Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1456/10.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ILEGALIDADE EM ABSTRATO DA LIQUIDAÇÃO
ILEGALIDADE EM CONCRETO DA LIQUIDAÇÃO
NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO
TAXAS URBANÍSTICAS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:
I. Tendo sido suscitada, no âmbito das alegações complementares apresentadas ao abrigo do art.º 120.º do CPPT, questão decorrente de factos supervenientes, o seu não conhecimento pelo Tribunal a quo configura omissão de pronúncia.

II. Apenas estão abrangidas pela al. a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT as situações de ilegalidade em abstrato ou absoluta da liquidação, onde o que está em causa não é a mera legalidade de uma liquidação em concreto, mas sim a própria legalidade do tributo.

III. A nulidade do título executivo não é fundamento de oposição à execução fiscal.

IV. Os regulamentos de taxas e licenças do Município de Loures de 2002 e 2007 não padecem de inconstitucionalidade, material ou orgânica.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

G….., S.A. (doravante Recorrente ou oponente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 28.04.2017, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a oposição por si apresentada ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ….., que a Câmara Municipal de Loures lhe moveu, por dívidas de taxas urbanísticas.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A - DAS NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA

1ª. O art. 641° do NCPC, aplicável ex vi dos arts. 2° e 284° do CPPT, determina que "findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar" (v. art. 617° do CPC e art. 145°/1 do CPTA; cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Comentado e Anotado, 6ª ed., p.p. 372-373) - cfr. texto n.º 1;

2ª. O Tribunal Tributário de Lisboa deve, antes de ordenar a subida do recurso, pronunciar-se sobre as seguintes questões de nulidade:

a) A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, relativamente às questões suscitadas pela ora recorrente nas conclusões 2ª e 3ª das alegações complementares apresentadas, em 2014.09.12 (v. fls. 493 e segs. do SITAF), relativas à inexistência da pretensa dívida exequenda, face ao decidido, com trânsito em julgado, no acórdão arbitral, de 2011.01.06 (v. arts. 92°, 608°, 611°, 635° e 615°/1/d) do NCPC; cfr. arts. 125°/1 e 281° do CPPT) - cfr. texto n.º s 2 e 3;

b) São completamente obscuros e ininteligíveis os fundamentos que poderão ter justificado a decisão de dar como provado que o "acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/04/2016", já teria "transitado em julgado" (v. n.° 4 da matéria de facto), desconsiderando-se completamente a autoridade e força vinculativa do douto acórdão arbitral, de 2011.01.06, já transitado em julgado, que decidiu que os regulamentos municipais de taxas aplicáveis não são os que foram aplicados nos actos tributários sub judice (v. fls. 405 do SITAF), pelo que a sentença recorrida é claramente nula, por violação do disposto no art. 615°/1/b) do NCPC (cfr. arts. 2°, 123°, 125° e 281° do CPPT) - cfr. texto n.º s 4 e S;

c) A douta sentença em análise conheceu de questões de facto e de direito de que não podia tomar conhecimento, pois considerou um pretenso facto - trânsito em julgado do acórdão do TCA Sul, de 2016.04.28 - que, além de não se verificar (v. Docs. de fls. 599, 662 e 711 e segs. do SITAF), não foi invocado pelas partes, não foi provado e, mesmo que tal prova tivesse sido produzida - o que não se verificou in casu -, nem sequer foi sujeito a prévia audiência contraditória da ora recorrente (v. arts. 2°/e), 115°/4 e 123° do CPPT e arts. 3°, 5° e 415° do NCPC) - cfr. texto n.º s 6 e 7;

B - DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

3ª. Caso não seja declarada nula a douta sentença recorrida, sempre deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, que enferma de manifestos erros de julgamento (v. art. 123° do CPPT, art. 607°/3 a 5 do NCPC e art. 371° do C. Civil), como resulta das seguintes razões principais:

a) Deu como assente, no n.° 4 dos factos provados, que o "acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/04/2016" já teria "transitado em julgado", o que (i) não se verificou, como resulta da certidão já junta aos autos (v. fls. 599, 662 e 711 do SITAF; cfr. art. 371° do C. Civil), (ii) não podia ter sido dado como provado com base em pretenso conhecimento funcional do julgador (v. art. 412° do NCPC), por simples consulta de base de dados que não comprova esse facto (v. Ac. STJ de 2013.02.26, Proc. 67/1999.L1.S1, in www.dgsi.pt), e, além disso, (iii) não resulta de qualquer documento junto aos presentes autos, nem foi notificado à ora recorrente, facultando-lhe o exercício do contraditório (v. art. 115°/4 do CPPT, arts. 3° e 415° do NCPC e arts. 3° e 517° do NCPC), estando em causa verdadeira decisão surpresa - cfr. texto n.º s 8 e 9;

b) Não deu como provado e desconsiderou por completo a existência e os efeitos do acórdão arbitral, de 2011.01.06, já transitado em julgado, tal como está provado pela certidão de fls. 390 e segs. do SITAF (v. art. 371° do C. Civil), que decidiu que os regulamentos municipais de taxas aplicáveis aos aditamentos ao alvará de loteamento de 2003.09.11 e de 2008.04.16, não são os que foram aplicados pelo Município de Loures nos actos tributários fundadores da pretensa obrigação exequenda (v. n.° s 113 e 114 da Matéria Assente, a fls. 405 do SITAF) - cfr. texto n.º s 10 e 11;

C - DA FORÇA VINCULATIVA, EFICÁCIA, AUTORIDADE E INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO

4ª. A sentença recorrida enferma de ostensivos erros de julgamento e violou frontalmente os princípios da prevalência, autoridade, imutabilidade e intangibilidade do caso julgado (v. art. 205°/2 da CRP, arts. 619° e segs. do NCPC e arts. 666° e segs. do CPC), pois não podia deixar de:

a) Respeitar a força vinculativa, eficácia, autoridade e intangibilidade do caso julgado do douto Acórdão Arbitral, de 2011.01.06, bem como o disposto no art. 205°/2 da CRP, nos arts. 619° e segs. do NCPC, no art. 42°/7 da LAV 2011 e no art. 26° da LAV 1986;

b) Apreciar todas as questões de ilegalidade concretamente suscitadas pela ora recorrente nas conclusões 2ª e 3ª das alegações complementares apresentadas, em 2014.09.12, relacionadas com a inaplicabilidade dos RMTL, de 2002 e 2007, e consequente "falta de suporte legal para a cobrança da dívida" (v. fls. 493 e segs. do SITAF) - cfr. texto n.º s 12 a 14;

5ª. A douta sentença recorrida apreciou e decidiu assim o presente processo "como se o sistema admitisse, sem limites, a discussão eterna de questões jurídicas e como se, contrariando as sábias palavras de Manuel de Andrade, nem sequer as sentenças transitadas em julgado conferissem aos seus beneficiários direitos efectivos" (v. Ac. STJ de 2012.10.10, Proc. 1999/11.7), sendo inequívoco que no caso sub judice se verifica "falta de suporte legal para a cobrança da dívida" (v. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Comentado, 2007, p.p. 640), pelo que o processo de execução n.° ….. da CML, não podia deixar de ter sido declarado extinto (v. art. 204°/1/a) e f) do CPPT) - cfr. texto n.º 14;

6ª. Ao apreciar apenas parte dos vícios ou questões de ilegalidade suscitadas pela ora recorrente, desconsiderando por completo a existência, efeitos e consequências jurídicas do douto acórdão arbitral, de 2011.01.06, já transitado em julgado (v. fls. 390 e segs. do SITAF), a sentença recorrida violou ainda regras e princípios processuais estruturantes, bem como os direitos fundamentais da ora recorrente, nomeadamente o direito à tutela jurisdicional efectiva que garante o conhecimento de todos os vícios e questões de ilegalidade imputadas aos actos tributários sub judice (v. arts. 20°, 103°, 204°, 205°, 212°/3 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n.º s 1S a 17;

