Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13745/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:ACTO DE ADJUDICAÇÃO
INVALIDADE
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Sumário:I – Constatada a invalidade de acto de adjudicação de concurso respeitante a empreitada de obra pública, por a admissão das propostas graduadas nas três primeiras posições padecer de vício de violação de lei, o concorrente que apresentou proposta graduada em quatro lugar, que seria a escolhida se o acto de adjudicação não padecesse da referida invalidade, por estar numa “posição de resultado garantido”, deve ser indemnizado pelos lucros que deixou de auferir com a execução da empreitada, devendo assim ser indemnizado pelo interesse contratual positivo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

P............. – Sociedade …………………………, S.A., intentou acção de contencioso pré-contratual contra o Município de Estremoz, tendo formulado os seguintes pedidos:
a) declaração de nulidade ou anulação do acto de adjudicação do procedimento por concurso público para a empreitada de “Remodelação da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Estremoz;
b) a declaração de nulidade ou anulação do contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre o R. e a contra-interessada M…………. & I……….., Lda;
c) verificando-se o dever de exclusão das contra-interessadas do procedimento concursal, a errada avaliação das propostas e, em qualquer caso, reconhecendo-se o direito da Autora, por violação das disposições legais referidas, a ficar graduada em 1º lugar para efeitos de adjudicação do concurso, e consequentemente,
d) condenando-se o Réu a reconhecer esse direito e a adjudicar o concurso à ora Autora, praticando ainda os demais actos necessários ao restabelecimento desse direito;
e) subsidiariamente, caso se venha a tornar objectivamente impossível a adjudicação da empreitada à Autora na pendência destes autos, peticionou o reconhecimento do seu direito à adjudicação, bem como a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização que quantificou no montante de 62.940,32 €.

Por sentença proferida pelo T.A.F. de Beja, em 26 de Julho de 2016, foi julgado procedente o pedido de anulação da deliberação de adjudicação, assim como o subsequente contrato de empreitada, por verificado o vício de violação de lei; verificada a situação de impossibilidade absoluta que obsta à satisfação da pretensão de adjudicação à Autora e improcedente o pedido indemnizatório.


Discordando da improcedência da pretensão indemnizatória, interpôs recurso, o qual concluiu da seguinte forma:

