Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04346/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/07/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IVA. PRESSUPOSTOS PARA MÉTODOS INDIRECTOS.
ERRADA QUANTIFICAÇÃO. RÁCIO. JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Verificam-se os pressupostos para o imposto ser apurado pela AT com o recurso a métodos indirectos, quando através da contabilidade não é possível apurar os reais custos ou os reais proveitos, designadamente quanto aos montantes dos custos e das vendas, necessariamente ocorridas, e não reflectidos na mesma;
2. Não se verifica a errada quantificação do apuramento do imposto por métodos indirectos, quando o critério utilizado pela AT se revela adequado e apto para esse fim, como seja o rácio nacional resultante das empresas do mesmo sector de actividade, que, por ter maior expressividade que o rácio a nível local, pode ser o escolhido, para mais quando este apresentava valores superiores ao daquele;
3. Tendo o imposto sido liquidado pela AT na falta da oportuna liquidação pelo sujeito passivo, ocorreu um retardamento da liquidação que não pode deixar de lhe ser imputado, pelo menos ao nível da negligência, quando nada veio articular e nem se prova que não tenha podido organizar a sua contabilidade de molde a apurar e a liquidar o correspondente imposto, de acordo com as regras legais que lho impõem, desta forma ocorrendo o fundamento para a liquidação dos juros compensatórios de retardamento da liquidação imputável ao sujeito passivo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Comércio de Embarcações e Equipamentos Náuticos, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida a 16 de Agosto de 2010 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, no âmbito do processo 461/07.7BELLE, a qual julgou improcedente Impugnação Judicial apresentada pelo ora Recorrente com referência às liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios com o nºs 07027241, 07027239, 07027237, 07027207, 07027209, 07027211, 07027251, 07027243, 07027249, 07027201, 07027203, 07027233,
B)07027235, 07027229, 07027225, 07027227, 07027231, 07027245, 07027247, 07027213, 07027215, 07027217, 07027219, 07027221, 07027223, 07027205, 07027240, 07027242, 07027238, 07027208, 07027210, 07027212, 07027202,07027204, 07027234, 07027236, 07027230, 07027226, 07027228, 07027232, 07027252, 07027250, 07027244, 07027246, 07027248, 07027214, 07027216, 07027218, 07027220, 07027222, 07027224 e 07027206, respeitantes aos anos de 2002, 2003 e 2004 no valor total de € 120.492,10;
C) Com relevância para o presente recurso, considerou-se na sentença recorrida, em primeiro lugar, que a ordem de serviço junta aos autos contêm os requisitos previstos no artigo 46.º do RCPIT;
D) De acordo com o entendimento vertido na sentença recorrida, verifica-se que a aplicação indirectos se fundamentou nos termos da alínea b) do artigo 87° da LGT que dispõe para as situações de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis
determinação da matéria tributável;
E) Entendeu-se, igua1mente, que os critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, foram efectuados ao abrigo do artigo 90.º da LGT;
F) Conclui a sentença recorrida que se encontravam preenchidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos de tributação, sendo que as liquidações de IVA em causa resultaram da referida acção inspectiva e fundamentaram-se nela;
G) A decisão recorrida enferma de manifesta ilegalidade;
H) Em primeiro lugar, incorreu a sentença recorrida em manifesta omissão de pronúncia, ao deixar de pronunciar-­se sobre alguns dos vícios invocados pela ora Recorrente nos autos;
I) Com efeito e desde logo, foi invocado, nos artigos 58.º a 74.º da p.i., o desconhecimento e a falta de indicação do critério de selecção que terá presidido à realização do procedimento de inspecção em causa, nada sendo na sentença recorrida quanto a esta questão;
J) Para além disso, nos artigos 212.º a 230.º da p.i. foi invocado a existência de dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário;
K) E, se quanto à questão da quantificação, a sentença recorrida faz uma breve referência, no que respeita à efectiva inexistêncta ou dúvida sobre o facto tributário nenhuma decisão foi proferida.
L) Nestes termos, o Tribunal a quo incorreu manifestamente em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668.º alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ao processo tributário por remissão do artigo 2.º al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário;
M) Para além do referido vício, de um outro enferma a
sentença recorrida, qual seja, o decorrente da sua manifesta falta de fundamentação;
N) Com efeito, a sentença recorrida é obscura, não se
conseguindo depreender da mesma quais os efectivos e concretos fundamentos, para além do que vem invocado pela Administração Tributária, em que a mesma se baseou para julgar improcedentes os argumentos e vícios alegados pela ora Recorrente;
O) Isto porque aquela sentença limita-se, apenas e só, a enumerar todo a argumentação patenteada no relatório final de inspecção tributária, ficando a Recorrente sem obter a efectiva resposta e o entendimento do Tribunal sobre o que por si foi invocado para contradizer aquele relatório;
P) O Tribunal Recorrido nada diz quanto aos motivos pelos quais se entendeu que a contabilidade era inexistente ou insuficiente, assim como, que se verificava a falta de credibilidade dos inventários;
Q) Para o Tribunal Recorrido, a prova produzida em julgamento não permitiu retirar valor probatório ao relatório realizado pela Administração Tributária, não explicando o mesmo porque assim entende e como chegou a essa conclusão;
R) Neste sentido, a sentença recorrida é manifestamente nula, nos termos do artigo 125.º do CPPT, por absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, e ainda por manifesta obscuridade da decisão;
S) Ao contrário do que entende o Tribunal Recorrido, não é possível a determinação de qual foi o órgão administrativo que ordenou, através da prolação do respectivo despacho, a realização do procedimento de inspecção em questão;
T) Pelo que, desde logo nessa parte, o entendimento vertido na sentença recorrida é ilegal por violação do disposto no artigo 46.º do RCPIT;
U) Para além disso, a sentença recorrida e o entendimento na mesma plasmado violam o disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 77.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA);
V) Isto porque, ao contrário do que considerou o Tribunal Recorrido, os actos tributários em crise não se encontram devidamente fundamentados;
W) De facto, o teor das liquidações em crise não contém quaisquer elementos individualizadores das correcções em apreço limitando-se a determinar a obrigatoriedade do pagamento de um determinado montante apurado na sequência do recurso a métodos indirectos;
X) A sentença recorrida considerou legítimo o recurso aos procedimentos previstos nos artigos. 87° a 89° da LGT, tendo, por esse motivo, o mesmo incorrido em manifesto erro de julgamento nesta parte, ao sancionar o entendimento e o procedimento seguido pela Administração Tributária;
Y) De facto e em primeiro lugar, o argumento referido na acima mencionada alínea a) não consta do elenco previsto no artigo 88° da LGT, não podendo poderia motivar, como motivou, o recurso a métodos indirectos;
Z) Já quanto aos critérios usados para correcção de valores e determinação do volume de negócios, foram utilizados pela Administração Tributária valores calculados a nível nacional para o referido rácio e não a nível local;
AA) O que nunca poderia ter-se verificado na medida em que os mesmos não reflectem a especificidade e a localização da Recorrente;
BB) Não devendo os rácios nacionais, ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo, ser aplicados no caso vertente;
CC) Acresce que as omissões invocadas ficaram-se a dever a meras lacunas passíveis de correcção nos inventários, não se tendo traduzido, no entanto, em omissões de compras ou de vendas;
DD) E sendo passíveis de correcção impunha-se, previamente ao recurso à avaliação indirecta, que a Recorrente fosse notificada para corrigir os elementos da sua escrita;
EE) Em segundo lugar tais lacunas são expressamente indicadas peja DGCI como tendo sido detectadas, pelo que as mesmas eram passíveis de correcção com recurso à avaliação directa e não à indirecta;
FF) Acresce a isto tudo, quanto às alegada divergências, que a prova produzida nos autos foi absolutamente ignorada na sentença recorrida;
GG) De facto e como as testemunhas inquiridas nos autos confirmaram, a ora Recorrente perdeu no ano 2002 a representação da principal marca que comercializava;
