Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:477/18.8BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:01/24/2019
Relator:HELENA AFONSO
Descritores:PROCESSO CAUTELAR
INDICAÇÃO DA ACÇÃO PRINCIPAL
PRINCÍPIO "PRO ACTIONE" (ART.º 7.º DO CPTA)
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário:I - Os pedidos formulados no processo cautelar têm de ter a necessária correspondência funcional com os pedidos formulados ou a formular na acção principal e ser adequados a acautelar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal.
II – Tendo a Requerente indicado as providências que pretende ver decretadas, assim como, a acção de que o processo irá depender, como impõem as alíneas e) e f), do n.º 3, do artigo 114.º, do CPTA, manifestou a intenção inequívoca de instaurar a acção principal.
III - Ainda que a indicação relativa à acção principal a instaurar, feita no requerimento inicial pela Requerente, seja susceptível de causar dúvida sobre o concreto pedido a formular na mesma, não pode ser rejeitado liminarmente o requerimento inicial, sem o prévio convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, pois, o despacho de rejeição liminar, em regra, só deve ser proferido nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 116.º do CPTA e nas situações em que seja manifesta ou a procedência de alguma excepção relativa ao processo cautelar ou à acção principal, ou para as situações em que seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, como se estatui nas alíneas b) a f), do n.º 2, do artigo 116.º do CPTA, o que no caso não ocorre, pois, atentos os termos em que a Requerente mencionou que iria instaurar a acção principal, não se verifica uma situação de manifesta falta de instrumentalidade/interesse em agir.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório:

……………………………….., LDA, sociedade comercial por quotas, titular do NIPC ………………. , com sede no ………………………, Lote …., ……. - …. …………., instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, o presente processo cautelar relativo a procedimentos de formação de contratos, contra o MUNICÍPIO DA GUARDA, titular do NIPC …………….., com sede na Praça do Município, 6301 – 854 GUARDA, no qual formulou o pedido de “suspensão da eficácia do ato administrativo (deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018) que determinou a abertura do “Concurso público para concessão do direito de exploração para fins publicitários de espaços de domínio público municipal”, bem como a suspensão do concurso e a proibição da celebração ou da execução do contrato a que o mesmo pretende dar origem.”.

Por decisão de 26 de Outubro de 2018 do referido Tribunal foi rejeitado liminarmente o requerimento inicial do presente processo cautelar.

Inconformada, a Requerente interpôs o presente recurso da referida decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“I. O recurso tem por objeto a douta decisão que rejeitou liminarmente o requerimento cautelar por falta do pressuposto processual da instrumentalidade/ interesse em agir e versa matéria de direito.
II. A requerente entende que a douta sentença proferida viola o princípio da promoção do acesso à justiça (art. 7.º do CPTA) na medida em que obstaculiza à decisão de mérito com fundamento em questões de natureza formal, valorizando erradamente o teor literal de uma passagem do requerimento inicial (a expressão “e/ou” utilizada pela requerente na identificação da acção de que o processo iria depender) que interpretou de forma indevida ou enviesada.
III. Foi dado cumprimento substancial e formal aos requisitos de apresentação do requerimento inicial (designadamente o requisito enunciado pelo art. 114.º, n.º 3, al. e) do CPTA), tendo a requerente identificado a ação a propor de modo a tornar manifesto e inequívoco o propósito de vir a propor a acção principal, em conformidade plena com a tutela antecipatória pedida ao tribunal.
IV. Nessa medida, não se justificava a rejeição liminar.
V. A douta sentença recorrida violou ainda o disposto nos arts. 114.º, n.º 3, al. e) e 116.º, n.º 2, bem como os arts. 112.º, n.º 1 e 113.º, n.º 1 do CPTA e 364.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).
VI. A requerente manifestou inequivocamente o propósito de propor a acção principal e de nela impugnar o ato administrativo cuja suspensão de eficácia foi pedida.
VII. A referência ao pedido de declaração da invalidade do contrato foi pela requerente associada ao cenário (eventual e futuro) de o contrato ser assinado e foi também associada à norma (art. 4.º, n.º 2, al. g) do CPTA) que expressamente estabelece a possibilidade de cumular o pedido de declaração de invalidade do contrato com a impugnação de atos administrativos praticados no âmbito da relação contratual.
VIII. No cenário de o contrato vir a ser assinado (cenário que ainda não se coloca no momento em que a sentença é proferida), as formas de reação do requerente podem passar pela impugnação do ato administrativo de base mas podem também passar (em cumulação) pela interposição de ação judicial relativa à validade e execução de contratos (art. 77.º-A, n.º 1, al. g) do CPTA).
IX. Salvo o devido respeito, não são justificadas as dúvidas suscitadas em torno do interesse, do compromisso, da disponibilidade ou da vontade séria da requerente em ir jurisdicionalmente contra o ato cuja suspensão de eficácia foi peticionada.
X. Finalmente, a perspetiva de não vir a ser impugnado o ato administrativo na ação principal não deve ser sindicada em sede de despacho liminar de recebimento do requerimento da providência; pelo contrário, a concretização dessa perspetiva conduziria à caducidade da providência e à responsabilização da autora pelos prejuízos causados (arts. 123.º, n.º 1, al. a) e 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA).”.

