Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:135/07.9BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:DEMOLIÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
NOTIFICAÇÃO
DOMICÍLIO
Sumário:I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC.
II. Verifica-se a ilicitude, se os atos materiais ou as omissões ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração (artigo 6.º do D.L. n.º 48.051).
III. Comprovando-se a notificação de todos os atos e comunicações praticados ao longo do procedimento à sua destinatária direta, não se pode falar na ilicitude decorrente da omissão de notificação.
IV. Permanecendo a destinatária das notificações, durante o dia, num Centro de Dia e pernoitando à noite noutro local, devendo as notificações ser realizadas em período diurno e não podendo ser realizadas no período noturno, nem em período fora do horário dos serviços, pode entender-se que o Centro de Dia constitui a residência habitual da Autora ou, pelo menos, que ali tem a sua residência alternada, segundo o n.º 1 do artigo 82.º do Código Civil (CC).
V. Ainda que assim não se entendesse, não se conseguindo apurar o local concreto da residência, o Centro de Dia constitui o local em que se encontra, podendo ali ser notificada, segundo o n.º 2 do artigo 82.º do CC.
VI. Concluindo-se pela notificação dos atos administrativos praticados ao longo do procedimento, falta o pressuposto do facto ilícito e culposo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

M..., devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 28/10/2015, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, instaurada contra o Município da Covilhã, julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos de condenação ao pagamento da quantia de € 50.000,00, a título de indemnização pela perda da sua casa, € 10.000,00 pela perda dos bens móveis que compunham a sua casa de habitação, os juros de mora que se vencerem desde a citação e ainda os danos não patrimoniais, em quantia a fixar em execução de sentença.


*

Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 404 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem (as quais contém um lapso no seu n.º 25, mas que ora não se renumera, mantendo a numeração tal como apresentada em juízo, de forma à melhor compreensão do que se mostra alegado pelo Recorrente):

“1) A Sentença Recorrida julgou a presente acção administrativa comum totalmente improcedente, por totalmente não provada, e em consequência absolveu o Réu dos pedidos contra ele formulados.

2) Relativamente às respostas dadas à matéria de facto, a juiz “a quo”, na perspectiva do aqui Recorrente e, com o devido respeito, respondeu erradamente aos factos considerados como provados e correspondentes aos pontos 2), 4), 6), 7), 8), 11), 15), 16, 28), 29), 32) e 33) da factualidade provada.

3) Além de que, não considerou como provados outros factos que se demonstram essenciais para a boa decisão da causa e que no caso de serem considerados implicarão uma alteração da decisão do Tribunal a quo.

4) Da audição da prova que se encontra gravada, dos documentos juntos aos autos, das conclusões debitadas em sede de fundamentação factual, parece-nos que, o Tribunal deveria ter decidido de outra forma.

5) O Tribunal não pode considerar como provado que a Autora Primitiva abandonou definitivamente o imóvel em 2001 e 2002, porquanto, face à prova produzida nada foi apurado nesse sentido.

6) Pelo contrário, resulta provado que a Autora primitiva esteve no Lar de V… por volta dos anos de 2001 e 2002 tendo depois regressado a casa, onde permaneceu até ir para o Centro de Dia de C..., o que apenas aconteceu em 2004.

7) O Tribunal também considerou provado que a Autora primitiva foi notificada dos vários actos administrativos do processo instrutor 1635/05DIV.

8) A verdade é que, a Autora primitiva teve conhecimento do processo de demolição apenas em 09/01/2007, mediante notificação entregue pela Guarda Nacional Republicana, não tendo sido notificada de qualquer acto anterior àquela data.

9) Todas as notificações foram endereçadas ao Centro de Dia de C..., onde a Autora Primitiva se encontrava apenas durante o período diurno, tendo os respectivos talões de registo sido assinados por S ....

10) Tais comunicações nunca foram entregues à Autora primitiva.

11) Ora, o Artigo 268.º da CRP estabelece que os actos administrativos estão sujeitos a notificação, sendo que o artigo 89.º do Regime Jurídico da Edificação Urbana estabelece que a notificação é condição de eficácia.

12) E, o artigo 121.º do RJEU, na redacção vigente à data, estabelece que todas as notificações e comunicações, devem ser feitas por carta registada, caso não seja viável a notificação pessoal.

13) Nos termos do artigo 82.º do CC, considera-se que a pessoa tem o seu domicílio no lugar da sua residência habitual, pelo que as notificações por carta registada com aviso de recepção devem ser endereçadas para o domicílio do interessado.

14) Devendo considerar, como é orientação doutrinal e jurisprudencial dominante, que o conceito de residência habitual se consubstancia como o local onde uma pessoa singular normalmente vive com carácter de estabilidade e permanência.

15) Na verdade, não se pode afirmar que alguém resida num centro de dia, porquanto, não é aí que pernoita nem é aí que tem o seu centro de vida, pois o Centro de Dia é tão só uma resposta social e tem como objectivos melhorar a qualidade de vida das pessoas idosas e possibilitar a manutenção dos seus utentes nos seus próprios domicílios e potencializar um conjunto de acções destinadas a promover a convivência, participação e integração dos indivíduos na vida social.

16) Assim sendo, o acto de demolição bem como todos os outros actos administrativos anteriores ordenados pela Câmara Municipal da Covilhã carecem de eficácia, porquanto, os mesmos não foram notificados à proprietária, pois foram endereçados para morada diversa do seu domicílio, assinado por pessoa diversa da proprietária sem que alguma das notificações lhe tenha sido entregue. Pelo que, não teve conhecimento da decisão de demolição da sua casa ou e qualquer outro acto administrativo constante do Processo Administrativo Instrutor.

17) Além disso, a prova de notificação compete à Câmara Municipal, e esta limitou-se a juntar os talões de registo endereçados para o Centro de Dia de C... assinados por S ..., sem provar que os mesmos foram devidamente entregues à Autora primitiva.

18) Nem se compreende porque não foi a própria Autora primitiva a assinar os talões de registo, uma vez que esta sabe assinar, ao invés disso todos os talões de registo foram assinados pela referida S….

19) Por outro lado, não se compreende nem se aceita que a Câmara Municipal invoque que desconhecia o paradeiro da Autora primitiva, quando bastava obter junto do Centro de Dia informação relativa à morada onde aquela pernoitava, pois ainda que ocasional seria esse o seu domicílio e não o Centro de Dia.

20) Mas a verdade é que, o Réu limitou-se a endereçar as notificações para o Centro de Dia, agindo negligentemente.

21) Pelo que, também não poderia ter sido considerado provado que o Réu tudo fez para que a Autora primitiva procedesse ela própria às obras necessárias.

22) O mesmo se diga quanto ao facto de não poder ser considerado provado que o Réu tudo fez para localizar o paradeiro da Autora primitiva, pois se assim fosse teria a Autora sido notificada no seu domicílio e não num Centro de Dia.

23) Certo é que, a prova da notificação compete ao órgão administrativo que a promoveu, portanto ao Município da Covilhã.

24) Pelo exposto, a Douta Sentença incorre em erro de julgamento em matéria de direito ao desconsiderar a preterição de formalidades legais essenciais invocadas quanto à falta de notificação, mais concretamente do artigo 22.º e artigo 268.º, n.º 3 da CRP, o artigo 89.º n.º 3 e 4 e 121.º do Regime Jurídico das Edificações Urbanas e artigo 82.º do Código Civil.

25)

26) Por outro lado, a Douta Sentença considerou provado que a Autora primitiva beneficiou com a demolição.

27) No entanto, o Tribunal a quo não pode considerar provado que a demolição beneficiou a Autora, pois da prova produzida resulta que isso só aconteceria se houvesse a certeza de que será autorizada construção no terreno que agora existe no lugar da casa demolida.

28) E, tal não ficou provado. Pelo contrário, foi afirmado pelo Ex.mo Sr. Perito que devido à exiguidade do terreno em causa muito provavelmente não será permitida nova construção, pois o coeficiente de ocupação do solo para a povoação de V ... nunca é 100% a não ser que seja uma reconstrução.

29) E, não é o facto de o terreno ser servido por arruamentos públicos que determina a capacidade construtiva do imóvel, embora seja uma das condições para que seja permitida construção, não é condição que baste por si só para determinar a viabilidade de construção.

30) Além disso, não ficou provado que se possa construir nos exatos termos em que a construção existia antes da demolição, ou seja, uma casa com r/c, 1.º e 2.º pisos e sótão, pois apenas se provou que em termos genéricos poderá haver hipótese de construção.

31) Também não é o facto de o terreno continuar inscrito como casa de habitação na caderneta predial que lhe confere capacidade construtiva, pois aquando da apresentação de um pedido de informação prévia na Câmara Municipal não bastará apresentar a caderneta predial (desatualizada) mas será necessário apresentar levantamento topográfico para confirmar o que efectivamente existe, que é nada!

32) Como o Sr. Perito disse: Já não existe nada, há um terreno vazio.

33) Certo é que, se não houvesse demolições estaria 100% assegurada a reconstrução nos exactos termos em que a construção existia, mas tendo havido demolição total já não estará assegurada nova construção, muito menos nos mesmos termos em que ela existia antes da demolição.

34) Quanto ao valor do imóvel demolido o Sr. Perito avaliou em €19.000,00, sucede que em sede de audiência de julgamento quando confrontado com uma fotografia do imóvel a cores esclareceu que o mesmo teria menos condições de habitabilidade do que tinha julgado ter, mas ainda assim afirmou com segurança que o mesmo teria valor de mercado.

35) Assim sendo, não podemos afirmar que a Autora primitiva beneficiou com tal demolição, pois teríamos que ter a certeza de que o terreno onde se encontrava edificado o imóvel demolido tem capacidade construtiva, o que não ficou provado.

36) Por outro lado, o Tribunal a quo não deu como provado que a demolição do prédio consistiu numa conduta culposa do Réu ou dos seus agentes que actuaram negligentemente.

37) Mas como se disse anteriormente os actos administrativos estão sujeitos a notificação dos interessados na forma prevista na lei.

38) Ora, se foi efectivada a demolição mas não foi efectuada notificação válida do acto administrativo de demolição, pode o administrado exigir a reparação dos danos causados com o acto de demolição, invocando a ineficácia do acto, sendo indiferente, para esse efeito, que o acto de demolição enferme de qualquer vício, pois não estará em causa a apreciação da legalidade da demolição, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário.

