palavras, admite-se a dispensa da prestação de garantia a efectuar pelo órgão da execução fiscal, em caso de manifesta falta de meios económicos do executado ou, mesmo quando este disponha de meios económicos suficientes, a prestação de garantia lhe cause ou possa causar prejuízo irreparável, circunstância que obviamente lhe cabe provar. Por sua vez, a forma de o executado obter a dispensa da prestação da garantia está prevista no artº.170, do C.P.P.Tributário (cfr.António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.243; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.182; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 17/12/2008, rec.327/08; ac.T.C.A.Sul, 27/4/2006, proc.1139/06; ac.T.C.A., 6/5/2003, proc.155/03).
Face ao disposto no artº.342, do C.Civil, e no artº.74, nº.1, da L.G.Tributária, é de concluir que é sobre o executado, que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois tratam-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. De resto, o texto do artº.170, nº.3, do C.P.P.Tributário, aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é necessária para o deferimento da sua pretensão. Em regra, o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser formulado no prazo de quinze dias concedido para a sua prestação, conforme resulta dos artºs.169, nº.2, e 170, nº.1, ambos do C.P.P.Tributário (cfr.Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.251 e seg.; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.85 e seg.).
A eventual dificuldade que possa ter o executado em provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição ao mesmo do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras consagradas no artº.344, do C.Civil. A acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário somente, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, assim aplicando a máxima latina “iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur” (cfr.Manuel A. Domingos de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.203; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.467, nota 1).
“In casu”, no processo de execução fiscal nº.3107-2011/102789.1, no âmbito do qual foi deduzida a reclamação que originou os presentes autos, de acordo com a matéria de facto provada a executada/reclamante (cfr.nºs.10 e 11 da matéria de facto provada), revela manifestas possibilidades financeiras para prestar a garantia fixada (€ 64.381,41), assim não se tornando necessário aquilatar da verificação dos demais requisitos da dispensa da prestação da caução (v.g. se a executada/reclamante efectivamente teve culpa na insuficiência ou inexistência de bens). Tais manifestas possibilidades financeiras derivam, desde logo, do imobilizado corpóreo que a sociedade detinha e que estava avaliado no montante de € 288.032,44, tal como nos créditos sobre terceiros no montante total de € 4.332.174,40, tudo reportado à data de 31/12/2009.
Face a tais elementos contabilísticos, não se concebe que a executada reclamante tenha, como alega, prejuízos irreparáveis com a eventual prestação de garantia no âmbito do processo de execução.
Dano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação (cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável (cfr.artº.692, nº.4, do C.P.Civil). Não basta, pois, que o reclamante alegue e prove o risco de lesão considerável, ou até de lesão de difícil reparação (em resultado da actuação da A. Fiscal no âmbito do processo de execução fiscal). Antes é necessário que o dano invocado e objecto de prova tenha a característica de irreparável, que não seja susceptível de reparação. Prejuízo esse a analisar de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), mais sendo o carácter irreparável do mesmo derivado, desde logo, de uma conjuntura de impossível reparação ou reconstituição da situação existente.
No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5ª. edição, I volume, 2006, pág.1095).
Ora, nada disso se passa no caso “sub judice”, não vislumbrando o Tribunal “ad quem” que a executada reclamante tenha prejuízos não susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa em virtude da prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal que corre termos no 8º. Serviço de Finanças de Lisboa, sob o nº.3107-2011/102789.1.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que lhe é imputado pela Fazenda Pública, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E JULGAR IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO QUE ORIGINOU O PRESENTE PROCESSO.
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Condena-se a reclamante em custas apenas na 1ª. Instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 29 de Novembro de 2011

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto) ( Com a declaração de que se subscreve o acórdão, quanto à sua fundamentação no que toca ao ónus da prova, face ao estatuído no artº8º do C.Civil).

(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)