Citada a Entidade Requerida, para os termos do recurso e da causa, apresentou contra-alegação de recurso, na qual formulou as seguintes conclusões:
“A) Face a tudo quanto se deixa alegado não assiste razão à recorrente.
B) A douta Decisão recorrida não violou o disposto nos preceitos legais invocados pela recorrente no ponto V. das Conclusões do seu recurso.
B) De todo o modo, a douta Decisão recorrida não merece reparo ou censura de nenhuma espécie, uma vez que é inteiramente conforme à lei, devendo, por isso, ser confirmada por este Venerando Tribunal.
c) Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso.”.

O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pronunciou-se sobre o mérito do recurso, concluindo pela sua procedência.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.
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II. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consistem em apreciar e decidir se a decisão recorrida viola o princípio da promoção do acesso à justiça, previsto no artigo 7.º do CPTA e se viola o disposto nos arts. 114.º, n.º 3, al. e) e 116.º, n.º 2, bem como, os arts. 112.º, n.º 1 e 113.º, n.º 1 do CPTA e 364.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).
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III – Fundamentação:
3.1. De facto:
Com interesse para a decisão considera-se provada a seguinte factualidade:
1 - A Requerente apresentou no TAF de Castelo Branco, requerimento inicial de providência cautelar relativa a procedimentos de formação de contratos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual peticionou a suspensão da eficácia do acto administrativo (deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018) que determinou a abertura do “Concurso público para concessão do direito de exploração para fins publicitários de espaços de domínio público municipal”, bem como, a suspensão do concurso e a proibição da celebração ou da execução do contrato, a que o mesmo pretende dar origem, e do qual se extrai o seguinte:
“69.º

