Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1173/22.7 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PENHOR
FIANÇA
Sumário:I - A avaliação de bens para efeitos de servirem de garantia na execução fiscal passa pela aplicação dos critérios legais de avaliação prescritos no artigo 199.º-A do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).
II - A AT se achar que a garantia é insuficiente pode exigir o seu reforço, mas o que não pode é em abstracto, prevalecendo-se da sua posição de credora, fazer a exigência de prestação de seguro para concordar com o penhor dos bens, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito, sem qualquer consideração pelos interesses legítimos da executada.
III - A actuação da AT deve pautar-se de acordo com o princípio da proporcionalidade, o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de modo a não sacrificar nenhum deles.
IV - Na apreciação de um pedido de prestação de garantia, a AT tem o dever de colaborar com o contribuinte na tarefa de ajuizar sobre a idoneidade da garantia solicitada, podendo proceder às diligências necessárias e solicitar à executada os elementos reputados de essenciais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida em 08/02/2023, que julgou procedente a reclamação judicial apresentada nos termos do artigo 276.º do CPPT, contra o despacho proferido pelo Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria, datado de 08/11/2022, que indeferiu o pedido de constituição de garantia através de hipoteca voluntária de veículos, penhor mercantil unilateral sobre bens moveis da empresa e fiança em nome do presidente do conselho de administração da empresa, apresentada por T......, S.A., com vista à suspensão do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1384202201053906, 1384202201053914, 1384202201053922 e 1384202201053930, instaurado no Serviço de Finanças de Pombal por dívidas provenientes de IVA e Juros Compensatórios do período de 2018/12 e IVA dos períodos de 2019/01 e 2019/02, no valor total de € 50.505,92.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem interposto contra a douta sentença a qual jugou procedente por provada, a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta por interposta por T......, S.A., contra o despacho proferido pelo Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, datado de 08/11/2022, por subdelegação de competências do Diretor de Finanças Adjunto, nos termos do despacho nº 8506 de 26/09/2019, indeferindo o pedido de constituição de garantia apresentada pela reclamante composta por hipoteca voluntária de veículos, penhor mercantil unilateral sobre bens móveis da empresa e fiança em nome do presidente do conselho de administração da empresa, com vista à suspensão do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1384202201053906, 1384202201053914, 1384202201053922 e 1384202201053930, instaurado no Serviço de Finanças de Pombal por dívidas provenientes de IVA e Juros Compensatórios do período de 2018/12 e IVA dos períodos de 2019/01 e 2019/02, no valor total de € 50.505,92.

B. Entendeu o Mm.º Juiz a quo, na douta sentença recorrida, que o acto reclamado padece de falta de fundamentação e de inércia probatória.

C. Entendimento, salvo o devido respeito, com o qual não se concorda.

D. O presente recurso incidirá, portanto, sobre dois segmentos distintos da douta sentença, o primeiro, respeitante ao indeferimento do penhor oferecido, o qual foi julgado insuficientemente fundamentado, e o segundo, que tem por objecto a alegada falta de iniciativa da AT em demonstrar a incapacidade do património do fiador servir de garantia nos autos, e que contenderá, pensamos nós, a final, igualmente com a falta de fundamentação do despacho reclamado.

E. O penhor é uma garantia de cumprimento das obrigações, que «confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro, nos termos do artigo 666º do Código Civil (CC).

F. No caso dos autos, estamos perante um acto de penhor constituído unilateralmente por escritura publica na qual se confere a disponibilidade dos bens à AT, ficando, todavia, os bens em poder do executado, é o chamado penhor sem desapossamento não existindo por conseguinte entrega dos bens ao credor.

G. O penhor enquanto modalidade de garantia prevista na lei, apresenta um conjunto de fragilidades, comparativamente com outros meios de garantia das obrigações que a lei põe à disposição do executado, tanto que o legislador fez depender a sua aceitação à concordância da AT enquanto credor exequente.

H. O que bem se compreende, impondo à AT um especial dever de cuidado na análise, no caso concreto, da sua idoneidade para garantir o crédito tributário.