a) O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo tribunal recorrido, em 26 de Julho de 2016, na parte em que, em 3. do seu segmento decisório, julgou improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Autora e ora recorrente.
b) A ora Recorrente defendeu nos presentes autos que a decisão de adjudicação do procedimento concursal se encontrava ferida de nulidade ou anulabilidade, que as propostas apresentadas pela adjudicatória e pelas demais contra-interessadas deveriam ter sido excluídas do procedimento, que o contrato de empreitada celebrado nos autos era igualmente nulo ou anulável e que à Autora deveria ser adjudicada a empreitada objecto dos autos, sendo a sua proposta aquela que deveria ficar graduada em primeiro lugar e que melhor servia o interesse público, sendo inclusivamente a de mais baixo preço.
c) O douto Tribunal recorrido, não obstante a demora na tramitação e prolação de decisão nos autos, veio a julgar assistir razão à ora Recorrente e, considerando que as propostas das contra-interessadas deveriam ter sido excluídas, anulou a deliberação de adjudicação e o subsequente contrato de empreitada, por violação de lei.
d) E reconheceu o direito da Autora e ora recorrente à graduação da sua proposta em primeiro lugar para efeitos de adjudicação do concurso e celebração de contrato (fls. 20, 1.º parágrafo, da sentença).
e) Todavia,
f) Verificada a impossibilidade absoluta de satisfazer a pretensão de adjudicação da Autora, por a empreitada já se encontrar concluída, assim se antecipando ao juízo de uma causa de inexecução - para o que não terá deixado de contribuir a demora da tramitação dos autos - o douto Tribunal Recorrido indeferiu o pedido indemnizatório formulado nos autos, argumentando que a Autora apenas teria direito a indemnização pelos "danos associados ao interesse contratual negativo" e não aos danos associados ao interesse contratual positivo.
g) Pelo que,
h) Peticionando-os em conjunto, não pode ser indemnizada por tais danos, assim julgando improcedente o pedido indemnizatório formulado.
i) Para o efeito, o douto Tribunal recorrido estriba-se erradamente em dois doutos Acórdãos do TCA Norte e do STA., sem qualquer similitude com o caso dos autos.
j) O desacerto do tribunal recorrido foi, pois, total, também na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 45.º e 102.º n.º 5 do CPTA.
k) O tribunal recorrido, em decisão surpresa (pois que não seguiu a tramitação prevista nos artigos 45.º e 102.º n.º 5 do CPTA), simplesmente julgou improcedente o pedido indemnizatório formulado, nem sequer cuidando de ordenar as diligências necessárias para apurar da indemnização a que a Autora teria direito (no seu próprio entender) pelo interesse contratual negativo.
l) A sentença em recurso é, portanto, gravemente violadora de diversas disposições legais e a persistir na Ordem Jurídica seria premiar a ilegalidade, pois a Autora e Recorrente que ilegalmente foi preterida na adjudicação do concurso por actuação ilegal do Réu Município, não teria direito a qualquer indemnização. Tudo ficaria qua tale, servindo de desincentivo futuro ao exercício do direito à tutela jurisdicional e à sindicabilidade das decisões administrativas tomadas em procedimentos de contratação pública.
m) O Tribunal recorrido considerou que à Autora assistia o direito subjectivo à adjudicação, em resultado da anulação da adjudicação e do respectivo contrato de empreitada, mas negou o direito à indemnização por considerar que no contencioso pré contratual apenas existe direito a indemnização pelo interesse contratual negativo, sejam os factos apurados quais forem.
n) E mesmo este direito indemnizatório pelo dano da confiança também ilegalmente o julgou improcedente, por alegadamente se encontrar apresentado em conjunto com o dano do interesse contratual positivo.
o) A sentença em recurso viola o disposto no artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o artigo 227.º e os artigos 562.º, 564.º n.º 1 e 2 e 566.º, todos do Código Civil.
p) Pois, em caso de reconhecimento do direito subjectivo à adjudicação e à execução do objecto do procedimento concursal, a lei não limita o direito indemnizatório apenas ao dano da confiança, pois que a indemnização visa afastar o dano - a não execução da empreitada dos autos e a obtenção da vantagem patrimonial que daí derivaria.
q) A sentença em recurso igualmente interpreta e aplica de forma errada o disposto nos artigos 45.º e 102.º n.º 5 do CPTA, pois que a indemnização em caso de necessidade de modificação objectiva da instância visando a antecipação de causas legítimas de inexecução, não se encontra limitada ao dano da confiança ou ao interesse contratual negativo.
r) A Recorrente apresentou proposta para a execução da empreitada objecto do concurso pelo valor global de €1.690.906, 79 acrescido de IVA, como se mostra assente em N} dos factos provados (fls. 6 da sentença).
s) Como igualmente se mostra provado em Q) dos factos assentes: "Com a execução da empreitada a A. contava despender, o montante de € 1.510.566,47 com custos de execução da empreitada; a quantia de € 117.400,00 com o estaleiro e ainda o valor de € 47.205,43 com custos de estrutura" (fls. 8 da sentença).
t) Como custos fixos ou de estrutura, que são, a Autora manteve tais custos independentemente de não ter visto, por impossibilidade, ser-lhe adjudicada a empreitada dos autos.
u) Assim, o prejuízo que adveio para a Autora de não realizar a empreitada em causa nos autos é no valor de € 62.940,32 (sessenta e dois mil novecentos e quarenta euros e trinta e dois cêntimos), acrescidos de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
v) Deveria o Réu ter sido condenado a pagar à Autora esta quantia, a título de lucros cessantes, quer pelo lucro líquido directo não auferido, quer pelos custos fixos ou de estrutura que a Autora continuou a ter de suportar.
w) Ao assim não ter decidido, o tribunal recorrido violou todas as sobreditas disposições legais, devendo tal sentença ser substituída por douto Acórdão que julgue procedente o pedido indemnizatório da Recorrente, condenando o Réu e recorrido no pagamento de uma indemnização liquidada e assente em N) e Q) no valor de € 62.940,32 (sessenta e dois mil novecentos e quarenta euros e trinta e dois cêntimos), acrescidos de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
x) Subsidiariamente, apenas para a hipótese académica de o douto tribunal de recurso não considerar provados os factos relativos à liquidação do dano, constantes em N) e Q) da matéria assente, ou considerar que o Tribunal recorrido estava obrigado a seguir a tramitação imposta pelo artigo 45.º do CPTA, deverá ao menos a douta Sentença em recurso reconhecer o direito à indemnização pelo interesse contratual positivo e revogar a sentença em recurso, ordenando a baixa dos autos para fixação do quantum da indemnização ou, ainda;
y) Subsidiariamente relativamente ao pedido constante da alínea anterior, reconhecer o direito à indemnização pelo interesse contratual negativo e revogar a sentença em recurso, ordenando a baixa dos autos para fixação do quantum dessa indemnização, nela se incluindo o montante de custos fixos ou de estrutura demonstrados pela Recorrente.