HH) Daí resultando que a mesma ficou em situação extremamente difícil do ponto de vista económico-financeiro o que a obrigou a fazer negócios a baixo preço para se desfazer do stock de embarcações;
II) O que foi absolutamente ignorado por parte do Tribunal Recorrido;
JJ) A representação da marca que a Recorrente assegurava
impunha-lhe que esta prestasse serviços de garantia que se prolongava pelos anos seguintes à recepção das embarcações, pelo que ainda se mantinham deveres de garantia relativos a embarcações de anos anteriores e, para fazer face aos mesmos, necessitava de manter na sua estrutura de pessoal aqueles afectos à manutenção e reparação das embarcações;
KK) Motivo pelo qual os custos não decresceram, tendo até aumentado;
LL) Circunstância igualmente ignorada pelo Tribunal a quo;
MM) Quer a Administração Tributária, quer o próprio Tribunal Recorrido, consideraram que não era credível que os custos se agravassem quando a impugnante se encontrava a atravessar uma situação difícil ao nível da facturação;
NN) Mas tal é uma mera opinião que, não buscando conforto em factos concretos, não se pode considerar como uma fundamentação para o procedimento adoptado;
OO) Por fim, quanto aos juros compensatórios também andou mal o Tribunal Recorrido;
PP) Isto porque, sendo certo que nos termos do artigo 35°, n° 8 da LGT os juros compensatórios se integram na própria dívida de imposto menos verdade não será que, nos termos do n° 1 do mesmo normativo, os ditos Juros dependem de um comportamento culposo imputável à Recorrente que retardou a liquidação do imposto;
QQ) Ora como a responsabilidade objectiva não existe no presente caso nem a mesma se presume deveria ter sido fundamentada, padecem as liquidações de juros compensatórios em causa de fundamentação.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, inexistindo os apontados vícios formais da mesma sentença, ter a mesma efectuado um correcto julgamento da matéria de facto, ocorrerem os pressupostos para haver lugar à avaliação indirecta, não ter a mesma provado o erro ou excesso na matéria tributável assim apurada, como lhe cabia e também os juros compensatórios se encontrarem fundamentados, mercê do retardamento da liquidação que não pode deixar de lhe ser imputável.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece dos vícios formais de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação conducentes à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterada; Se no caso se verificam os pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos; Se se mostra desajustado o critério utilizado da determinação da quantificação do volume de negócios consistente no rácio apurado ao nível nacional das empresas integradas no mesmo CAE; Se a contabilidade da recorrente, ao nível dos inventários, apenas apresentava meras deficiências formais que poderiam/deveriam ser corrigidas, sem outras consequências; E se o atraso na liquidação do IVA devido foi imputável à mesma em termos de dolo ou de mera negligência.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) A coberto das ordens de serviço nºs 01200600125/6/7, iniciadas em 08/02/2006 e com conclusão em 06/09/2006, de âmbito geral, com incidência temporal aos exercícios de 2002, 2003 e 2004 (fls 70, dos autos);
B) As ordens de serviço referidas no ponto anterior foram emitidas por despacho do Director de Finanças Adjunto de Faro, por delegação de competências, notificadas à sociedade impugnante e foram assinadas pela sua sócia gerente Maria Henrique Fernandes Rodrigues Alves (fls 88 a 90, dos autos e que se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais);
C) A inspecção foi motivada por a impugnante ter diversos pagamentos de IVA em falta (fls 70, dos autos);
D) Em 11 de Outubro de 2006 foi elaborado o relatório de inspecção, que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais e do qual consta (fls 68 a 74, dos autos):
(...)
IV. Motivos e exposições dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
Durante o decurso da presente acção de fiscalização constatei a existência dos seguintes factos que evidenciam a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, prevista na alínea b) do artº 87º da LGT;
1. A sociedade em apreço dedica-se ao comércio a retalho de embarcações e de equipamentos náuticos, prestando igualmente serviços relacionados com os referidos bens, nomeadamente revisões, reparações, conservação, montagens, limpezas, etc. Não obstante tal facto, constatou-se que a mesma se encontra erroneamente enquadrada no CAE 51900 - Comércio por Grosso não especificado, motivo pelo qual se efectuou o correspondente Boletim de Alterações Oficioso (BAO), enquadrando a sociedade em apreço no CAE 62485 - Comércio a Retalho de Artigos de Desporto, de Campismo, Caça e de Lazer.
2. Atendendo ao tipo de actividade exercida, e com o intuito de confirmar a credibilidade dos valores declarados, efectuaram-se dois tipos de análise: um às peças e equipamentos náuticos de elevado valor (preço de custo s/IVA >2.500,00€) e outro às margens praticadas nas embarcações facturadas.
3. Relativamente à primeira análise atrás mencionada, listam-se as peças e equipamentos náuticos de elevado valor constantes no inventário final de 2001 (correspondente às existências iniciais declaradas no exercício de 2002) tendo-se cruzado os respectivos registos com as compras e vendas de elevado valor montantes contabilizados em 2002. Salienta-se que se efectuou igual procedimento para os exercícios de 2003 e 2004.­
4. Do referido cruzamento resultou o mapa resume que se junta em Anexo 1 o qual evidencia uma falta clara de credibilidade dos inventários de 2002, 2003 e 2004 (os quais devido à sua grande dimensão fazem parte integrante do processo de evidencia de trabalho) assim como dos registos de compras e vendas contabilizadas nesses exercícios.
5. Efectivamente, existem diversas situações que evidenciam claras omissões, quer de compras quer de vendas, nos três exercícios analisados. A título de exemplo referem-se algumas situações: o produto Passerella 4994/25 12V 160 KG (referência 206229) que, e atendendo às existências iniciais declaradas (1 unidade), assim como ao facto de não se ter detectado qualquer compra no exercício de 2002, consta no inventário final desse exercício com 2 unidades em stock; o produto Radar Raytheon RL 72 CRC M92747 (referência 5244) que, constando no exercício de 2002 com 1 unidade de stock inicial e, não obstante o facto de não se terem detectado vendas, não consta do inventário final de 2002; o produto Raydteon M92734 Display RL70C (referência 5308) que, e atendendo às existências iniciais declaradas em 2003 (1 unidade), assim como ao facto de não se ter detectado qualquer compra no exercício de 2003, consta no inventário final desse exercício com 2 unidades em stock; o produto KVH Trachone F55 (referência 6843) que e, não obstante o facto de se ter detectado a aquisição de 1 unidade em 2003, não consta no stock inicial nem final de 2003. Relativamente ao exercício de 2004 e, não obstante o facto de constarem em stock de mercadorias no início do referido ano, não se detectou qualquer registo de compras e vendas de peças e equipamentos de elevado montante, deixando inclusive as mesmas de constar no inventário final de 2004.
6. Salienta-se que tais incongruências se irão repercutir nos exercícios subsequentes, influenciando desse modo o CMVMV apurado em cada um dos três anos analisados.
7. Quanto às embarcações novas que foram facturadas e, atendendo ao mapa que se junta em anexo II, constatou-se que existe uma grande diferença quanto às margens praticadas, existindo inclusive barcos novos com margens brutas sobre o preço de venda quase nulas ou mesmo negativas, o que impossibilita o apuramento de uma margem média credível neste tipo de bens. Quanto aos usados e, atendendo ao facto da sua aquisição estar relacionada com retomas de bens necessários à viabilização da venda de embarcações novas, sendo deste modo uma actividade acessória à actividade principal da sociedade, não se questiona a existência de tais disparidades a nível de margens.
8. Por último, efectuou-se uma análise à evolução das principais rubricas de custos (fornecimentos e serviços externos e custos com o pessoal) tendo-se chegado à conclusão de quer as mesmas registaram um aumento considerável nos três
exercícios analisados (anexo III) coincidindo tal facto com o início dos resultados tributáveis negativos apresentados. Comparando tais rubricas com a evolução do volume de negócios declarado, facilmente se chega à conclusão de que existe uma relação inversa entre as mesmas, o que evidencia, uma vez mais uma situação anómala a nível dos valores declarados. Efectivamente, não é credível que uma sociedade proceda ao agravamento da sua estrutura de custos (FSE e C. Pessoal), quando se encontra a atravessar uma situação difícil a nível de facturação (redução drástica a nível de negócios).