I. Se, no caso concreto, a concordância da AT está dependente da formalização de seguro contra incêndio e roubo relativamente aos bens móveis oferecidos em penhor, sem desapossamento, entendemos que tal exigência é uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, os quais sempre devem presidir à aceitação da garantia e sua manutenção, durante as vicissitudes que podem ocorrer na vida durante o processo de execução fiscal.

J. Pois, dúvidas não podem haver que a idoneidade de um penhor de bens móveis, mas na posse do executado, servir como garantia, é diferente consoante exista seguro dos bens ou não.

K. E a avaliação de uma garantia afere-se pela idoneidade.

L. A AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a decidir como decidiu, sendo esses motivos suficientes para legitimar a sua concreta actuação, não se vislumbrando a apontada falta de fundamentação ao despacho reclamado.

M. Por outro lado,

N. A fiança está regulada nos artigos 627.º e seguintes do Código Civil, consistindo numa garantia pessoal dada por um terceiro (fiador), que se responsabiliza em nome do devedor, assumindo a obrigação de com o seu património, responder pelo cumprimento da dívida no caso de incumprimento por parte do devedor.

O. Entende-se que a fiança se encontra englobada no artigo 199.º “in fine”, sendo a mesma admissível, em termos gerais e abstratos, carecendo, contudo, de uma análise casuística, para aferir a capacidade financeira do património do fiador, no caso de ter de responder pela dívida exequenda e acrescido.

P. Tratando-se de uma garantia pessoal, apenas o património do fiador responderia perante o credor, pelo que carecia de ser analisada a capacidade financeira e patrimonial do garante para afiançar.

Q. Nos termos do artigo 74º/1 da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

R. incumbia ao fiador/requerente fazer prova do pedido, instruindo o requerimento com a documentação pertinente, por forma a demonstrar de que o seu património pessoal era apto à satisfação do crédito exequendo, nomeadamente da quantia exequenda acrescida dos juros de mora e demais acrescidos legais.

S. Impor à AT que, em sede do procedimento de avaliação de garantia, diligencie oficiosamente no sentido de apurar o real valor dos bens que o requerente não se propôs identificar, é fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do contribuinte/requerente.

T. Por conseguinte a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental junta aos autos e consequente errónea aplicação do direito, violando as disposições contidas nos artigos 52º, 74º e 77º da LGT e 169º, 199º, 199º-A do CPPT, razão pela qual deve ser revogada.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, mantendo-se decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia do processo de execução fiscal in casu, com o que se fará como sempre JUSTIÇA»

3. A Recorrida, T......, S.A., não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador – Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo à Conferência para julgamento (cfr. artigos 657.º, n.º 4 do CPC e 278.º, n.º 6 do CPPT).


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento ao concluir pela ilegalidade do despacho do Chefe de Divisão da Justiça Tributária, por Subdelegação de competências do Director de Finanças Adjunto, que indeferiu o requerimento de prestação de garantia, através de penhor e de fiança.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1. Por registo postal de 30 de Junho de 2022, T...... SA “vem requerer a suspensão dos processos executivos supra mencionados em virtude de ter intenção de apresentar RECLAMAÇÃO GRACIOSA nos termos do artigo 70º do CPPT contra a liquidação de imposto, dentro do prazo legalmente fixado para o defeito, prazo que ainda se encontra a decorrer”, e que deu origem ao processo 710120227427017700 – cfr. informação, a págs. 28 do suporte digital dos autos;