39) A verdade é que, a notificação sendo um acto exterior ao acto de demolição não tem a virtualidade de afectar a validade desse mesmo acto, no entanto pode e deve a notificação relevar para operar no plano da responsabilidade extracontratual da Administração.

40) No caso em apreço não foram observadas as regras de notificação, pelo que devemos considerar que os agentes e titulares dos órgãos do Réu actuaram com culpa ao violarem normas legais que constituem garantias dos administrados.

41) Assim sendo, a falta de notificação nos termos legais constitui fundamento suficiente para considerar que existiu uma conduta culposa dos agentes e titulares dos órgãos do Réu, pelo que o ponto ii) da factualidade não provada foi indevidamente considerado como não provado.

42) Encontramo-nos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito e existe por isso direito a ser indemnizado por via da ineficácia do acto, decorrente da omissão do dever legal de notificar.

43) Além disso, a Douta Sentença considerou não provados os danos peticionados pela Autora primitiva, no entanto apesar de não terem sido provados todos os danos peticionados pela Autora não poderiam ter sido desconsiderados todo e qualquer dano, conforme se comprovará mais adiante.

44) Quanto à responsabilidade civil extracontratual do Réu entendeu a Meritíssima Juiz a quo que a mesma não existe por não se verificarem os pressupostos dessa mesma responsabilidade, mas com o devido respeito não podemos concordar com tal afirmação.

45) Pois, como se disse anteriormente, a falta de notificação consubstancia a preterição de uma formalidade legal essencial, sendo que a mesma configura a prática de um acto ilícito por omissão do dever legal de notificar.

46) Pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos é a existência de danos resultantes de uma conduta ilícita do ente administrativo, ou seja, de “actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”, conforme art. 2º do referido DL nº 48.051.

47) No caso concreto há uma clara violação de preceitos legais e de princípios gerais do direito, pois o acto de demolição não tendo sido notificado não respeita uma das condições de executoriedade do mesmo, a eficácia. Eficácia essa que está dependente da notificação do proprietário. Que no presente caso não ocorreu.

48) Assim, podemos afirmar contrariamente ao decidido, pela consideração de que, segundo as regras da experiência comum e a normalidade das coisas, a Ré violou a lei e praticou um acto desconforme com ela, não procedeu com a diligência e cuidado adequados e exigíveis – diligência de um titular de órgão ou agente avaliada segundo elevados padrões de competência técnica, profissionalismo e eficiência que deverão ser apanágio de uma qualquer actuação administrativa, que não pode deixar de considerar que os agentes e órgãos da Ré são técnicos e titulares políticos de órgãos de serviços públicos a quem está investida a competência de instruir processos administrativos – ao cumprimento da lei e a evitar a violação das normas legais e regulamentares ou os princípios aplicáveis ou ainda das regras de ordem técnica e de prudência comum.

49) Assim, como o Tribunal a quo reconhece “Trata-se, essencialmente, de apreciar a culpa num plano funcional, no plano do exercício de funções – ou seja, no plano de um comportamento que se traduza num normal, diligente e zelosa aplicação das regras (ou, numa anormal e negligente aplicação dessas mesmas normas)”, e, apreciando a culpa num plano funcional resulta que os titulares dos órgãos do Réu não observaram as regras relativas à notificação.

50) Em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado a ilicitude juridicamente relevante é a que resulta da violação de normas legais e ou regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como a que decorre da ofensa a regras de ordem técnica e de prudência comum, pelo que nesta sede rege um conceito de ilicitude mais amplo que o consagrado na lei civil – cfr. artº 6° do DL 48 051 de 22.11.67.

51) Assim, a ilicitude decorre do desrespeito pelas regras da notificação, da omissão do dever legal de notificar.

52) Assim, pode a Autora primitiva exigir a reparação dos danos causados com o acto de demolição, invocando a ineficácia do acto, sendo indiferente, para esse efeito, que o acto de demolição enferme de qualquer vício, pois não estará em causa a apreciação da legalidade da demolição, mas sua oponibilidade ao seu destinatário.

53) E, contrariamente às conclusões formuladas pelo Tribunal a quo, entendemos que a notificação não observou as regras aplicáveis ao endereçar as notificações para o Centro de Dia, que pelas razões já invocadas não pode ser considerado o domicílio da Autora primitiva.

54) Ainda que podendo estar motivada de boas intenções de interesse público atinentes às condições de segurança e salubridade do imóvel objecto de demolição, a verdade é que não observou o cumprimento das regras legais e regulamentares aplicáveis ao caso concreto.

55) À luz do critério da causalidade adequada acolhido no art. 563.º do CC, verifica-se nexo de causalidade adequada entre a falta de notificação do acto de demolição e os inerentes prejuízos sofridos, contrariamente ao que erro e violação do disposto no art. 563.º do CC entendeu a Sentença recorrida.

56) É evidente, resultando até da natureza das coisas e da normalidade dos acontecimentos, que a falta de notificação da Autora Primitiva implica e equivale à impossibilidade de fazer por si as obras necessárias e também a impossibilidade de se defender da decisão de demolição, sendo assim não apenas possível ou provável, mas manifesta a existência de prejuízos: o dano é certo, conforme supra demonstrado.

57) Quanto ao valor dos danos causados com a demolição da casa, e atendendo a que não foi possível determinar com certeza se o terreno onde se encontrava implantado o imóvel demolido pela Câmara Municipal pode vir a ser objecto de nova construção, não é seguro afirmar qual o valor dos prejuízos resultantes da demolição, pelo que o seu valor e correspondente indemnização deveria ter sido fixado segundo a equidade e dentro dos limites do que se tiver provado, nos termos do disposto no artigo 566.º n.º 3, mas sempre à luz do presente e basilar princípio da reposição integral do dano previsto no artigo 562.º do CC.

58) Quanto aos danos patrimoniais deve considerar-se o valor atribuído ao imóvel pelo Ex.mo Sr. Perito no valor de €19.000,00 para posterior arbitramento de indemnização em valor que se deve assemelhar ao indicado, atendendo a que o Ex.mo Sr. Perito esclareceu que a casa teria menos condições de habitabilidade do que pensava (depois de ser confrontado com fotografia a cores) mas que ainda assim teria valor de mercado, e atendendo ao facto que da demolição resultou um terreno que com elevado grau de probabilidade não terá capacidade construtiva e nesse caso o terreno não terá outra utilidade que não seja aproveitamento para horta.

59) Além disso, não foi considerado pela Meritíssima Juiz a quo que a pedra de xisto tinha valor de mercado e podia ser reutilizada, como efectivamente veio a ser, devendo ser agora considerada para arbitramento de indemnização.

60) Quanto ao valor do recheio da casa deverá ser considerado o valor normal de uma casa com as características da casa objecto de demolição, mas nunca inferior a €5.000,00, considerado que se tratava de uma casa de r/c, 1.º, 2.º pisos e sótão e foi habitada pela Autora primitiva durante mais de 50 anos.

61) Assim o julgamento do valor da indemnização deveria ter respeitado o princípio da equidade nos termos do disposto no artigo 566.º n.º 3 do Código Civil, mas sempre à luz do princípio da reposição integral do dano previsto no artigo 562.º do Código Civil.

62) Quanto aos danos não patrimoniais não podemos aceitar que não se tenham provado quaisquer danos quando das regras da experiência comum resultaria sempre que qualquer pessoa da idade da Autora primitiva ficaria emocionalmente abalada e transtornada ao ver ser demolida a habitação onde viveu durante mais de 50 anos, sendo aí que tem a maior parte das suas vivências e memórias.

63) No tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade, conforme artigo 494.º ex vi artigo 493.º, 1.ª parte do Código Civil.

64) Assim, deverão ser tidos em consideração para determinação do quanto indemnizatório a idade avançada da Autora primitiva que à data da demolição tinha 71 anos de vida, o facto de ter vivido na casa durante mais de 50 anos, o fato de sofrer de depressão nervosa e se terem agravado as crises de ansiedade.

65) Conforme dispõe o artigo 661.º do CPC, n.º 2 “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado.”

66) A Douta Sentença incorre em erro de julgamento quando não fixa qualquer valor de indemnização, pois verificam-se todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que incorre em erro de violação das regras relativas à responsabilidade civil extracontratual do Estado prevista no DL 48 051 de 21 de Novembro de 1967.

67) Conclui-se pois que a Sentença Recorrida merece ser censurada por ser manifesto que as provas produzidas impõe decisão diversa da Recorrida.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que decida em conformidade com a prova produzida.


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O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, não apresentou contra-alegações (cfr. fls. 432), limitando-se a pedir a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.

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Notificado o Ministério Público nos termos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, tendo a sentença sabido interpretar os factos e o direito, não violando quaisquer preceitos legais.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pelo Recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de facto, quanto aos factos considerados provados nos pontos 2), 4), 6), 7), 8), 11), 15), 16), 28), 29), 32) e 33 da matéria de facto assente e por se considerarem não provados outros factos, nos termos das alíneas ii), iii), vi) e vii) da factualidade dada como não provada;

2. Erro de julgamento de direito ao desconsiderar a preterição de formalidades essenciais quanto à falta de notificação, em violação dos artigos 22.º e 268.º, n.º 3 da Constituição, artigo 89.º, n.ºs 3 e 4 do RJUE e artigo 82.º do Código Civil;

3. Erro de julgamento quanto aos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, em violação do D.L. n.º 48 051, de 21/11/1967.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. M ..., ora Autora primitiva, era proprietária e legítima possuidora do prédio urbano constituído de casa de alvenaria, com loja, 1º e 2º andar, sito na Travessa do Forno, em V ... e inscrito na competente matriz sob o artigo 1… [cf. documento (doc.) constante de fls. 70 do Processo Administrativo-Instrutor que se encontra apenso (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

2. Aproximadamente, em 2001 ou 2002, a Autora primitiva abandonou, definitivamente o prédio identificado em 1), deixando de ali habitar, de ali pernoitar, de ali fazer as suas refeições, de ali receber os amigos e familiares, ausentando-se mesmo da Freguesia de V ... e passou a residir na Freguesia de C..., ali centralizando a sua vida, passando todos os dias, no período diurno, no Centro de Dia de C... e pernoitando em casa de uns familiares também residentes em C... [cf. depoimentos prestados pelas testemunhas A… e J…].