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 114.º, n.º 3, al. e) do CPTA, a requerente indica que se propõe impugnar judicialmente o ato administrativo com base no qual o concurso foi lançado (designadamente a deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018) e/ou (art. 4.º n.º 2, al. g) do CPTA) peticionar a declaração de invalidade do contrato que vier a ser assinado (caso tal venha a ocorrer) na sequência do concurso (art.77.º-A, al. g) do CPTA).
Nos termos do exposto e nos melhores de direito, deferida que seja a presente providência cautelar, requer a V. Ex.ª se digne determinar a suspensão da eficácia do ato administrativo (deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018) que determinou a abertura do “Concurso público para concessão do direito de exploração para fins publicitários de espaços de domínio público municipal”, bem como a suspensão do concurso e a proibição da celebração ou da execução do contrato a que o mesmo pretende dar origem.
PROVIDÊNCIA QUE PRETENDE VER ADOTADA (art. 114.º, n.º 3, al. f) do CPTA): suspensão da eficácia do ato administrativo que determinou a abertura do concurso (deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018), bem como suspensão do concurso e proibição da celebração ou de execução do contrato a que mesmo pretende dar origem.
AÇÃO DE QUE O PROCESSO DEPENDE OU IRÁ DEPENDER (art. 114.º, n.º 3, al. e) do CPTA): a requerente indica que se propõe impugnar judicialmente o ato administrativo com base no qual o concurso foi lançado (designadamente a deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018) e / ou (art. 4.º, n.º 2, al. g) do CPTA) peticionar a declaração de invalidade do contrato que vier a ser assinado (caso tal venha a ocorrer) na sequência do concurso (art. 77.º-A, al. g) do CPTA).”.
2 – Em 26 de Outubro de 2018 o TAC de Castelo Branco proferiu a decisão, que aqui se dá por integralmente reproduzida e, da qual se extrai o seguinte:
“(…) O processo cautelar foi intentado preliminarmente à propositura de ação principal, indicando a requerente que, através desta, «se propõe impugnar judicialmente o ato administrativo com base no qual o concurso foi lançado (...) e / ou (...) peticionar a declaração da invalidade do contrato que vier a ser assinado (caso tal venha a ocorrer) na sequência do concurso (...)» - cfr. o artigo 69.° do requerimento cautelar e o epílogo do mesmo articulado.
Do exposto decorre que a requerente não se compromete com a propositura de ação principal em que impugne o ato administrativo cuja suspensão pelo presente meio pretende obter: como resulta do vocábulo "ou", empregue e reempregue nos dois referidos pontos do articulado, poderá optar por intentar ação em que peça a título principal, apenas, a declaração da invalidade de contrato que venha a ser outorgado.
Ou seja, a requerente pede, pelo requerimento em apreço, a suspensão do ato de abertura do procedimento e do próprio procedimento, mas não se compromete a pedir a destruição dos efeitos jurídicos desse ato (anulação) nem a declaração da improdutividade de efeitos jurídicos desse ato (declaração da nulidade).
Portanto, em caso de deferimento da providência requerida, suspender-se-ia a eficácia de um ato sem uma declarada intenção do requerente de o impugnar.
Os processos cautelares, mesmo quando intentados previamente à instauração da ação principal de que irão depender, assumem uma função de instrumentalidade e dependência relativamente a essa causa principal [CPTA, 112.°, n.º 1 e 113.°, n.º 1; CPC, 364.°, n.º 1], traduzida na missão processual, que lhe está destinada, de acautelar os interesses que o requerente pretende fazer valer, já no papel de Autor, no processo principal, contra a demora da solução deste.
Não pode, assim, admitir-se um processo cautelar no qual, logo à partida, se anuncia a hipótese de não se vir a impugnar, a título principal, o ato cuja suspensão da eficácia se pede.
É que, atenta a relação de subserviência entre as causas cautelar e principal, a diferença entre as mesmas, ao nível dos elementos que identificam uma causa [partes, pedido e causa de pedir - cfr. o n.º 1 do artigo 581.° do CPC], deverá apenas residir naquilo que é suposto que as diferencie em função da diferente finalidade de cada uma, que é, ora julgar o mérito da causa, ora, acautelar a utilidade desse julgamento. Essas diferentes finalidades só se repercutem, portanto, no pedido e na causa de pedir, na medida da provisoriedade e definitividade das tutelas judiciais [cautelar e principal] pretendidas. Caso contrário, como se induz do disposto nos números 1 e 2 do artigo 123.° do CPTA, o processo cautelar não será instrumental relativamente à causa principal.
Não tendo alegado uma intenção inequívoca de intentar, por via de ação, pedido impugnatório contra o ato suspendendo, a requerente falha na alegação do pressuposto processual da instrumentalidade e, consequentemente, de interesse em agir, falta que é de conhecimento oficioso [CPTA, 89.°, n.º 2], e que fundamenta, por aplicação subsidiária do disposto no n.º 1 do artigo 590.° do CPC, a rejeição liminar de todos os pedidos cautelares.
(…)
Decisão
Nestes termos:
1) Rejeito liminarmente o requerimento cautelar. (…)”.
*