2. Em 08 de Novembro de 2022 foi proferido despacho no processo 710120227427017700, indeferindo o pedido da ora reclamante, e onde se lê que “Em face da informação que antecede cujo teor passa a fazer parte integrante do presente despacho, constata-se que tendo a empresa T......, SA com o N1PC50…… no âmbito dos Pefs 1384202201053906, 1384202201053914, 1384202201053922 e 1384202201053930, apresentado reclamação graciosa em relação às dividas referentes aos mesmos, vem pedir a suspensão dos autos nos termos do n° 2 do art° 169° do CPPT, apresentando para o efeito uma garantia constituída por hipoteca voluntária de veículos, penhor mercantil unilateral sobre bens móveis da empresa e fiança constituída peio presidente do conselho de administração da empresa, A......, de acordo com o disposto no art° 199° do CPPT cumpre verificar a sua idoneidade tendo em consideração o tipo, valor e capacidade para satisfação dos créditos tabulários, em caso de necessidade da sua execução. […] Assim, importa analisar em concreto a idoneidade da garantia apresenta, constituída por hipotecas voluntárias de veículos, penhor de móveis da empresa e fiança constituída pelo presidente do conselho de administração: Em relação ao penhor e hipoteca voluntária estatui o n° 2 do ar0 199° do CPPT que os mesmos necessitam da concordância da administração tributária para serem aceites como garantia. Neste contexto, referindo-nos em primeira linha ao penhor, o art° 669° do C.C. explicita que o mesmo só produz os seus efeitos pela entrega dos bens empenhados ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela ao credor. No caso sub judice, estamos perante um ato de penhor constituído unilateral mente por escritura publica na qual se confere a disponibilidade dos bens à Autoridade Tributária e Aduaneira, ficando os bens em poder do proprietário. In casu, estando na presença de penhor sem desapossamento não existindo por conseguinte entrega dos bens, a AT só dá a sua concordância ao penhor como garantia prevista no n° 2 do art° 199° do CPPT, caso a executada apresente seguros contra incêndio, roubo e demais riscos pelos valores atribuídos aos bens empenhados, entregado para o efeito, cópias das apólices comprovativas daqueles seguros, ficando vedada a receção de qualquer indemnização sem que a credora (AT) preste o seu acordo, a qual receberá previamente o montante ígual ao seu crédito. Não tendo a executada entregue o(s) referido(s) seguro(s) não existe concordância por parte da AT. Em relação à fiança apresentada pelo presidente do concelho de admmistraçao da executada. a mesma constitui uma garantia pessoal típica, prevista nos artigos 627° a 655 do Código Civi (CC). Através da qual o fiador garante a obrigação, perante o credor, com o seu património pessoal, dal que se trate de uma garantia pessoal. (cfr. artigo 627°CC). Sendo uma garantia pessoal, incumbe ao fiador/garante fazer prova de que o seu património pessoal garante a satisfação do direito de crédito, nomeadamente dos créditos tributários atinentes aos suprarreferidos processos de execução fiscal. Para este efeito, a fiança deveria ser acompanhada da documentação necessária à demonstração da real capacidade financeira do fiador, coisa, o que não se verifica. Acresce ainda que, compulsado o sistema informático da AT, constata-se a inexistência de quaisquer bens suscetíveis de demonstrar essa capacidade financeira. Assim sendo, sem a demonstração da capacidade financeira do fiador a fiança não é aceite como garantia. Em relação à Hipoteca voluntária constituída sobre os veículos cujo valor ascende a €32.500,00, nada há a obstar em relação à mesma, podendo ser aceite como garantia por esse valor. Em face do supra exposto, conjugado com a informação que antecede e sem prejuízo de a posteriori poder de novo ser analisada a garantia pela sua globalidade, depois de sanadas a falta de seguro do penhor acima referido e a comprovação da capacidade financeira do fiador, considero' a garantia constituída pelas hipotecas voluntárias dos veículos com valor insuficiente para efeitos de suspensão dos autos, atendendo a que o valor da garantia a prestar ascende a €81.256,28” – cfr. despacho, a págs. 17 a 27 do suporte digital dos autos;

3. Por ofício de 29 de Novembro de 2022 foi a Reclamante informada do despacho referido em 2) – cfr. ofício, a págs. 131 do suporte digital dos autos;

4. No dia 13 de Dezembro de 2022 foi carimbado, no Serviço de Finanças de Leiria 1, o requerimento que deu origem aos presentes autos – cfr. carimbo, a págs. 38 do suporte digital dos autos.

Factos não provados

Não se provou que reclamante ou fiador tenham sido notificados para a junção de documentos comprovativos da sua capacidade financeira.

Motivação da matéria de facto dada como provada

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos.

O facto não provado decorre da total ausência de suporte probatório que o pudesse estribar.»


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2. DE DIREITO

A sociedade ora Recorrida, pretendendo a suspensão das execuções fiscais em virtude da dedução de reclamação graciosa contra as liquidações que deram origem às dívidas exequendas, apresentou pedido de prestação de garantia em execução fiscal.

O pedido foi indeferido com a fundamentação que consta do ponto 2 dos factos dados como provados.