Por seu turno o recorrido Município formulou as seguintes conclusões:

“1.- A Mmª Juiz a quo fez um correto enquadramento jurídico dos factos, não merecendo a douta decisão que julgou improcedente o pedido de indemnização qualquer censura;
2.- Cfr. Acórdão do STA, de 2016-01-14, proferido no âmbito do Proc. N.0 01403/12: " (...) I - A responsabilidade pré - contratual respeita concretamente às negociações preliminares e às vicissitudes que concernem à formação do contrato (art. 227.° CC);
3.- os lucros cessantes correspondentes à responsabilidade contratual propriamente dita são, em regra, lucros cujo montante deve ser avaliado e provado, pressupondo a prévia celebração de um contrato válido e o seu incumprimento;
4.- a indemnização por lucros cessantes no âmbito da responsabilidade contratual diz respeito a ganhos que deixaram de se obter porque o contrato validamente celebrado não foi cumprido;
5.- em termos indemnizatórios, não pode haver cumulação, ou existe uma "incompatibilidade entre o ressarcimento correspondente ao interesse positivo e o correspondente interesse negativo (cfr. P. MOTA PINTO, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Vol.II, Coimbra, 2008, p.1004);
6.- não pode a Recorrente pretender ser colocada na posição em que estaria se não tivesse havido concurso e, simultaneamente, na posição em que estaria se o acto adjudicatório adaptado no âmbito desse concurso não fosse ilegal;

II) Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

A) Em 1985, a Entidade Demandada construiu uma ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS - ETAR através do recurso ao sistema de lagoas, nas quais era efetuada a descarga dos efluentes urbanos: por admissão;

B) Em 2007-09-14, o MINISTRO DO AMBIENTE, aprovou e autorizou nos termos propostos a actividade acessória ao contrato de concessão de receção e tratamento dos efluentes de fossas sépticas de origem doméstica individual, para a ETAR do concelho de Évora: cfr. doc. n.º 2 junto de fls. 1679 a 1700;

C) Em 2013-05-24, a Entidade Demandada e a Contrainteressada M………. & I…………., LDA, acordaram e celebraram o Contrato referente à Execução de Trabalhos de Terraplanagem no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, no valor de € 59.545,95: cfr. www.base.gov.pt;

D) Em Outubro de 2014, a Entidade Demandada acordou com a P…………- PROJECTOS DE ……………………., LDA os termos e condições para a elaboração do projecto de execução, no âmbito do qual foi elaborado e patenteado ao concurso, infra melhor identificado, o volume VII "Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição": cfr. doc. n.º 5 e doc. n.º 6 juntos com a Petição Inicial- PI;

E) Em 2015-01-08, foi publicado o anúncio de procedimento n.º 68/2015, que abriu concurso público para a empreitada de "REMODELAÇÃO DA ETAR DE ESTREMOZ": cfr. doc. n.º 1 junto com a PI e PA;