7ª O artigo 204°/1/a) do CPPT, interpretado nos termos erradamente adoptados na douta sentença recorrida, no sentido de que não há que atender ao efeito vinculativo de decisão arbitral anterior, transitada em julgado, para efeito de ser considerada a inexistência da dívida exequenda, viola o princípio da intangibilidade do caso julgado consagrado nos arts. 2° e 205° da CRP (cfr. art. 204° da CRP) - cfr. texto n.º s 18 e 19;

DA - DA NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO

8ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, os "juros de mora" exigidos à ora recorrente não constam do pretenso título executivo, pelo que é manifesta a respectiva insuficiência e inexigibilidade (v. arts. 162° e segs. do CPPT; cfr. art. 10°/5 do NCPC e art. 45° do CPC) - cfr. texto n.º s 21 a 23;

DB - DA INAPLICABILIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DOS REGULAMENTOS DE TAXAS E LICENCAS DO ML. DE 2002 E 2007

9ª. A inconstitucionalidade da norma que institui um tributo constitui fundamento de oposição à respectiva execução (v. ar!. 204° da CRP e ar!. 204°/l/a) do CPPT; cfr. Ac. STA de 2011.01.12, Proc. 0752/10, in www.dgsi.pt) - cfr . texto n . º s 2 4 e 25;

10ª. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, as normas dos regulamentos de taxas e licenças da CML, de 2002 e de 2007, são material, orgânica e formalmente inconstitucionais (v. arts. 103°, 112ª, 165°/l/i), 166°, 204°, 241º e 266º da CRP; cfr. ar!. 1º/2 do ETAF), pelo que não podia deixar de ser declarada extinta a execução instaurada contra a ora recorrente (v. ar!. 204ª/1/a) do CPPT) - cfr . texto n .º s 24 e 25”.

A Fazenda Pública junto do Município de Loures (doravante Recorrida ou FP) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1ª A douta sentença recorrida não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, já que respondeu a todas as questões colocadas, sendo consensual na Jurisprudência e na Doutrina, que importa não confundi r questões cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 615º do CPC, com argumentos e razões ou motivos aduzidos pela s partes na defesa das suas posições, como acontece com a Recorrente "in casu" (cfr. Ac. STJ, de 27/03/2014 - proc.º n.º SSS/2002.E2.S1, Ac. de STJ, de 20/11/2014, proc.º n.º 810/04.0TBTVD.Ll. Sl, disponíveis in www.dgsi.pt.) .

2 ª. Quanto à nulidade prevista no artigo 615º, n .º 1, b), a Recorrente labora em erro ao pretender que são obscuros e ininteligíveis os fundamentos da decisão de facto relativamente aos referidos acórdãos, pois para a boa decisão da questão em apreço, não assume relevância, quer o não trânsito em julgado de um, quer o trânsito em julgado do outro, até porque a douta sentença recorrida não releva para efeitos decisórios, o trânsito em julgado do acórdão do TCASul, mas sim os seus fundamentos aos quais adere, e, como tal, ganham relevância autónoma.

3ª No que respeita à alegada nulidade de que a douta sentença recorrida conheceu de questões de facto e de direito de que não podia tomar conhecimento, não se vislumbra qualquer relevância para a boa decisão da causa, pois a douta sentença recorrida apenas adere aos seus fund amentos do acórdão do TCASul, não assumindo a questão do trânsito ou não trânsito em julgado, qualquer relevância na decisão em apreço, seja do ponto de vista da matéria de facto, seja do ponto de vista da matéria de direito.

4ª. Quanto à impugnação da matéria de facto, ambos os acórdãos, são irrelevantes para a questão em apreço, quer levados à matéria de facto, quer em sede do direito aplicável.

5ª. "ln casu" não se coloca a questão da força vinculativa, eficácia, autoridade e intangibilidade do caso julgado, já que o trânsito em julgado da decisão proferida Centro de Arbitragem Comercial não deve ter qualquer efeito relativamente aos presentes autos, já que o pedido e a causa de pedir em cada um dos processos são completamente distintos.

6ª. Porque não se verificam as três identidades cumulativamente (quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir - cfr. Ac. STJ de 07/04/2005, proc.º n.º 437/OS in SASTJ, Ano de 2005), não se verifica a repetição de causas nos termos dos artigos 580º e 581º do CPC.

7ª. Acresce que, o objecto processual (pedido e causa de pedir da acção que correu termos na C. Arbitral não é condição para apreciação do objecto processual da presente acção (Ac, STJ, de 23/09/1998, proc.º 601/98, in SASTJ, Ano de 1998), não podendo a decisão da C. Arbitral estender os seus efeitos à presente acção.

8ª. Como é invocado na douta sentença recorrida e, igualmente, afirmado no Acórdão do TCASul, de 23/02/ 2010, procº n .º 03755/10, "A nulidade do título executivo e/ou a falta dos seus requisitos essenciais referidos no artigo 163º e prevista no artigo 165º, ambos do CPPT, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, por não incluída em qualquer das alíneas, nomeadamente, na i), do n.º 1, do artigo 204º do mesmo diploma legal, devendo, antes, invocar-se no próprio processo de execução".

9ª. Da análise do título executivo em apreço, verifica-se que o mesmo identifica a natureza e proveniência da dívida, isto é, o nome e domicílio do devedor, a natureza e proveniência da dívida, o montante em dívida e a data limite de pagamento, sendo que a própria oponente, igualmente, identificou, plenamente, nestes termos, a dívida em questão.

10ª. O pagamento previsto na alínea t) do n.º 1, do artigo 204º, do CPPT, só releva se for efectuado pela totalidade da dívida e antes da instauração da execução, pois só nesta hipótese se pode considerar que a execução não tinha fundamento, o que não é, seguramente, o caso dos autos.

11ª. Nos termos requeridos pela Recorrente e aprovados pela Recorrida, a 4ª prestação, ora, em apreço, vencia-se em 30/09/ 2008, não tendo sido paga até à presente data, pelo que a oponente entrou em mora a partir de 1/10/2008, vencendo-se, desde essa data, os respectivos juros de mora, o que resulta da lei, não sendo necessária uma previsão nesse sentido, no título executivo, pelo que este, ao contrário do alegado pela Recorrente, é, também, nesta parte, exequível, sendo, assim, o título executivo, suficiente e exigível.

12ª. Os regulamentos de taxas e licenças do Município de Loures de 2002 e 2007 são aplicáveis "in casu" e não padecerem de qualquer inconstitucionalidade.

13ª. Como refere o acórdão n.º 2174/08, do TCASul de 17/02/ 2009, onde se analisa a impugnação de tributos liquidados pela CMLou res relativa a taxas de urbanização .

“(…)

3. Está desde logo em causa saber se estamos perante uma taxa ou perante um imposto. Tratamos a questão no acórdão de 26/ 6/2002 (rec. n.º 25809) em termos que obviamente merecem a nossa concordância, e que não foram contraditados em sede de apreciação de inconstitucionalidade. Diremos desde já, e encurtando razões, que a denominada taxa de urbanização, prevista no n.º 1 da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas da CML, é uma taxa e não um imposto.

(...)

 Em suma, temos como elementos essenciais do conceito de taxa: prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente pelo Estado ou outro ente público, sem carácter sancionatório; utilização individualizada, pelo contribuinte, solicitada ou não, de bens públicos ou semi-públicos, em contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte - Acórdão do STA de 2/03/ 94 - rec. 17.363 - in Ap. DR de 28/11/ 96, pág . 794 e ss.

(...)" .

14ª. Estamos, assim perante "taxas", como a Lei das Finanças Locais assim as classifica, porquanto têm natureza sinalagmática, sendo tal "sinalagmaticidade construída juridicamente" , (como se lê no Ac. TC, de 3/10/2000, , in DR, 2ª Série, n.º 270, de 22/11/2000); ainda que esta relação sinalagmática entre benefício recebido e a quantia paga não implique uma equivalência rigorosa entre ambos.