A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria decidiu correctamente quando considerou que o órgão da execução fiscal não podia indeferir o pedido de prestação de garantia através de penhor por ter imposto a obrigação de apresentação de seguro dos bens constituídos em penhor sem base legal que a suportasse e de fiança sem, antes, ter indagado dos necessários elementos para tanto junto do fiador.

A questão que se coloca consiste, pois, em saber se a sentença padece do invocado erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 52.º, 74.º e 77.º da LGT e 169.º, 199.º, 199.º-A do CPPT, na apreciação que fez da decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia.

Para julgar procedente a reclamação pelo Mmo. Juiz a quo depois de ter transcrito as normas jurídicas relevante aduziu a seguinte argumentação relativamente a cada uma das duas garantias:

«Do penhor

Nesta parte, refere o despacho reclamado que, “estando na presença de penhor sem desapossamento não existindo por conseguinte entrega dos bens, a AT só dá a sua concordância ao penhor como garantia prevista no nº 2 do artº 199º do CPPT, caso a executada apresente seguros contra incêndio, roubo e demais riscos pelos valores atribuídos aos bens empenhados, entregado para o efeito, cópia das apólices comprovativas daqueles seguros, ficando vedada a receção de qualquer indemnização sem que a credora (AT) preste o seu acordo, a qual receberá previamente o montante igual ao seu crédito. Não tendo a executada entregue o(s) referido(s) seguro(s) não existe concordância por parte da AT no sentido de aceitação do penhor como garantia idónea para feitos da suspensão prevista no artº 169º do CPPT”.

A reclamante contrapõe que o referido seguro não é imposição legal, não podendo ser um requisito para a admissão dos bens como garantia.

Ora, ainda que se compreenda o interesse da Fazenda Pública na existência de um seguro que acautele eventuais infortúnios dos bens constituídos em penhor, não se vislumbra normativo legal que o imponha, pelo que não pode ser, de per si, o fundamento para recusa do penhor oferecido [só se admitindo tal ponderação em eventual diminuição do valor dos bens].

Aliás, nem o próprio despacho explica a origem de tal obrigação, o que sempre contenderia com a suficiência da sua fundamentação.

Da fiança

Nesta parte, refere o despacho reclamado que “Em relação à fiança apresentada pelo presidente do concelho de administração da executada, a mesma constitui uma garantia pessoal típica, prevista nos artigos 627º a 655º do Código Civil (CC). Através da qual o fiador garante a obrigação, perante o credor, com o seu património pessoal, daí que se trate de uma garantia pessoal. (cfr. artigo 627ºCC). Sendo uma garantia pessoal, incumbe ao fiador/garante fazer prova de que o seu património pessoal garante a satisfação do direito de crédito, nomeadamente dos créditos tributários atinentes aos suprarreferidos processos de execução fiscal. Para este efeito, a fiança deveria ser acompanhada da documentação necessária à demonstração da real capacidade financeira do fiador, coisa, o que não se verifica. Acresce ainda que, compulsado o sistema informático da AT, constata-se a inexistência de quaisquer bens suscetíveis de demonstrar essa capacidade financeira. Assim sendo, sem a demonstração da capacidade financeira do fiador a fiança não é aceite como garantia”.

Responde a Reclamante que “o despacho reclamado não refere em parte alguma quais são os documentos capazes de demonstrar a capacidade financeira do fiador, nem qual a norma legal que exige a entrega de tal documentação. 32° Além do mais, nem a reclamante nem o fiador não foram notificados para demonstrar a capacidade financeira do fiador, pelo que não podia a reclamante suprir a referida entrega de documentos, pois os mesmos não lhe foram solicitados”.