Pelos factos acima expostos, irá proceder-se nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 à determinação da matéria colectável através da aplicação de métodos indirectos.
V. Critérios e cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Considerando o anteriormente exposto, e de acordo com o artº 90º da LGT, a determinação da matéria colectável através de métodos indirectos irá ser efectuada do seguinte modo:
1. Atendendo aos custos com o pessoal declarado e partindo do princípio que os mesmos são indispensáveis para a actividade da sociedade em análise, irá apurar-se o respectivo volume de negócios utilizando-se os valores calculados a nível nacional para o referido rácio, dado a maior expressividade do número de sujeitos passivos enquadrados no CAE 52485.
2. Assim, nos exercícios de 2002 e 2003 irão utilizar-se valores apurados para a mediana (7,49 e 7,01, respectivamente) enquanto que no exercício de 2004 se irá utilizar o valor apurado para o 1º quartil (4,05) dado a redução drástica do volume de negócios registada nesse ano.
3. Esquematizando teremos:
2002 2003 2004
C. Pessoal Declarado (1) 268.135,62€ 294.320,55€ 223.308,53€
Rácio C. Pessoal (2) 7,49 7,01 4.05
Vol. Neg. Apurado (3)=(1*2) 2.008.335,79€ 2.063.187,06€ 904.399,55€ Vol.Neg.Declarado (4) 1.923.082,90€ 1.786.834,08€ 621.767,29€
CorrecçãO Vol. Neg. (5)=(3-4) 85.252,89€ 276.352,98€ 282.632,26€
Mat. Tributável Declarada (6) -195.972,27€ -234.161,93€ -262609,27€
Mat. Trib. Apurada Mét. Ind.
(7) =(6+5) -110.719,38=0 42191,05€ 20.022,99€
Correcção Métodos Ind. (8)=(7)-(6) 195.972,37€ 276.352,98€ 282632,26€
4. Deste modo, em termos de IRC, a matéria tributável para os exercícios de 2003 e 2004 irá ser fixada em 42.191,05€ e 20.022,99€, respectivamente, enquanto que no exercício de 2002 será fixado um lucro tributável igual a zero.
5. Em termos de IVA e atendendo aos valores anteriormente apurados para o volume de negócios, assim como ao mencionado no ponto 7 do capítulo anterior, irão acrescer-se as correcções apuradas à base tributável à taxa normal de cada exercício analisado, repartindo-se de igual modo pelos doze meses em questão. Salienta-se que em 202 e dada a alteração da taxa de IVA, se irá liquidar imposto à taxa de 17% até ao mês de Maio inclusive, liquidando-se o imposto à taxa de 19% nos restantes meses.
6. Esquematizando teremos:
2002 2003 2004
Vol Neg Acrescer 85.252,89€ 276.352,98€ 282.632,26€
B.T. Acrescer por períodos 01-7.104,41€ 01-23.029,42€ 01-23.552,96€
02-7.104,41€ 02-23.029,42€ 02-23.552,96€
03-7.104,41€ 03-23.029,42€ 03-23.552,96€
04-7.104,41€ 04-23.029,42€ 04-23.552,96€ 05-7.104,41€ 05-23.029,42€ 05-23.552,96€
06-7.104,41€ 06-23.029,42€ 06-23.552,96€
07-7.104,41€ 07-23.029,42€ 07-23.552,96€
08-7.104,41€ 08-23.029,42€ 08-23.552,96€
09-7.104,41€ 09-23.029,42€ 09-23.552,96€
10-7.104,41€ 10-23.029,42€ 10-23.552,96€
11-7.104,41€ 11-23.029,42€ 11-23.552,96€
12-7.104,41€ 12-23.029,42€ 12-23.552,96€
Imposto adicional a liquidar 15.487,61€ 52.507,07€ 53.700,13€
(...)
IX. Direito de audição
1. Após análise efectuada ao direito de audição exercido em 06/10/2006, pelo sujeito passivo em apreço, cuja cópia se junta em anexo IV do presente relatório, detectou-se uma série de factos que impossibilitam a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, situação essa que nos termos da alínea b) do art° 87° da LGT permite a determinação da mesma através da aplicação de métodos indirectos.
2. Salienta-se que o sujeito passivo em apreço, não apresentou factos novos, nem qualquer tipo de prova documental, limitando-se a considerar os rácios aplicados excessivos e solicitando inclusive, uma revisão/adaptação dos mesmos (pontos 17 e 21 do referido direito de audição).
3. Quanto a esta questão convém salientar que se consideraram todas as situações já anteriormente mencionadas durante o decurso da presente acção de inspecção, motivo pelo qual se aplicaram os valores indicados no ponto 2 do Capítulo V do presente relatório. Salienta-se que e, comparando tais rácios com os apurados para o Distrito de Faro, se utilizam os menores valores existentes no sistema informático. Salienta-se igualmente que, nos exercícios anteriores aos da presente acção de inspecção, os valores declarados para o referido rácio são bastante superiores aos efectivamente aplicados (27,96 em 1999 e 19,18 em 2000 e 21,51 em 2001) motivo pelo qual não se consideram os mesmos excessivos.
4. Face a tudo o que ficou anteriormente exposto, considera-se ser de manter a determinação da matéria colectável dos exercícios de 2002, 2003 e 2004, através da aplicação de métodos indirectos, com a fixação dos valores apurados no capítulo V do presente relatório.
E) Dão-se por inteiramente reproduzidos, para todos os efeitos legais, os anexos I, II, III e IV que fazem parte integrante do relatório de inspecção (fls 75 a 81);
F) Sobre o relatório de inspecção recaiu parecer em 30 de Outubro de 2006 (fls 54 do processo administrativo):
O) A impugnante requereu revisão da matéria tributável tendo sido proferida decisão em 4 de Janeiro de 2007 (que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, fls 91 e 92, dos autos):
(...)
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos e como fazendo parte integrante da presente decisão todos os documentos que constituem o processo base, designadamente o relatório do exame à escrita e seus anexos, a petição apresentada pelo reclamante e os laudos elaborados pelos peritos, derivados do debate contraditório já aludido.
O perito indicado pelo contribuinte, discorda dos valores propostos, pelo perito da Administração Fiscal, sustentando que os critérios utilizados, para o cálculo do volume de negócios, com base nos custos médios com pessoal para o CAE onde se insere a referida firma são exagerados.
Alega ainda o mesmo que não se verifica uma omissão de proveitos mas sim uma deficiente organização da contabilidade, não sendo porém este facto relevante para o apuramento do volume de negócios, por este ser calcu1ado com base em rácios que têm por base os custos com o pessoal. Por último vem o sujeito passivo salientar a desadequalidade dos rácios utilizados devido à volatilidade demonstrada.
O perito da administração tributária mantém o apoio das conclusões retiradas do relatório do exame à escrita, visto que os argumentos invocados pelo perito indicado pela sociedade, não permitiu estabelecer qualquer acordo. Os fundamentos da aplicação por métodos indirectos para a tributação dos exercícios acima referidos, baseiam-se essencialmente na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, resultante da inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade e irregularidades na sua organização ou execução, tais como falta de credibilidade dos inventários, com as inquestionáveis omissões de compras e de vendas, com reflexos no apuramento do resultado fiscal em cada um dos exercícios, as baixas ou até mesmo negativas margens de comercialização na venda de barcos novos e ainda o facto dos custos contabilizados a crescerem para um volume de negócios declarado cada vez menor.
Ainda segundo o perito da Administração Fiscal, o critério utilizado para determinação dos valores tributáveis é o correcto, conforme estipulado na alínea a) do n° 1 do artº 90º da LGT.
Contudo devido à situação de decréscimo acentuado de actividade do sujeito passivo de 2003 para 2004 e atendendo à conjuntura económica menos favorável, o perito é de opinião que se reduzam em 15% os valores inicialmente propostos para 2004. Ponderados todos os fundamentos invocados e tendo em conta as posições assumidas pelos peritos, por carecer de justo e completo fundamento final do perito da administração tributária, relativamente à redução proposta dos valores fixados para 2004, mantenho a fixação por métodos indirectos dos rendimento do IRC e IVA para os anos de 2002, 2003 e 2004, nos montantes de €0,00, €42.191,05, €20.022,68, €52.507,07 e €53.700,13, respectivamente.
H) Na sequência da inspecção tributária foram efectuadas liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios nºs 07027241, 07027211, 07027239, 07027251, 07027237, 07027243, 07027207, 07027249, 07027209, 07027227, 07027215, 07027233, 07027231, 07027217, 07027219, 07027229, 07027247, 07027221, 07027225, 07027205, 07027210, 07027240, 07027212, 07027242,
07027202, 07027238, 07027204, 07027202, 07027208, 07027234 relativas aos anos de 2002, 2003 e 2004, no montante total de €120.492,10 (fls 92 a 150, dos autos);