15ª. Ora, no caso da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas está em causa a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo, sendo que o aumento da construção urbana implica a necessidade presente ou futura de criação ou reforço e manutenção das infra-estruturas urbanísticas, que é um encargo para os Municípios, pelo que esta prestação a cargo dos municípios é a contraprestação da taxa em causa (V. Acs. TC n.º 357/99, in Acs, TC, 44º Vol., pág. 251, e n.º 410/00, in Acs, TC, 48º vol. Pág. 141).

16ª. Igualmente, não tem razão a Recorrente ao pretender que os Regulamentos de Taxas e Licenças do Município de Loures de 2002 e de 2007 não contém a Lei Habilitante, já que basta compulsar o teor dos referidos regulamentos para verificar que ambos indicam, no artigo 1º, as respectivas Leis habilitantes, carendo, por isso, de razão, a Recorrente”.

Foi proferido, no Tribunal a quo, despacho, a 21.12.2018, no qual foi retificado o ponto 4 da matéria de facto, por erro material de escrita, determinando-se a eliminação da expressão “já transitada em julgado” e, no mais, considerando-se não se verificarem as nulidades suscitadas.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Houve erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?
b) Verifica-se nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia?
c) Ocorre nulidade, por obscuridade e inintelegibilidade e por excesso de pronúncia, na parte atinente ao facto 4), ao dar como provado o trânsito em julgado do acórdão ali mencionado?
d) Atenta a força vinculativa e a autoridade do caso julgado, decorrente do acórdão arbitral, de 2011.01.06, verifica-se uma situação de inexistência da dívida exequenda?
e) Houve erro de julgamento, quanto à nulidade do título executivo?
f) Há erro de julgamento, na medida em que os regulamentos municipais relativos a 2002 e 2007 são inconstitucionais?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) Em 15/04/2010, no Serviço de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Loures foi instaurada contra a aqui oponente a execução fiscal n.º ……, por dívida taxas por emissão do título respeitante ao licenciamento da operação urbanística de loteamento da 5.ª e 6.ª fases da urbanização do Infantado, aditamento n.º 4 ao Alvará de Licença de Loteamento e de Obras de Urbanização n.º ….., no montante total de € 4.554.674,95 (cfr. cópia da execução fiscal apensa);

2) O montante em cobrança coerciva referido no ponto anterior respeita à 4.ª prestação, com data limite de pagamento em 30/09/2009, do valor total cujo pagamento foi autorizado em 4 prestações com prestação de caução, de acordo com a deliberação camarária aprovada em reunião de Câmara de 12/12/2007 (cfr. certidão n.º ….. do processo apenso);

3) Em 22/04/2010 a oponente foi citada para os termos da execução (cfr. fls. 4 a 7 do processo apenso);

4) A Oponente deduziu impugnação judicial da totalidade da liquidação da taxa, em cobrança coerciva parcial, por pagamento voluntário do remanescente, que foi distribuída com o n.º 508/09.2BELRS no Tribunal Tributário de Lisboa, tendo sido julgada improcedente em sede de recurso, por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/04/2016, proc. n.º 09052/15 que julgou improcedente a impugnação e que aqui se dá por integralmente reproduzido (disponível em http://www.dgsi.pt/);

5) A oposição deu entrada em 19/05/2010 (cfr. Carimbo aposto na petição de fls. 4 dos autos)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão a proferir, não se provaram outros factos para além dos referidos supra”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados”.

II.D. Da impugnação da matéria de facto

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida, nos seguintes termos:
a) Da prova produzida não resulta que o acórdão deste TCAS de 28.04.2016 tenha transitado em julgado;
b) Deveria ter sido dada como provada a existência e os efeitos do acórdão arbitral, de 06.01.2011, transitado em julgado, como decorre da certidão de fls. 390 e ss.

Vejamos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que foram, de forma que se entende suficiente, cumpridos os referidos ónus.

Estando cumpridas as exigências constantes do art.º 640.º do CPC, cumpre apreciar.

Desde já se refira que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:
¾ Facto supra identificado sob a alínea a):
Como já referido anteriormente, foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, a 21.12.2018, retificando erro de material de escrita constante do facto 4 e determinando, nessa sequência, a eliminação da expressão “já transitada em julgado” – o que aliás se encontra vertido no ponto II.A.
Assim sendo, carece de pertinência a apreciação do alegado, por força da mencionada retificação.


¾ Facto supra identificado sob a alínea b):
Com efeito, consta dos autos certidão da mencionada decisão arbitral, considerando-se pertinente, face ao alegado, aditamento de facto atinente a tal decisão.
Como tal, defere-se o requerido, ainda que com distinta formulação, sendo de aditar os seguintes factos:
6) Foi proferida, no Centro de Arbitragem Comercial, decisão arbitral, na sequência de proposta de constituição da comissão arbitral por parte da Oponente apresentada a 18.08.2008 que o Município de Loures aceitou em 08.06.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“… 4. O objecto do litígio trazido pelas partes a esta Comissão foi reformulado em 14 de Outubro de 2009, por proposta da Comissão aceite por ambas as Partes, e ficou assim definido:
"Decidir sobre os regulamentos das taxas aplicáveis ao aditamento ao alvará de loteamento n°. ….., emitido pela Câmara Municipal de Loures em 11 de Setembro de 2003, e ao aditamento n. 4 ao alvará de loteamento n° ….., emitido em 16 de Abril de 2008, bem como decidir eventuais excepções que venham a ser suscitadas no processo".
(…)

II
Matéria de facto assente
por acordo entre as partes
(…)
113. As taxas fixadas pelo despacho do Senhor Vereador João Pedro Domingos, de 2- 7-2003, foram calculadas com base no Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures para o ano de 2003, publicado, designadamente, no Diário da República - Apêndice n° 162 - 2.a Série, n° 288, de 26/6/2007.
114. As taxas fixadas com a emissão do aditamento n° 4 foram calculadas com base no Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Loures, publicado, designadamente, no Diário da República, 2.3 Série, n° 121, de 26/6/2007.
(…)
85. Em consequência das conclusões a que chegou no número anterior, esta Comissão Arbitral decide o objecto do presente processo, por maioria, pelo modo seguinte:
1º, As normas aplicáveis à taxa municipal liquidada à G….., pela emissão da licença global de loteamento relativa às 4a, 5a e 6a fases da "Urbanização …..", são as que estavam em vigor sobre o assunto em 19 de Outubro de 1987;
2º, As normas aplicáveis à taxa municipal devida pela G….. pela alteração à licença referida no número anterior, bem como à taxa municipal devida peia aprovação do projecto de obras de urbanização referente à 4a fase do mesmo loteamento, na parte referente ao lote n° ….. e alterações conexas com o seu novo destino, são as que estavam em vigor sobre o assunto à data do Aditamento ao alvará n° ….. emitido em 11 de Setembro de 2003;
3º. As normas aplicáveis às taxas municipais devidas pela G….., pela aprovação dos projectos de obras de urbanização referentes à 5a e 6a fases do mesmo loteamento, são as que estavam em vigor sobre o assunto em 18 de Março de 1993.” (cfr. certidão constante do documento com n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485593, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7) Da decisão referida em 6) foi interposto recurso para este TCAS (cfr. certidão constante do documento com n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485593, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
8) O recurso mencionado em 7) não foi admitido (cfr. certidão constante do documento com n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485593, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
9) Da decisão de não admissão do recurso foi apresentada, pelo Município de Loures, reclamação (cfr. certidão constante do documento com n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485593, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
10) Na sequência do referido em 9), por decisão deste TCAS de 30.07.2012 foi desatendida a reclamação (cfr. certidão constante do documento com n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485593, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
11) No seguimento de mencionado em 10), foi apresentada reclamação para a conferência, não tendo sido a mesma admitida (cfr. certidão constante do documento com n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485593, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
12) Foi interposto, a 30.11.2012, pelo Município de Loures, recurso, para o Tribunal Constitucional (cfr. certidão constante do documento com n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485593, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
13) Na sequência do referido em 12), foi proferida decisão sumária n.º 621/2013 de não conhecimento do objeto do recurso (cfr. certidão constante do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485578, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
14) No seguimento de reclamação da decisão sumária mencionada em 13), foi proferido, no Tribunal Constitucional, acórdão n.º 152/2014, indeferindo a mencionada reclamação, transitado em julgado a 27.02.2014 (cfr. certidão constante do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 003485578, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da omissão de pronúncia

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, porquanto, nas conclusões 2.ª e 3.ª das alegações complementares apresentadas a 12.09.2014, suscitou questões que não foram objeto de apreciação pelo Tribunal a quo.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, desde já se refira que se verifica a mencionada nulidade.