3. Há, pelo menos cinco anos antes da propositura da presente acção (cerca do ano de 2002), que a Autora primitiva tinha conhecimento do estado de degradação da ruína do prédio identificado em 1), tendo sido contactada, por diversas vezes, pelos membros dos órgãos da Freguesia de V ..., sendo que alguns habitam junto do referido prédio que a Autora possuía, informando-a do avançado estado de degradação da mesma e do seu possível eminente desmoronamento [cf. depoimentos prestados pelas testemunhas A… e J…].

4. Em 21 de Novembro de 2005, o Presidente da Junta de Freguesia de V ... remeteu vários Ofícios - respeitantes a prédios localizados na Freguesia em questão - ao Presidente do executivo camarário do Município da Covilhã, ora Réu, entre eles, o Ofício n.º 201/05 respeitante ao prédio descrito em 1), e cujo teor se reproduz, a saber: “…


(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 70 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha A ...].
5. Em 02 Janeiro de 2006, pelo Ofício D.I.U.H. - 00001, o Réu notificou o Presidente da Junta da Freguesia de V ..., nos seguintes termos, a saber: “…

(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 69 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimentos prestados pelas testemunhas J ...e A ...].
6. Considerando o circunstancialismo referido em 2) e em 4), o Réu endereçou todas as notificações que dirigiu à Autora primitiva para o Centro de Dia de C... que aquela frequentava, no período de abertura aos utentes [cf. depoimento prestado pela testemunha J…].
7. Em 02 de Janeiro de 2006, pelo Ofício n.º 56/06, a Autora primitiva foi notificada pelo Réu, nos seguintes termos, a saber: “…


(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 68 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha J….].
8. Todas as comunicações e notificações que o Réu dirigiu à Autora primitiva foram recepcionadas pelo “Centro de Dia de C...” que fez entrega das mesmas à Autora primitiva, tomando esta, desse modo, conhecimento do respectivo conteúdo [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 68, de fls. 64, de fls. 57/58 e de fls. 46/47 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
9. Em 24 de Janeiro de 2006, foi efectuada vistoria ao prédio identificado em 1), não tendo a Autora primitiva comparecido, e tendo sido lavrado o respectivo Auto de Vistoria de Ruína com o seguinte teor, a saber: “…

(“texto integral no original; imagem”)
…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 66/67 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimentos prestados pelas testemunhas J ...e Adelino Leitão Duarte].
10. Por iniciativa da Junta de Freguesia de V ..., a Câmara Municipal da Covilhã, órgão executivo do Réu, deliberou instaurar o processo de demolição n.º 1635/05DIV que teve por objecto o prédio identificado em 1) [factualidade admitida por acordo; cf. fls. 65/69 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
11. Em 21 de Fevereiro de 2006, pelo Ofício 1010/06, o Réu notificou a Autora primitiva, nos seguintes termos, a saber: “…

(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 61/63 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
12. Em 21 de Fevereiro de 2006, pelo Ofício 1011/06, o Réu notificou o Presidente da Junta da Freguesia de V ..., nos seguintes termos, a saber: “…


(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 64 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimentos prestados pelas testemunhas J ...e A ...].
13. Em 26 de Abril de 2006, e na sequência de deslocação ao local por parte de funcionários da fiscalização do Réu, constataram que “…os trabalhos mencionados no Auto de Vistoria de Ruína n.º V-R 12-06, não foram executados…”, tendo procedido ao respectivo levantamento fotográfico [cf. documento (doc.) constante de fls. 61/63 do Processo Administrativo -Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

14. Em 08 de Maio de 2006, a Divisão de Urbanismo e Habitação do Réu elaborou o seguinte Parecer, a saber: “…


(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 59/60 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

15. Em 09 de Maio de 2006, pelo Ofício 2530/06, o Réu notificou a Autora primitiva, nos seguintes termos, a saber: “…


(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 57/58 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
16. Em 17 de Julho de 2006, pelo Ofício 3725/06, o Réu notificou a Autora primitiva, nos seguintes termos, a saber: “…

(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 46/47 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
17. Em 01 de Agosto de 2006, foi elaborado o Auto de Posse Administrativa, sem que a tal acto a Autora primitiva tivesse comparecido, e cujo teor se transcreve: “…

(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 40/41 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha J ...].
18. Na data identificada em 13), o prédio identificado em 1) apresentava o seguinte estado, descrito nas seguintes fotografias, a saber: “…


(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. Documentos (docs.) constantes de fls. 355/357 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas J…, A ..., J…, A… e J…].
19. Na data identificada em 13), o prédio identificado em 1) evidenciava um iminente estado de ruína, com risco sério quer para quem, porventura, o habitasse e, simultaneamente, para quem circulasse nos arruamentos públicos que o serviam e lhe estavam adjacentes [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 355/357 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas J…, A ..., J…, A… e J…].
20. Antes da sua demolição, o prédio identificado em 1) encontrava-se em

estado de abandono total, sem que fosse habitado por quem quer que fosse (a maioria dos vidros de todas janelas encontravam-se partidos, as paredes do piso superior, de taipa, encontravam-se em avançado estado de decomposição, podres, notoriamente a desfazerem-se e a cobertura, em telha, tinha cedido em parte e caído para o seu interior, permitindo que as águas pluviais caíssem para dentro do próprio prédio, apodrecendo o resto da estrutura, toda em madeira) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 355/357 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas A ..., J…, A… e J…].
21. Em 30 de Outubro de 2006, a Câmara Municipal do Réu deliberou adjudicar a prestação do serviço de máquinas destinado a demolição do prédio identificado em 1) [cf. documento (doc.) constante de fls. 29 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha J…].
22. Os avisos de recepção - respeitantes às notificações efectuadas à Autora primitiva e referidas em 7), 11), 15) e em 16) - encontram-se assinados por S ..., titular do Bilhete de Identidade n.º 1076…-0 e que exercia funções no Centro de Dia de C... [cf. fls. 69, fls. 63, fls. 57 e fls. 46 todas do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cf. fls. 256 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
23. Em Novembro de 2006, ocorreu a demolição do prédio identificado em 1), na presença da Autora primitiva, sem que esta se tivesse oposto à mesma e tendo-lhe sido entregue (e colocado noutra habitação onde morava), todo o recheio do referido prédio pela Autora primitiva previamente seleccionado [factualidade admitida por acordo; cf. depoimento prestado pela testemunha J….].
24. Em 21 de Dezembro de 2006, foi determinada a afixação pela Câmara Municipal da Covilhã de um Edital com o seguinte teor, a saber:

(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 16 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

25. Em 22 de Dezembro de 2006, o Réu dirigiu o Ofício n.º 9910 ao Comandante do Destacamento da Guarda Nacional Republicana, com o seguinte teor, a saber: “…


(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 15 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
26. Em 09 de Janeiro de 2007, a Autora primitiva foi notificada pessoalmente, pela Guarda Nacional Republicana, não tendo assinado tal notificação pessoal, por não saber assinar, e cujo conteúdo de tal notificação se reproduz, a saber:
(“texto integral no original; imagem”)

…” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 5 e verso e de fls. 19, todas do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cf. documentos (docs.) constantes de fls. 12/19 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
27. Em 17 de Janeiro de 2007, a Guarda Nacional Republicana lavrou informação, segundo a qual, a Autora primitiva não habitava na Rua da Fonte, n.º 1…, 6200 V ..., desconhecendo o seu paradeiro [cf. documento (doc.) constante de fls. 4 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

28. O Réu tudo fez para que a Autora primitiva procedesse, ela própria, à demolição da ruína, tendo esta se abstido de o fazer, assim, fazendo perigar a segurança de quem circulassem nos arruamentos públicos adjacentes àquela [cf. depoimentos prestados pelas testemunhas J…, A ..., J…, A… e J….].
29. O Réu, face ao facto de, desde que iniciou o procedimento, ter constatado que a Autora primitiva, há muito tinha deixado de habitar o prédio identificado em 1), procurou tomar conhecimento do seu paradeiro, tendo, na oportunidade, a Freguesia de V ... informado que a mesma podia ser encontrada no Centro de Dia de C..., onde passava os dias, pernoitando em local desconhecido da mesma Freguesia de C..., sita a mais de trinta quilómetros de distância daqueloutra [cf. depoimentos prestados pelas testemunhas J…., A ..., J…., A…. e J…].
30. A Autora primitiva tinha pleno conhecimento do estado de degradação da ruína do prédio identificado em 1) e do perigo que representava, quer para as habitações confinantes quer para os transeuntes [cf. depoimentos prestados pelas testemunhas J ..., A ..., J ..., A ...e J ...].
31. O avançado estado de degradação em que se encontrava o prédio identificado em 1), impedia qualquer recuperação do mesmo, atento o seu custo elevadíssimo [cf. depoimento prestado pela testemunha J ...].
32. A Autora primitiva beneficiou com tal demolição, na medida em que, aquando da demolição, o prédio identificado em 1) e o terreno em que se situava o mesmo não possuíam um qualquer valor comercial de relevo, atento o estado de degradação e de iminente ruína em que se encontravam [cf. depoimento prestado pela testemunha J ...; cf. esclarecimentos verbais prestados pelo Exmo. Senhor Perito quanto a esta matéria].
33. O terreno em que se encontrava o prédio identificado em 1), no caso de ter capacidade de edificabilidade, aumentou o seu valor de mercado, tornando-se numa mais-valia para a Autora primitiva, já nem sequer careceu de proceder às necessárias obras de demolição [cf. depoimento prestado pela testemunha J ...; cf. esclarecimentos verbais prestados pelo Exmo. Senhor Perito quanto a esta matéria].

34. Em 28 de Fevereiro de 2007, deu entrada neste Tribunal, via postal, a petição inicial da presente acção; encontrando-se junta à mesma uma Procuração com o seguinte teor, a saber: “…


(“texto integral no original; imagem”)

…” [fls. 9 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

35. Juntamente com a petição inicial referida em 34), encontra-se um requerimento de protecção jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de pagamento de honorários de defensor oficioso, datado de 22 de Fevereiro de 2007, subscrito por M..., ora Autor habilitado, declarando que a Autora primitiva (i) residia (tinha morada) na Rua do P…, n.º 1, P…, 6200-4…, freguesia de Cantar do…, concelho da Covilhã, (ii) auferia de rendimento anual líquido do agregado familiar cerca de € 3.948,32, e (iii) que não possuía recursos para intentar a presente acção judicial; sendo que tal protecção jurídica foi concedida à Autora habilitada [cf. fls. 10/11 e versos dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
36. Em Julho de 2011, foi deferido o benefício de protecção jurídica ao Autor habilitado nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono, tendo este prestado as declarações que conduziram à concessão de tal benefício [cf. fls. 90/92 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
37. Até à presente data o Réu não foi ressarcido do montante de € 12.221,00 respeitante à demolição do prédio identificado em 1) [cf. fls. 1 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha J ...].