Ora, “I – Apesar da falta de definição legal de “garantia idónea”, não pode deixar de concluir-se, em face das normas contidas nos arts. 169º, 199º e 217º do CPPT e art. 52º da LGT, que essa idoneidade depende da capacidade de, no caso de o órgão da execução ter de accionar a garantia prestada (ou, mais precisamente, de efectuar o pagamento da dívida em cobrança através do património do garante), ela se mostre apta a assegurar essa cobrança. II – Desde que se verifique que a garantia oferecida detém, em concreto, essa capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a cobrança da dívida garantida, ainda que sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado, não há como recusar a sua idoneidade para o fim em vista […] VII – Desde logo, porque a jurisprudência há muito se firmou no sentido de reconhecer a admissibilidade, em abstracto, de a fiança constituir garantia idónea com vista à suspensão da execução fiscal, sendo que a sua idoneidade, em concreto, há-de resultar de uma avaliação sobre a sua susceptibilidade de assegurar o efectivo pagamento da quantia exequenda e do acrescido, o que passa necessariamente pela análise da sua concreta suficiência e solidez e pelo exame da solvência da entidade garante, não podendo recusar-se a prestação de garantia por fiança sem proceder previamente a essa avaliação, isto é, sem analisar a solidez dessa garantia e sem examinar a solvência do fiador” [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Junho de 2014, processo 0507/14].

Por outro lado, “Sendo oferecida fiança, a idoneidade da garantia deve ser apreciada pelo órgão competente da AT caso a caso, em concreto, em face da susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e pelo acrescido” [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Março de 2012, processo 0208/12]

Voltando ao caso dos autos, verifica-se que no despacho reclamado não constam quais os documentos que poderiam cumprir o desiderato de demonstrar a capacidade financeira do fiador, nem resulta dos autos que tais documentos lhe hajam sido pedidos. Aliás, não resulta dos autos que tenha sido avaliada a fiança em si, apenas tendo sido efectuada busca na base de dados da AT, que terá devolvido “a inexistência de quaisquer bens suscetíveis de demonstrar essa capacidade financeira”, mas da qual nada consta nos autos, ficando também por saber, por ex., quais os valores que o fiador tem depositados em instituições bancárias.

Cumpre lembrar que a fiança em causa seria uma pequena parte da garantia a prestar [cerca de seis por cento], já que as hipotecas apresentadas – sobre as quais não houve dissídio – e o penhor [conforme cálculos da AT] atingiam o valor de € 75.841,44, dos necessários €81.526,28.

Impunha-se, então, que a Fazenda Pública instasse o fiador a demonstrar a sua solvência – o que não se mostra ter ocorrido.

Assim, tendo a Fazenda Pública tomado posição sem dispor – ou ter indagado – dos necessários elementos para tanto, e ter imposto obrigações à reclamante, sem base legal que o suportasse, considera-se ilegal o despacho sub judice, cabendo o mesmo, portanto, de ser anulado, o que se determina.»

Prosseguindo.

A Recorrente não se conforma com o assim decidido, sustentando que o tribunal recorrido errou no julgamento que fez, concretamente quanto à apontada falta de fundamentação do despacho reclamado, por este ter dado a conhecer os motivos para a concordância da aceitação do penhor, ou seja, estar aquela dependente da formalização de seguro contra incêndio e roubo relativamente aos bens móveis oferecidos em penhor, por tal exigência ser uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público; e quanto à fiança defende que incumbe ao fiador/requerente fazer prova do pedido, instruindo o requerimento com a documentação pertinente e, por isso, impor à AT que diligencie oficiosamente no sentido de apurar o real valor dos bens que o requerente não se propôs identificar, é fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do contribuinte/requerente.

Vejamos.

A Jurisprudência do STA tem entendido que o artigo 199.º, n.º 2, do CPPT confere à AT uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, norma que impõe, nos casos do penhor e da hipoteca voluntária, a concordância da administração tributária. Porém, essa discricionariedade implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, bem como o respeito pelo princípio da proporcionalidade (neste sentido, entre outros, Acs. do STA n.º 0646/12 de 27/06/2012 e de 06/02/2013, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Na situação sub judice, a AT só dá a sua concordância ao penhor como garantia caso a executada apresente seguro contra incêndio, roubo e demais riscos pelos valores atribuídos aos bens empenhados.

No caso dos autos a AT não se pronunciou sobre a idoneidade dos bens em causa, antes mobilizou um «argumento» (exigência de seguro) que não respeita em concreto aos bens, sem que tenha diligenciado apurar o valor de cada um dos bens e consequente idoneidade para assegurar os créditos exequendos.