Sendo certo que os fundamentos da oposição têm de ser evidenciados na petição inicial, os mesmos podem sempre ser invocados em momento ulterior, se decorrerem de facto superveniente ou se forem de conhecimento oficioso. In casu, a presente oposição foi proposta a 19.05.2010 [cfr. facto 5)]. Entretanto, em momento ulterior, foi proferida decisão arbitral, em 2011, que veio a ser objeto de sucessivos recursos, o último dos quais para o Tribunal Constitucional, tendo o acórdão deste último, no sentido de não conhecimento do objeto do recurso, transitado em julgado a 27.02.2014 [cfr. facto 14)].

Face à junção aos autos dos elementos documentais, relativos à decisão arbitral e ao Acórdão do Tribunal Constitucional, foi ordenado, por despacho de 11.07.2014, que fossem as partes notificadas para a apresentação de alegações complementares, “em face das circunstâncias supervenientes documentadas nos autos”.

Nessa sequência, a ora Recorrente apresentou tal articulado, a 12.09.2014, do qual se extraem designadamente as seguintes conclusões:

“2a. O douto acórdão arbitral, de 2011.01.06, já transitado em julgado (v. art. 42º/7 da LAV 2011 e art. 26° da LAV 1986), decidiu expressamente que os regulamentos municipais de taxas aplicáveis aos aditamentos ao alvará de loteamento de 2003.09.11 e de 2008.04.16 são os que estavam em vigor, em 1987.10.19 e em 1993.03.18, e não os regulamentos de taxas em vigor para os anos de 2003 e de 2008, que foram aplicados pelos órgãos do ML (v. n.° s 113 e 114 da Matéria Assente, a fls. 627 dos autos; cfr. n°s. 32 e 47 e conclusão 10a das alegações apresentadas pelo ML no presente processo, a fls. 521, 525 e 533 dos autos) - cfr. texto n°s. 1 e 2;

3a. No caso Sub judice verifica-se assim “falta de suporte legal para a cobrança da dívida” (v. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Comentado. 2007, p.p. 640), o que, face à autoridade e eficácia do caso julgado do douto acórdão arbitral, de 2011.01.06 (v. art. 205/2 da CRP, arts. 619° e segs. do NCPC. art. 42/7 da LAV 2011 e art. 26° da LAV86), e à procedência do vício de falta de base legal, integra o fundamento de oposição à execução previsto no art. 204/1/a) do CPPT, pois “cabem n(o) conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de (...) aplicação de normas regulamentares (n)os casos em que a norma que foi aplicada no acto de liquidação não podia sê-lo(v. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 6a ed., Vol. III, p.p. 446; cfr. Ac. do Plenário do STA de 2005.04.07, Proc. 01108/03; Ac. STA de 2011.11.23, Proc. 0945/10 e ambos in www.dgsi.pt). como sucedeu in casu - cfr. texto n°s. 3 a 5”.

Ora, atenta a factualidade superveniente mencionada que determinou a alegação superveniente de nova questão, deveria o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre a mesma.

Como tal, não se tendo o Tribunal a quo pronunciado sobre a referida questão, incorreu em omissão de pronúncia, assistindo razão à Recorrente nesta parte.

Nos termos do art.º 665.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”, o que se fará, depois de apreciadas as demais nulidades da sentença invocadas.

III.B. Da nulidade da sentença por obscuridade e ininteligibilidade e por excesso de pronúncia

Alega, por outro lado, a Recorrente que a decisão sob escrutínio padece de nulidade, por obscuridade e ininteligibilidade, ao ter dado como provado que o acórdão deste TCAS de 28.04.2016 transitou em julgado, considerando ainda que tomou conhecimento de questão que não podia, ao ter considerado um facto (trânsito em julgado) nunca invocado pelas partes.

Como resulta das conclusões do recurso, as alegadas nulidades centram-se na circunstância de o facto 4) conter a indicação de que o acórdão do TCAS de 28.04.2016 transitara em julgado. Sucede que, como já referimos supra, foi, pelo Tribunal a quo, retificada a redação do facto 4), por se ter considerado erro material a menção a tal trânsito.

Assim sendo, não contendo o facto 4) tal menção, carece de relevância a apreciação do alegado, por deixado de ter materialidade.

III.C. Da força vinculativa, eficácia, autoridade e intangibilidade do caso julgado, resultante da decisão arbitral de 06.01.2011 e seus efeitos em sede de execução fiscal

Considera a Recorrente, atenta a força vinculativa, eficácia, autoridade e intangibilidade do caso julgado, resultante da decisão arbitral de 06.01.2011, implica a verificação de falta de suporte legal para a cobrança da dívida, que implica que o PEF em causa não pudesse deixar de ter sido declarado extinto, por força do disposto no art.º 204.º, n.º 1, als. a) e f), do CPPT.

Vejamos então.

Antes de mais, cumpre atentar, por um lado, no âmbito dos processos de oposição à execução fiscal e, bem assim, nos fundamentos que lhe podem estar subjacentes.

A oposição é o meio processual adequado para reagir contra uma execução fiscal, nos termos e com os fundamentos enunciados no art.º 204.º do CPPT.

Nos termos desta disposição legal:

“1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:

a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;

b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;

c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;

d) Prescrição da dívida exequenda;

e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;

f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;

g) Duplicação de coleta;

h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;

i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título…”.

Desde já se refira que não se alcança de que forma o alegado se enquadra no âmbito da alínea f) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, porquanto a decisão arbitral em causa não decidiu (nem poderia, dado não ter sido litígio no âmbito da arbitragem tributária) no sentido da anulação das liquidações que deram origem à dívida exequenda.

Cumpre, então, aferir do alcance da alínea a) transcrita supra.

Com efeito, em regra, a legalidade da dívida exequenda não é passível de apreciação em sede de oposição à execução fiscal. Assim, quando estamos perante tributos, a forma de reação contra ilegalidades das liquidações é através da competente impugnação judicial.

Representam exceção as situações de ilegalidade abstrata, previstas na alínea a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, e as situações em que a lei não confira meio judicial de impugnação ou recurso, previstas no art.º 204.º, n.º 1, al. h)[3], do mesmo código.

Centrando-nos no art.º 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT, como referido, o mesmo abarca as situações de ilegalidade em abstrato ou absoluta da liquidação, onde, no fundo, o que está em causa não é a mera legalidade de uma liquidação em concreto, mas sim a própria legalidade do tributo, ou seja, a ilegalidade decorre da própria lei cuja aplicação foi feita ou da inexistência sequer de norma[4]. “Cabem neste conceito de ilegalidade abstracta todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares. // Inserem-se ainda neste conceito de ilegalidade abstracta os casos em que a norma que foi aplicada no acto de liquidação não podia sê-lo por qualquer outra razão, como é o caso de existir lei especial que estabeleça a ineficácia de quaisquer normas” [5].