F) Consistindo este na execução de uma nova ETAR com sistema convencional, de acordo com o respetivo projecto de execução, na localização da ETAR existente, procedendo-se à desactivação da mesma e com aproveitamento parcial da escavação da primeira lagoa: cfr. doc. n.º 1 junto com a PI e PA;

G) Com um preço base do procedimento de € 2.601.516,57 e um prazo de execução da obra compreendido entre 210 e 330 dias contados da consignação: cfr. doc. n.º 1 junto com a PI e PA;

H) A empreitada seria financiada por fundos comunitários prevendo-se, em caso de não aprovação da mesma por tais fundos, a sua não execução; sendo que a consignação só se poderia efectuar após o visto prévio do tribunal de contas e a obra teria que estar concluída até 2015-12-30: cfr. ponto 17 do doc. n.º 1 junto com PI; cfr. doc. n.º 1 junto de fls. 1846
a 1933 e PA;

I) Podendo as propostas ser apresentadas até às 23:59horas do 20.º dia a contar da data de envio do referido anúncio e com a validade de 66 dias: cfr. doc. n.º 1 junto com PI, cfr. doc. n.º 1 junto de fls. 1846 a 1933 e PA;

J) Sendo o critério de adjudicação baseado na proposta economicamente mais vantajosa: cfr. doc. n.º 1 junto com PI e PA;

K) A empreitada foi objecto de decisão favorável de financiamento no âmbito do PROGRAMA OPERACIONAL TEMÁTICO VALORIZAÇÃO DO TERRITÓRIO - POVT: cfr. doc. n.º 4 junto com PI e PA;

L) Em 2015-01-27, antes da apresentação de propostas, foram suscitados erros e omissões por vários interessados: cfr. doc. n.º 7 junto com PI e PA;

M) O critério subjacente à valoração atribuída encontra-se descrito no Programa de Concurso, preconizando a grelha de avaliação, além do mais, que: "…serão penalizadas situações evidentes de mau dimensionamento dessas equipas...": cfr. doc. n.º 1, fls.12, junto com a Contestação e PA;

N) A A. concorreu ao supramencionado concurso público, apresentando a sua proposta no valor global de € 1.690.906,79, acrescidos de IVA, acompanhada dos elementos previstos no programa do procedimento, nomeadamente a adesão e aceitação ao caderno de encargos do concurso em anexo I ao Código dos Contratos Públicos - CCP: cfr. doc. n.º 18 junto com a PI e PA;

O) Na memória descritiva da proposta a A., esta proponha, além do mais, que: "…as lamas serão transferidas para a lagoa de maturação ou caso não seja possível, serão transportadas para as instalações da central de compostagem da T…….. F………….…(…)… no final da execução dos trabalhos, já em fase de comissionamento, pré - arranque e arranque, esvaziar a lagoa de maturação e a lagoa facultativa, utilizando a própria ETAR já construída, fazendo em simultâneo o teste às infra-estruturas construídas. Nesta fase será também executado o aterro das lagoas, em simultâneo com o esvaziamento e com os testes à nova ETAR…": cfr. doc. n.º 18 junto com a PI; doc. n.º 4, fls. 33 e 34 junto com a Contestação e PA;

P) A T……….. F……….- Gestão …………….., Lda, possui alvará de licença para a realização de operações de gestão de resíduos, com o n.º 29/2014, emitida pela CCDR - LVT, válida até 12 de maio de 2019, da Lista Europeia de Resíduos e detém certificação ambiental 14001:2004, operando na estabilização química das lamas de ETAR, para a sua integração na natureza sem afetação ambiental: cfr. doc. n.º 15 e doc. n.º 16 juntos com a PI;

Q) Com a execução da empreitada a A. contava despender, o montante de €1.510.566,47 com custos de execução da empreitada; a quantia de €117.400,00 com o estaleiro e ainda o valor de €47.205,43 com custos de estrutura: cfr. doc. n.º 19 junto com a PI e PA;

