Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:768/09.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DEDUÇÃO DO IMPOSTO
RETIFICAÇÕES A POSTERIORI
ERRO MATERIAL/ERRO DE DIREITO
CÔMPUTO DO PRAZO
ILEGALIDADE CIRCULAR
OFERTAS
Sumário:I-O regime de deduções instituído pela Diretiva IVA visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas.

II-O legislador regulamentou a correção de erros-retificação a posteriori- consoante a sua natureza, implementando prazos distintos, ou seja, estatuiu por um lado, as correções resultantes de erro material ou de cálculo estabelecendo um prazo limite de dois anos (artigo 71.º, nº6 do CIVA) e por outro lado, as correções concatenadas com erros de direito as quais preceituou um prazo limite de quatro anos (artigo 91.º, nº2 do CIVA);

III-Tendo sido apresentado um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA, por as mesmas refletirem a aplicação de uma orientação administrativa, concretamente, Circular nº 19/89, de 18 de dezembro, que veio a ser declarada ilegal, visando a Recorrida repor a legalidade e a verdade material com as inerentes repercussões ao nível do direito à dedução e reembolso do imposto pago em excesso, a questão visada contende com a interpretação de normas jurídicas e o quadro jurídico aplicável, logo encontramo-nos perante erro de direito e não perante erro material, subsumível no artigo 91.º, nº2 do CIVA.

IV-As transmissões gratuitas de bens da empresa, quando tenha havido dedução total ou parcial do imposto, constituem transmissões sujeitas a IVA, exceto quando se trate de amostras e ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, de acordo com o artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do CIVA.

V – É ilegal a imposição, através de circular da DGI, de um limite máximo para ofertas de pequeno valor calculado em função do volume de negócios do ano anterior, por não ter qualquer relação com o valor da oferta e os usos comerciais em vigor na atividade do ofertante.

VI-Assente a tempestividade do pedido de regularização do imposto pago em excesso, e bem assim a jurisprudência que declarou a invalidade da Circular interpretativa que esteve na base do erro na autoliquidação em apreço, determinando a sua desaplicação ou sua inoponibilidade ao contribuinte, tal determina que o ato impugnado ao indeferir o pedido de devolução do imposto pago em excesso, de acordo com a regularização pretendida, incorreu no vício de violação de lei, cominando-o de anulabilidade, com todas as legais consequências.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente e ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida por P. F. M. P., LDA contra o ato de indeferimento da Revisão Oficiosa das autoliquidações de IVA efetuadas no exercício de 2005, tendo em vista a regularização de imposto suportado e por si liquidado relativo a aquisição de bens para ofertas a clientes.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

IV- CONCLUSÕES:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por P. F. ME. P., LDA., pessoa coletiva n° 50.., melhor identificada nos autos, contra o ato de indeferimento da Revisão Oficiosa das autoliquidações de IVA efetuadas no exercício de 2005, tendo em vista a regularização de imposto suportado e por si liquidado relativo a aquisição de bens para ofertas a clientes, anulando consequentemente, o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa aqui sindicado e anulando parcialmente os atos de autoliquidação de IVA, referentes a 2005, na parte em que consideraram os limites propugnados pela Circular n° 19/89, de 18.12 e ordenando a restituição à Impugnante do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

B) A sentença ora em crise anulou parcialmente as autoliquidações de IVA mensais referentes ao ano de 2005 [constantes do ponto C) do probatório] na parte em que consideraram os limites propugnados pela Circular nº 19/89, de 18.12 e considerou tempestivo o pedido de revisão oficiosa submetido pela ora Recorrida a 02.01.2008 [ponto D) do probatório].

C) Dispunha o artigo 71.º, n.º 6 do CIVA, na redação à data dos factos, que “A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 40.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º, é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só poderá ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, será contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado”.[sublinhado nosso]

D) Mais resultava do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 504-M/95, de 19 de maio, que "[h]avendo erro na liquidação resultante dos factos previstos no n.º 6 do artigo 71.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e não procedendo o sujeito passivo à respectiva regularização pela forma e nos prazos estabelecidos, deverá o SIVA:

a) Enviar à repartição de finanças respectiva os elementos necessários ao cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 82.º, quando houver imposto entregue a menos;

b) Considerar como não efectuadas quaisquer regularizações posteriores, sendo a diferença entre a importância constante do meio de pagamento enviado e a do imposto apurado no SIVA tratada nos termos dos artigos 5.º e 6.º deste diploma, consoante o seu valor seja, respectivamente, negativo ou positivo."

E) Do que se conclui que, ao tempo, a correção de erros materiais ou de cálculos nas declarações periódicas de IVA constantes do art.º 40.º do Código do IVA, independentemente de estarmos perante um regime mensal ou trimestral (art.º 40.º n.º 1 e 2 do Código do IVA), era facultativa ou obrigatória consoante tal implicasse imposto entregue a mais ou a menos respetivamente.

F) Nas situações em que o erro material ou de cálculo na declaração periódica de IVA tenha implicado imposto entregue a menos, ou seja, nos casos em que a correção era obrigatória, tal correção poderia ser feita sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte.

G) Já nos casos em que o erro material ou de cálculo na declaração periódica de IVA tenha implicado imposto entregue a mais, sendo a correção facultativa, sendo efetuada, tinha de o ser no prazo de 1 (um) ano ou 2 (anos) após a entrada em vigor da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, ou, com autorização para esse efeito do diretor-geral das Contribuições e Impostos, nos 4 (quatro) anos seguintes ao do pagamento em excesso.

H) Tendo a ora Recorrida apresentado o pedido de revisão oficiosa a 02.01.2008, relativamente às autoliquidações de IVA mensais de 2005, foi ultrapassado o prazo para o efeito nos termos do n.º 6 do art.º 71.º do CIVA, de dois anos.

I) Assim sendo, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, por não ter considerado o pedido levado a cabo pela ora Recorrida a 2 de janeiro de 2008 como extemporâneos ao abrigo do disposto no n.º 6 do art.º 71.º do CIVA.

J) E, nem se diga que à situação nos autos não se aplica a referida disposição legal, “por não estarmos perante uma “mera” correcção de erros materiais ou de cálculo, sem qualquer formalidade”, uma vez que independentemente de tal não ser um mera correção de erros materiais ou de cálculo, tem aplicação a referida disposição legal e o corresponde prazo de dois anos para o efeito.

K) Mas vejamos ainda a segunda questão levantada nos autos, a (i)legalidade dos limites estabelecidos na Circular n.º 19/89, de 18 de dezembro.

L) O imposto sobre o valor acrescentado pretende tributar todo o consumo final de bens e serviços, com exceção dos casos de isenção.

M) Se bem que as operações tributáveis sejam, de um modo geral, as que um sujeito passivo realiza a título oneroso (transmissões de bens e prestações de serviços), já que esse é o objetivo normal de uma empresa, a preocupação de que todo o consumo seja tributado fez com que se tenham assimilado a operações onerosas a determinadas operações gratuitas, sejam elas transmissões ou prestações de serviços.

N) Se assim não fosse, tendo a empresa produtora ou prestadora de serviços direito à dedução do IVA, nas aquisições, as operações que realizasse gratuitamente seriam desoneradas de qualquer imposto, fosse ele expresso, incidente sobre a operação, ou oculto (incidente sobre os " inputs

O) Não sendo o objetivo normal de uma empresa a realização de operações gratuitas, não é menos certo que a sua não tributação abriria uma possibilidade de desvios que não só poriam em risco a receita do imposto, como prejudicariam outro objetivo fundamental de qualquer tributação deste tipo, a neutralidade no tratamento dos consumidores, de forma que os benefícios sejam exatamente, e apenas, os que a lei determinar.