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados e na inquirição das testemunhas reproduzida em julgamento.

Da inquirição das testemunhas resultou, designadamente o seguinte:
Jorge Batista Alves, na altura era sócio da impugnante e teve conhecimento da situação. A A...comprava e vendia barcos e prestava garantia e serviços pós venda. Eram obrigados pelas marcas, pelos contratos a prestar garantia. Em 2002 tivemos uma situação de perda da marca Azimut e, a partir daí deixamos de ter um volume de vendas. Teve um grande impacto no volume das vendas que desceu cerca de 70% ou 80%. As poucas margens que tínhamos eram perdidas com a prestação das garantias. Mantivemos ou aumenta-mos a componente com pessoal. Tentámos dar a volta por cima: conseguir manter os clientes e mais tarde vender outros barcos. As garantias são dadas por 5 anos. Eram os funcionários que asseguravam o cumprimento das garantias e pertenciam ao quadro. Margens quase nulas: quando se compra um barco tem-se um empate de capital e entre ganhar pouco e vermo-nos livres de um encargo vendeu-se pelo melhor preço. Optámos por realizar os mínimos possíveis.
Manuel Henrique Fernandes Rodrigues trabalha na A...desde 94. Para além da ­venda de barcos prestava assistência e vendia acessórios para barcos. A A...tinha de dar garantia e a marca tinha 5 anos de garantia. Havia uma equipe de funcionários para a reparação dos barcos. A A...tinha representação de uma marca italiana Azimut e deixou de ter o que teve um grande impacto, sofreram consequências. Tiveram de prestar garantias independentemente da existência da marca. No ano de 2003 entrou uma pessoa (Nuno?), director financeiro, para resolver os problemas da empresa. Os barcos que eram vendidos pela A...tinham uma margem para poder prestar assistência e a partir daí deixou de haver a obrigatoriedade de vender por determinado preço. Era ao preço que se pudesse vender, para poder realizar verba para poder sustentar a firma.
Miguel Ângelo Rosa Condeço Alves (TOC), na altura fazia a contabilidade da Capital Car. Nós é que preparámos as contas do ano de 2002. O negócio da A...tinha três componentes: venda de barcos, venda de acessórios para barcos, manutenção dos barcos paga ou em garantia. O prazo da garantia não sabe. A margem que havia na venda dos barcos inclui uma verba para fazer face às garantias. Para fazer esse serviço tinha ao longo do período, um quadro de pessoal que tem vindo a reduzir ao longo dos anos. Em 2006 já se conseguia ver aquela perda de pessoal. A empresa tinha dificuldades em manter o quadro de pessoal, mas não se podia despedir pessoal, porque eram do quadro. Foram saindo para outras empresas. A empresa contratou um director para ficar à frente das operações e organizar a empresa face às dificuldades que tinha. Essa pessoa esteve um ano. Aumentou o custo com o pessoal, para ajudar no percurso da empresa, foi um acto de gestão de tentativa de . . . Com a perda da marca Azimut que era a principal marca, a empresa quase desapareceu. O volume de negócios diminuiu pois o grosso da facturação da empresa estava centrada nessa empresa. Continuaram a dar assistência aos próprios clientes dentro e fora da garantia. Houve um período de um bum dos barcos em que as margens eram interessantes. Nos anos de 97, 98 e 99 a generalidade das empresas vendiam barcos com facilidade e não havia processo de retoma. Havia mais clientes do que barcos. O negócio florescia. A partir de certa altura começa a haver o processo inverso e começa a haver o processo de retoma. Nem sempre as retomas têm escoamento, começa a haver problemas. A partir de certa altura as margens passaram a ser um valor de referência. A A...perde um pouco da sua capacidade de negociação. Começa a vender um pouco a qualquer preço. Do ponto de vista da margem o negócio perde, mas continua a escoar stock. A actividade da A...- em termos de CAE - comércio de barcos - está correcto. Mas trata-se de um CAE abrangente cuja actividade é a compra e venda. Sendo um CAE bastante abrangente ele envolve empresas de compra e venda que têm custos com pessoal mais baixos do que aquelas empresas que têm manutenção. O enquadramento não pode ser questionado porque está correcto. O que não está correcto é que muitas dessas empresas não têm despesas com o pessoal de manutenção. O grosso da A...eram mecânicos. A DGCI baseou-se num rácio com o pessoal para estimar os proveitos. Não propusemos nenhum outro critérios só dissemos que tinham custos com o pessoal por essa razão. Inventários - Quanto isto é tratado tinham passado vários anos. Há várias explicações possíveis, por exemplo um inventário mal feito. A DGCI fala em omissão de proveitos. Não me parece que a empresa tenha proveitos escondidos, não me parece que as conclusões da DGCI sejam correctas. Havia uma incongruência: são produtos de pequena dimensão; ao nível dos barcos os stocks estavam correctos: qualquer barco era superior a 25 mil euros eram controlados, mas as peças mais pequenas, é mais difícil esse controle e a representatividade era baixa.
Sónia Ferreira Madeira, inspectora tributária a exercer funções na Direcção de Finanças de Faro. Teve contactos com o contabilista e com o sócio gerente. Havia pagamentos de IVA em falta. Fizemos um teste à escrita e detectámos ao nível dos inventários que não seriam credíveis, pois as compras e vendas não batiam cem. Para nós indicava haver omissão de compras e de vendas. Ao nível das margens dos barcos - barcos novos foram detectadas discrepâncias altíssimas, havia margens de 38% e havia outras quase nulas ou mesmo negativas. Para nós e à partida era indicador de que não estava bem, porque à partida os barcos novos teriam uma margem média indicada pelos fornecedores e o que seria dado em troca seria considerar o valor dos barcos de retoma com valores superiores ou dar equipamento náutico. Inventários: a amostra foi de valores com peças de maior significado, valor superior a 2.500,00€; detectámos que havia peças que não existiam nas compras e apareciam em inventário no final do ano e outra situação era existira peça em inventário, não havia venda e depois não aparecia no inventário - é como se tivesse sido vendida sem o registo da venda. A explicação que nos foi dada foi a de que havia problemas de stocks, de trabalhadores. Margens: havia margens altas e muito baixas. As margens nos barcos novos é feita pelo próprio fornecedor; nos barcos usados essa discrepância era credível - terá de vender ao maior ­preço que conseguir. As margens baixas foram encontradas nos barcos novos. A nível da actividade: venda de barcos e venda de peças. A evolução dos valores declarados desde 1999 houve em 2002, 2003 e 2004 um agravamento de custos com pessoal, duplicou e o valor de negócios diminuiu. O CAE 52485 está correcto - comércio a retalho de produtos de desporto e lazer, no qual se inclui o comércio especializado de venda de barcos de recreio. Foi feita alteração para este CAE. Garantia pós venda: penso que era a garantia normal, antes era de um ano e passou para 2 anos. Teria de ver os contratos para ver se a garantia era maior. Critério utilizado: custos com pessoal, uma vez que encontrámos discrepâncias ao nível de compras e dos inventários, daí não se ter optado pelas margens, que utiliza as rubricas. Então utilizou-se os custos com pessoal que à partida seria imprescindível para a actividade da empresa. Utilizámos os valores a nível nacional porque existe uma maior expressividade ao nível dos sp com esta actividade; utilizou-se a mediano para os anos de 2002 e 2003, o valor mais baixo e em 2004 como houve um decréscimo do volume de negócio utilizou-se o 1° quartil que é o valor mais baixo possível para o caso. Este rácio a nível nacional é o valor mais baixo, quer a mediana a nível nacional comparado com os outros que a nível de média de Faro como do distrito. Direito de audição: Foram contestados o critério utilizado e os valores. Foram usados os valores mais baixos. E comparando este rácio com os outros que o contribuinte declarou do muitos mais baixos. Ele andava na casa dos 27, 19 e 21 e aplicámos 7,49. Partimos do custo mais relevante na empresa para presumirmos os proveitos e o correspondente IVA. O IVA partiu dos proveitos presumidos - do valor encontrado para o volume de negócios. Utilizamos o rácio a nível nacional e não do distrito porque aquele tinha maior expressividade e fazendo a comparação entre os rácios ao nível nacional e ao nível distrital aqueles são mais baixos. O maior bolo nas vendas da A...é a venda de barcos, é a principal actividade da empresa. Foram feitos dois estudos: na parte das peças onde foram detectadas as falhas e ao nível dos barcos onde foram detectadas as margens. Para as margens foram dadas várias explicações. Não me disseram que a garantia era diferente daquela que existe na lei. Não juntaram qualquer prova. Ponto 7 do relatório: atendendo ao mapa 2 do relatório ­médias dos barcos - o valor era irreal dada a discrepância entre os valores muito baixos e muito altos. Foram vários os motivos que determinaram a aplicação de métodos indirectos: margens, peças, evolução dos rácios.

Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.


4. Na matéria das suas conclusões H) a R) veio a ora recorrente imputar à sentença recorrida os vícios formais de omissão de pronúncia e de falta da sua fundamentação, a existir, conducente à declaração da sua nulidade – conforme cujo pedido expresso veio a formular, ainda que apenas em relação ao segundo dos imputados vícios - porque os mesmos a ocorrerem gerarem, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alíneas d) e b), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer em primeiro lugar, destas invocadas nulidades.

Aquela primeira nulidade só ocorre, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante(1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal omissão de pronúncia, segundo se consegue apreender da matéria das suas conclusões das alíneas I) a K) das alegações do recurso, por a M. Juiz do Tribunal "a quo", ... foi invocado, nos artigos 58.º a 74.º da p.i., o desconhecimento e a falta de indicação do critério de selecção que terá presidido à realização do procedimento de inspecção em causa, nada sendo na sentença recorrida quanto a esta questão, nos artigos 212.º a 230.º da p.i. foi invocado a existência de dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário e se quanto à questão da quantificação, a sentença recorrida faz uma breve referência, no que respeita à efectiva inexistência ou dúvida sobre o facto tributário nenhuma decisão foi proferida..., sendo apenas nestas dimensões que a mesma aponta como tendo sido omitido o seu conhecimento na sentença recorrida e que por si tenha sido articulada na respectiva petição inicial de impugnação judicial em causa, sendo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC.

Como é sabido, por questões a que se reporta a norma do art.º 668.º n.º1 d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir(2), como se pronuncia entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, recurso n.º 738/05, tendo como relator o do presente.

No caso, pretende a ora recorrente que a matéria relativa ao critério de selecção para haver lugar ao procedimento de inspecção, constitui um critério vinculado que dele deve ser dado conhecimento ao inspeccionado, sob pena de vício procedimental, a dimanar na anulabilidade da posterior liquidação – cfr. art.º 74.º da sua petição de impugnação judicial - questão que não teria sido apreciada pela sentença recorrida a qual, desta forma, teria incorrido no predito vício de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade.

Lendo e analisando a sentença recorrida, dela se pode ver que a M. Juiz do Tribunal “a quo”, desde logo nas questões que lhe incumbia conhecer, não deixou de mencionar esta como constituindo uma delas – cfr. fls 17 dessa mesma sentença que constitui fls 205 dos autos – e depois, consequentemente, no texto da fundamentação da mesma sentença, não deixou de invocar qual tinha sido o critério que tinha sido erigido pela AT para desencadear tal procedimento de inspecção – teve a sua génese no facto de a impugnante ter diversos pagamentos de IVA em falta, como se pode ver de fls 206 dos autos – pelo que tal questão não fixou esquecida ou omitida na mesma sentença, pelo que tal omissão não pode ter ocorrido arrimada a esta questão (independentemente de tal fundamento poder ou não ser subsumível a um legal critério para desencadear tal procedimento, vertente em que já não integra o invocado vício formal em que nos encontramos).

E também o mesmo acontece quanto ao invocado vício de fundada dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário, que a mesma havia articulado nos art.ºs 212 a 231 da sua petição inicial de impugnação judicial, e que a sentença recorrida, para além de, expressamente, se haver pronunciado sobre a errada quantificação – cfr. fls 212 dos autos – não fez o mesmo sobre essa invocada fundada dúvida sobre a sua existência, mas por razões diferentes das acima avançadas, para a outra invocada questão invocada como omitida.