R) A A. proponha atribuir 20 engenheiros supervisores à obra, numa semana e no que concerne ao plano de equipamento proponha uma carga de 9 motoniveladoras na semana 21 e 20 empilhadores telescópicos e 22 geradores portáteis na semana 25: cfr. doc. n.º 2 e doc. n.º 3 juntos com a Contestação e PA;

S) A Contra-interessada M………… & I………….., LDA propôs-se realizar a empreitada pelo valor de €1.998.900,00, acrescidos de IVA, propondo, além do mais, transportar e depositar as lamas nas ETAR de Évora e Redondo ou, em alternativa, de Reguengos de Monsaraz, Montoito e Mourão, isto dependendo das características das lamas, salientando-se que: "…O tratamento das águas residuais (lamas) serão efetuadas pelas Águas do Centro Alentejano (AdCA) que ao abrigo da autorização do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional: refª MOTDR/5087/07/6233 de 17.09.2007, e da Recomendação nº 01/2007 da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) dispõe dessa autorização…" : cfr. doc. n.º 10 junto com a PI; PA, v. ponto 4.4. do plano de gestão de resíduos com a sua proposta;
T) A Contrainteressada SOCIEDADE DE EMPREITADAS, C………………, LDA, propôs-se executar a empreitada pelo valor de € 2.014.051,81: cfr. PA;
U) As propostas apresentadas pela Contra-interessada M……….. & I……….., LDA e pela Contra-interessada SOCIEDADE ………, C…………., LDA, foram assinadas em ficheiros zipados e não individualmente: cfr. PA;

V) E a Contrainteressada, MANUEL ………………, LDA em consórcio com H……………., SA, propôs-se realizar a empreitada pelo valor de € 2.047.532,87: cfr. PA;

W) Em 2015-02-06, o júri do procedimento elaborou o Relatório Preliminar, propondo a adjudicação da proposta apresentada pela Contra-interessada M………… & I…………, LDA, e graduando em 2º lugar a Contra-interessada SOCIEDADE DE EMPREITADAS, ……………, LDA, em 3º lugar a proposta da Contra-interessada MANUEL …………………, LDA em consórcio com H…………….., SA e em quarto lugar a proposta da A.: cfr. doc. n.º 8 junto com PI;

X) Sendo a proposta da A. a de mais baixo preço, a sua graduação em 4º lugar para efeitos de adjudicação ficou a dever-se à apreciação de elementos da valia técnica, concretamente o "Plano de mão-de-obra", o Plano de Equipamento" e, ainda, a "Memória justificativa e descritiva": cfr. fls. 13 a 15 do doc. n.º 8 junto com PI;

Y) A A. exerceu o seu direito de audição prévia, apresentando as razões pelas quais considerou ter ocorrido erro manifesto na avaliação do júri relativa a aspetos da valia técnica da sua proposta e que justificava que a sua proposta passasse a dever ser graduada em 1º lugar para efeitos de adjudicação: cfr. doc. n.º 9 junto com PI;

Z) Em 2015-02-19, a Entidade Demandada consultou a empresa S…………….. sobre a assinatura qualificada nas propostas apresentadas, que se pronunciou da seguinte forma: "…
i) Os ficheiros que o fornecedor M……………. & I……………., LDA. anexou na sua proposta foram assinados por um certificado qualificado como comprova o ícone verde de validação de assinatura;
ii) No caso específico de assinatura de ficheiros "zip", podemos indicar que do ponto vista técnico, a aposição de uma assinatura electrónica num ficheiro "zip" corresponde à assinatura de um grupo de documentos, realizada através da criação de um "hash" criptográfico que corresponde ao conteúdo de todos os documentos incluídos no arquivo "zip";
iii) Este hash é realizado através de algoritmos matemáticos (normalmente SHA-1 ou SHA-256) para garantir a segurança;
iv) O hash tem sempre a mesma dimensão, independentemente da dimensão do conteúdo de origem;
v) Qualquer alteração, por pequena que seja, no conteúdo de origem, causa uma alteração grande no conteúdo do hash;
vi) É matematicamente impossível deduzir o conteúdo a partir do hash;
vii) É matematicamente impossível obter o mesmo hash a partir de dois conteúdos distintos;
viii) A assinatura do hash criptográfico é efetuada através do certificado do autor;
ix) Na prática, esta assinatura corresponde à encriptação do hash através da chave privada do autor e a aposição ao documento, em conjunto com esta assinatura, de informação que permite a identificação do autor, bem como a validação da assinatura realizada;
x) O algoritmo de hashing, garante que qualquer alteração no conteúdo assinado, invalide a assinatura realizada;
xi) Atendendo ao processo de assinatura digital realizado na plataforma SaphetyGov, do ponto de vista da segurança da assinatura sendo utilizados os mesmos algoritmos criptográficos, mantém-se todos os pressupostos que sustentam a validade da assinatura eletrónica…" : cfr. doc n.º 11 junto com a Contestação, vide doc. n.º 12 e doc. n.º 13 também juntos com a contestação e PA;