*

I.I. Com relevância para a decisão da causa e, concomitantemente, para a apreciação da questão que supra se elegeu, o Tribunal julga não provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental]:
(i) O prédio identificado em 1) veio à propriedade da Autora primitiva, por inventário por morte de A… [nenhuma prova foi produzida quanto a tal factualidade].
(ii) A demolição do prédio identificado em 1) consistiu numa conduta culposa do Réu ou dos seus agentes, que actuaram negligentemente [nenhuma prova foi produzida quanto a tal factualidade].
(iii) Da demolição do prédio identificado em 1), resultou que a Autora primitiva ficou sem a casa onde morava e sem os bens que se encontravam no interior da mesma, computados, respectivamente, em € 50.000,00 (valor do prédio identificado em 1), aquando da demolição), e em € 10.000,00 (valor do recheio do prédio identificado em 1), aquando da demolição); num total de € 60.000,00 [o Autor habilitado não logrou fazer prova minimamente consistente e congruente nesse sentido].
(iv) A Autora primitiva possuía meios económicos para proceder às obras necessárias de restauração do prédio identificado em 1), a fim de evitar a demolição do mesmo [o Autor habilitado não logrou fazer prova minimamente consistente e congruente nesse sentido; cf. depoimento prestado pela testemunha J ...].
(v) O Réu não foi obrigado a intervir rapidamente no prédio identificado em 1), em função de perigo iminente [o Autor habilitado não logrou fazer prova minimamente consistente e congruente nesse sentido].
(vi) Perante a actuação do Réu, a Autora primitiva teve de passar a habitar numa casa de um sobrinho, pois ficou sem a casa onde residia habitualmente e ficou sem quaisquer bens pessoais - os quais o Réu não cuidou de guardar, permitindo a sua dissipação e deterioração [o Autor habilitado não logrou fazer prova minimamente consistente e congruente nesse sentido].
(vii) A Autora primitiva sentiu um forte abalo emocional uma vez que a casa demolida foi a casa dos seus pais, onde sempre viveu, tendo tido fortes crises de ansiedade e depressão, lamentando junto dos amigos a perda que viveu [o Autor habilitado não logrou fazer prova minimamente consistente e congruente nesse sentido].
***

Inexistem outros factos provados ou não provados para além dos supra elencados com relevo para a apreciação da causa; sendo que a restante matéria não foi considerada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, ou por encerrar opiniões ou juízos conclusivos.
***

Motivação. A convicção do Tribunal quanto à factualidade julgada provada assentou na análise crítica (i) do teor dos documentos que constam dos presentes autos e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso aos mesmos, (ii) da posição assumida pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi- pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo o Tribunal tido em atenção os factos para cuja prova era exigível documento], (iii) em articulação com a prova produzida em sede de audiência final [tendo as testemunhas J ..., A ..., J ..., A ...e J ..., prestado o seu depoimento com isenção, congruência e coerência, sem inconsistências; o Exmo. Perito esclareceu este Tribunal quanto à forma como elaborou o respectivo Relatório Pericial e o qual foi livremente apreciado por este Tribunal, nos termos legais] - tudo conforme a propósito de cada ponto da matéria de facto provada.
Quanto à factualidade julgada não provada, a mesma resultou de nenhuma prova se ter produzido quanto a tal matéria [quer o Autor habilitado quer as testemunhas por si arroladas revelaram, ao longo de todo o seu depoimento, inconsistências e incongruências de relevo; não tendo merecido credibilidade por parte deste Tribunal].”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, segundo a sua enunciação supra

1. Erro de julgamento de facto, quanto aos factos considerados provados nos pontos 2), 4), 6), 7), 8), 11), 15), 16), 28), 29), 32) e 33 da matéria de facto assente e por se considerarem não provados outros factos, nos termos das alíneas ii), iii), vi) e vii) da factualidade dada como não provada

Dirige o Recorrente o erro de julgamento contra a sentença recorrida, pondo em crise factos que foram dados por provados e factos que foram dados como não provados.

Sustenta que o Tribunal recorrido não pode considerar provado que a primitiva Autora abandonou definitivamente o imóvel em 2001 e 2002, por nada ter sido apurado nesse sentido, antes se tendo provado que a Autora esteve no Lar de V ... por volta dos anos de 2001 e 2002 e que depois regressou a sua casa, onde permaneceu até ir para o Centro de Dia de C..., em 2004.

Segundo a factualidade provada a Autora primitiva foi notificada dos atos administrativos, quando ela apenas teve conhecimento do processo de demolição em 09/01/2007, mediante notificação entregue pela Guarda Nacional Republicana, de nada tendo sido notificada em momento anterior a essa data, por as notificações terem ocorrido no Centro de Dia e os talões de registo terem sido assinados por outra pessoa, sem que lhe tivessem sido entregues.

Defende que não se pode entender que a Autora tivesse o seu domicílio no Centro de Dia, pois ali ficava apenas de dia, não pernoitando, nem tendo ali o centro de vida.

Por isso, entende o Recorrente que os atos administrativos, incluindo o de demolição, não foram notificados, tendo sido endereçados para morada diferente do seu domicílio e assinados por pessoa diversa, sem que alguma das notificações lhe tenha sido entregue, não tendo conhecimento da decisão de demolição da sua casa.

Acresce que segundo o Recorrente não podia ser dado como provado que o Réu tudo fez para que a Autora procedesse às obras necessárias, assim como que tudo tenha feito para localizar o paradeiro da Autora.

Ainda a respeito da matéria de facto alega o Recorrente que foi dado como provado que a Autora beneficiava com a demolição, o que não resulta provado, pois não se provou que vá existir a autorização para construir no terreno que agora existe.

Vejamos.

São invocados múltiplos erros de julgamento da matéria de facto contra a sentença recorrida, quer por se darem por provados factos que no entender do Recorrente não estão provados, quer por se darem por não provados factos que devem ser dados por assentes.

Antes de analisar criticamente a matéria de facto posta em crise pelo Recorrente impõe-se proceder ao enquadramento de direito dos termos em que o julgamento de facto pode ser impugnado e das suas exigências, assim como em que condições está o tribunal de recurso habilitado a reexaminar a matéria de julgado julgada em primeira instância.

Como anteriormente decidido, entre outros, no Processo 03522/08, de 19/01/2012, deste TCAS, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto “obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição”:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

Segundo o n.º 2 do citado artigo 640.º do CPC, no caso previsto na alínea b) do número anterior:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”.

Nas citadas disposições impõe-se um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, que impende sobre o aqui Recorrente e que o mesmo satisfez, como decorre do teor das alegações produzidas em juízo.

Na sua alegação o Recorrente identifica o concreto ponto da matéria de facto impugnada, assim como os meios de prova em que o Tribunal se fundou e ainda, em alguns casos, os meios de prova que considera que devem determinar resposta diferente, com indicação precisa do tempo da respectiva gravação da matéria de facto.

Respeitado o ónus a cargo do Recorrente, vejamos os limites aplicáveis a este Tribunal de recurso.

A este Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC e 149.º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Não obstante a amplitude conferida a um segundo grau de jurisdição, na caracterização da amplitude dos poderes de cognição do Tribunal ad quem sobre a matéria de facto, não se está perante um segundo ou novo julgamento de facto, porquanto, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o Recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640.º, nºs. 1 e 2 do CPC, além de que o controlo de facto, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade (vide Abrantes Geraldes, inTemas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).

O Tribunal ad quem aprecia apenas os aspetos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta do depoimento testemunhal, registado a escrito ou através de gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode postergar o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, previsto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, intervindo na formação da convicção não apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados.

A valoração de um depoimento não é absolutamente percetível através da gravação e/ou da respetiva transcrição, pois existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação e que, como tal, foram apreendidos ou percecionados pelo juiz.

O Tribunal a quo está, por isso, numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente, com a articulação de toda a prova produzida, de que decorre a convicção expressa na decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que, a convicção formada a partir da globalidade dos meios de prova é de difícil destruição, sobretudo ao pretender-se pô-la em crise através de indicações parcelares ou referências genéricas.

A convicção do tribunal forma-se de um modo dialético, pois além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações e depoimentos produzidos, em função das razões de ciência, da imparcialidade, das certezas, das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos olhares para alguns dos presentes, da linguagem silenciosa do comportamento, da coerência de raciocínio e de atitude, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento, entre depoimentos e demais elementos probatórios (neste sentido, Acórdão do TCA Norte, de 11/11/2011, Proc. nº 3097/10.4BEPRT).

Nos sistemas da livre apreciação da prova, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção, não é de associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto, pois o Tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção sobre a prova e não prova dos factos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão.

Por isso, a nossa lei processual prevê um processo racional e objetivado, que faz impender sobre o julgador um ónus de objetivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), mediante uma análise critica e comparativa das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção, segundo o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC).

A exigência legal de enunciação ou explicitação da convicção sobre a prova constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador.

Se, à luz desta caracterização a decisão, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, então ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

No sentido ora expendido, vide o Acórdão do STA, datado de 17/03/2010, Proc. 367/09, segundo o qual: “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º CPC) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 CPC). Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.”.

No mesmo sentido, cfr. ainda o Acórdão do STA, de 14/10/2010, Proc. 751/07, nos termos do qual: “o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida”.

Em face do exposto, tendo presente a fundamentação constante da sentença recorrida, vejamos os concretos fundamentos de impugnação da matéria de facto invocados pelo Recorrente, em relação aos factos dados como assentes nos n.ºs 2, 4, 6, 7, 8, 11, 15, 16, 28, 29, 32 e 33 e depois, em relação aos pontos de factos sob as alíneas ii), iii), vi) e vii) da factualidade não provada.

1.1. No respeitante ao facto assente em 2, está em causa a impugnação de que a Autora, aproximadamente em 2001 ou 2002, abandonou definitivamente o prédio em causa nos autos, deixando de ali habitar, pernoitar, de fazer as suas refeições, receber amigos e familiares e ausentando-se da Freguesia de V ..., passando a residir na Freguesia de C..., centralizando ali a sua vida, passando os dias no período diurno no Centro de dia de C... e à noite, pernoitando em casa de uns familiares, em C....