P) Ainda assim, a lei previu, no campo das transmissões de bens, e em rigorosa observância do direito comunitário, que ofertas de pequeno valor, bem como as amostras, em conformidade com os usos comerciais, não fossem submetidas a tributação.

Q) Tal como se encontra previsto no art.º 16.º da Directiva 2006/112/ EC do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, “É assimilada a entrega de bens efectuada a titulo oneroso a afectação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa ao seu uso próprio ou do seu uso pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afectação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA.” "Todavia, não é assimilada a entrega de bens efectuada a título oneroso a afectação a ofertas de pequeno valor e a amostras efectuadas para os fins da empresa.”

R) Assim estabelece a segunda parte da alínea f) do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, na redação à data dos factos, que é assimilada a transmissão onerosa de bens, a transmissão gratuita de bens da empresa quando, relativamente a tais bens ou aos elementos que o constituem tenha havido dedução total ou parcial do imposto, e que se excluem do regime estabelecido por esta alínea, as amostras e as ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais.

S) Perante a redação da lei, tão abstrata, dúvidas se colocaram na interpretação do disposto na alínea f) do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, impondo-se apurar e densificar o conceito de “amostras e ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais”, de forma que cada situação não ficasse dependente de apreciações e interpretações casuísticas.

T) Foi nesse âmbito que surgiu a Circular 3/87 de 9 de fevereiro, posteriormente alterada pela circular n.º 19/89, de 18 de dezembro.

U) Estabeleceu a circular que as ofertas podiam ser constituídas por bens comercializados ou produzidos pela própria empresa ou por bens adquiridos a terceiros e que “ofertas de pequeno valor” são ofertas cujo valor unitário não ultrapasse o montante de 3 000$00 (IVA excluído), não podendo o valor anual de tais ofertas, globalmente consideradas, exceder 5% (cinco por mil) do volume de negócios, com referência ao ano anterior.

V) Nestas situações, as transmissões gratuitas de amostras, qualquer que seja o seu valor, e as ofertas, nos limites estabelecidos nos números anteriores, não serão tributáveis, ainda que se tenha procedido à dedução do respetivo imposto suportado a montante – ponto 5 da Circular n.º 19/89, de 18 de dezembro.

W) "No caso de a oferta, em termos unitários, ultrapassar os 3 000$00 ou quando, em termos globais, for ultrapassado o limite referido em 3, haverá obrigatoriedade de liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta, salvo, naturalmente, se não tiver sido exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.” – Ponto 6 da Circular n.º 19/89, de 18 de dezembro.

X) Atualmente, perante as alterações previstas na Lei no 67-A/2007, de 31 de dezembro, que entrou em vigor a 2008.01.01, as "ofertas" foram excluídas da alínea f) do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, tendo, sobre a matéria sido aditados o n.º 7 e 8 ao mesmo artigo.

Y) Conforme a segunda parte do n.º 7 do art.º 3.º do CIVA, as ofertas, em conformidade com os usos comerciais, não serão tributadas quando o seu valor unitário for igual ou inferior a € 50,00 e quando o valor anual das mesmas não exceda cinco por mil do volume de negócios do ano civil anterior.

Z) Mais prevê o n.º 8 do mesmo artigo que "No caso de início de actividade, a permilagem referida no número anterior aplica-se aos valores esperados, sem prejuízo da rectificação a efectuar na última declaração periódica a apresentar no ano de início de actividade, se os valores definitivos forem inferiores aos valores esperados”.

AA) Por sua vez, a Portaria nº 497/2008 de 24 de junho, veio regulamentar as condições delimitadoras do conceito de amostras e de ofertas de pequeno valor e as obrigações contabilísticas a cumprir pelos sujeitos passivos do imposto, para efeitos de aplicação do disposto no atual n.º 7 do art.º 3.º do CIVA.

BB) Relativamente à delimitação do conceito de oferta, prevê o art.º 3.º da referida Portaria que “A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo ou por bens adquiridos a terceiros” (n.º 1), “Quando a oferta seja constituída por um conjunto de bens, o valor de (euro) 50, a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, aplica-se a esse conjunto” (n.º 2), estando excluídos do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes (n.º 3).

CC) Ora, comecemos por afirmar a nossa concordância no sentido de que a introdução do n.º 7 do art.º 3.º do CIVA que fixa dois limites quantitativos na concretização do conceito de “ofertas de pequeno valor” não é uma norma interpretativa, não se podendo, portanto, aplicar às situações anteriores ao início da sua vigência.

DD) No entanto, antes da entrada em vigor da nova redação do n.º 7 do art.º 3.º do CIVA já tinha a Autoridade Tributária de confirmar se as ofertas realizadas pelas várias empresas inspecionadas ou que, como no caso, que requeriam revisão oficiosa de atos de liquidação de IVA por esse motivo, eram efetivamente de pequeno valor.

EE) E, à falta de ditames legais que ajudassem no processo de concretização do conceito de “ofertas de pequeno valor”, teria de lançar mão de critérios objetivos para o efeito, o que aliás fez.

FF) Portanto, mais do que assumir que estando os referidos critérios numa circular, a qual foi considerada material e organicamente inconstitucional, por conter uma regra de incidência objetiva de IVA que não foi criada por diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva relativa de competência legislativa desta, parece-nos relevante atentar aos critérios aí previstos e na apreciação da sua justeza para a apreciação das ofertas efetivamente prestadas pela ora Recorrida e, na sua inserção no conceito de “pequeno valor”.

GG) Digamos, desde já, que a sentença ora em crise não elencou as ofertas específicas em causa nos autos, tendo limitado a sua apreciação à legalidade da Circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, sem proceder à apreciação do cerne da questão, a qual é, saber se as ofertas efetivamente prestadas pela ora Recorrida, se podem considerar de pequeno valor e, desta forma, se inserir na segunda parte da alínea f) do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA.

HH) Em nenhum momento do probatório, consta sequer a natureza das ofertas.

II) Ora, o preenchimento dos conceitos indeterminados “ofertas de pequeno valor” e “usos comerciais” exige o conhecimento dos valores concretos das ofertas da ora Recorrida aos seus clientes e dos valores das ofertas habitualmente praticadas no sector de atividade onde se insere.

JJ) A circunstância de a administração tributária ter baseado a liquidação impugnada no facto de o valor unitário (excluindo o IVA) ter excedido 14,96€ ou o valor anual global das ofertas ter ultrapassado 5%º do volume de negócios do ano anterior (Circular nº 19/89, 18 dezembro), é irrelevante, na medida em que a decisão jurídica da questão pelo tribunal competente podia ter radicado na interpretação e aplicação da norma excludente constante do art.º 3.° n.°3 alínea f) 2.º parágrafo do CIVA e não na aplicação da doutrina administrativa da Circular.

KK) Mas tal não foi feita na sentença em crise, a qual se limitou a considerar a Circular nº 19/89, 18 dezembro material e organicamente inconstitucional, por conter uma regra de incidência objetiva de IVA que não foi criada por diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva relativa de competência legislativa desta (artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, na redação vigente, a que correspondem os artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), respetivamente, nas redações de 1982 e de 1989.