AA) Em 2015-02-23, o júri do procedimento elaborou o seu Relatório Final e Proposta de Adjudicação, mantendo, na íntegra, a fundamentação e proposta de decisão constantes do Relatório Preliminar: cfr. doc. n.º 10 junto com PI e doc. n.º 5, doc. n.º 6 e doc. n.º 7 juntos com a Contestação e PA;

BB) Deliberação impugnada:
Em 2015-03-04, foi a A. notificada, na plataforma eletrónica, da adjudicação do procedimento à Contrainteressada M…………. & I………….., LDA: cfr. doc. n.º 11 junto com PI;
CC) Em 2015-03-11, a Entidade Demandada deliberou aprovar a minuta do contrato com a Contrainteressada M…………… & I……………., LDA: cfr. doc. n.º 12 junto com PI;

DD) Ato impugnado:
Em 2015-03-19, a Entidade Demandada e a Contrainteressada M……………… & I…………, LDA acordaram e assinaram os termos do contrato público de empreitada de "REMODELAÇÃO DA ETAR DE ESTREMOZ", n.º 10/2015: cfr. doc. n.º 13 junto com a PI; cfr. fls. 1139 a 1211 e fls. 1426 a 1498 e cfr. doc. n.º 2 junto de fls. 1846 a 1933;

EE) Em 2015-04-07, a A. apresentou, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a presente ação: cfr. fls. 1 dos autos;

FF) Em 2015-04-30, o Tribunal de Contras concedeu o visto prévio: cfr. doc. n.º 5 junto de fls. 1846 a 1933;

GG) Em 2015-05-07, foi elaborado o Auto de Consignação: cfr. doc. n.º 3 junto de fls. 1846 a 1933;

HH) Em 2015-12-23, foi elaborado o Auto de Receção Provisória Final: cfr. doc. n.º 4 junto de fls. 1846 a 1933.

III – Fundamentação jurídica


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações importa conhecer do mérito do mesmo e que se prende com a discordância da recorrente quanto ao decidido pelo T.A.F. de Beja quanto à improcedência do pedido de condenação no pagamento da quantia de 62.940,32, acrescida de juros moratórios contados desde a citação até integral pagamento.

O T.A.F. de Beja, não obstante ter julgado procedente o pedido formulado pela ora recorrente de anulação da deliberação de adjudicação da empreitada de obra pública denominada “Remodelação da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Estremoz”, bem como verificada uma situação de impossibilidade absoluta que obsta à satisfação da pretensão de adjudicação à Autora, decidiu julgar improcedente o pedido indemnizatório formulado pela ora recorrente, considerando existir uma incompatibilidade entre a indemnização pelos danos associados ao interesse contratual negativo e ao interesse contratual positivo.

Vejamos:

Conforme resulta da matéria de facto assente a proposta apresentada pela recorrente ficou graduada em 4º lugar, tendo sido graduadas em 1º, 2º e 3º lugares, respectivamente, as propostas apresentadas por M……… & I……….., Lda; Sociedade de Empreitadas, C………., Lda e Manuel …………., Lda, em concórcio dom H………….., S.A. – cfr. itens W) e x) dos factos assentes.