É que no contexto da fundamentação global da sentença recorrida, ao dar como verificados todos os pressupostos legais de que depende o direito à liquidação por banda da AT, através de métodos indirectos no caso, implicitamente, esse juízo encerra ou nele se encontra contido o seu contrário, ou seja, na inexistência de dúvida, fundada, nessa existência desses pressupostos, como sua face negativa, pelo que a não fundamentação expressa nesse sentido, ficou prejudicada, não tendo sobre ela de se pronunciar nos termos do disposto no art.º 660.º, n.º2 do CPC, desta forma não podendo ter ocorrido o invocado vício formal de omissão de pronúncia também quanto a esta questão, sendo certo que se tal juízo se encontra certo ou não, já não pode consubstanciar omissão de pronúncia, mas sim eventual erro de julgamento, até porque, como é sabido, o juiz não tem que se pronunciar sobre todas as razões, raciocínios ou argumentos que enformam a sua causa de pedir e pedido, conquanto que tenha decidido as questões colocadas, sendo que quanto a esta, ainda que não conhecida expressamente, o seu conhecimento ficou prejudicado, pelo que também inexiste a apontada omissão.


Quanto à apontada falta de fundamentação da sentença recorrida – cfr. matéria das suas conclusões M) a R) das suas alegações do recurso – cinge-a a ora recorrente em esta se ter apoiado nos fundamentos apurados pela fiscalização tributária no relatório de exame à escrita, tendo desconsiderado os argumentos e vícios alegados pela mesma, aos quais não deu efectiva resposta e que visavam infirmar aqueles outros, sempre sendo certo também, que esta crítica nem sequer é verdadeira na sua essencialidade, já que a sentença recorrida não deixou de, em sede de análise crítica, analisar a prova oferecida, especialmente a testemunhal produzida, não tendo deixado de fundamentar e em conclusão ...De acordo com toda a prova realizada nada aponta para que os apontados vícios apontados pela impugnante tanto ao procedimento como às liquidações se tenham verificado, fls 211 dos autos, o que a ora recorrente parece não querer aceitar, o que já constitui questão diversa da falta de fundamentação formal em que nos encontramos, pelo que a sentença com a decisão que encerra, se encontra perfeitamente ancorada, quer na factualidade relevante que deu por provada, quer no direito que entendeu aplicável, como o esteio donde emerge, não podendo padecer do invocado vício formal.

A falta de fundamentação da sentença, causa da sua nulidade, constante nas normas dos art.ºs 668.º n.º1 b) do CPC e 125.º n.º1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apenas tem lugar quando lhe faltem os seus fundamentos de facto e de direito da concreta solução alcançada, não quando a mesma não fundamente aspectos, razões ou raciocínios expendidos pela recorrente que, no seu contexto, se apresentem irrelevantes para essa mesma solução, ou que não se mostram provados, como constituíam vários desses argumentos ou razões trazidos à liça pela ora recorrente.

Por outro lado, tal falta de fundamentação da sentença conducente à declaração da sua nulidade só pode ocorrer quando a mesma seja total ou absoluta; não quando a mesma seja deficiente, errada ou obscura, que pode afectar o seu valor doutrinal mas não produz nulidade, como já ensinava o Prof. José Alberto dos Reis(3) ... Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto...

E no mesmo caminho trilha a jurisprudência dos nossos tribunais superiores como se pode ver em, entre muitos outros, pelo acórdão do STJ de 22.4.2204, Proc. 04B1072 e acórdão do STA de 29.6.2005, recurso n.º 117/05.


Improcedem assim, os invocados vícios assacados à sentença recorrida, de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação.


4.1. Na matéria das suas conclusões GG) a LL) parece a ora recorrente insurgir-se contra a factualidade contida no probatório da sentença recorrida, especialmente a relativa aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas e inquiridas e que em sede de análise crítica a M. Juiz do Tribunal “a quo” não deixou de fundamentar porque a factualidade pertinente, sobre que depuseram, não podia lograr por provada – cfr. fundamentação de fls 211 dos autos – pelo que, cabia à ora recorrente, tendo em vista submeter tal matéria ao escrutínio deste Tribunal, ter dado cumprimento ao disposto no art.º 690.º-A do CPC(4), sob pena de rejeição, o que não fez, tendo-se limitado a afirmar, em jeito de conclusão, que a prova produzida nos autos foi absolutamente ignorada na sentença recorrida, pelo que também não se vislumbrando dos autos que tal matéria deva ser alterada, oficiosamente, por este Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC, não pode a mesma deixar de se manter, com a improcedência da matéria das conclusões das alegações supra citadas.


4.2. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que no caso se verificavam os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos, por inexistência ou insuficiência dos elementos da sua contabilidade, que a fundamentação aportada pela AT, contida nesse relatório para tais liquidações, é suficiente, congruente e clara, que o critério de quantificação acolhido é apto para esse efeito, que os argumentos pela ora recorrente apresentados em sede do direito de audição não deixaram de ser apreciados pela AT e que também os juros compensatórios se encontram fundamentados, porque repousam no retardamento da liquidação que não pode deixar de imputado à mesma recorrente.

Para a impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das restantes conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra parte desta fundamentação que se vem a insurgir, continuando a pugnar que não é possível saber quem ordenou a realização do procedimento de inspecção, que os actos de liquidação se encontram falhos de fundamentação (formal), que inexistem os pressupostos para o apuramento do lucro tributável por métodos indirectos, que o critério utilizado de utilização do rácio nacional não ser o adequado, que os inventários eram passíveis de serem corrigidos e que a liquidação dos juros compensatórios também não se encontra fundamentada com a imputação do retardamento a título de culpa.

Vejamos então.
Quanto à entidade que ordenou a realização da inspecção à contabilidade da ora recorrente, a sentença recorrida deu como provada que foi o Director de Finanças Adjunto de Faro, por delegação de competências, quem ordenou tal inspecção – cfr. matéria da alínea B) do probatório nela fixada, por referência ao documento de fls 88 a 90 dos autos – que depois, na fundamentação da mesma sentença, veio a analisar o respectivo regime contido no art.º 46.º do RCPIT, donde lhe permitiu concluir que nenhum vício existiu nesta matéria, mal se percebendo por isso, que a ora recorrente, continue a pugnar por tal falta de conhecimento do órgão administrativo que a determinou, quando nem sequer veio colocar em causa, de forma válida, tal matéria de facto assim fixada, ou impugnar o conteúdo de tal documento, pelo que não pode deixar de improceder a apontada questão.


Quanto à falta de fundamentação dos actos de liquidação em causa (IVA), a sentença recorrida bem analisou, quer a exigência legal de tal dever de fundamentação por parte da AT, que emanam de entre outros, do disposto nos art.ºs 268.º, n.º3 da CRP, 77.º da LGT, 63.º do RCPIT e 124.º, 125.º e 133.º do CPA, que no caso tal fundamentação existia no relatório da inspecção tributária realizado à ora recorrente, que era clara, suficiente e congruente, pelo que as liquidações em causa não podiam padecer do vício consistente na sua falta.