Esta factualidade foi dada como assente com base nos depoimentos de duas testemunhas, conforme consta da sentença recorrida.

Pretende o Recorrente impugnar tal factualidade com base no demais afirmado no depoimento das mesmas testemunhas, assim como noutras que identifica, segundo as afirmações que concretamente foram proferidas em audiência final.

Mas sem razão, já que os depoimentos identificados pelo Recorrente não só não permitem abalar a factualidade dada como provada, como, sobretudo, não permitem de todo dar por provada a factualidade alegada pelo Recorrente.

De resto mostra-se relevante que em nenhum dos depoimentos prestados se mostra referido por qualquer testemunha ou sequer alegado pelo Recorrente, que a primitiva Autora se encontrasse a habitar o prédio de que era proprietária e ali fizesse toda a sua vida, como se verifica quando se habita uma casa, em que lá se tomam as refeições, se pernoita, recebe familiares e amigos.

Não basta alegar que a primitiva Autora era levada a casa ao fim-de-semana ou sequer que se diga que após um período em que permaneceu no lar, regressou a casa, para se dar como provado que ali residia, por tais afirmações não permitirem provar a residência da Autora no prédio em questão.

Nestes termos, forçoso se tem de concluir pela falta de fundamento da impugnação do facto assente sob n.º 2 do probatório.

1.2. No que respeita ao facto assente sob n.º 4 da matéria de facto resulta provado que em 21/11/2005 o Presidente da Junta de Freguesia de V ... remeteu vários ofícios ao Presidente do executivo camarário do Município da Covilhã, de entre os quais o ofício em que solicita a vistoria ao prédio descrito no ponto 1 do probatório, da propriedade da primitiva Autora, com residência no Centro de Dia de C....

Mais resulta do probatório assente no facto 6, que considerando o circunstancialismo apurado em 2 e 4 da matéria de facto assente, o Réu endereçou todas as notificações à primitiva Autora para o Centro de Dia de C…, que aquela frequentava no período de abertura aos utentes.

E os factos assentes sob os n.ºs 7, 8, 11, 15 e 16 da matéria de facto assente, revelam como factualidade provada nos autos que, em 02/01/2006 a primitiva Autora foi notificada pelo Réu, nos termos do n.º 2 do artigo 89.º do D.L. n.º 555/99, de 16/12, para estar presente na vistoria a realizar no prédio de que é proprietária, afim de verificar as condições de segurança, conservação e salubridade; que todas as comunicações e notificações que o Réu dirigiu à primitiva Autora foram rececionadas no Centro de Dia de C..., que as entregou à Autora, tomando esta conhecimento do respetivo conteúdo; que em 21/02/2006 a Autora foi notificada nos termos do artigo 89.º do D.L. n.º 555/99, de 16/12 para, no prazo de trinta dias, proceder aos trabalhos mencionados no auto de vistoria, do qual se anexou cópia; que em 09/05/2006 a Autora primitiva foi notificada de que, por não ter dado cumprimento à notificação para a realização de obras, iria ser tomada a posse administrativa do imóvel para execução coerciva dos trabalhos impostos, mais se notificando a data da posse administrativa para o dia 24/05/2006, pelas 15H30 e ainda que em 17/07/2006 o Réu notificou a Autora do despacho de tomada de posse administrativa, datado de 05/05/2006 e que a posse administrativa ocorrerá no dia 01/08/2006, pelas 16H00, a qual se manterá durante a fase de realização dos trabalhos.

Todos os citados factos são dados por provados com base nos documentos constantes do processo instrutor e ainda pelas testemunhas indicadas na sentença recorrida.

Fundamenta o Recorrente a presente impugnação da matéria de facto alegando que a primitiva Autora apenas teve conhecimento do processo de demolição em 09/01/2007, mediante notificação entregue pela GNR, de que não foi notificada de qualquer auto de vistoria, posse administrativa ou qualquer ato anterior àquela data, constando do processo instutor que as cartas registadas com aviso de receção, emitidas em nome da Autora foram remetidas para o Centro de dia de C..., mas em que era frequentado pela Autora apenas no período diurno, o que não pode ser considerado a sua residência, além de os talões do aviso de receção serem assinados por uma funcionária do Centro de Dia de C... e nunca as referidas notificações terem sido entregues à Autora primitiva, que delas nunca tomou conhecimento.

Assim, impugna o Recorrente a factualidade assente, por considerar que as notificações da primitiva Autora não ocorreram na sua residência habitual, por o centro de dia não ser a sua residência.

Por isso, conclui que o ato de demolição carece de eficácia porque não foi notificado.

Nesse sentido, alega que a Autora não foi notificada de qualquer das notificações dadas por demonstradas nos autos e que não era difícil apurar o seu paradeiro e de onde pernoitava.

Mais invoca que cabe ao Réu a prova das notificações e de que as mesmas chegaram ao conhecimento da primitiva Autora, concluindo por não se ter provado que o Centro de Dia tenha feito entregar as notificações à Autora, nem o seu conhecimento pela Autora.

Vejamos.

Como resulta do teor da fundamentação do julgamento de facto e da sua motivação, os factos dados por demonstrados em juízo resultaram da prova documental constante do processo administrativo instrutor e ainda da prova testemunhal produzida na audiência, nos termos indicados da sentença recorrida.

Acresce resultar da motivação do julgamento de facto o seguinte, que ora se transcreve, por assumir relevância para a decisão a proferir sobre os invocados erros de julgamento da sentença: “quer o Autor habilitado quer as testemunhas por si arroladas revelaram, ao longo de todo o seu depoimento, inconsistências e incongruências de relevo, não tendo merecido credibilidade por parte deste Tribunal”.

Por outro lado resulta da alegação do presente recurso a admissão pelo ora Recorrente de que, quer o Autor, ora Recorrente, quer uma outra testemunha se encontravam “algo confusos porque emocionalmente envolvidos”, o que permite compreender que o próprio Recorrente não discorda da sentença recorrida quanto à falta de credibilidade dos depoimentos prestados.

Ora, estando em causa a impugnação da matéria de facto, relevam as regras formais e materiais da prova, que incluem os ónus da prova, segundo as quais e especificamente a respeito da prática de atos administrativos como aqueles que foram praticados, recai sobre a Administração, ora Entidade Recorrida a prova dos factos que alega em juízo, designadamente a prova da notificação dos atos administrativos praticados ao longo do procedimento administrativo.

Por estarem em causa atos lesivos e ablativos de direitos, recai sobre a Entidade Recorrida a demonstração dos pressupostos de facto e de direito da sua atuação, pelo que, assiste razão ao Recorrente quando alega que o ónus da prova da efetiva comunicação e a de mesma ter chegado ao conhecimento do notificando recair sobre o Município da Covilhã.

Mostra-se também inequívoco que o Autor e ora Recorrente não logrou fazer a prova dos factos contrários ou seja, não logrou fazer a contraprova dos factos alegados pela Entidade Demandada, vindo impugnar o julgamento de facto constante da sentença recorrida sob a alegação de que a prova produzida nos autos não permite dar por provados tais factos.

Assim, por o Autor não ter provado qualquer dos factos que alegou relativos à falta de notificação dos atos administrativos, de imediato se impõe dizer que a versão dos factos por si apresentada resulta não provada em juízo, designadamente, que a primitiva Autora apenas tenha sido notificada ou tomado conhecimento do processo de demolição em 09/01/2007.

E como resulta da motivação do julgamento de facto nenhuma censura merece a sentença recorrida ao não considerar o depoimento prestado pelo Autor habilitado e pelas testemunhas por si arroladas, por revelarem ao longo de todos os seus depoimentos inconsistências e incongruências de relevo, não merecendo, por isso, credibilidade, anuindo o Recorrente no presente recurso que se encontravam algo confusos.

Nestes termos, mostra-se inequívoco o acerto do julgamento de facto da sentença recorrida quanto à não prova dos factos alegados pelo Autor.

Já no que respeita a apurar se incorre a sentença recorrida em erro de julgamento ao dar por provados os factos que se dão como assentes nos pontos 4, 6, 7, 8, 11, 15 e 16, também nenhuma censura há a extrair.

Como resulta da fundamentação desse julgamento, a prova dos factos resulta não só dos documentos extraídos do processo instrutor, resultando inequivocamente demonstrado por prova documental que todas as notificações foram dirigidas à primitiva Autora e que foram expedidas para o local onde se encontrava aquando a notificação.

A primitiva Autora no período diurno encontrava-se no Centro de Dia de C..., o que o Autor, ora Recorrente não logra pôr em causa, antes admitindo, pelo que, sendo finalidade da notificação dar a conhecer ao seu destinatário certa informação ou conteúdo, mostra-se correto o envio das notificações para o local onde a destinatária podia receber direta e pessoalmente as notificações, por se encontrar nesse local.

Não se compreende por isso a alegação do Autor, ora Recorrente, ao pretender que as notificações fossem realizadas no período noturno ou em local em que o seu destinatário não se encontrava, tendo de ser recebidas por um terceiro.

Por força da lei, as notificações têm de ser efectuadas e os mandados executados em período diurno, e não em período noturno, no horário normal de funcionamento dos serviços.

Neste sentido, carece totalmente de fundamento a alegação de que a primitiva Autora não foi notificada no local da sua residência.

O Centro de Dia C… era o local em que a destinatária das notificações efetivamente se encontrava e onde podia ser notificada pessoalmente, além de ser o local onde tomava as suas refeições e passava todo o dia, apenas se deslocando para outro local para pernoitar, pelo que, se entende que o Centro de Dia se integra no conceito de residência habitual ou, pelo menos, no conceito de residência alternada, se se considerar que a Autora primitiva residia igualmente no local onde pernoitava, por neste caso se considerar ser a sua residência qualquer desses locais, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 82.º do Código Civil.

Mesmo que se entenda que não existem critérios para determinar o local da residência habitual ou alternada da Autora, nos termos do n.º 1 do artigo 82.º do Código Civil, sempre se teria de aplicar o critério do local onde se encontrar, segundo o disposto no n.º 2 do citado artigo 82.º do Código Civil.

Deste modo, nenhum erro há a assacar à sentença recorrida quanto a considerar as notificações terem sido feitas no local da residência da primitiva Autora, não só por a mesma não ter residência única noutro local ou em local diferente do Centro de Dia de C..., como efetivamente se encontrar provado que passava todos os seus dias nesse Centro de Dia e ali fazia a sua vida como se da sua casa se tratasse, incluindo recebendo visitas, por apenas ali não pernoitar.