A sentença proferida pelo T.A.F. de Beja concluiu que deveriam ter sido excluídas as propostas apresentadas pelas contra-interessadas M……….. & I………….., Lda e Sociedade de Empreitadas C……………, Lda por os respectivos documentos não conterem a assinatura electrónica qualificada, não sendo suficiente a aposição da referida assinatura na pasta em formato Zip, chegando ainda à conclusão segundo a qual a proposta apresentada pelas empresas Manuel ……………, Lda e H……………., SA deveria ter sido excluída “…nos termos do art. 70 nº 1 al. f) e do art. 146º ambos do CCP e do art. 17º nº 1 al. a) e al. f) do Programa do Concurso.”, pelo que conclui reconhecendo o direito à ora recorrente à “…requerida graduação em 1º lugar para efeitos de adjudicação do concurso sub judice.”, tendo julgado improcedente o pedido indemnizatório formulado por entender verificar-se uma impossibilidade de a recorrente ser indemnizada pelos danos associados ao interesse contratual negativo e, simultaneamente, pelos danos associados ao interesse contratual positivo.

A primeira questão que importa resolver passa pela definição dos conceitos interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, conceitos que, intimamente ligados à responsabilidade contratual, podem definir-se da seguinte forma: o interesse contratual negativo corresponde aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a expectativa do contrato, e o interesse contratual positivo traduz o benefício que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada (vantagem económica que se obteria com a execução do contrato) (1), podendo dizer-se, acolhendo a opinião do Prof. Almeida e Costa que a “indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão” (2).

O T.A.F. de Beja partindo da supra referida incompatibilidade entre a indemnização pelos danos associados ao interesse contratual negativo e simultaneamente, pelos danos associados ao interesse contratual positivo, absolveu do pedido indemnizatório formulado o ora recorrido, não obstante ter concluído que as propostas graduadas nos três primeiros lugares deveriam ter sido excluídas, pelo que, se a deliberação impugnada não padecesse do vício de violação de lei, seria a proposta apresentada pela recorrida a escolhida.

A decisão do T.A.F. de Beja, fundando-se na incompatibilidade entre a indemnização pelos danos associados ao interesse contratual negativo e os danos associados ao interesse contratual negativo - parte de um pressuposto errado, desde logo porque entendeu que as despesas com a estrutura, cujo pagamento foi peticionado pela ora recorrente seriam subsumíveis a danos associados ao interesse contratual negativo, conclusão a que se chega por a sentença recorrida – a fls. 23 – conter a expressão, “…peticionando-os em conjunto, não pode pois, ser a A. indemnizada pelos danos associados interesse contratual negativo e, simultaneamente, pelos danos associados ao interesse contratual positivo…”, fazendo apelo a Acórdão proferido pelo S.T.A. em 14 de Janeiro de 2016, no âmbito do Proc. 01403/12, embora também refira que é “…de julgar improcedente o pedido de condenação da Entidade Demanda no pagamento da peticionada indemnização por lucros cessantes…”, questão que, contudo, conforme se verá infra, não releva para a procedência da pretensão da recorrente de ser indemnizada pelos “custos de estrutura”, que projectava afectar à empreitada.

Vejamos:

É certo estarmos no domínio da responsabilidade pré-contratual, prevista no artigo 227º do Código Civil, preceito de acordo com o qual “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.”, correspondendo os pressupostos da responsabilidade civil pré – contratual, ponto por ponto, aos pressupostos gerais da responsabilidade civil subjectiva: ilicitude, imputabilidade, culpa, dano e nexo causal entre o facto ilícito e o dano.

Partindo da supra referida incompatibilidade entre a indemnização pelos danos associados ao interesse contratual negativo e os danos associados ao interesse contratual negativo, o T.A.F. de Beja julgou improcedente o pedido indemnizatório formulado, decisão que, desde logo parte do pressuposto de acordo com o qual tal pedido, no montante de 62. 940,32 €, agregaria danos subsumíveis ao interesse contratual negativo – os custos com estrutura – e dos danos subsumíveis ao interesse contratual positivo – os lucros que a recorrente deixou de auferir por não executar a empreitada em apreço.