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.03.2019 (Processo: 0558/15.0BEMDL 0176/18):

“… [A] ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação (…) distingue[-se] da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do ato tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstrata a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que as consequências que a Recorrente extrai, em termos de impacto da decisão arbitral na dívida exequenda, se prendem com a sua ilegalidade em concreto e não em abstrato. Com efeito, considera a Recorrente que, atendendo a tal decisão arbitral, as liquidações não deveriam ter sido emitidas por aplicação dos RMTL de 2002 e 2007 – ou seja, as liquidações, na sua perspetiva, são em concreto ilegais, por terem sido emitidas ao abrigo de regimes que não aqueles que deveriam ter sido aplicados.

Ora, o efeito da concreta decisão arbitral em causa em termos de poder de liquidação e, bem assim, a determinação do concreto regulamento a aplicar prendem-se com a legalidade em concreto das liquidações: no fundo, a Recorrente considera que as liquidações que consubstanciam a dívida exequenda são ilegais por terem sido emitidas ao abrigo de regulamentos que não lhes eram aplicáveis. O alegado tem a ver com as liquidações em concreto e não com as normas que lhe subjazem.

Tratando-se que questão relacionada com a legalidade em concreto das liquidações, a mesma não é passível de apreciação em sede de oposição à execução fiscal, dado que existe meio próprio ao alcance da Recorrente (impugnação judicial, que, aliás, foi acionado) para discutir questões de legalidade em concreto. Como tal, não há que apreciar na presente sede dos efeitos e consequências jurídicas da decisão arbitral nas liquidações concretamente emitidas e que deram origem à dívida exequenda, porquanto tais consequências, a existirem, refletem-se na liquidação em concreto e esta, como referido, é passível de apreciação em sede própria, sendo nessa mesma sede salvaguardados todos os direitos e garantias constitucionalmente consagrados em termos de tutela jurisdicional efetiva e, bem assim, em termos de aferição do respeito pelo princípio da intangibilidade do caso julgado.

Face ao exposto, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.D. Do erro de julgamento, no tocante à nulidade do título executivo

Considera, por outro lado, a Recorrente que se verifica nulidade do título executivo, em virtude de os juros de mora exigidos não constarem do mesmo.

Vejamos.

Como já referido, a oposição é o meio processual adequado para reagir contra uma execução fiscal, nos termos e com os fundamentos enunciados no art.º 204.º do CPPT. O mencionado elenco é taxativo.

No tocante à nulidade do título executivo, a mesma é configurada no CPPT como uma nulidade insanável do processo de execução fiscal [cfr. art.º 165.º, n.º 1, al. b), do CPPT], de conhecimento oficioso e arguível a todo o tempo, que, a verificar-se, tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos.

É entendimento consolidado da jurisprudência dos tribunais superiores que a nulidade do título executivo não se configura como fundamento de oposição, subsumível à al. i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT[6].

A este respeito, chama-se desde já à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.11.2016 (Processo: 0715/16):

“Recordamos aqui a argumentação expendida no acórdão do Pleno de 19 de Novembro de 2008, proferido no processo n.º 430/08 (…) que, referindo-se à questão de saber se a nulidade do título executivo, por falta dos seus requisitos essenciais, e quando não puder ser suprida por prova documental, é, ou não, fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, deixou dito o seguinte:

«[…] há que reconhecer que tal fundamento cabe na literalidade da referida norma pois que patentemente não envolve a apreciação da legalidade da liquidação – desde logo, é-lhe posterior – nem interfere em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título.

Por outro lado, tal nulidade conduz à extinção da execução pelo que, sendo esta o fim primacial da oposição, não haverá, por aí, obstáculo à predita resposta afirmativa.

Cfr. JORGE DE SOUSA, CPPT anotado, 2.º volume, nota 16 ao artigo 165.º.

Todavia, outros parâmetros há a considerar.

Dispõe o artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “a todo o direito (…) corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”.

E, em termos semelhantes, preceitua o artigo 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”. Assim, a cada direito corresponde uma só acção: unidade, que não pluralidade.

Cfr. o acórdão do STJ, de 28 de Janeiro de 2003, in Colectânea, 166, p. 61.

Ora, o artigo 165.º do CPPT considera nulidade insanável em processo de execução fiscal “a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.

E estabelece o respectivo regime, e efeitos: a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto anulado dependam absolutamente, sendo (a nulidade) de conhecimento oficioso e podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão.

A lei elegeu, pois, tipicamente, o respectivo regime legal: trata-se de uma nulidade.

E, como tal, estabelece-se igualmente o seu regime de arguição.

Assim sendo, foi propósito legal desconsiderá-la como fundamento de oposição, ainda que seja a mesma, substancialmente, a consequência resultante: a extinção da execução consubstanciada na nulidade do próprio título.

Por outro lado, a tutela jurídica concedida à nulidade é, até, mais consistente do que a resultante da oposição, na medida em que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, que não apenas no prazo de 30 dias contados da citação – cfr. artigo 203.º, n.º 1, do CPPT.

Aliás, a entender-se dever ser conhecida pelo Chefe do Serviço de Finanças (ou, porventura, pelo juiz – cfr. o artigo 151.º, n.º 1, do CPPT), sempre o respectivo processo seria urgente – artigo 278.º, n.º 5 – o que é mais consentâneo com a celeridade querida para o processo de execução fiscal, atenta essencialmente a sua finalidade de cobrança de impostos que visam “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento – artigo 5.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

Nada, pois, parece justificar a apontada dualidade – em termos de nulidade processual da execução fiscal e de fundamento de oposição à mesma –, aliás proibida nos termos do referido artigo 2.º do Código de Processo Civil. Conclui-se, assim, que a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.º, n.º 1, alínea i)».

É certo que a solução adoptada por esta jurisprudência tem merecido críticas (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 13 ao art. 165.º, págs. 144 a 146.). Essencialmente, motivadas pelo facto de a nulidade insanável por falta de requisitos do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, determinar a extinção da execução fiscal (finalidade típica da oposição à execução fiscal), implicar a inexequibilidade do título executivo (fundamento típico da oposição à execução) e caber na previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 214.º do CPPT, pois é a provar por documento, não contende com a legalidade da liquidação subjacente à dívida exequenda e não representa matéria da exclusiva competência do órgão da entidade que emitiu o título; mas também alicerçadas nos princípios da economia processual e do anti-formalismo.

Reconhecemos a pertinência da algumas das objecções à tese que fez vencimento na jurisprudência, maxime a do prejuízo para a economia processual e a do excessivo formalismo. Mas, salvo o devido respeito, fica por rebater aquele que será o argumento mais convincente da tese adoptada pelos referidos sucessivos acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e em muitos outros acórdãos da mesma Secção, qual seja o de que a lei para cada pretensão susceptível de ser deduzida em juízo faz corresponder um e um único meio processual adequado.

Por outro lado, como bem salienta JORGE LOPES DE SOUSA, é «aconselhável o acatamento desta última jurisprudência uniforme mais recente para evitar mais tergiversações jurisprudenciais sobre esta matéria, por a estabilidade jurisprudencial e a confiança que ela gera nos cidadãos serem valores a prosseguir pelos tribunais que, quando não estão em causa reflexos substantivos, se devem sobrepor à adequação dos meios processuais» (Ibidem.). Neste sentido, com invocação expressa do n.º 3 do art. 8.º do Código Civil – segundo o qual se deve procurar «obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito» (…).