3.2. De Direito.
A Recorrente instaurou o presente processo cautelar no qual peticionou que fosse decretada a providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de Setembro de 2018, que determinou a abertura do “Concurso público para concessão do direito de exploração para fins publicitários de espaços de domínio público municipal”, bem como, a suspensão do concurso e a proibição da celebração ou da execução do contrato, a que o mesmo pretende dar origem.
Indicou no artigo 69.º do requerimento inicial que “se propõe impugnar judicialmente o ato administrativo com base no qual o concurso foi lançado (designadamente a deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018) e/ou (art. 4.º n.º 2, al. g) do CPTA) peticionar a declaração de invalidade do contrato que vier a ser assinado (caso tal venha a ocorrer) na sequência do concurso (art.77.º-A, al. g) do CPTA).”. Indicação que repetiu, no final do requerimento inicial, após ter formulado o pedido cautelar, nos seguintes termos: “AÇÃO DE QUE O PROCESSO DEPENDE OU IRÁ DEPENDER (art. 114.º, n.º 3, al. e) do CPTA): a requerente indica que se propõe impugnar judicialmente o ato administrativo com base no qual o concurso foi lançado (designadamente a deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 24 de setembro de 2018) e / ou (art. 4.º, n.º 2, al. g) do CPTA) peticionar a declaração de invalidade do contrato que vier a ser assinado (caso tal venha a ocorrer) na sequência do concurso (art. 77.º-A, al. g) do CPTA).”, como resulta do probatório.
Ora, esta indicação da acção principal motivou a decisão de rejeição liminar do presente processo cautelar com o fundamento de que a Requerente ora Recorrente “não se compromete com a propositura de ação principal em que impugne o acto administrativo cuja suspensão pelo presente meio pretende obter: como resulta do vocábulo "ou", empregue e reempregue nos dois referidos pontos do articulado, poderá optar por intentar ação em que peça a título principal, apenas, a declaração da invalidade de contrato que venha a ser outorgado.”. E que “Não tendo alegado uma intenção inequívoca de intentar, por via de ação, pedido impugnatório contra o ato suspendendo, a requerente falha na alegação do pressuposto processual da instrumentalidade e, consequentemente, de interesse em agir, falta que é de conhecimento oficioso [CPTA, 89.°, n.º 2], e que fundamenta, por aplicação subsidiária do disposto no n.º 1 do artigo 590.° do CPC, a rejeição liminar de todos os pedidos cautelares.”.
Importa, assim, apreciar e decidir se esta decisão viola o princípio da promoção do acesso à justiça, previsto no artigo 7.º do CPTA, por ter valorizado erradamente o teor literal da expressão e/ou, que interpretou de forma indevida ou enviesada. E se viola o disposto nos arts. 114.º, n.º 3, al. e) e 116.º, n.º 2, bem como, os arts. 112.º, n.º 1 e 113.º, n.º 1 do CPTA e 364.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).
Dispõe o artigo 7.º do CPTA, com a epígrafe: “Promoção do acesso à justiça”, o seguinte:
Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.”.
Este artigo consagra o princípio pro actione, do qual decorre que “em caso de dúvida, os Tribunais têm o dever de interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas. A sua consagração formal na lei (…) preconiza uma inversão da atitude tradicional da nossa jurisprudência, inclinada a proceder a uma interpretação excessivamente formalista dos pressupostos processuais e, por via disso, a fundar-se em razões de ordem meramente processual para se subtrair, num número excessivo de situações ao julgamento do mérito das causas”(1).
Como se prevê no artigo 114.º, n.º 3, al. e), do CPTA “No requerimento, deve o requerente: (…) e) Indicar a ação de que o processo depende ou irá depender;”.
E no n.º 5, do artigo 114.º do CPTA prevê-se que “Na falta da indicação de qualquer dos elementos enunciados no n.º 3, o interessado é notificado para suprir a falta no prazo de cinco dias.”.
Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, em anotação ao n.º 5, deste artigo 114.º do CPTA, nota de rodapé 1159 “o preceito em análise desempenha, no âmbito dos processos cautelares, uma função similar à do artigo 87.º, aplicável à acção administrativa, só podendo dar lugar à eliminação de ambiguidades ou imprecisões, ou à alegação de circunstâncias complementares, e não à alteração do pedido ou da causa de pedir. (2)”.
Nos termos do artigo 116.º, n.º 2 do CPTA “Constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento:
a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;
b) A manifesta ilegitimidade do requerente;
c) A manifesta ilegitimidade da entidade requerida;