A idoneidade dos aludidos bens móveis para servirem de garantia pode ser determinada nos termos em que o seria se tais bens fossem penhorados e tivessem de ser avaliados para venda nos termos do artigo 250.º do CPPT, ou seja, deve aproximar-se tanto quanto possível do seu valor de mercado (cfr. artigo 50.º, n.º 1 da LGT e 217.º do CPPT; neste sentido acórdão do STA de 04/12/2013, processo n.º 01688/13, disponível em www.dgsi.pt/).

Actualmente, a avaliação de bens móveis para efeitos de servirem de garantia na execução fiscal passa pela aplicação do critério legal de avaliação prescrito no artigo 199.º-A do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).

A AT se achar que a garantia é insuficiente pode exigir o seu reforço, mas o que não pode é em abstracto, prevalecendo-se da sua posição de credora, fazer a exigência de prestação de seguro para concordar com o penhor dos bens, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito, sem qualquer consideração pelos interesses legítimos da executada.

A actuação da AT deve pautar-se de acordo com o princípio da proporcionalidade, o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de modo a não sacrificar nenhum deles.

O julgamento feito pela 1.ª instância não nos merece qualquer censura.

Improcedem, assim, as conclusões I. a L. da alegação de recurso.

No que respeita à fiança, sustenta a Recorrente que é ao fiador/requerente que incumbe fazer prova do pedido instruindo o requerimento com a documentação pertinente.

Neste aspecto tem razão a Recorrente, mas já não no que respeita a AT não dever diligenciar oficiosamente no sentido de apurar o valor real dos bens.

Como se escreveu na sentença, apoiada no discurso fundamentador dos Acórdãos do STA de 14/03/2012, proferido no processo n.º 0208/12 e de 18/06/2014, proferido no processo n.º 0507/14, impunha-se que a Fazenda Pública instasse o fiador a demonstrar a sua solvência – o que não se mostra ter ocorrido.

A Recorrida oferece e indica a garantia a prestar, identifica-a, e requer a respectiva avaliação. Por seu turno a Recorrente teria de solicitar os elementos em falta para iniciar o procedimento, uma vez que é à Administração Tributária que compete aferir da idoneidade da garantia, tal como se vem repetindo na jurisprudência do STA (vide entre outros, Acs. de 12/09/2012, processo n.º 0866/12 e de 03/05/2018, processo n.º 0328/18, disponíveis em www.dgsi.pt/).

A AT só pode recusar a fiança oferecida se puder concluir que ela não garante, em concreto, o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, não podendo rejeitá-la com total desprezo pelos interesses legítimos da executada.

Com efeito, como afirma a Recorrida no requerimento inicial, nem a reclamante nem o fiador foram notificados para demonstrar a capacidade financeira do fiador, pelo que não puderam suprir a referida entrega de documentos.

Nem os autos revelam que a executada tenha sido notificada do sentido da decisão a tomar no procedimento de prestação de garantia, para efeitos de audição prévia.

Na apreciação de um pedido de prestação de garantia, a AT tem o dever de colaborar com o contribuinte na tarefa de ajuizar sobre a idoneidade da garantia solicitada, podendo proceder às diligências necessárias e solicitar à executada os elementos reputados de essenciais.

Deste modo, o acto reclamado padece do vício de violação de lei que lhe é imputado, o que determina a respectiva anulação.

A sentença que assim decidiu não merece censura e deve ser confirmada.


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Conclusões/Sumário:

I. A avaliação de bens para efeitos de servirem de garantia na execução fiscal passa pela aplicação dos critérios legais de avaliação prescritos no artigo 199.º-A do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).

II. A AT se achar que a garantia é insuficiente pode exigir o seu reforço, mas o que não pode é em abstracto, prevalecendo-se da sua posição de credora, fazer a exigência de prestação de seguro para concordar com o penhor dos bens, em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito, sem qualquer consideração pelos interesses legítimos da executada.

III. A actuação da AT deve pautar-se de acordo com o princípio da proporcionalidade, o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de modo a não sacrificar nenhum deles.

IV. Na apreciação de um pedido de prestação de garantia, a AT tem o dever de colaborar com o contribuinte na tarefa de ajuizar sobre a idoneidade da garantia solicitada, podendo proceder às diligências necessárias e solicitar à executada os elementos reputados de essenciais.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam as Juízas da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Notifique.

Lisboa, 20 de Abril de 2023.



Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho– 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)