Por isso, ao contrário do alegado pelo Recorrente, as notificações não só foram dirigidas à primitiva Autora, como foram expedidas para o local da sua residência e onde efetivamente se encontrava, ocorrendo no período em que as notificações legalmente podem ser realizadas, por não poderem existir notificações no período noturno.

Já quanto a saber se resulta ou não demonstrado nos autos o recebimento e o efetivo conhecimento das notificações em causa e do seu teor por parte da primitiva Autora, por se encontrar demonstrado que as notificações foram assinadas por outra pessoa, uma funcionária do Centro de Dia, também é de negar razão ao Recorrente.

Não se podendo dar por provado o conhecimento das notificações unicamente com base na prova documental produzida no processo administrativo instrutor, tal prova resulta da prova testemunhal produzida, que foi a bastante para convencer o julgador da prova dos factos relativos à notificação dos vários atos praticados no procedimento administrativo e o seu conhecimento por parte da sua destinatária.

O ora Recorrente não logra atacar a veracidade das notificações, nem a credibilidade das testemunhas em causa, que servem de base à prova dos factos ora impugnados.

Por outro lado, mostra-se relevante a falta de credibilidade dos depoimentos prestados pelo ora Recorrente e pelas testemunhas por si arroladas, o que permite afirmar, sob uma análise global e concatenada de toda a prova produzida e ainda, com base em regras de experiência comum, que não é crível que todas as notificações expedidas em nome da primitiva Autora e para a morada onde se encontrava, nunca lhe tenham sido entregues, nem chegaram ao seu conhecimento.

Além da prova documental e da prova testemunhal, relevam as regras de experiência comum, no sentido de atestar a prova da relevância dos efeitos das notificações em causa, por serem dirigidas à sua destinatária, no local em que encontrava no período diurno, quando se realizam as notificações, no local em que efetivamente se encontrava e onde era possível a sua notificação direta e pessoal.

Nestes termos, se conclui pela total improcedência do alegado pelo Recorrente a respeito do erro de julgamento de facto em relação aos factos que se dão como assentes nos pontos 4, 6, 7, 8, 11, 15 e 16 do probatório, por não provado tal erro.

1.3. Sobre o facto assente no ponto 28 da matéria de facto, deu a sentença como provado que o Réu tudo fez para que a Autora primitiva procedesse, ela própria, à demolição da ruína, tendo esta se abstido de o fazer, fazendo perigar a segurança de quem circulasse nos arruamentos públicos adjacentes àquela.

Este facto foi dado por provado com base nos depoimentos de várias testemunhas, segundo a identificação que delas é feita na sentença recorrida.

Porém, segundo o Recorrente tal facto não pode ser dado como provado porque dos depoimentos das testemunhas apenas resulta demonstrado que foram endereçadas notificações relativas ao processo de demolição e foram endereçadas para uma morada que não corresponde ao domicílio da primitiva Autora.

Ora, é manifesta a falta de fundamento do recurso em relação ao erro de julgamento ora em análise, pois dando-se por provadas todas as notificações à primitiva Autora, assim como os pressupostos de facto em que se basearam, quanto a existir perigo para a segurança de quem circulasse nos arruamentos públicos, resulta provado que o Réu concedeu efetivamente a oportunidade à primitiva Autora de ela realizar, a expensas próprias, a demolição da ruína e que esta optou por não a fazer.

Assim sendo, sem mais, será de negar provimento ao invocado fundamento do recurso, relativo ao erro de julgamento de facto.

1.4. Põe o Recorrente em crise o facto que se dá por provado no ponto 29 da matéria de facto assente, que se traduz em que o Réu, desde que iniciou o procedimento de demolição, ter constatado que a primitiva Autora há muito tinha deixado de habitar o prédio, tendo procurado tomar conhecimento do seu paradeiro, tendo a Freguesia de V ... informado que a Autora podia ser encontrada no Centro de Dia de C..., onde passava os dias, pernoitando em local desconhecido da mesma Freguesia de C..., situada a mais de trinta quilómetros da Freguesia de V ....

Para prova do facto em questão, o Tribunal considerou o depoimento de várias testemunhas, nos termos identificados na sentença recorrida.

Contesta o Recorrente que a Câmara Municipal da Covilhã tenha procurado tomar conhecimento do paradeiro da primitiva Autora, tendo-se limitado a endereçar as comunicações para o Centro de Dia de C....

Ora, consta expressamente do ofício remetido pela Freguesia de V ... à Câmara Municipal da Covilhã, a que se refere o facto demonstrado em 4 do probatório assente, a indicação de que a proprietária do prédio residia no Centro de Dia de C....

Essa informação prestada pela Freguesia de V ... à Câmara Municipal da Covilhã veio a revelar-se verdadeira, nenhuma relevância assumindo a questão ora suscitada pelo Recorrente, sendo irrelevante apurar se a Câmara Municipal apurou ou não o paradeiro da destinatária das notificações, se está provado que essas notificações ocorreram para o local em que a Autora tinha a sua residência.

Nestes termos, se nega provimento ao invocado erro de julgamento de facto.


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Na alegação de recurso alega ainda o Recorrente pretender impugnar o facto que se dá como assente no ponto 30 da matéria de facto, sem que o inclua nas conclusões do recurso e abstendo-se de concretizar os fundamentos dessa impugnação.

Assim, existe a mera referência, sem mais, ao facto dado como assente no ponto 30, sem substanciação da referida impugnação, o que acarreta que não se possa conhecer do pretenso erro de julgamento de facto em relação a tal factualidade provada na sentença.


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1.5. Impugna ainda o Recorrente os pontos 32 e 33 da matéria de facto assente, segundo os quais, a Autora beneficiou da demolição, por o prédio e o terreno em que se situava o prédio não possuírem valor comercial de relevo, atento o estado de degradação e de iminente ruína e ainda, que o terreno em causa, no caso de ter viabilidade edificativa, aumentou o seu valor de mercado, tornando-se numa mais valia para a Autora, por não ter de proceder às necessárias demolições.

Ambos os factos resultam demonstrados, segundo a sentença recorrida, com base nos depoimentos prestados por testemunhas e ainda pelos esclarecimentos orais prestados pelo perito sobre esta matéria.

Põe o Recorrente em crise essa factualidade, com base em fundamentos que, não só não se apresentam como relevantes para o mérito do litígio, atenta a verificação dos pressupostos de facto e de direito em que assenta o ato impugnado, quanto a de existir um prédio que apresenta iminente risco de ruína, criando perigo para a segurança de pessoas que circulam nos arruamentos públicos, como será de entender a correção da factualidade apurada, segundo o que estritamente nela se dá como provado, por não se poder extrapolar dos factos provados quaisquer outros, que deles não resultam.

O que se deu como provado na sentença recorrida é que a Autora beneficiou da demolição, considerando que o estado de ruína e o elevado estado de degradação não seriam de molde a evitar a demolição do prédio, para além de que, no caso de o terreno em causa vir a ter viabilidade edificativa, a demolição ter aumentado o seu valor de mercado, tornando-se numa mais valia para a Autora, por não ter de proceder às necessárias demolições.

Pretende o Recorrente abalar a prova dos factos em causa com base na circunstância de não se ter provado que o terreno ter viabilidade edificativa, o que infirma o facto dado como assente.

Porém, a circunstância de não se ter dado como provada a possibilidade edificativa não enferma de erro de julgamento a factualidade dada como assente, nos seus precisos termos.

Pelo que, será de julgar improcedente, por não provado, tal erro de julgamento de facto.

1.6. No demais, impugna o Recorrente o julgamento da matéria de facto dada como não provada, em concreto, os pontos ii), iii), vi) e vii) dessa factualidade.

Fundamentou o Tribunal a quo a resposta negativa dada a esses factos ou a não prova dos factos alegados, com a invocação de que nenhuma prova se ter produzido quanto a tal matéria.

Vejamos relativamente a cada um dos factos dados como não provados, ora impugnados.

1.6.1. Relativamente ao ponto ii) da factualidade não provada, está em causa a não prova de que a demolição do prédio em causa consistiu numa conduta culposa do Réu ou dos seus agentes que atuaram negligentemente.

Impugna o Recorrente tal julgamento de facto sob a alegação de que não logrou a primitiva Autora ser notificada dos atos administrativos praticados ao longo do procedimento de demolição, estando os atos administrativos sujeitos a notificação dos interessados.

Porém, como anteriormente decidido, não procede o anterior erro de julgamento de facto relativamente à notificação da primitiva Autora, destinatária direta dos atos administrativos praticados, o que não pode deixar de se refletir sobre a resposta a dar ao erro de julgamento ora em análise, cuja decisão fica, por isso, condicionada.

Assim, dando-se por provada a notificação dos atos administrativos praticados ao longo do procedimento, carece de fundamento a alegação do ora Recorrente a respeito da falta de notificação e da ineficácia dos atos praticados, assim como sobre a responsabilidade civil do Réu tendo por fundamento a omissão do dever legal de notificar.

Nestes termos, forçoso se impõe concluir pela improcedência do invocado erro de julgamento de facto sobre a não prova do facto a que se refere a alínea ii) da factualidade não provada.

1.6.2. No que concerne ao facto sob a alínea iii), deu-se como não provado que da demolição do prédio tenha resultado que a primitiva Autora ficou sem casa onde morava e sem os bens que se encontravam no interior da mesma, computados em € 50.000,00, correspondente ao valor do prédio aquando a demolição, e em € 10.000,00, relativo ao valor do recheio do prédio.

Segundo a alegação do ora Recorrente a primitiva Autora ficou sem casa por via da demolição e quanto aos danos causados ao Autor com a demolição da casa, defende o Recorrente que, não tendo sido possível determinar com certeza se o terreno correspondente ao imóvel demolido pode vir a ser objeto de nova construção, não se sabe qual o valor dos prejuízos resultantes da indemnização, pelo que o valor deveria ter sido fixado segundo a equidade.

Mais alega o Recorrente que tendo-se provado que o imóvel tinha valor de mercado, embora sem que se tivesse determinado o seu valor exato, referindo o perito que o imóvel teria o valor de € 19.000,00, não poderia o Tribunal a quo abster-se de arbitrar a indemnização.

Invoca ainda que não foi considerado que a pedra de xisto tinha valor de mercado e podia ser reutilizada, não tendo sido contabilizada pelo Réu o valor da pedra de xisto.