LL) Ora, mais do que a fonte de densificação do conceito de amostra e ofertas de pequeno valor, importava apurar se as ofertas efetivamente prestadas pela ora Recorrida, ainda que objetivamente superiores aos limites previstos na Circular, que o Tribunal a quo, desaplicou ao caso, se podiam inserir, ou antes, se exorbitavam o conceito de “oferta de pequeno valor em conformidade com o uso comercial” no sector em que a Recorrida se insere.

MM) Pelo exposto, não tendo a decisão ora recorrida, acompanhado, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice, considera-se a verificação de erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que todos os valores autoliquidados pela ora Recorrida referentes aos ano de 2005 corresponderem a ofertas de pequeno valor em conformidade com os usos comerciais, cumprindo o disposto no art.º 3.º n.º 3 alínea f) do CIVA, com a anulação parcial das autoliquidações de IVA referentes a 2005, na parte em que consideraram os limites propugnados pela Circular n.º 19/89, de 18.12, somente por tais limites constarem de uma Circular densificadora de conceitos gerais.

NN) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


***

A Recorrida, apresentou contra-alegações tendo concluído da seguinte forma:

“I.Como bem decidiu o Tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA (actual artigo 98.º do mesmo diploma), a Recorrida podia exercer o direito à dedução do imposto liquidado em excesso no prazo de quatro anos após o nascimento do direito à dedução.

II. Permite o referido preceito que uma liquidação com deficiências seja detectada e corrigida, apurando-se o imposto que deveria ter sido entregue nos cofres do estado, ou deduzido, seguindo-se a restituição da diferença entre o imposto efectivamente devido e o imposto que foi entregue– cfr. PATRÍCIA NOIRET CUNHA, Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, págs. 514 e 515.

III. Qualquer outro entendimento, como o assumido pela Fazenda Pública nos presentes autos, para além de contrariar frontalmente a letra da lei, retira qualquer sentido útil ao n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA (actual artigo 98.º do mesmo diploma).

IV. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 91.º do Código do IVA (actual artigo 98.º do mesmo diploma), o direito à correcção do imposto liquidado em excesso decorria, também, do n.º 7 do artigo 71.º do Código do IVA na versão em vigor à data da ocorrência do facto tributário relevante nos presentes autos.

V. Em sede de IVA, o direito à dedução reveste carácter essencial no funcionamento deste imposto integrando-se no processo de liquidação daquele tributo (o que, aliás, é confirmado, em termos sistemáticos, pela inserção das normas que regulam esta matéria no Capítulo V do Código do IVA, referente à liquidação do Imposto), merecendo, por isso, a mesma dignidade as regras que regulam o exercício temporal daquele direito tornando-o, assim, efectivo.

VI. Neste sentido, qualquer entendimento que pretenda aplicar à totalidade do ano de 2005 regras de limitação temporal do exercício do direito à dedução que apenas foram introduzidas na ordem jurídica em 2005, constitui uma interpretação desconforme ao princípio da irretroactividade das leis fiscais.

VII. No decurso do ano de 2005, a Recorrida suportou IVA liquidado com base na doutrina vertida na Circular n.º 19/89 que veio a ser considera inconstitucional pelo Supremo Tribunal Administrativo – cfr. por exemplo, nos Acórdãos do STA proferidos no âmbito dos processos n.ºs. 36/07 (ANTÓNIO CALHAU), 53/07 (BAETA DE QUEIROZ) e 54/07 (ANTÓNIO CALHAU), todos de 26 de Abril de 2007, 106/07, de 2 de Maio de 2007 (BAETA DE QUEIROZ), 1167/06, de 16 de Maio de 2007 (BAETA DE QUEIROZ) e 52/07, de 23 de Maio de 2007 (LÚCIO BARBOSA).

VIII. Por força de uma doutrina imposta pela Autoridade Tributária, a Recorrida – bem como todas as empresas que operam em sectores de actividade em que as ofertas de pequeno valor constituem uma prática comum – sofreram um prejuízo grave, e que se pretendente corrigir no âmbito dos presentes autos.

IX. Alega, ainda, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia relativamente à inserção das ofertas efectivamente levadas a cabo pela ora Recorrida no conceito de “ofertas de pequeno valor” nos termos previstos na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA afirmando que o Tribunal o dá como adquirido.

X. Relativamente a esta matéria, entende a Impugnante que, tal argumentação, parte de uma confusão entre os conceitos de matéria de facto e matéria de direito.

XI. Saber se produtos subjacentes aos presentes autos, (i) são de pequeno valor e (iii) conforme aos usos comerciais, assume a qualificação de matéria de facto.

XII. Antes de mais, os referidos factos são notórios e de conhecimento geral, não carecendo, por isso, de prova (cfr. artigo 412.º do CPC).

XIII. Não obstante, os referidos factos integram o quadro fáctico alegado pela Impugnante – cfr. entre outros, o § 1.º a §.º 6.º da p.i., e resultam claramente provados da prova documental (cfr. docs. n.º 2 e 3 junto com a p.i).

XIV. Resulta consolidado dos autos, que o limite considerado pela Recorrida era de €14,96 por unidade, sendo que a alteração legislativa imposta pela declaração de inconstitucionalidade da Circular passou a considerar como de pequeno valor ofertas até €50,00.

XV. Não restam, por isso, dúvidas quanto à integração daquelas ofertas no conceito de “pequeno valor”.

XVI. Quanto à conformidade com os usos comerciais, dir-se-á que o conceito de “usos comerciais” previsto na, então vigente alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA (hoje, n.º 7 do artigo 7.º do Código do IVA, na renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, datado de 20/06/2008) assenta no artigo 5.º n.º 6 da Directiva n.º 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (Sexta Directiva), devendo ser entendido como a mera prática usual de comércio no âmbito de cada actividade.

XVII. Como resulta dos autos, a Recorrida dedica-se à venda de medicamentos e produtos cosméticos, sendo, por isso, a oferta de amostras e de materiais de merchandising (e.g. bolsas, guarda-chuvas, canetas) uma prática comum do mercado facto que, note-se, nem sequer careceria de alegação ou de prova, por ser um facto notório.

XVIII. Compulsados os autos, é manifesto que deles resulta que as ofertas em causa eram de pequeno valor (até €14,96) e que essas ofertas eram (e são) conforme aos usos comerciais pelo que carece de qualquer fundamento a alegação da Recorrente.

XIX. Processos em tudo semelhantes ao caso em apreço foram já objecto de apreciação pelos Tribunais Superiores vindo a Fazenda Pública a decair, sem excepção, na posição aqui propugnada – cfr. a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 11/0/2016 e proferido no âmbito do processo 01524/15 (Francisco Rothes); o Acórdão do TCA Sul datado de 05/07/2020 e proferido no âmbito do processo 772/06.BEALM (Tânia Meireles da Cunha), ou ainda, do mesmo Tribunal Superior, o Acórdão datado de 06/09/2016 e proferido no âmbito do processo 08374/15 (Jorge Cortês).

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO AO CASO APLICÁVEIS QUE V.EXAS, VENERANDOS DESEMBARGADORES DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO CONFIRMANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA RECORRIDA.