d) A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada;
e) A manifesta desnecessidade da tutela cautelar;
f) A manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal. ”.
O artigo 112.º, n.º 1, do CPTA dispõe: “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.”.
Prevê-se no artigo 113.º, n.º 1 do CPTA que “O processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo.”.
E, em sentido similar, no artigo 364.º, n.º 1 do CPC, dispõe-se: “(…) o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva.”.
Os processos cautelares “caracterizam-se pelos traços da instrumentalidade, da provisoriedade e da sumariedade.(3)”, dependem da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença que nela vier a ser proferida. Caracterizando-se, assim, a tutela cautelar, nomeadamente, pela instrumentalidade e provisoriedade relativamente a uma acção principal, existindo uma relação de dependência funcional entre o processo cautelar e a acção principal, encontrando aquele justificação na urgência de acautelar os interesses que se visam tutelar na acção principal, em ordem a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesta. Daí que os pedidos formulados no processo cautelar tenham de ter a necessária correspondência funcional com os pedidos formulados ou a formular na acção principal e ser adequados a acautelar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal.
No caso sub iudice a Requerente indicou as providências que pretende ver decretadas, assim como, a acção de que o processo irá depender, em cumprimento do estabelecido nas alíneas e) e f), do n.º 3, do artigo 114.º, do CPTA.
Não subsistem, assim, dúvidas que a Requerente, ora Recorrente manifestou a intenção inequívoca de instaurar a acção principal. Referindo expressamente que esta seria uma acção de impugnação judicial do acto administrativo e/ou de impugnação de contrato (se vier a ser celebrado).
O Tribunal “a quo” interpretou literalmente o vocábulo “ou”, sem ter em consideração todo o contexto em que o mesmo foi invocado.
Na verdade, a Requerente que peticionou a suspensão da eficácia do referido acto, do concurso e a proibição da celebração ou da execução do contrato, manifestou o propósito de instaurar a acção principal, de impugnação do respectivo acto e/ou declaração de invalidade do contrato que vier a ser assinado (caso tal venha a ocorrer), nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea g), do CPTA, norma que prevê a cumulação de pedidos relacionados com questões de interpretação, validade ou execução de contratos com a impugnação de actos administrativos praticados no âmbito da relação contratual. Ora, não sendo celebrado o contrato, atenta a alegação da Requerente, esta não terá de fazer qualquer opção relativamente à acção a intentar, restará, apenas, a intenção de instaurar a acção de impugnação.
Ainda que a interpretação literal do referido artigo 69.º e parte final do requerimento inicial permita a conclusão a que se chegou na sentença sob recurso, deveria o Tribunal a quo ter feito uma interpretação favorável ao processo e ter em consideração que a ora Requerente referiu que instauraria a acção de declaração de invalidade do contrato que vier a ser assinado (caso tal venha a ocorrer) na sequência do concurso, situação que só ocorreria se o contrato viesse a ser assinado, não sendo, assim, manifesto que a Requerente “não se compromete com a propositura de ação principal em que impugne o ato administrativo cuja suspensão pelo presente meio pretende obter” e que “não se compromete a pedir a destruição dos efeitos jurídicos desse ato (anulação) nem a declaração da improdutividade de efeitos jurídicos desse ato (declaração da nulidade).”.
O despacho de rejeição liminar, em regra, só deve ser proferido nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 116.º do CPTA e nas situações em que seja manifesta ou a procedência de alguma excepção relativa ao processo cautelar ou à acção principal, ou para as situações em que seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, como se estatui nas alíneas b) a f), do n.º 2, do artigo 116.º do CPTA, o que no caso não ocorre, pois, atentos os termos em que a Requerente mencionou que iria instaurar a acção principal, não se verifica uma situação de manifesta falta de instrumentalidade/interesse em agir.
Acresce que, existindo dúvidas sobre a necessária instrumentalidade/interesse em agir, do processo cautelar relativamente à acção principal, previamente à prolação da decisão de rejeição liminar, deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a Requerente a clarificar os termos usados, concretamente o “e/ou” e o “se necessário”, isto é, deveria a Requerente ter sido notificada para no prazo de cinco dias, nos termos estabelecidos no n.º 5, do artigo 114.º do CPTA, clarificar qual a acção que tenciona instaurar, e só em caso de não suprimento da irregularidade, no referido prazo, poderia ser proferido o despacho de rejeição liminar do pedido, nos termos do artigo 116.º, n.º 2, alínea a), do CPTA.