Também nesta matéria, conforme se pode colher da matéria constante das alíneas U) e V), continua a ora recorrente a esgrimir com tal falta de fundamentação, sem minimamente substanciar em que consiste tal falta de fundamentação, sendo certo que esta, como é sabido, constitui um conceito relativo, que varia em função do concreto tipo de acto e da posição assumida pelo respectivo destinatário em ordem à compreensão do mesmo, que tem um carácter instrumental, sendo que a sua suficiência se deve aferir pelo comprometimento da possibilidade de reacção contra o mesmo(5), que no caso nem a ora recorrente o invoca e nem se vislumbra que a fundamentação utilizada pudesse comprometer jamais essa possibilidade de reacção, antes, como se fundamentou na sentença recorrida, a fundamentação utilizada pela fiscalização tributária e aportada para a decisão final, para a decisão do Director de Finanças de Faro, de 4-1-2007 – cfr. despacho de fls 91/92 dos autos - satisfaz essa dimensão argumentativa de explicar as concretas razões que levaram à prolacção das liquidações daqueles montantes e não de quaisquer uns outros, a qual para aqui se convoca, enquanto discurso fundamentador, para com base nela se negar provimento ao recurso, também, no que a esta questão diz respeito.


Passemos agora a conhecer se no caso, o imposto poderia ser apurado através de estimativas ou presunções (cfr. art.º 84.º do CIVA), por métodos indirectos como foi, e em que a sentença recorrida confirmou a legalidade do recurso a tal método, mercê das incorrecções e insuficiências que a escrita da ora recorrente apresentava e que não permitiam que, através dela, e pelo método directo, fossem apurados os reais custos e os reais proveitos, existindo por isso uma impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, e que a ora recorrente continua a não aceitar.

Nos termos do disposto nos art.ºs 51.º e 52.º do CIRC, ex vi dos artºs 31.º e segs do CIRS, a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, hoje denominados de indirectos, com o recurso a estimativas ou presunções para a determinação da matéria colectável, com a inerente liquidação do imposto, pode e deve ser feita sempre que ocorra alguma das situações subsumíveis às várias alíneas da norma do citado art.º 51.º do CIRC e 88.º e 90.º da LGT, que determine a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, caso em que o director distrital de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue, procederá a tal determinação e consequente liquidação do imposto devido, em que, para o efeito, se baseará, em todos os elementos de que a administração fiscal disponha, sendo certo que a aludida constatação pode resultar de diversos factores enunciados naquele preceito legal, nomeadamente, de visita da fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame aos seus elementos de escrita e/ou da verificação das existências físicas do estabelecimento.

O que pressupõe que o contribuinte tenha violado alguns dos seus deveres legais de organização contabilística, como seja os contidos nas normas dos art.ºs 17.º n.º3 e 98.º n.º3 do CIRC, que dispõe que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, constituindo aquele o afloramento de um princípio geral e que dispõe que na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte:
Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;
As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos,
tendo em vista o registo das correspondentes reais operações, e cuja falta legitima a utilização dos métodos indirectos.

A utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AT, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que sirvam de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequentemente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.

Para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.

Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuìsticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.
Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.

Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários ou indirectos, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como dizem as normas dos art.ºs 82.º n.º4 e 84.º n.º1 do CIVA, 51.º n.º2 do CIRC e hoje também, dos art.ºs 85.º, 87.º e 88.º da LGT, regime que é aplicável a todos os contribuintes e não apenas aos pequenos retalhistas(6).

Por outro lado, o apuramento do lucro tributável com o recurso a métodos indiciários não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.

Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AT se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art.º 52.º do CIRC, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa.

Ou como bem se diz no recente acórdão deste Tribunal de 3.5.2006(7),(...) o lançar mão de qualquer um deles em detrimento do outro não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, na estrita medida do necessário ao evitar da evasão fiscal por parte dos contribuintes faltosos, com o duplo objectivo, no mínimo, de evitar, por um lado o “emagrecimento” ilegítimo dos recursos do Estado e, por outro, de repartir equitativamente, como constitucionalmente imposto, a carga fiscal sendo que, ao que aqui e agora nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia presuntiva.

E no caso, ocorreram ou não tais pressupostos de aplicação dos métodos indirectos?

Pela matéria constante nos vários pontos do probatório designadamente da sua alínea D) e melhor se colhe do relatório elaborado pela inspecção tributária, cuja cópia consta de fls. de 68 e segs dos autos, bem como da decisão do Director Distrital de Finanças de Faro de 4-1-2007, que a acolheu, constante de fls 91/92 dos autos, na falta de acordo dos vogais na comissão de revisão, deles se recolhem designadamente, como bem se fundamenta na sentença recorrida, que a contabilidade do sujeito passivo, apresentava deficiências importantes que comprometiam o apuramento da matéria tributável directamente através dos seus dados e lançamentos, desta forma não reflectindo a totalidade das operações efectuadas nestes três exercícios a que se reporta a acção inspectiva e donde resultaram as liquidações impugnadas (2002 a 2004), não sendo por isso merecedora de confiança para através dela apurar o real volume de operações efectuadas pela mesma, desde logo pela falta de credibilidade dos inventários, das compras e das vendas contabilizadas, cujos lançamentos entre si se contradiziam, e uma relação inversa entre os custos de fornecimentos e serviços externos e custos com o pessoal que, para um aumento destes correspondiam, contabilizados, um volume de negócios em queda, ou seja, numa relação inversa, para além da prática declarada de uma margem na venda das embarcações novas que oscilava entre a de nula e mesmo negativa, a outras, elevadas, sem apresentar qualquer justificação para tal, matéria esta constante do relatório do exame à escrita da impugnante e não contrariada por qualquer outra prova, e que no presente recurso a ora recorrente também a não coloca em causa de forma válida, não invocando sequer, qualquer concreto ponto da matéria de facto que não tenha sido correctamente julgado – cfr. art.º 690.º-A do Código de Processo Civil - desta forma não se logrando demonstrar qualquer não exactidão dos índices apontadas no mesmo relatório, designadamente dos supra referidos, com os quais se concluiu pela impossibilidade de apurar e controlar clara e inequivocamente o lucro tributável, e em sede de IVA, de permitir apurar claramente o imposto, os quais constituem suficiente fundamentação para a passagem a tais métodos, desde logo pela impossibilidade de controlar as operações registadas na sua contabilidade e bem assim apurar o efectivo montante do volume de negócios, quer da venda das diversas peças que comercializava (de montante superior a 2.500,00, sem IVA) quer das embarcações que igualmente comercializava, nestes três exercícios, não sendo desta forma possível apurar, sobretudo, os reais montantes de receitas obtidas em tais vendas nos períodos em causa, o que determinava que, também, directamente, através dessa contabilidade não era possível apurar o imposto em falta, tendo de o ser com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou, como bem se pronuncia a M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida.

Face a tais anomalias, com as apontadas omissões e insuficiências encontradas na contabilidade do sujeito passivo, designadamente nestes exercícios de 2002 a 2004, únicos aqui em causa, não restava outro caminho à AT senão lançar mão de tais presunções ou estimativas, para calcular e apurar o imposto em falta, aceitando alguns dos elementos da contabilidade do contribuinte, como os custos contabilizados relativos ao pessoal, mas não aceitando outros como o montante do volume de negócios declarado (como a lei lhe permite – cfr. art.º 90.º da LGT), tendo procedido à respectiva alteração, nos termos explanados supra, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras legais previstas nos códigos tributários e comerciais, de molde a apurar e controlar o lucro tributável da sua real actividade nesses exercícios.