Só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul teve vista pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevo para a decisão da causa, dão-se por provados os factos a seguir indicados:

A) A Impugnante é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos, estando enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal (cfr. artigo 1º da p.i., não controvertido);

B) No âmbito da sua actividade, e de acordo com os usos comerciais do sector procedeu à aquisição de diversos artigos destinados a oferta aos clientes, os quais não excediam, individualmente, € 14,96 (cfr. artigos 2º a 5º da p.i., não controvertido);

C) No exercício de 2005, a Impugnante apresentou as seguintes declarações periódicas de IVA, correspondentes à autoliquidação de imposto:
Nº Identificação Declaração Período Montante Data de Recepção
10.. 2005/01 € 12.191,95 08.03.2005
10.. 2005/02 € 20.557,81 07.04.2005
10.. 2005/03 € 26.294,61 09.05.2005
10. 2005/04 € 25.315,64 08.06.2005
10.. 2005/05 € 26.891,08 19.07.2005
10..2005/06 € 32.962,48 03.08.2005
10.. 2005/07 € 23.518,00 09.09.2005
10.. 2005/08 € 30.561,54 07.10.2005
10.. 2005/09 € 62.848,08 09.11.2005
10.. 2005/10 € 29.432,10 06.12.2005
10.. 2005/11 € 15.742,23 09.01.2006
10.. 2005/12 - € 14.702,56
A recuperar
09.02.2006
(cfr. fls. 410 a 440 do SITAF);

D) No exercício de 2005, e com reflexo nas autoliquidações identificadas na alínea antecedente, a Impugnante concedeu o seguinte tratamento aos artigos para oferta:

- Quanto à aquisição, a Impugnante deduz IVA respectivo se o valor dos artigos se encontra dentro dos limites previstos na Circular nº 19/89, de 18.12;

- Aquando da transmissão das ofertas aos clientes, não liquida e não deduz o IVA incorrido com os mesmos sempre que os limites da aludida Circular fossem ultrapassados (cfr. artigos 7º e 8º da p.i., não controvertidos);

E) Em 02.01.2008, a Impugnante apresentou, junto da Direcção de Finanças de Lisboa, pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA realizadas no ano de 2005, invocando jurisprudência que considerou inconstitucional o limite abstracto de 50/00 do volume de negócios do ano anterior, por violação do princípio da legalidade tributária, peticionando, a final, “A revisão do IVA autoliquidado em excesso pela Requerente nas ofertas efectuadas em 2005 e, bem assim, do IVA não deduzido na aquisição de artigos para ofertas no valor global de € 36.423,23, procedendo-se ao reembolso do respectivo montante, com as legais consequências” (cfr. Doc. 1 junto com a p.i., que se dá aqui por integralmente reproduzido);

F) Através do ofício nº 007666, de 23.01.2009, foi a Impugnante notificada do despacho do Subdirector da Direcção de Serviços de IVA, de 21.01.2009, que indefere o pedido de revisão oficiosa, com base na informação nº 1028 de 12.01.2009, que parcialmente se transcreve:

(…)

19. Porém, é certo que dúvidas se colocaram na interpretação do disposto na alínea f) do n° 3 do art° 3º do CIVA, nomeadamente no alcance das expressões "amostras" e "ofertas de pequeno valor", umas e outras acompanhadas da qualificação de estarem "em conformidade com os usos comerciais", razão pela qual se regulamentou de forma adequada (circular 3/87 de 87.02,09), definindo tais conceitos por forma a que as empresas conhecessem as orientações da Administração Fiscal, ficando deste modo, cientes dos limites que foram estabelecidos e imunes a interpretações casuísticas dependentes da apreciação mais ou menos pessoal dos agentes fiscalizadores.

20. Assim, a doutrina administrativa sobre o assunto foi fixada, inicialmente peia circular n° 3/87, de 9 de Fevereiro, posteriormente alterada pela circular n° 19/89 de 18 de Dezembro, referindo-se que as ofertas podem ser constituídas por bens comercializados ou produzidos pela própria empresa ou por bens adquiridos a terceiros.

21. Segundo a Circular n° 19, de 18.12.1989 da Direcção de Serviços do IVA, para aplicar a partir de 1 de Janeiro de 1990, foi definido o conceito de pequeno valor e de limite máximo a considerar, para efeitos de tributação; «3. Para a conceituação do ''pequeno valor” a aplicar às ofertas, que não às amostras, considerar-se-á tal valor como não podendo ultrapassar unitariamente o montante de 3.000$00 (IVA excluído), considerando-se ainda, em termos globais, que o valor anual de tais ofertas não poderá exceder 5%o (cinco por mil) do volume de negócios, com referência ao ano anterior, sem qualquer limite em termos de valores absolutos. (…).

23. Está ainda previsto nos pontos 5 e 6 da referida Circular, respectivamente, que:

"Nestes termos, as transmissões gratuitas de amostras, qualquer que seja o seu valor, e as ofertas, nos limites estabelecidos nos números anteriores, não serão tributáveis, ainda que se tenha procedido à dedução do respectivo imposto suportado a montante."

"No caso de a oferta, em termos unitários, ultrapassar os 3.000$00 ou quando, em termos globais, for ultrapassado o limite referido em 3, haverá obrigatoriedade de liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta, salvo, naturalmente, se não tiver sido exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.”

(…)

IV - GARANTIAS DO CONTRIBUINTE / TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO

30. Os contribuintes podem pedir a revisão oficiosa de acto tributário, tal como resulta da letra da lei - art° 78º, nº 1 da LGT e art° 86º, nº 4 alínea a) do CPPT - bem como do princípio da legalidade da Administração - art° 266º, n° 2 da CRP e do correlativo poder/dever de decisão ou pronuncia - art° 9º do CPA.

31. De harmonia com o preceituado no art° 78° da LGT, o prazo de revisão varia, conforme o fundamento daquela, sendo que, no caso em apreço, não se poderá falar de erro imputável aos serviços, pelo que os mecanismos legais ao dispor do contribuinte se encontram ultrapassados, pelo facto dos prazos se encontrarem excedidos.

32. Também, o referido artigo 78º, n° 2 da LGT, que equipara o erro na autoliquidação a erro imputável aos serviços, não é aplicável a esta situação em concreto, na medida em que se deve considerar que a expressão “erro na autoliquidação” não engloba a regularização de imposto contido em documentos que se apresentam já registados na contabilidade e, no caso, em conformidade com a doutrina administrativa vigente, constante da circular n° 19/89.

(…) 35. O requerente entende que o pedido foi entregue atempadamente tendo em conta a jurisprudência constante do acórdão do STA, de 11.05.2005 (Proc. 0319/05) que refere, quanto à tempestividade do pedido de revisão; " O art° 78° da LGT prevê a revisão do acto tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços». Todavia, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão”.

(…)

VI-CONCLUSÕES

38. Em face do exposto nos pontos anteriores e considerando que o pedido de revisão apresentado é merecedor de análise, concluiremos o seguinte, relativamente ao pretendido e evocado pelo requerente:

- A assimilação a operações onerosas de determinadas operações gratuitas, sejam elas transmissões de bens ou prestações de serviços, resultou da preocupação de que todo o consumo seja tributado. Não sendo assim e tendo as empresas cedentes dos bens ou serviços direito a dedução do IVA suportado nas aquisições, as operações que realizassem gratuitamente seriam totalmente desoneradas de qualquer imposto, logo uma porta aberta à evasão e fraude fiscais, pelo que foram criadas orientações administrativas nesta matéria, às quais as empresas deveriam submeter-se.

- Sempre a Administração esteve vinculada às várias instruções administrativas, emanadas superiormente e, em matéria de ofertas, às constantes da referida circular n° 19/89, pelo que a legislação e a doutrina aduzidas na presente informação constituem a base legal à data da ocorrência dos factos até à recente alteração, introduzida à alínea f) do art° 3º do CIVA (Lei n° 67-A/2007, de 31/12) e ao aditamento do nº 7 do mesmo artigo (Regulamentado peja Portaria n° 497/2007 de 24 de Junho).