Acresce que a tese que ora subscrevemos não constitui restrição alguma do direito de acesso dos executados ao tribunal para garantia da defesa dos seus direitos e interesses legítimos ou controlo dos órgãos da Administração (designadamente do órgão da execução fiscal), em eventual violação do disposto no n.º 4 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, esse direito não fica prejudicado pelo facto de a lei ordinária impor ao executado uma determinada forma processual, com exclusão de outras. Tal só sucederia se, proibida a aplicação de determinada forma processual – no caso a oposição à execução fiscal – lhe ficasse vedado o acesso a qualquer outra.
Não é o caso, pois o executado que entenda que o título executivo enferma de nulidade insanável por falta de requisitos essenciais do título executivo, não susceptível de ser suprida por prova documental, poderá argui-la até ao trânsito em julgado da decisão final (n.º 4 do art. 165.º do CPPT) junto do órgão da execução fiscal, com reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (art. 276.º do CPPT).
Não pode, pois, manter-se a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, na parte em que entendeu conhecer da nulidade do título executivo como fundamento de oposição à execução fiscal”.

A este respeito, cumpre salientar que o Tribunal a quo começa por referir justamente que tal questão não é fundamento de oposição à execução fiscal, não obstante ainda se ter pronunciado quanto aos requisitos do título.

Ora, apesar de, no corpo das suas alegações, a Recorrente considerar que a oposição é meio próprio para a apreciação da mencionada questão, como já referimos a recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores é em sentido diverso, posição por nós subscrita.

Não sendo, pois, a nulidade do título executivo fundamento de oposição, tal como o Tribunal a quo, aliás, refere, não é possível na presente sede apreciar o alegado pela Recorrente.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

III.E. Do erro de julgamento, por inconstitucionalidade dos regulamentos de taxas e licenças do Município de Loures de 2002 e 2007

Considera, ademais, a Recorrente que a inconstitucionalidade de norma que institui um tributo constitui fundamento de oposição à execução fiscal. No caso, as normas dos regulamentos de taxas e licenças de 2002 e de 2007 são material, orgânica e formalmente inconstitucionais.

Vejamos.

Apelando ao já referido anteriormente, a propósito do alcance da al. a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, de facto nessas situações enquadram-se os casos de inconstitucionalidade das normas que estiveram na origem das liquidações que por seu turno deram origem à dívida exequenda.

Assim, considera, em síntese, a Recorrente que normas dos RMTL do Município de Loures são claramente inconstitucionais, por violação dos art.ºs 103.º e 165.º, n.º 1, al. i), ambos da CRP, na interpretação segundo a qual podem ser cobrados sem que o Município de Loures tenha realizado qualquer infraestrutura. Considera ainda que as mesmas são inconstitucionais, por ausência de indicação de norma habilitação.

Sobre esta questão já este TCAS se pronunciou, no Acórdão mencionado em 4) do probatório, do qual, na parte ora pertinente, se extrai o seguinte:

“DA INAPLICABILIDADE DOS REGULAMENTOS DA TABELA DE TAXAS E LICENÇAS DO MUNICIPIO DE LOURES DE 2002 A 2007

A impugnante (…) alega que os regulamentos de taxas e licenças do Município de Loures de 2002 e 2007 não são aplicáveis ao caso sub judice por serem inconstitucionais uma vez que as taxas por eles criadas consubstanciam verdadeiros impostos (contribuições especiais) violando assim a Constituição da Republica Portuguesa, nomeadamente o artigo 103º nº 2, 112º nº 7 e 165º nº 1 da CRP e artigo 4º nº 3 da LGT.
Ora, sobre este assunto pronunciou-se este TCA Sul, no douto acórdão nº 2174/08 de 17/02/2009, onde se analisa a impugnação de tributos liquidados pela Camara Municipal de Loures relativa a taxas de realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas (vulgarmente conhecida como taxa de urbanização), tal como está em causa nos presentes autos, pelo que ao mesmo aderimos e aqui reproduzimos na parte relativa à apreciação da ilegalidade.

“(…)

3. Está desde logo em causa saber se estamos perante uma taxa ou perante um imposto.

Tratamos a questão no acórdão de 26/6/2002 (rec. nº. 25809), em termos que obviamente merecem a nossa concordância, e que não foram contraditados em sede de apreciação de constitucionalidade.

Diremos desde já, e encurtando razões, que a denominada taxa de urbanização, prevista no art. 1º da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas da CML, é uma taxa e não um imposto.

O que distingue a taxa do imposto?

(…) A definição de imposto é pacífica. Teixeira Ribeiro, in Lições de Finanças Públicas, 5ª Edição, a págs. 258, define-o como uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos.

Diogo Leite de Campos, no seu Direito Tributário, a págs. 22, define-o como uma prestação patrimonial, integrada numa relação obrigacional, imposta por lei a um sujeito, a favor de uma entidade que exerça funções públicas, com o fim de satisfazer os seus objectivos próprios, e sem carácter de sanção.

Nuno de Sá Gomes, no seu Manual de Direito Fiscal, Volume I, 1995, a págs. 59, define-o como prestação patrimonial definitiva positiva e independente de qualquer vínculo anterior, definitiva e unilateralmente ou não sinalagmática, estabelecida pela lei a favor de entidades que exerçam funções públicas e para satisfação de fins públicos, que não constituam sanção de actos ilícitos.

Com este último Autor, podemos dizer que se trata de:

a) uma prestação patrimonial positiva;

b) independente de qualquer vínculo anterior;

c) definitiva;

d) unilateral ou não sinalagmática;

e) estabelecida por lei;

f) a favor de entidade que exerça funções públicas;

g) para satisfação de fins públicos;

h) que não constitua sanção ou prevenção de actos ilícitos.

E como definir a taxa?

O conceito de taxa tem sido objecto de longa elaboração doutrinal e jurisprudencial Teixeira Ribeiro, na Revista de Legislação e Jurisprudência, nº. 112, pág. 294, define-a como a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens semi-públicos, ou como o preço autoritariamente fixado de tal utilização.

E o parecer da Procuradoria Geral da República, de 15 de Dezembro de 1992, in Diário da República, 2ª Série, de 4/6/93, reproduzindo o Parecer nº. 64/80, bem como o Acórdão deste STA, de 10/2/83 (in Acórdãos Doutrinais, nº. 257, pág. 579), defendem ser a taxa o preço autoritariamente estabelecido, pago pela utilização individual de bens semi-públicos, tendo a sua contrapartida numa actividade do Estado ou de outro ente público, especialmente dirigida ao obrigado ao pagamento.

Segundo Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, págs. 42 e 43, as taxas individualizam-se, no terreno mais vasto dos tributos, por revestirem carácter sinalagmático, não unilateral, o qual, por seu turno, deriva funcionalmente da natureza do acto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares.

Para Sousa Franco, in Finanças Públicas e Direito Financeiro, págs. 491 e ss., a taxa é uma prestação tributária (ou tributo) que pressupõe ou dá origem a uma contraprestação específica, resultante de uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um bem ou serviço público.

Em suma, temos como elementos essenciais do conceito de taxa: prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente; pelo Estado ou outro ente público; sem carácter sancionatório; utilização individualizada, pelo contribuinte, solicitada ou não; de bens públicos ou semi-públicos; com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte - Acórdão do STA de 2/3/94 - rec. 17.363 - in Ap. DR de 28/11/96, págs. 794 e ss..

Descendo agora ao caso concreto, podemos dizer o seguinte:

A taxa em questão tem previsão no art. 1º da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas, que dispõe: "É estabelecida a taxa Municipal pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas, que constitui a contrapartida, devida ao Município, pelas utilidades prestadas aos particulares pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias, cuja realização, remodelação, reforço, ou sobrecarga seja consequência de operações de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou de alterações na forma de utilização destes".

Aqui há – reconheça-se uma contrapartida para o particular, como claramente se prevê no texto legal.

Daí pois a possibilidade de estarmos perante uma taxa, pois que aqui há um verdadeiro sinalagma.

É certo que no caso concreto não vem provado que a Câmara tenha executado ou suportado financeiramente a instalação ou reforço de quaisquer infra-estruturas urbanísticas que se tivesse tornado necessária em consequência do licenciamento e construção da obra da ora impugnante.