Convite, este, que deverá ser endereçado ao requerente cautelar considerando o disposto no artigo 114.º, n.ºs 4 e 3, alínea b), na medida em que se se permite o convite ao aperfeiçoamento em caso de falta de indicação da acção principal, tal convite também deverá ser efectuado em situações como a dos autos, em que os termos em que tal indicação foi efectuada é susceptível de suscitar dúvida ou ambiguidade, mas em que não se está perante uma situação de manifesta falta de instrumentalidade/interesse em agir, como vimos.
Pois, “[e]m princípio o despacho liminar só deve ser de rejeição do requerimento cautelar na falta de qualquer dos requisitos impostos ao requerimento que o requerente não tenha suprido na sequência de notificação para o efeito ou quando o tribunal considere que é evidente ou manifesta a existência de excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso, que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente.(4)”.
Deve, assim, o despacho de indeferimento liminar ser proferido para eliminar “ab initio” “processos que não reúnam condições mínimas de viabilidade”, o que não se verifica no caso sub iudice.
Como se sublinhou no acórdão deste TCA Sul, de 16/04/2015, proc.º n.º 11956/15 (5) “o despacho liminar só deve ser de indeferimento quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão formulada é infundada ou que existem excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente (cfr., sobre esta matéria, os ac.s do TCAN de 10.10.2013, proc. n.º 17/12.2BEVIS, e de 13.12.2013, proc. n.º 642/10.6BEAVR, por nós relatados). Manifestamente não é o caso em presença. Tal como se sumariou no ac. deste TCAS de 20.11.2014, proc. 11555/14: “A rejeição liminar do requerimento cautelar deve ser utilizada com cautela e reservada para aquelas situações em que seja manifesta a existência de fundamento para tal, pois que a regra é a do prosseguimento dos autos, com a citação da entidade requerida, a apresentação por esta da sua defesa, a instrução do processo e a prolação de decisão, tanto mais que o despacho de rejeição é proferido sem audição da parte.” À semelhança do que sucede com o critério de decisão enunciado na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, também em sede de despacho liminar o legislador introduziu o critério da evidência para sustentar o indeferimento liminar do requerimento cautelar (idem).”.
É que como já ensinava Alberto dos Reis: “importa não perder de vista que o indeferimento liminar, radicando em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado” (in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed. reimp., p. 373).”.
Concluímos, assim, em face do exposto, que não é manifesta a falta de instrumentalidade/interesse em agir, do presente processo cautelar relativamente à indicação da acção principal a instaurar, não sendo evidente que a Requerente “não se compromete com a propositura de acção principal em que impugne o acto administrativo cuja suspensão pelo presente meio pretende obter”, falhando na alegação do pressuposto processual da instrumentalidade e, consequentemente, de interesse em agir, pelo que, a decisão sob recurso, ao rejeitar liminarmente o requerimento inicial com esse fundamento, incorreu em erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 7.º, 112.º, n.º 1, 113.º, n.º 1, 114.º, n.º 3, alínea e) e 116.º, n.º 2, als. a) e e) do CPTA.
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As custas do recurso serão suportadas pelo Recorrido, que contra alegou no recurso – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco a fim de que aí, se nada mais obstar, os autos prossigam a sua normal tramitação.

Custas do recurso pelo Recorrido, que contra-alegou.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2019.

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(Helena Afonso – relatora)

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(Carlos Araújo)

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(Pedro Nuno Figueiredo)



(1) Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª Edição, 2017, págs. 77-78.

(2) Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª Edição, 2017, pág. 938.

(3) Cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2016 – 2.ª Edição, pág. 415.

(4) Cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2016 – 2.ª Edição, pág. 445.

(5) Consultável em www.dgsi.pt.