- Verifica-se que com esta alteração ao art° 3º do CIVA, o entendimento que vinha sendo seguido nesta matéria, acabou por ser vertido na lei, tendo sido apenas introduzido um novo valor unitário, de € 50,00, mantendo-se, no entanto, o referido limite anual de 5%o (cinco por mil).

- O exponente diz ter dado cumprimento à doutrina veiculada pela referida circular n° 19/89, relativamente às operações que são objecto de análise na presente informação, pretendendo agora, ver efectuada a revisão da autoliquidação de IVA, com base na decisão proferida no acórdão do STA de 26 de Abril de 2007, que, numa situação concreta, veio a considerar inconstitucional o limite de 5%o (cinco por mil) do volume de negócios do ano anterior, estabelecido na circular em causa.

- No entanto, o erro na autoliquidação, previsto no n°2 do art° 78° da LGT, que o equipara a erro imputável aos serviços e que permitiria a revisão no prazo de quatro anos, em nosso entender não se aplica a esta situação em concreto, tal como referimos no ponto 32 da presente informação, por não englobar a regularização de imposto contido em documentos já contabilizados.

- Ainda, relativamente ao facto do sujeito passivo referir que não foi exercido o direito à dedução na aquisição de artigos para oferta a fornecedores nacionais, poderia, em tempo, ter solicitado autorização para efectuar essa regularização relativamente ao ano de 2005, nos termos do n° 7 do art° 71º do CIVA, então em vigor.

Não o tendo feito e com as alterações posteriormente introduzidas pelo art° 12° da Lei n° 39-A/2005, de 29 de Julho, cuja entrada em vigor se verificou no dia 3 de Agosto de 2005, que vieram alterar a redacção do nº 6 do art° 71° do CIVA e revogar o n° 7 do mesmo artigo (àquela data em vigor) e tendo, somente, solicitado essa regularização, no presente pedido de revisão, em 2008.01.02, data em que, também já se encontra ultrapassado o prazo de dois anos previsto no n° 6 do art° 78° do CIVA (anterior n° 6 do art° 71°), o pedido não poderá merecer deferimento por falta de apoio legal.

39. Assim sendo, por tudo o que se disse, a posição sustentada pelo recorrente, no presente pedido de revisão, não poderá merecer acolhimento em relação às suas pretensões, ou seja, ser reembolsado do imposto que entregou em excesso, ao Estado, referente ao ano de 2005, por ter dado cumprimento à referida circular n° 19/89, a cuja disciplina estava obrigada, à data da ocorrência dos factos.”

(Cfr. Doc. 2 junto com a p.i.);

G) Por requerimento de 11.02.2009, a Impugnante requereu a fundamentação do despacho de indeferimento da Revisão de Acto Tributário, designadamente por não conter “indicação dos meios de reacção contra o acto notificado” (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

H) Através do ofício nº 023348, de 09.03.2009, a Direcção de Serviços de IVA informou a Impugnante dos meios de reacção contra o acto notificado (cfr. Doc. 4 junto com a p.i.);

I) A presente acção foi remetida a este tribunal, via correio electrónico, em 17.04.2009 (cfr. fls. 2 dos autos).


***


Na decisão recorrida consta como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão.”


***


A decisão recorrida consignou como motivação da matéria de facto o seguinte:

“Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e processo administrativo apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a presente impugnação judicial, e anulou o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com a competente anulação parcial dos atos de autoliquidação de IVA, referentes a 2005, na parte em que consideraram os limites propugnados pela Circular nº 19/89, de 18 de dezembro e consequente restituição à Impugnante do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, cumprindo, assim, aquilatar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ajuizar como tempestivo o pedido de revisão oficiosa do ato tributário, donde analisar, para o efeito, da errónea interpretação do disposto no artigo 71.º, números 6 e 7 do CIVA e bem assim do artigo 91.º do mesmo diploma legal e do alcance da expressão “erro imputável aos serviços” decorrente de erro na autoliquidação.

Aquiescendo-se pela tempestividade, importa analisar se o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito na assunção da ilegalidade atinente às ofertas de pequeno valor, concretamente errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito coadunados com as ofertas de pequeno valor e com a própria abrangência e delimitação da Circular nº 19/89, de 18 de dezembro.

Vejamos, então.

A Recorrente propugna, desde logo, que da redação do artigo 71.º, nº6 do CIVA, a correção de erros materiais ou de cálculos nas declarações periódicas de IVA constantes do artigo 40.º do CIVA era facultativa ou obrigatória consoante tal implicasse imposto entregue a mais ou a menos respetivamente.

Sendo que nas situações, em que o erro material ou de cálculo na declaração periódica de IVA tenha implicado imposto entregue a mais-como, in casu- a mesma tinha de ser efetuada no prazo de um ano ou de dois após a entrada em vigor da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, ou, com autorização para esse efeito do Diretor-Geral das Contribuições e Impostos, nos quatro anos seguintes ao do pagamento em excesso.

Logo, tendo a Recorrida apresentado o pedido de revisão oficiosa a 02 de janeiro de 2008, relativamente às autoliquidações de IVA mensais de 2005, foi claramente ultrapassado o prazo de dois anos consignado no citado preceito legal, e nessa medida incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, por não ter considerado o pedido levado a cabo pela ora Recorrida como extemporâneo.

Sublinhando, neste concreto particular, que é inequívoca a subsunção no citado normativo porquanto, independentemente de tal não ser uma mera correção de erros materiais ou de cálculo, tem aplicação a referida disposição legal e o corresponde prazo de dois anos para o efeito.

Dissente a Recorrida, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, porquanto a mesma aplicou adequada e acertadamente a disciplina jurídica vigente à realidade fática em contenda, relevando, desde logo, que a Recorrente fez tábua rasa do consignado no artigo 91.º, do CIVA, o qual legitima a apresentação de pedido de revisão no prazo limite de 4 anos.

Mais sufragando que, de todo o modo, o direito à correção do imposto liquidado em excesso decorria, também, do n.º 7 do artigo 71.º do Código do IVA na versão em vigor à data da ocorrência do facto tributário relevante nos presentes autos.

Ora, se no decurso do ano de 2005, a Recorrida suportou IVA liquidado com base na doutrina vertida na Circular n.º 19/89 que veio a ser considera inconstitucional, a questão subsume-se em erro que não material, e que carece de ser corrigido.

Vistas as posições das partes, atentemos na fundamentação jurídica em que se esteou o cumprimento do prazo para deduzir a revisão do ato tributário e a refutação da extemporaneidade aduzida pela AT.

A decisão recorrida refere, desde logo, no atinente ao artigo 71.º, nº6 do CIVA que: “[a]s circunstâncias do caso vertente não se subsumem à previsão do mencionado preceito, por não estarmos aqui perante uma “mera” correcção de erros materiais ou de cálculo, sem qualquer formalidade. Estamos, sim, perante um pedido formal de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA em virtude da aplicação de uma orientação propugnada pela AT, através de uma Circular interpretativa, a qual veio a ser declarada ilegal e inconstitucional, e que, por esse motivo, altera o próprio direito à dedução da Impugnante.”

Convocando, ulteriormente, o artigo 91.º do CIVA, e dele retirando a seguinte interpretação:

“Como se constata, ao contrário do sustentado pela AT, também por força deste nº 2, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto em excesso pode ser exercido no prazo de 4 anos.

Em conjugação e como decorrência do que ficou dito supra, não restam dúvidas que não é aplicável ao caso sub judice o prazo de 2 anos previsto no artigo 71º, nº 6 da LGT, e que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Impugnante se demonstra oportuno e tempestivo.