Mas uma construção, para mais do volume da considerada nos autos, provoca eventual e previsivelmente a necessidade do reforço de determinadas infra-estruturas (actuais ou futuras), mas exige sempre a sua manutenção (actual e futura), pelo que se é levado à conclusão necessária que o não suporte actual de financiamento, por parte da Câmara Municipal, com a instalação e reforço de infra-estruturas, não significa que quer o reforço das infra-estruturas, quer a sua manutenção, não tenham necessariamente lugar no futuro.

E a sobrecarga das infra-estruturas não deixa de ser uma consequência directa da realização de obra de tal envergadura.

Traz-se, a propósito, à colação o acórdão do Tribunal Constitucional de 15/06/99 ( Acórdão n. 357/99/T. Const. - Proc. nº. 1005/98, in DR. II Série, n. 52, de 2/3/2000) (…):

"Na verdade, afastada a exigência de uma absoluta correspondência económica entre as prestações do ente público e do utente, o critério adoptado fundamentalmente pela ponderação da área de construção - índice quer da utilidade retirada pelo obrigado quer do grau de exigência na realização, reforço, manutenção ou funcionamento de obras de infra-estruturas urbanísticas - não deixa de ser ditado por uma preocupação de proximidade entre o custo e a utilidade da prestação do serviço e o montante da taxa.
"E também não contradiz a bilateralidade da taxa a eventualidade de a prestação do serviço não implicar vantagens ou benefícios para quem é obrigado ao pagamento, muito embora seja considerável, no caso, a probabilidade dessas vantagens ou benefícios em qualquer das modalidades de obras de infra-estruturas urbanísticas (realização, reparação, manutenção e funcionamento) em geral exigíveis, ou convenientes, quando se efectuam as construções ou operações de loteamento referidas nos artºs. 2º e 3º do Regulamento, o que do mesmo modo retira o carácter presuntivo, em abstracto, das maiores despesas ou encargos por parte da pessoa pública que é próprio das contribuições especiais por maiores despesas.

"Por outro lado, a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado, que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível)".

Estas considerações, feitas a propósito do "Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Amarante", têm evidente similitude, a nosso ver, com a hipótese normativa em apreciação”.

Assim sendo, como julgamos que é, não se pode dizer que a denominada taxa de urbanização, liquidada pela Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo da referida norma legal, ora em apreciação, não seja uma taxa.

É efectivamente uma taxa.

E como tal não enferma da invocada inconstitucionalidade.

Ora, posto isto, e pondo em cotejo as definições atrás expostas, devemos concluir que a denominada taxa municipal de realização de infra-estruturas urbanísticas é uma verdadeira taxa.

Muito recentemente, o TC foi chamado a pronunciar-se sobre a natureza do tributo em causa, tendo concluído pela sua natureza de taxa (vide acórdão n. 258/2008, de 30/4/2008 – Proc. nº. 258/2008 – vide DR; II Série, nº. 108, de 5/6/2008).

Remetemos para os termos do citado aresto, que, no tocante ao juízo de constitucionalidade – aqui em causa – merece a nossa inteira concordância.

Escreveu-se nomeadamente no citado aresto:

“2.6 –Da qualificação da TRIU.

“Após estes longos considerandos, cabe agora perguntar se é possível … atribuir a natureza de imposto ou de contribuição especial ao tributo sub judice, com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente a inconstitucionalidade orgânica das normas do Regulamento Municipal que foram aplicadas no caso concreto ou se estamos perante uma verdadeira taxa, tal como ela foi rotulada e o acórdão recorrido sustenta”.

E depois de abundante argumentação, o aresto em causa conclui assim:

“Perante a análise efectuada, concluiu-se que o regime da TRIU, con­sagrado no RTRIU, na versão aqui apreciada, cria uma verdadeira taxa e não um imposto, pelo que não está sujeita à regra da reserva de lei para a sua criação e determinação dos elementos essenciais, podendo a sua previsão constar de simples regulamento municipal, aprovado pela assembleia municipal, nos termos das leis das Finanças Locais e das Autarquias Locais então em vigor.

“O recorrente alega ainda que as normas do RTRIU violam "os princípios constitucionais da igualdade, justiça, proporcionalidade, iniciativa privada, segurança, confiança e boa fé (v. artigos 2.°, 9.°, 13.°, 18.°,61.°, 103.° e 266.° da CRP)", repetindo os argumentos que, na sua óptica, exigiriam que a TRIU só pudesse ser criada através de lei aprovada pela Assembleia da República, isto é que o referido Regulamento não assegurava nem uma equivalência económica entre o valor da taxa paga e a prestação pública com ela conexionada, nem sequer a existência da própria prestação pública.

“Como acima se verificou nenhuma destas acusações ao RTRIU pro­cede, não se mostrando, pois, que o analisado regime viole qualquer um dos citados parâmetros constitucionais, pelo que o recurso interposto deve ser julgado improcedente”.

É este um entendimento que merece a nossa inteira concordância, e que subscrevemos sem reserva.

E no tocante à referida violação dos princípios constitucionais dos princípios da justiça e proporcionalidade, e para além dos considerandos e decisão (sobre o ponto) do Tribunal Constitucional, poderemos referir a argumentação que sobre a questão produziu o EPGA no seu douto parecer, e que merece igualmente a nossa concordância.

Escreveu o distinto Magistrado:

“O sujeito passivo não demonstrou:

a) um valor intrínseco da taxa manifestamente excessivo em relação ao custo da contrapartida a prestar pelo município, em termos de rotura inequívoca da correspectividade pressuposta na relação sinalagmática

b) o manifesto desequilíbrio da equação económica estabelecida entre o montante da taxa paga e o valor do benefício que retira das infra-estruturas urbanísticas realizadas ou a realizar pela autarquia, em consequência da operação de construção aprovada (cf. art.1 ° Regulamento da TRIU Lisboa)” .

Concluímos assim que estamos perante uma taxa, que não sofre de qualquer desvio constitucional.

Assim, as conclusões que versam a alegada inconstitucionalidade das normas da TRIU não sofrem de qualquer inconstitucionalidade, pelo que tais conclusões improcedem necessariamente.”

Cfr. no mesmo sentido, entre muitos, os Acórdãos do TCA de 29-05-2007, do TCAS- Secção CT-1.ºJUÍZO LIQUIDATÁRIO, Recurso nº 05306/01, 01241/06, 07-11-2006, Secção: CT - 2.º JUÍZO, Recurso nº 01241/06, de 27-04-2006, Secção: CT - 2.º Juízo Liquidatário, Recurso nº 00497/05 e de 20-04-2006, Secção: CT - 1.º Juízo Liquidatário, Recurso nº 02552/99.

Todos eles perfilham o entendimento de que a taxa municipal de urbanização constitui a contrapartida pela manutenção e reforço das infra-estruturas urbanísticas decorrentes de construções e operações de loteamento e obras de urbanização. Esta taxa destina-se a financiar os encargos suportados pelo município na realização de obras, ainda que esta decorram em zonas contíguas às urbanizações a que se destinam e não no interior do loteamento.

E em todos esses arestos se acentua que a referida taxa não implica a afectação financeira das receitas provenientes da sua cobrança à compensação de concretas despesas efectuadas podendo respeitar a despesas já efectuadas ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras de urbanização não tendo aquela taxa que funcionar sincronicamente com estas despesas de urbanização.

A essa luz, a não realização imediata dessas infra-estruturas que constitui a contraprestação da autarquia, não constitui pressuposto da incidência objectiva daquela taxa, na medida em que essa contraprestação se pode também projectar no futuro.
Acresce que o artº 13º, nº 1, alínea e) do DL nº 448/91, de 29 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 334/97, de 28 de Dezembro, favorece este entendimento, já que permite ao município indeferir um pedido de loteamento quando esse:

a) constituir comprovadamente uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas ou serviços gerais existentes;

b) implicar, para o município, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de serviços por ele não previstos” (V. Acórdão do STA (1ª Secção – 2ª Subsecção), de 30.05.06 – Recurso nº 407/05).