A fundamentação supra, tem perfeito cabimento, quer ao nível do IRC, quer do IRS e também ao nível do IVA, nos termos do disposto nos art.ºs 82.º e segs do CIVA, normas que igualmente permitem o recurso a presunções ou estimativas, para apurar o imposto devido, e com base nas operações que o sujeito passivo, presumivelmente efectuou, desde que fundadamente, tenha sido pago um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.

A inspecção tributária fundou a passagem aos métodos indirectos na norma do art.º 87.º, alínea b) da LGT (redacção então vigente introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) a qual dispõe que a avaliação indirecta só pode ter lugar em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, e que a sentença recorrida igualmente considerou como tendo aplicação no caso, ou seja, que foi bem invocada, para além da norma complementar desta e que elenca quais sejam os casos em que tal impossibilidade existe, a da alínea a) do art.º 88.º da mesma LGT [redacção original, que se manteve inalterada com as alterações introduzidas pela citada Lei, que apenas alteraram, o seu corpo e a alínea d)], nos termos da qual a inexistência ou insuficiência de elementos de elementos de contabilidade podem originar essa impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, como no caso aconteceu, como acima se confirmou, não se percebendo o sentido e alcance da invocação referida pela recorrente na matéria da sua conclusão Y), quando, na realidade, a subsunção a tal norma, como no caso se entende que ocorre, permite, o recurso a tais métodos e nem tendo que ser a ora recorrente notificada para suprir tais deficiências dos inventários, como a mesma invoca – cfr. matéria das suas alíneas CC) e DD) - porque do que se trata, neste caso, como é bem de ver, não é de nenhum vício meramente formal, entre o conteúdo dos inventários e entre um ou outro elemento escritural, mas sim de uma generalizada falta de credibilidade dessa escrita, ao nível substancial, quer dos respectivos proveitos, quer dos respectivos custos (com excepção dos relativos aos custos com o pessoal que a AT aceitou como indispensáveis para a actividade da sociedade em análise), que não traduziam o montante efectivo do volume de negócios decorrente do exercício da sua actividade, desta forma não havendo podendo haver lugar a uma mera correcção desses inventários.

Nestes termos, improcede a matéria das alíneas relativa a tal falta de pressupostos para a passagem a métodos indirectos.


Passemos agora a conhecer de outro fundamento do recurso, relativo ao invocado errado critério utilizado para a correcção, qual seja o de ter sido utilizado o rácio gerado ao nível nacional quando deveria ter sido utilizado o rácio relativo ao nível local, por melhor reflectir a especificidade e localização da recorrente – cfr. matéria das alíneas Z) a BB) das conclusões das suas alegações do recurso.

No caso, como bem se fundamenta no relatório da inspecção tributária, tal rácio de índole nacional foi utilizado por, na opinião da AT, “...dado a maior expressividade do número de sujeitos passivos enquadrados no CAE 52485”, ou seja, o enveredar por este rácio que não pelo local, a AT teve por fito alargar ao nível de todo o País esse factor de rentabilidade, desta forma tentando tornar o resultado obtido o mais próximo possível do resultado que seguramente fosse obtido, directamente, através da sua escrita, garantindo uma menor margem de erro, o que a norma do art.º 85.º, n.º2 da LGT, pugna, já que a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa e visa-se sempre obter, um resultado o mais próximo possível do que seria efectuado pela avaliação directa, nos termos do disposto nos art.ºs 82.º, 83.º e 84.º da LGT.

Nos termos do disposto no art.º 74.º, n.º3 da LGT e 100.º, n.º3 do CPPT, em caso de métodos indirectos, o impugnante pode demonstrar o erro ou o excesso da matéria tributável quantificada, não se provando no caso que o rácio local fosse mais adequado para exprimir a especificidade e localização da recorrente, como a mesma invoca, antes sendo que aquele utilizado, por ser nacional, ter maior expressividade, por abranger mais contribuintes, permitirá atenuar a eventual margem de erro, o mesmo não pode deixar de ser adequado para o fim em vista, e sempre gerará menor quantificação da matéria tributável do que se tivesse utilizado o rácio local, por este, no caso, ser de valor superior, como se não encontra colocado em causa, para além de ser de montante bem inferior aos rácios derivados dos elementos declarados pela ora recorrente em anos anteriores, de 19,18 em 2000 e de 21,51 em 2001 - cfr. mesmo relatório- (dimensão em que mal se compreende que a recorrente pretenda que lhe tivesse sido aplicado um rácio de maior valor), pelo que igualmente improcede a matéria relativa às conclusões em causa.


Finalmente na matéria das conclusões MM) a QQ), continua a ora recorrente a pugnar pela anulação dos juros compensatórios por falta de um comportamento culposo imputável à contribuinte, por inexistir responsabilidade objectiva nesta matéria, ao que a sentença recorrida lhe respondeu, que tendo a liquidação do imposto sido retardada por facto que lhe foi imputável, consistente na indevida organização contabilística, tais juros encontram aí o seu fundamento, já que o relatório da inspecção tributária lhe foi notificado donde resultou tal imposto em causa.

Nos termos do disposto nos art.ºs 89.º do CIVA e 35.º da LGT, os juros compensatórios apenas têm lugar quando por facto imputável ao sujeito passivo for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, ou seja, o imposto devido em certa data só mais tarde vem a ser liquidado, quer pelo próprio sujeito passivo, quer pela AT, por facto imputável ao sujeito passivo que o não liquidou na data em que o devia, desta forma gerando um retardamento que não pode ser imputado a outrém senão à contribuinte, em termos de causalidade adequada, isto é, de acordo com o direito aplicável, o sujeito passivo devia e podia tê-lo feito e não fez, sem que apresente alguma causa legítima de exclusão para tal facto(8).

No caso, como de pode colher da matéria dos artigos 204.º a 211.º da petição inicial de impugnação, quer agora da matéria das conclusões OO) a QQ) das suas alegações do recurso, nenhuma alegação a recorrente veio fazer e nem se provam quaisquer factos tendentes a demonstrar a exclusão ou a desculpação do atraso dessa liquidação do imposto, que só por virtude da inspecção à sua contabilidade foi despoletada e veio a ter lugar, pelo que da ilicitude da sua conduta(9) quando deixou de cumprir as regras legais no apuramento do seu lucro tributável e de apurar e remeter ao SIVA, o imposto devido, integra esse elemento subjectivo, pelo menos a título de negligência, já que nada se prova que não se pudesse ter determinado de acordo com tais regras legais que, enquanto sujeito passivo do imposto sobre si impendem, desde logo as dos art.ºs 19.º, 26.º e 40.º do CIVA, pelo que é inegável existir o pressuposto legal de retardamento da liquidação imputável ao sujeito passivo, desta forma improcedendo igualmente a matéria relativa à invocada falta de tal pressuposto.


Improcedem assim, todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 07/06/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS




1-Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
2- Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.º 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.ºs 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.º 480/03, Rec. Agravo, 7.ª Secção.
3- Código de Processo Civil, anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra 1981, pág. 140, ao cimo.
4- Redacção de então e a aplicável.
5- Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 14-10-2009 e de 10-3-2011, recursos n.ºs 740/09 e 862/10, respectivamente.
6- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão de 12.5.1992, do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância.
7- Recurso 3.687/00, de que o ora Relator ali foi Adjunto.
8- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 19-11-2008 e de 113-2009, recursos n.ºs 325/08 e 961/08, respectivamente.
9- Que expressamente lhe foi imputada, como consubstanciando infracções puníveis pelo disposto no art.º 119.º do RGIT, como do mesmo relatório do exame à escrita se pode colher (cfr. fls 73 destes autos).