O despacho sindicado, que decidiu em sentido contrário é, pois, de anular, por padecer de ilegalidade, por vício de violação de lei.”

Apreciando.

Comecemos por ter presente as caraterísticas basilares do imposto, do direito à dedução e o quadro normativo que releva para o caso em apreço.

O IVA sendo um imposto de matriz comunitária,(1)e plurifásico, assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir, razão pela qual o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado(2),designada como método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.
Por conseguinte, deve garantir a neutralidade fiscal, a qual configura a característica nuclear do imposto, constituindo o equivalente, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento.(3)
Daí que o direito à dedução seja visto como um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante.(4)
O regime de deduções instituído pela Diretiva IVA visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, assim, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA.(5)

No concernente à concreta possibilidade de correção de erros cometidos pelos sujeitos passivos no momento em que foi exercido o direito à dedução-questão em contenda- consagram os artigos 184.º a 186.º da Diretiva IVA no sentido de que:

“A dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito. ”

Dispondo o direito interno, no que para os autos releva, mormente, o artigo 19.º, nº1, alínea a), do CIVA, que para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram, designadamente, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.

Consignando, por seu turno, o artigo 20.º do CIVA, com a redação à data aplicável que:

“1 - Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; (…)
2 - Não haverá, porém, direito à dedução do imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do nº 6 do artigo 16º”.

Preceituando, por sua vez, o artigo 22.º, nºs 1 e 2 do CIVA que:

1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7º e 8º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deverá ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação.”

De convocar, outrossim e neste concreto particular, o teor do artigo 71.º, nºs 6 e 7, cujo teor se reproduz:

“6 - A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 40.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º, é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só poderá ser efetuado no prazo de um ano, que, no caso do exercício do direito à dedução, será contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.
7 - Em casos devidamente justificados, a correção dos erros referidos no número anterior de que tenha resultado imposto entregue a mais pode ainda ser autorizada nos quatro anos civis seguintes ao período a que se reporta o erro, mediante requerimento dirigido ao diretor-geral dos Impostos.”

De relevar, igualmente, que a Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, com entrada em vigor a 3 de agosto de 2005, revogou o nº7 e concedeu nova redação ao artigo 71.º, nº6, passando a consignar que:

“A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 40.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º, é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só poderá ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, será contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.”

In fine, importa ter presente o consignado no artigo 91.º, nºs 1 e 2, do CIVA, os quais dispunham, à data, que:

“1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, proceder-se-á à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.
2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só poderá ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente.”

Inferindo-se, assim e desde logo, dos citados normativos legais que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, em conformidade com o consignado nos artigos 7.º e 8.º do CIVA, sem prejuízo do disposto nos artigos 71.º, e 91.º, consagrando, como visto, este último normativo um prazo máximo para o exercício do direito à dedução, ou seja, decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução.

In casu, a primeira questão coaduna-se com a possibilidade de corrigir o IVA declarado, mormente, o direito à dedução suportado e o regulamentado quanto ao período temporal pertinente, defendendo, como visto, a AT que a questão em apreço se subsumia num erro material donde passível de subsunção no citado artigo 71.º do CIVA, e nessa medida balizado ao prazo de dois anos.

Porém, assim o não entendemos.

De relevar, desde logo, que do teor dos normativos supracitados, resulta claro que o legislador regulamentou a correção de erros-retificação a posteriori- consoante a sua natureza, implementando prazos distintos, ou seja, estatuiu por um lado, as correções resultantes de erro material ou de cálculo estabelecendo um prazo limite de dois anos, e por outro lado, as correções concatenadas com erros de direito as quais preceituou um prazo limite de quatro anos.

No atinente, às situações fáticas passíveis de enquadramento no citado normativo elucida-nos Patrícia Noiret Cunha que o artigo 71.º, nº6, do CIVA, “refere-se expressamente ao erro material ou de cálculo, como o erro na soma, na inscrição, na transcrição das faturas para o registo ou dos registos para as declarações, incluindo ainda a duplicação, a omissão; excluindo assim o erro de direito, resultante de uma interpretação indevida de normas".(6)

Como expendido, no Aresto do STA proferido no processo nº 0136/14, datado de 02 de dezembro de 2020, apoiando-se em doutrina que reputa aplicável ao caso apreço:

Neste ponto, revela-se pertinente a consideração da distinção entre erro de direito e erro de facto, sendo que neste último domínio, Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Sérgio Vasques (coord.), Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44), citados na decisão recorrida, defendem que “os erros a que se refere o número 6 do artigo 78.º do Código do IVA se reconduzem às situações em que o sujeito passivo se equivoca na materialização do acto de dedução ou liquidação, nomeadamente, por lapso na transcrição de valores ou por razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e evidentes”, ou seja, “estarão abrangidos por estes conceitos de erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se engana a efectuar uma operação aritmética, nomeadamente, quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa factura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo, comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na declaração periódica (erro material)”, o que significa que estão, pois, abrangidas pelo erro de facto “as situações em que o sujeito passivo efectua uma incorrecta representação da realidade factual (a qual determina a sua subsunção a uma norma incorrecta)”, mais referindo que “O erro de facto que não origine um consequente erro de direito, não terá qualquer relevância para estes efeitos, porquanto o mesmo não terá qualquer influência no quantum do imposto a deduzir ou a liquidar”.
Por contraposição, o erro de direito verifica-se nas “situações em que, não obstante a correta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável”, ou seja, em que se verifica um erro de enquadramento, por o sujeito passivo ter feito uma incorrecta interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do direito e, consequentemente, liquida ou deduz imposto a mais ou a menos.
Assim sendo, e voltando ao caso em análise, e ponderando os dados postos em evidência, tal como se aponta no parecer subscrito pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público, resulta claro que estamos perante erro de direito, como aliás parece reconhecer a própria Recorrente, na medida em que a questão da inclusão do valor do desconto na matéria tributável do IVA contende com a interpretação de normas jurídicas e o quadro jurídico aplicável, pelo que não restam dúvidas que estamos perante erro de direito e não perante erro material (situação seria diversa se a situação não oferecesse dúvidas e a falta de dedução do imposto se devesse a falha ocasional dos serviços de contabilidade do sujeito passivo no preenchimento das declarações), impondo-se aqui sublinhar que, como ficou dito, só o erro material (erro no registo ou declaração) está abrangido pela previsão do nº 6 do artigo 78º do CIVA”. (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido aponta o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 443/13, de 17 de junho de 2020, cujo sumário se transcreve:

“I - A lei distingue prazos para o exercício do direito à dedução de IVA ou de reembolso de imposto entregue em excesso:
- como regra quatro anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução ou do pagamento em excesso (art.98º nº2 CIVA).
- no caso de correcção de erros materiais ou de cálculo dois anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução, sendo facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo e obrigatória quando resultar imposto a favor do Estado (art.78º n º6 CIVA).
II - São erros materiais ou manifestos, designadamente os que resultam do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, e inexatidão ou lapso (art.95º-A CPPT).
III - Não constitui erro material ou de cálculo, antes erro na interpretação e aplicação do regime jurídico, a desconsideração pelo sujeito passivo de operações relativas a instrumentos financeiros derivados realizadas com contrapartes estabelecidas ou domiciliadas fora da União Europeia que conferiam direito a dedução, dela resultando alteração da percentagem de dedução (pro rata) de 12% para 19% (arts. 20º nº1 al.b) v) e 23º nº 4 CIVA).
IV - Em consequência, é aplicável o prazo de 4 anos para o exercício do direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso.”