Um exemplo poderá servir para distinguir esta matéria.

Assim, um particular efectua um pedido de loteamento que necessita, obviamente, de instalação de água, saneamento básico, electricidade, etc. Por força do alvará de loteamento cabe a esse loteador realizar, dentro do loteamento, essas obras de urbanização. Porém, dado que na zona existem outros loteamentos, o respectivo município teve de reforçar as condutas de água, de aumentar a potência eléctrica, de ampliar os serviços de recolha de resíduos sólidos e do tratamento das águas residuais e de abastecimento.

Ora, como está bem de ver, estas são despesas gerais do município a que o loteamento (ou loteamentos) obrig(ou)aram. Daí que a exigência da taxa de urbanização a que nos vimos referindo constitua a contraprestação pelas obras que o município, ou de imediato ou no futuro, está obrigado a realizar devido à aprovação do loteamento.”

Face ao exposto, resta concluir pela improcedência do vício invocado.

DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DOS REGULAMENTOS DOS REGULAMENTOS DA TABELA DE TAXAS E LICENÇAS DO MUNICIPIO DE LOURES DE 2002 A 2007, POR FALTA DE INDICAÇÃO DA LEI HABILITANTE.

A impugnante invoca ainda a inconstitucionalidade formal e a ilegalidade dos referidos Regulamentos por não conterem a indicação da respectiva Lei Habilitante. Por seu turno o Município de Loures fundamenta que a Lei das Finanças Locais, aprovada pela Assembleia da Republica, que autoriza os municípios a cobrarem taxas, designadamente as referentes a obras de urbanização, é a lei habilitantes para os respectivos regulamentos.

Vejamos, fazendo apelo ao douto Acórdão do STA, proferido no processo 964/08 de 08/07/2009, ao qual aderimos por se tratar de um assunto em tudo idêntico ao dos presentes autos e no qual se pode ler o seguinte:

“Vem interposto recurso do acórdão do TCAS que confirmou a sentença do Mmo. Juiz do TAF do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente contra a liquidação, em 16/12/1994, pelo Município do Funchal de uma Taxa Municipal Urbanística relativa a infraestruturas prevista no Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal do Funchal.
Suscita, desde logo, o recorrente a inconstitucionalidade das normas de tal Regulamento, porquanto o referido regulamento não contem a indicação de normas de habilitação e os elementos essenciais do tributo em causa nunca poderiam ser objecto de simples regulamento municipal.

(…) O acto impugnado foi praticado ao abrigo do Regulamento de Taxas e Licenças do Município do Funchal, aprovado pela Assembleia Municipal do Funchal em 9/5/1994, e publicitado pelo Edital da Assembleia Municipal do Funchal n.º 11/94, de 10/5/1994.

Quer o citado regulamento quer o edital que lhe confere publicidade não contêm a indicação da lei habilitante (v. docs. de fls. 736/742).

Nos termos do artigo 115.º, n.º 7 da CRP (actual artigo 112.º, n.º 7), os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.

Se tal não acontecer, como é o caso, padece tal regulamento de inconstitucionalidade formal (v., neste sentido, acórdãos do TC n.º 220/2001, de 2002.05.22, e do STA de 2/11/06, no recurso n.º 516/06).

Por outro lado, os regulamentos municipais que tenham por objecto a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de operações de loteamento e de obras de urbanização, com excepção dos previstos no Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, são obrigatoriamente submetidos a inquérito público, pelo prazo de 30 dias, antes da sua aprovação pelos órgãos municipais competentes, e são publicados no Diário da República (artigo 68.º-B do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro).

A falta de publicação destes regulamentos nos termos sobreditos implica a sua ineficácia jurídica (v. artigo 122.º, n.º 2 da CRP (92), em vigor à data da aprovação e publicação da deliberação da AMF de 9/5/94, actual artigo 119.º, n.º 2 da CRP/04).

O princípio da publicidade dos actos com conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local é uma exigência lógica do princípio do estado de direito democrático (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotada, págs. 547/548).

Sem a publicação das normas regulamentares nos termos e com o conteúdo assinalado, não é possível determinar ou exigir dos particulares as taxas urbanísticas em causa.

Do exposto, resulta, assim, claramente que as normas do RTLMF são manifestamente inconstitucionais e inaplicáveis neste caso.

Consequentemente, o acto impugnado, ao fundar a liquidação nesse Regulamento, enferma de erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei e justifica a sua anulação (arts. 99.º do CPPT e 135.º do CPA).

A solução jurídica desta questão prejudica a apreciação das demais questões suscitadas respeitantes à legalidade do acto tributário de liquidação impugnado, praticado com fundamento em normas regulamentares inquinadas de inconstitucionalidade formal (artigo 660.º, n.º 2 do CPC).”

Ora, após compulsado o teor dos referidos regulamentos e das respectivas publicações verifica-se que ambos indicam, no artigo 1º, as respectivas leis habilitantes, nos seguintes termos:

Artigo 1.º

Lei habilitante

O presente Regulamento é elaborado ao abrigo e nos termos dos artigos 238.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 4.º, 16.º e 19.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, alterada pelas Leis n.ºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 3-B/2000, de 4 de Abril, 15/2001, de 5 de Junho, e 94/2001, de 20 de Agosto, artigos 114.º a 119.º do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Agosto, e alíneas a) e e) do n.º 2 do artigo 53.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, e rectificada pelas Declarações de Rectificação n.º 4/2002, de 6 de Fevereiro, e n.º 9/2002.”

E

Artigo 1.º

Lei habilitante

O presente Regulamento é elaborado ao abrigo e nos termos dos artigos 238.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 4.º, 16.º e 19.o da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, e alterada pelas Leis n.os 87-B/98, de 31 de Dezembro,3-B/2000, de 4 de Abril, 15/2001, de 5 de Junho, e 94/2001, de 20 de Agosto, e pela Lei Orgânica n.º 2/2002,de 28 de Agosto, dos artigos 114.o a 119.o do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Agosto, das alíneas a) e e) do n.º 2do artigo 53.o da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, e esta rectificada pelas Declarações de Rectificação n.ºs 4/2002, de 6 de Fevereiro, e 9/2002, de 5 de Março, da lei geral tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, com as alterações subsequentes, e do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 435/99, de 26 de Outubro, com as alterações que lhe foram posteriormente introduzidas.”

Assim sendo, e sem necessidade de mais delongas por razões óbvias, resta concluir pela improcedência desta alegação”.

Não havendo razões para nos afastarmos deste entendimento, a que se adere, resulta que não se verifica a inconstitucionalidade material e orgânica alegada pela Recorrente.

Face ao exposto, padece igualmente a mesma de razão nesta parte.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2014 (Processo: 01953/13): “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso).

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da tabela I.b., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante se entender que, face à complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à atuação das partes, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 350.000,00 Eur.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Declarar a nulidade da sentença recorrida, no que respeita à questão da inexistência da dívida exequenda, face ao decidido, com trânsito em julgado, no acórdão arbitral, de 2011.01.06, por omissão de pronúncia, indeferindo­‑se, em substituição, o alegado quanto à mesma;
b) No mais, negar provimento ao recurso;
c) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 350.000,00 Eur.;
d) Registe e notifique.


Lisboa, 09 de julho de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Vital Lopes)


_________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[3] Cfr., v.g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2014 (Processo: 01001/13).
[4] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 443.
[5] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, cit., p. 446.
[6] V. neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.02.2005 (Processo: 0574/04), de 06.05.2009 (Processo: 0632/08), de 19.11.2008 (Processo: 0430/08), de 17.12.2008 (Processo: 0364/08), de 15.06.2011 (Processo: 0705/10) e os acórdãos do mesmo Supremo Tribunal Administrativo de 22.11.2017 (Processo: 0833/17), de 11.09.2019 (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Processo: 0462/15.1BEMDL).