No que se refere ao recheio da casa, não sendo uma casa luxuosa, teria o recheio normal de uma casa e, por isso, algum valor, tanto mais por ser uma casa de 3 pisos.

Não tendo sido possível apurar o estilo das mobílias existentes no interior da casa, havia o recheio próprio de uma casa humilde.

Por isso, alega o Recorrente que considerando as regras de experiência comum e considerando o princípio da equidade, sempre se chegaria ao valor de € 5.000,00.

Vejamos.

É patente a falta de razão do Recorrente quanto ao erro de julgamento de facto em causa, pois nem sequer da sua alegação resulta qual o valor patrimonial que a casa teria antes de ser demolida, nem quanto à existência de bens que se encontrassem no seu interior, por nenhuns bens concretamente serem referidos no presente recurso ou sequer serem quantificados quanto ao seu valor patrimonial.

Estando em causa a alegação de danos de natureza patrimonial é forçoso que se identifiquem os bens sacrificados ou que se traduzam numa lesão do património do lesado, assim como a prova do dano no que respeita à sua quantificação, já que não estão em causa danos não patrimoniais que, por definição, não são quantificáveis, nem sequer danos futuros que não seja possível quantificar.

Impunha-se ao Autor que alegasse a verificação dos danos concretamente verificados, quer pela identificação dos bens móveis destruídos, quer pelo valor patrimonial atribuído, o que não se mostra efectuado.

Do mesmo modo, como manifestamente resulta da própria alegação do Recorrente no presente recurso, não logrou ser produzida prova, quer quanto à existência dos bens, quer quanto ao seu valor.

Tanto assim é que, sem identificar um único bem móvel que se encontrasse no interior da habitação, no presente recurso, o Recorrente acaba por reduzir o valor peticionado dos danos patrimoniais alegadamente produzidos, de € 10.000,00, para € 5.000,00, bem sabendo que nenhuma prova quanto aos mesmos foi produzida.

Rejeita-se, de resto, que em matéria de prova de danos patrimoniais se possam aplicar as regras de experiência comum, por ser exigível, quer a prova da existência dos bens, quer a prova do dano ou destruição desses bens.

O Autor na ação não logrou fazer nem uma coisa, nem outra, não resultando provado que a casa se encontrasse habitada ou habitável, que se encontrassem bens móveis no seu interior, nem provado os valores alegados pelo Autor, quer quanto à casa antes de ser demolida, quer dos pretensos bens móveis.

Cabia ao Autor o ónus da prova dos danos patrimoniais, o que, segundo a sua própria alegação de recurso e os meios de prova indicados, não se pode extrair.

A prova testemunhal a que o Recorrente se refere no recurso pronuncia-se apenas sobre a pedra de xisto que constituía o imóvel à data da demolição e nada mais, não tendo sido produzida prova sobre os bens existentes no interior do prédio, nem, consequentemente, o seu valor, assim como resulta não provado o valor alegado pelo Recorrente relativamente à casa demolida.

Nestes termos, não pode proceder o erro de julgamento de facto dirigido contra a sentença recorrida, no tocante ao facto não provado sob a alínea iii).

1.6.3. Invoca ainda o Recorrente o erro de julgamento em relação ao facto não provado na alínea vi), nos termos do qual foi julgado não provado que perante a atuação do Réu a Autora teve de passar a habitar numa casa de um sobrinho, por ter ficado sem a casa em que residia habitualmente e ter ficado sem quaisquer bens, os quais o Réu não logrou guardar.

Também neste caso, o Tribunal a quo fundamentou o seu julgamento com base na falta de prova minimamente consistente e congruente nesse sentido.

Segundo a alegação do Recorrente no presente recurso, a casa destruída foi a habitação da Autora durante mais de 50 anos, onde tinha todos os seus bens pessoais, mas em consequência de demolição, teve de passar a residir na casa do sobrinho, onde acabou por falecer.

Não obstante dirigir contra a sentença recorrida tal erro de julgamento de facto, não logra o Recorrente indicar qualquer meio de prova que haja sido produzido em juízo em que se baseie para tal censura dirigida contra a sentença recorrida ou que fundamente um julgamento diferente, limitando-se a discordar do julgamento de facto.

Deste modo, é manifesta a falta de razão que assiste ao Recorrente, por nenhuma prova ter sido produzida e, nem sequer, ser alegada no presente recurso, em que se possa fundamentar a versão dos factos invocada pelo Recorrente.

Assim, é de manter o julgamento de facto, por improcedência do alegado no tocante à alínea vi) dos factos não provados.

1.6.4. Por último, impugna o Recorrente a alínea vii) da matéria de facto não provada, relativa ao facto de a Autora ter sentido um forte abalo emocional, por a casa demolida ser a casa dos seus pais, onde sempre viveu, tendo tido fortes crises de ansiedade e depressão, lamentando junto dos amigos a perda que sofreu.

O Recorrente pretende pôr em crise o julgamento constante da sentença recorrida, designadamente, no tocante à credibilidade do depoimento do Autor e de uma testemunha, alegando que ambos se referiram que a Autora se sentiu triste e abalada com a demolição.

Porém, nada se mostra alegado no presente recurso que contrarie o julgamento do Tribunal a quo sobre a falta de credibilidade do depoimento prestado pelo Autor e pelas testemunhas por ele arroladas, em que se possa alicerçar o erro cometido.

O Recorrente transcreve o depoimento do Autor e da testemunha em causa, considera que tais depoimentos permitem dar por demonstrado o facto em causa, mas rigorosamente nada refere sobre a credibilidade, a consistência e a congruência de tais depoimentos, que permitam demonstrar o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo.

O Tribunal a quo refere-se expressamente que considera não provada a factualidade em causa por o Autor e as testemunhas por si arroladas revelarem, ao longo de todo o seu depoimento, inconsistências e incongruências, não merecendo credibilidade.

Porém, o ora Recorrente olvida totalmente a valoração da matéria de facto que é feita na sentença recorrida, não se pronunciando sobre tal juízo, nem sequer contrariando o juízo de desvalor relativamente ao teor dos depoimentos prestados.

Pretendendo o Recorrente pôr em crise a valoração dos factos feita pelo Tribunal teria que alegar em sentido contrário, mostrando a sua discordância, o que não logra acontecer, limitando-se a transcrever o teor dos depoimentos, como se esse teor, por si mesmo ou objetivamente, permitisse contrariar a valoração feita sobre a credibilidade dos depoimentos prestados em audiência.

Acresce que, a existir alguma divergência quanto à valoração da prova, não se vislumbra que ela se apresente de tal modo flagrante ou que se traduza numa contradição manifesta com a realidade, que determine e justifique a intervenção corretiva do presente Tribunal de recurso, antes se assumindo como expressão própria da livre convicção do julgador.

Assiste ao Tribunal recorrido, perante a qual a prova foi diretamente produzida, segundo o princípio da imediação, certa margem de valoração, que não se baseia estritamente no que as testemunhas verbalizam, mas num conjunto mais vasto de circunstâncias, como o seu grau de convicção, autenticidade ou certeza, que influenciam a própria convicção do julgador.

Quer o relato do perito, quer os depoimentos das testemunhas, constituem meios de prova sujeitos à livre apreciação do Tribunal, a qual é apreciada não apenas individualmente, em relação a cada concreto ponto da matéria de facto, mas também globalmente, mediante uma análise ponderada de toda a prova produzida.

Além disso, em matéria probatória relevam igualmente regras de experiência comum, que assentam em critérios de verosimilhança, sendo o resultado de toda a prova apreciado com base, não apenas que as respetivas afirmações proferidas revelam, mas o contexto em que foram proferidas essas afirmações, o tom, a expressão, entre outros factores.

Por isso, a prova não é absoluta, no sentido de se poder afirmar a certeza absoluta acerca da verificação ou não de certo facto, assentando antes no grau de convicção que gera no julgador e da credibilidade ou de convincência do declarante.

Donde o fim da prova, como o fim do próprio processo, é a verdade judiciária, o que quer dizer, o que o juiz terá por verdadeiro.

Não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes, equivalha a uma certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano” (Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais (À Luz do Código Revisto), Coimbra Editora, 1996, pp. 106, bastando que assente num juízo de suficiente probabilidade e verosimilhança, que dê, em consciência, ao julgador, garantias de que os factos terão ocorrido de certa forma, fora de dúvida razoável, o que, no caso concreto, não cremos ser possível dar como assente outra factualidade e apurar outra verdade.

Embora o Recorrente pretenda abalar o julgamento de facto, não se vislumbram motivos para pôr em crise o julgamento efetuado pelo tribunal recorrido.

Nestes termos, não é possível dar razão ao Recorrente quanto à censura dirigida contra a sentença recorrida, julgando-se não provado o erro de julgamento de facto.


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Termos em que, em face de todo o exposto, será de julgar totalmente improcedente, por não provado, o erro de julgamento da matéria de facto dada por provada e como não provada na sentença recorrida.

2. Erro de julgamento de direito ao desconsiderar a preterição de formalidades essenciais invocadas quanto à falta de notificação, em violação dos artigos 22.º e 268.º, n.º 3 da Constituição, artigo 89.º, n.ºs 3 e 4 do RJUE e artigo 82.º do Código Civil

A questão que se mostra suscitada não pode deixar de ser enquadrada e analisada conjuntamente com aquela que é apreciação feita no presente recurso acerca do erro de julgamento da matéria de facto sobre a invocada falta de notificação da primitiva Autora dos atos praticados ao longo do procedimento.

Como se extrai da matéria de facto dada como provada em juízo, mantida nos termos antecedentes, mostra-se infirmado o pressuposto de facto em que o Recorrente alicerça o presente recurso, quanto o de a primitiva Autora não ter sido notificada dos vários atos e comunicações ocorridos ao longo do procedimento administrativo de demolição.

Mediante o juízo de improcedência do erro de julgamento da matéria de facto dão-se por provadas as várias notificações da primitiva Autora, nos termos fixados na sentença recorrida e agora mantidos, pelo que, carece totalmente de fundamento o erro de julgamento de direito.

Tendo a primitiva Autora logrado ser notificada dos vários atos praticados no procedimento, não se pode falar na violação dos artigos 22.º e 268.º, n.º 3 da Constituição, artigo 89.º, n.ºs 3 e 4 do RJUE e artigo 82.º do Código Civil, tendo sido dado cumprimento à imposição constitucional que determina a notificação do interessado de todas as resoluções que lhes digam respeito, assim como das disposições do RJUE que estabelecem a notificação do interessado para promover e dar execução às determinações em matéria urbanística que lhe são impostas, além do que já decorre em sede da aplicação do Código do Procedimento Administrativo, em matéria de notificação dos atos administrativos.