Ora, tendo presente os considerandos de direito supra expendidos, ter-se-á de concluir no sentido de que o caso vertente, contrariamente ao expendido pela Recorrente, se subsume num erro de direito e não, como propugna a Recorrente, num erro material ou de cálculo.

In casu, conforme dimana do probatório foi apresentado um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA, por as mesmas refletirem a aplicação de uma orientação administrativa, concretamente, Circular nº 19/89, de 18 de dezembro, a qual veio a ser declarada ilegal, visando a Recorrida repor a legalidade e a verdade material com as inerentes repercussões ao nível do direito à dedução e reembolso do imposto pago em excesso.

Logo, como é bom de ver, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, a questão visada contende com a interpretação de normas jurídicas e o quadro jurídico aplicável, pelo que não restam dúvidas que estamos perante erro de direito e não perante erro material.

E por assim ser, a questão não tem enquadramento no citado artigo 71.º do CIVA, mas sim no artigo 91.º, nº2 do mesmo diploma legal, podendo, assim, ser retificado no prazo de quatro anos.

De sublinhar, in fine, e no sentido, também, propugnado pelo Tribunal a quo, que a ilegalidade da Circular em causa integra o conceito de “erro” para efeitos do artigo 78.º da LGT, o qual é imputável à AT, por força da equiparação prevista no nº 2 do mesmo preceito o erro na autoliquidação,(7)sendo que, como é consabido, a AT tem o poder/dever de rever qualquer ilegalidade no prazo de quatro anos. Com efeito, a possibilidade de revisão do ato tributário encontra-se, “[q]uer na esfera dos sujeitos passivos, quer da própria AT, sendo que a doutrina e a Jurisprudência dos Tribunais Superiores tem entendido, de forma reiterada e pacífica, que tal como a AT pode, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aqueles fundamentos".(8)

Destarte, reportando-nos ao cômputo em concreto do prazo nos autos, considerando a autoliquidação e a entrega do imposto alegadamente em excesso com as declarações periódicas de 2005 e elencadas na alínea C) do probatório, conclui-se que a apresentação a 02 janeiro de 2008, do pedido de revisão do ato tributário, respeitou o prazo legal de 4 anos, em conformidade com o consignado no artigo 78.º nº2 LGT e artigo 91.º nº2 CIVA.

Aqui chegados, e dirimida a questão atinente ao prazo para formular o pedido de revisão, em sede de IVA, e assumida a sua tempestividade, importa, então, aquilatar da questão coadunada com o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, donde com a assunção da ilegalidade das ofertas de pequeno valor e inerente ilegalidade da autoliquidação, por redundar em entrega de imposto superior ao devido.

A Recorrente, neste concreto particular, reitera, igualmente, erro de julgamento porquanto tendo sido suscitadas dificuldades na interpretação do disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, foi implementada a Circular 3/87 de 9 de fevereiro, posteriormente alterada pela Circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, a qual estabeleceu limites quantitativos, e só ulteriormente, perante as alterações previstas na Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, foram implementados, na lei, os pressupostos de tributação.

Logo, à falta de ditames legais que ajudassem no processo de concretização do conceito de “ofertas de pequeno valor”, a AT teria de lançar mão de critérios objetivos para o efeito, o que aliás fez, e a verdade é que a decisão recorrida não elencou as ofertas específicas em causa nos autos, tendo ditado a sua apreciação à legalidade da Circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, sem proceder à apreciação do cerne da questão, a qual é, saber se as ofertas efetivamente prestadas pela ora Recorrida, se podem considerar de pequeno valor e, desta forma, se inserir na segunda parte da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA.

Conclui, assim, que importava apurar se as ofertas efetivamente prestadas pela ora Recorrida se podiam inserir, ou antes, exorbitavam o conceito de “oferta de pequeno valor em conformidade com o uso comercial” no sector em que a Recorrida se insere.

A Recorrida, refuta tal entendimento relevando, por um lado, que nos encontramos perante factos notórios, e por outro lado, que a aduzida falta de materialização foi realizada e consta no probatório e dimana do por si alegado e suportado nos documentos juntos aos autos.

Não restando, por isso, quaisquer dúvidas quanto à integração daquelas ofertas no conceito de “pequeno valor” (até €14,96) e bem assim que se encontram conformes aos usos comerciais, carecendo, por conseguinte, de qualquer fundamento a alegação da Recorrente.

O Tribunal a quo, neste concreto particular, amparando-se em Jurisprudência consolidada que cita e transcreve nos trechos que reputa relevantes, mormente, do Aresto do STA proferido no processo nº 0216/10, datado de 30 de outubro de 2019, no sentido da ilegalidade da Circular em contenda sustenta que “(…) se é certo que na redacção do nº 7 do artigo 3º do CIVA, na redacção introduzida pela Lei nº 67-A/2007, o legislador previu dois limites quantitativos na concretização do conceito “ofertas de pequeno valor”, tal como decorria da circular nº 19/89, o mesmo não é dizer que estamos perante uma norma interpretativa daquele conceito, mas tão só uma sua concretização, que antes não havia sido feita. Com efeito, se é possível estabelecer tais limitações, sem pôr em causa o espírito da Directiva IVA, também é certo que a limitação global anual do valor das ofertas não resulta de uma operação interpretativa do referido conceito legal. Antes se trata de uma regulamentação efectuada pela Administração Tributária que, ainda que com o fim de obstar a fraudes ou abusos, não era comportada pela letra da lei. E nessa medida a densificação do conceito legal tendo por base tais parâmetros implica a violação do disposto no artigo 3º, nº 3, alínea f) do CIVA, cuja ilegalidade inquina os actos tributários que lhe estão adjacentes, (…)”. (destaques e sublinhados nossos).

Concluindo, assim, que “[p]or reflectirem o entendimento plasmado Circular nº 19/89, as autoliquidações de IVA enfermam de ilegalidade, na parte em que consideraram os limites ali propugnados, devendo ser anulados nessa parte e, consequentemente, ser restituído à Impugnante o montante de imposto pago em excesso.”

Mais uma vez não ajuizamos que a decisão recorrida padeça da visada censura.

Senão vejamos.

De relevar, ab initio, que se valida o entendimento do Tribunal a quo, assente na aludida jurisprudência, a qual se perfilha, inteiramente, citando-se, por todos, o Aresto do STA prolatado no âmbito do processo nº 0216/10, de 30 de outubro de 2019, cujo sumário se extrata, como segue:

“I – As transmissões gratuitas de bens da empresa, quando tenha havido dedução total ou parcial do imposto, constituem transmissões sujeitas a IVA, excepto quando se trate de amostras e ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, de acordo com o artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do CIVA.

II – É ilegal a imposição, através de circular da DGI, de um limite máximo para ofertas de pequeno valor calculado em função do volume de negócios do ano anterior, por não ter qualquer relação com o valor da oferta e os usos comerciais em vigor na actividade do ofertante.”

Aderindo-se, integralmente, à sua fundamentação jurídica, transcrevendo-se, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“[C]omo ...se alcança da jurisprudência do STA sobre esta matéria e supra assinalada, este tribunal tem considerado que: «Tudo o que a lei permite e impõe à Administração é que preencha os conceitos de «pequeno valor» e de «usos comerciais»; já lhe não consente que acresça uma exigência não atinente a nenhum daqueles conceitos, consubstanciada num limite total de valor por referência ao volume dos negócios efectuados, sem qualquer relação com o valor da oferta e os usos comerciais em vigor na actividade do ofertante» (acórdão do STA de 21/11/2007, proc. 0709/07).

E na verdade, na apreciação que os Serviços de Inspeção Tributária fizeram sobre a situação, os mesmos limitaram-se a constatar que o valor das ofertas excedia o valor de 5 por mil do volume de negócios e a excluir o valor excedente das ofertas da previsão da norma, sem que seja adiantada qualquer justificação plausível para tal asserção, a não ser a invocação da circular nº 19/89. Ora, se é certo que na redação do nº 7 do artigo 3º do CIVA, na redação introduzida pela Lei nº 67-A/2007, o legislador previu dois limites quantitativos na concretização do conceito “ofertas de pequeno valor”, tal como decorria da circular nº 19/89, o mesmo não é dizer que estamos perante uma norma interpretativa daquele conceito, mas tão só uma sua concretização, que antes não havia sido feita.

Com efeito, se é possível estabelecer tais limitações, sem pôr em causa o espírito da Diretiva IVA, também é certo que a limitação global anual do valor das ofertas não resulta de uma operação interpretativa do referido conceito legal. Antes se trata de uma regulamentação efetuada pela Administração Tributária que, ainda que com o fim de obstar a fraudes ou abusos, não era comportada pela letra da lei. E nessa medida a densificação do conceito legal tendo por base tais parâmetros implica a violação do disposto no artigo 3º, nº 3, alínea f) do CIVA, cuja ilegalidade inquina os atos tributários que lhe estão adjacentes, como se entendeu na sentença recorrida.

Não há dúvida, assim, que no caso concreto dos autos a aplicação da doutrina da circular nº 19/89 de 18 de dezembro configura uma operação que vai para além da densificação interpretativa do conceito indeterminado de “ofertas de pequeno valor”, e antes consubstancia uma regulamentação desse conceito não coberta pelas regras interpretativas, o que inquina a validade do acto de liquidação que nela suportou, tendo como consequência a sua anulação.”

Ora, face ao supra expendido, e atento o regime em vigor à data da prática dos factos tributários, e não se afigurando quaisquer razões, de facto ou de direito, para se ajuizar de modo diferente, consideram-se transmissões de bens sujeitas a imposto, a transmissão gratuita de bens da empresa, ressalvados os casos das “amostras e as ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, sem qualquer acolhimento do limite total do valor por referência ao volume de negócios consignado na Doutrina Administrativa citada e convocada pela AT.

E, nessa medida, não se afigura qualquer erro de julgamento ao sentenciado pelo Tribunal a quo no sentido da verificação do erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e concreta anulação parcial das autoliquidações impugnadas.

De relevar, neste conspecto, que contrariamente ao propugnado pela Recorrente o Tribunal a quo não se limitou a uma análise genérica da questão, de todo o modo, sempre se dirá que atentando na fundamentação constante no indeferimento em contenda, a AT nunca colocou em causa que as ofertas não se pudessem conter no conceito de ofertas de pequeno valor e bem assim conformes com os usos comercias.

Acresce, outrossim, que inversamente ao arguido pela Recorrente, o Tribunal a quo, densificou faticamente a questão material, conforme dimana, desde logo, das asserções contidas nos pontos A) a D) da matéria de facto.

Com efeito, dimana, desde logo, do probatório que a Recorrida é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de comércio por grosso de produtos farmacêuticos, e que no âmbito da prossecução da mesma, e de acordo com os usos comerciais do sector procedeu à aquisição de diversos artigos destinados a oferta aos clientes, os quais não excediam, individualmente, € 14,96.

Promanando, igualmente, do consignado no ponto D) o procedimento adotado pela Recorrida e que motivou o pedido de revisão das autoliquidações de IVA, porquanto, conforme resulta expresso, designadamente, do ponto 21 do aludido pedido de revisão, procedeu “[i]ndevidamente à autoliquidação/não dedução de IVA, por aplicação do limite global de 5%º do volume de negócios do ano anterior”.

Logo, consta no probatório-de resto não impugnado-matéria, per se, suficiente para se decidir no sentido da ilegalidade da decisão impugnada e consequente anulação parcial das autoliquidações, e nos moldes ajuizados pelo Tribunal a quo.

De resto, sempre se dirá que atenta a atividade desenvolvida pela empresa, dizem-nos as regras da experiência que é usual a ocorrência de ofertas de artigos de merchandising de pequeno valor.

Este é também o sentido defendido no Aresto deste Tribunal, prolatado no âmbito do processo nº 772/06, de 07 de maio de 2020, o qual doutrina que “[a]pelando às regras da experiência, (…) é muito frequente que as empresas ofereçam, designadamente aos seus colaboradores, artigos de merchandising, justamente com o objetivo de promover a sua imagem ou a sua marca, desde logo pelo próprio uso que seja feito pelos colaboradores dos artigos de merchandising em questão.” Sumariando, de forma clara, que “[n]uma aproximação ao conceito de “usos comerciais” ter-se-á de atentar em padrões de habitualidade em termos de prática comercial, designadamente no tocante às práticas promocionais.”

Destarte, assente a tempestividade do pedido de regularização do imposto pago em excesso, e bem assim a jurisprudência que declarou a invalidade da Circular interpretativa que esteve na base do erro na autoliquidação em apreço, determinando a sua desaplicação ou sua inoponibilidade ao contribuinte, tal determina que o ato impugnado ao indeferir o pedido de devolução do imposto pago em excesso, de acordo com a regularização pretendida, incorreu no vício de violação de lei, cominando-o de anulabilidade, com todas as legais consequências.(9)

De relevar, in fine, que carece de relevância as asserções genéricas constantes das alíneas L) a O), desde logo, porque a regularização da dedução no prazo legal promana não só dos já citados artigos 184.º e seguintes da Diretiva, sendo, igualmente, uma decorrência do princípio da neutralidade.

Carecendo, outrossim, de igual pertinência o aduzido em SS) a BB), desde logo por redundarem em observações teóricas e genéricas sem a devida substanciação ao caso vertente.

Face a todo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, improcede o arguido erro de julgamento, mantendo-se, assim, o juízo anulatório das autoliquidações na proporção requerida, por ao refletirem o entendimento plasmado na Circular nº 19/89, padecerem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mantendo-se as decretadas consequências legais-de resto não contestadas-inerentes à condenação no pagamento indevido acrescido de juros indemnizatórios.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 25 de Novembro de 2021

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)











1) Introduzido em Portugal pelo Decreto-Lei nº 394-B/94, de 26 de dezembro, o qual veio transpor a Sexta Diretiva do IVA (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977) alterada pela Diretiva n.º 2006/112/CE, de 28 de Novembro “Diretiva IVA”
2) Cfr. Xavier Basto, Lisboa 1991, A Tributação do Consumo e a sua coordenação internacional, p.41.
3) Conforme resulta do Acórdão S. Puffer, C-460/07, de 23 de abril de 2009
4) Vide neste sentido, acórdãos Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11; Bonik, C-285/11; e Petroma Transports C-271/12, e demais jurisprudência aí citada.
5) Acórdão de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, e jurisprudência aí referida.
6) In Imposto sobre o Valor Acrescentado – Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, ISG:2004, p. 461.
7) Vide, designadamente, o Aresto do TCA Sul, prolatado no âmbito do processo nº 1349/10, de 23.03.2017.
8) In Acórdão proferido, pelo mesmo coletivo, no processo nº 328/05, datado de 28.10.2021.
9) Vide, neste sentido, Acórdão do TCAS, proferido no processo nº 08374/15, de 09.06.2016.