Nestes termos, faltando o pressuposto de facto em que o ora Recorrente labora contra a sentença recorrida, carece totalmente de fundamento o alegado erro de julgamento de direito, por violação dos normativos legais invocados pelo Recorrente, os quais se têm por não violados.

Assim, improcede o alegado erro de julgamento de direito, por não provado.

3. Erro de julgamento quanto aos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, em violação do D.L. n.º 48 051, de 21/11/1967

Por último, impõe-se conhecer do fundamento do recurso baseado no erro de julgamento de direito relativo à decisão que julgou improcedente o pedido de condenação do Recorrido, Município, ao pagamento de uma indemnização fundada na responsabilidade civil por factos ilícitos, na parte em que julgou não verificados os pressupostos da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade.

Considera a Recorrente que devem esses requisitos ser dados como provados, com a consequente procedência do pedido de condenação.

Vejamos.

Analisada a sentença recorrida, decorre que ela enquadrou normativamente o litígio em presença no instituto da responsabilidade civil por facto ilícito, tendo aplicado o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por factos ilícitos, previsto no D.L. n.º 48051, de 1967.

Tendo a sentença recorrida conhecido dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, a saber, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, julgou todos não verificados.

É sobre o julgamento constante da sentença recorrida, de inverificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos que incide o presente recurso jurisdicional.

Assim, impõe-se a este Tribunal ad quem, conhecer do fundamento do recurso, incidente sobre o alegado erro de julgamento de direito quanto aos requisitos da responsabilidade civil.

Em face da improcedência do invocado erro de julgamento da matéria de facto e, concretamente, perante a factualidade dada como provada e não provada, não pode deixar estar votado ao insucesso o alegado erro de julgamento de direito no tocante à falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente os que foram concretamente conhecidos na sentença recorrida, relativos ao facto ilícito e culposo.

Remetendo para o teor da fundamentação de direito da sentença sob recurso, que ora se reproduz:

“No caso em apreço, compulsada a factualidade julgada provada em 1) a 37) e julgada não provada em (i) a (vii) - e para a qual aqui se remete por uma questão de economia processual -, constata-se que não se verifica, no caso em apreço, um facto ilícito culposo, porquanto a Autora primitiva foi, efectivamente, notificada conforme prescreve a legislação aplicável ao procedimento em causa; tendo sido, oportunamente, notificada de todos os procedimentos que iam sendo adoptados pelo Réu, nada tendo feito para obstar a que o Réu levasse a cabo a necessária demolição do prédio em ruínas propriedade da Autora primitiva. Mas, ainda que assim se não entendesse, e o Réu não tivesse realizado as referidas notificações, certo é que não se estaria perante um facto ilícito, na medida em que nem toda a violação de uma norma jurídica implica, necessariamente, ilicitude.

(…)

Ora, como supra se referiu a Autora primitiva alicerça o seu pedido na ausência de notificação. E, como é sabido, a notificação é um acto meramente instrumental exterior, diferente e posterior ao acto notificando e, por isso, a sua eventual irregularidade respeita unicamente a esse acto e, nessa medida, é incapaz de condicionar ou afectar a legalidade substancial do acto que se pretende levar ao conhecimento do interessado [cf. o douto Acórdão do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA), proferido em 24 de Novembro de 2004 e disponível para consulta online em www.dgsi.pt].

Assim, o facto humano consistiu na demolição do prédio em causa nos autos; sendo que, no que a tal acto de demolição diz respeito, o citado n.º 4, do art. 89.º do referido diploma legal reporta, expressamente, o acto de notificação à questão da eficácia jurídica. Como tal, é essa eficácia jurídica que pode ser afectada pela falta de notificação e não a validade do acto notificando que - como ficou patente atenta a factualidade julgada provada - sempre teria de ter lugar, considerando a premente necessidade de demolir o prédio em ruína da Autora primitiva e que se encontrava em flagrante estado de iminente desmoronamento e, consequentemente, em risco sério de causar danos a terceiros, quer materiais quer pessoais.

Por conseguinte, atenta a factualidade julgada provada e não provada, não se verifica nem o requisito da ilicitude, nem muito menos o da culpa. Ante o exposto, e porque a verificação da responsabilidade civil extracontratual do Réu dependia do preenchimento cumulativo dos requisitos supra expostos, improcede a pretensão da Autora primitiva e do ora Autor habilitado, porquanto não pode ser assacada uma tal responsabilidade ao Réu.


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Em suma, não existe, no caso em apreço, nenhum tipo de responsabilidade civil extracontratual do Réu, nos termos do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, porquanto sempre arredadas se mostram a ilicitude e a culpa e concomitante o nexo de causalidade adequada, bem como a ausência de danos patrimoniais e morais sofridos na esfera jurídica da Autora primitiva; (…).”.

O precedente julgamento apresenta-se em conformidade com a factualidade dada como provada e como provada, assim como procede a uma correta interpretação e aplicação das normas de Direito.

Sendo os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, à data dos factos regulado pelo D.L. n.º 48051, de 21/11/1967 e sendo de verificação cumulativa, não é possível no sentido pretendido pelo Recorrente.

A este respeito é firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – vide, entre outros, os Acórdãos de 17/01/2002, proc. nº 44476; de 06/03/2002, proc. nº 48155; de 28/06/2002, proc. nº 47263 e de 09/07/2002, proc. nº 46385.

Cada um dos pressupostos – facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade – desempenha uma função essencial e distinta no regime das situações geradoras do dever de reparação do dano.

Desde logo, em relação ao facto, há muito que a doutrina e a jurisprudência admitem a responsabilidade dos entes públicos decorrentes não só da prática de atos jurídicos, como da realização de operações materiais, pelo que o facto ilícito tanto pode consistir num ato jurídico, como num ato material.

Do mesmo modo, tanto pode estar em causa, a responsabilidade civil decorrente de atos, como de omissões, pois a conduta do agente geradora do dano tanto pode consistir num comportamento comissivo, como numa omissão, segundo o artigo 486.º do CC.

O citado regime abrange não só os atos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como ainda os atos ou omissões que ofendam as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração.

Desde que exista o dever legal de atuar, a omissão dos atos devidos é suscetível de determinar a obrigação de reparar o dano causado.

No caso dos autos, efetuando o enquadramento normativo da factualidade dada por assente e segundo a alegação do Autor, está em causa a prática de um ato administrativo ilegal, a demolição da casa sem que a Autora primitiva, sua proprietária tivesse sido notificada dos atos do procedimento de demolição.

Porém, como se veio a demonstrar, ocorreu a notificação da Autora ao longo do procedimento administrativo, pelo que está infirmada a alegada ilicitude da conduta.

O artigo 6.º do citado D.L. n.º 48.051, concernente à ilicitude, determina que para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

No caso, não se concluiu pela falta de notificação da Autora, nem por qualquer outra ilicitude, por acção ou omissão, pelo que não se encontra demonstrada a ilegalidade da atuação administrativa.

Sobre a ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 7.ª edição, Almedina, pp. 578 e 579, propõe que a ilicitude considera a conduta objectivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica.

No que se refere ao pressuposto da culpa, agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito.

A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor (Antunes Varela, obra cit., pp. 559).

Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do D.L. nº 48.051 que a culpa é apreciada nos termos do artigo 487.º do CC, ou seja, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

O Código Civil consagra a propósito da responsabilidade extracontratual, a tese da culpa em abstrato ou em sentido objetivo, pelo modelo de um homem-tipo ou padrão de um sujeito ideal, a que os romanos davam a designação de bonus pater famílias, isto é, o tipo de homem normal que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade (Antunes Varela, obra cit., pp. 567).

No que concerne ao padrão do bom pai de família, o mesmo foi adaptado pela jurisprudência administrativa, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, por ser tido inadequado, por insuficiente, para os titulares de cargos públicos.

Assim, foi a jurisprudência pacificamente considerado atender ao padrão não de um qualquer funcionário, mas antes associando-o ao comportamento exigível a um funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres – cfr. Acórdãos do STA, de 27/09/1994 e de 25/03/1999, proc. nº 41297.

Ao utilizar-se este critério, facilitou-se, pois, a prova da culpa pelo lesado.

No caso dos autos, nenhuns factos são demonstrados que permitam demonstrar a responsabilidade do Município.

Nestes termos, forçoso se impõe concluir pela falta de verificação dos pressupostos do facto ilícito e culposo.

Em consequência, têm de concluir-se pela improcedência de todas as conclusões do recurso, não enfermando a sentença recorrida do erro de julgamento de direito que se mostra invocado sobre a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do Réu, Município, por falta dos requisitos do facto ilícito e culposo, o que determina o juízo de improcedência do pedido deduzido pelo Autor.


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Nestes termos, por falta de demonstração dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Réu, Município da Covilhã, é de manter a sentença recorrida, que julga a ação improcedente, relativa à sua condenação na obrigação de indemnizar.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC.

II. Verifica-se a ilicitude, se os atos materiais ou as omissões ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração (artigo 6.º do D.L. n.º 48.051).

III. Comprovando-se a notificação de todos os atos e comunicações praticados ao longo do procedimento à sua destinatária direta, não se pode falar na ilicitude decorrente da omissão de notificação.

IV. Permanecendo a destinatária das notificações, durante o dia, num Centro de Dia e pernoitando à noite noutro local, devendo as notificações ser realizadas em período diurno e não podendo ser realizadas no período noturno, nem em período fora do horário dos serviços, pode entender-se que o Centro de Dia constitui a residência habitual da Autora ou, pelo menos, que ali tem a sua residência alternada, segundo o n.º 1 do artigo 82.º do Código Civil (CC).

V. Ainda que assim não se entendesse, não se conseguindo apurar o local concreto da residência, o Centro de Dia constitui o local em que se encontra, podendo ali ser notificada, segundo o n.º 2 do artigo 82.º do CC.

VI. Concluindo-se pela notificação dos atos administrativos praticados ao longo do procedimento, falta o pressuposto do facto ilícito e culposo.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar totalmente improcedente o recurso e em manter a sentença recorrida, negando procedência à ação de responsabilidade civil.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão Marques)

(Helena Canelas