A recorrente peticionou o pagamento do ora recorrido na quantia de 62.940,32 €, montante assim discriminado: custos de estrutura no valor de 47.205,43 € e 15.734,89 a título de lucros que a ora recorrente esperava auferir com a execução da obra, sendo que, ao contrário da fundamentação constante da decisão recorrida os custos de estrutura não são danos subsumíveis ao interesse contratual negativo, visto não serem danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a expectativa do contrato, como aliás se retira da própria alegação da recorrente – cfr. itens 245 e 246 da p.i. – quando refere manter custos de estrutura no valor de 47.205,43 € “custos esses que, pela sua natureza, se conservam, pois são custos com pessoal que faz parte do quadro da Autora, bem como equipamentos da sua propriedade, que não se alteram em função da execução concreta, ou não, da empreitada”, custos de estrutura estes que não sendo danos enquadráveis no interesse contratual negativo, por não serem danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a expectativa do contrato, não são, igualmente, danos subsumíveis ao conceito de interesse contratual positivo.

A propósito destes custos importa recordar o teor de Acórdão proferido pelo S.T.J.em 16 de Dezembro de 2004, no âmbito do Proc. 04B3907, do qual se transcreve o seguinte passo:
(…)
“As questões suscitadas neste recurso consistem em saber se: a) os lucros cessantes não correspondem a custos fixos; b) a recorrida não alegou factos essenciais para, em conformidade com os critérios legais, ser determinada a quantificação dos lucros cessantes.
Analisemos tais questões:

a) Dispõe o art. 564º, nº 1 do Cód. Civil que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Portanto o dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes, e os ganhos que se frustaram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes - cfr. anotação ao art. 564º do Código Civil anotado dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, ed. de 1968, pág. 401.

Conforme ensina o Prof. Galvão Teles, "Direito das Obrigações", 6ª ed., pág. 373, « Os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o activo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o activo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho.»

«Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho.» - cfr. acórdão do S.T.J de 23/5/78., B.M.J. nº 277; pág. 258.
«O art. 564º, nº 1, abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efectiva e actual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho.» - cfr. acórdão do S.T.J. de 21/11/79, B.M.J. nº 291, pág. 480.”
Os danos “…patrimoniais compreendem duas modalidades: os danos emergentes, que correspondem aos prejuízos sofridos, respeitando à diminuição do património (já existente) do lesado; e os lucros cessantes, que correspondem aos ganhos que deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património (art. 564º, nº 1, do Cód. Civil).» - cfr. acórdão do S.T.J. de 4/3/80, R.L.J. 114º- 317.

Por aqui se verifica que é pacífico na doutrina e a jurisprudência, o entendimento sobre aquilo em que consistem os danos emergentes e os lucros cessantes.

Correspondendo os lucros cessantes aos prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património, tais prejuízos, em termos de direito, não correspondem aos custos fixos (despesas com pessoal, rendas, fornecimentos e serviços externos, etc).”, acolhimento que este Tribunal acolhe não constituindo os custos com estruturas danos enquadráveis no conceito interesse contratual positivo por tais custos já serem suportados pela ora recorrente, com trabalhadores que fazem parte do quadro de pessoal bem como equipamentos da sua propriedade, “…que não se alteram em função da execução concreta, ou não, da empreitada.”, pelo que a recorrente não pode ser indemnizada pela quantia peticionada com custos de estrutura, no montante de 47.205,43 €.

Aqui chegados, constata-se faltar saber se a recorrente, em sede de responsabilidade pré-contratual, tem direito a ser indemnizada pelo dano positivo, isto é, pelo lucro que obteria se o contrato de empreitada de obra tivesse sido celebrado, o que teria gerado um lucro líquido de 15.734,89 € valor que se obtém subtraindo à quantia de 1.690.906,79 € - valor da proposta da recorrente (item N dos factos assentes) – os montantes de 1.510.566, 47 € - a título de custos de execução da empreitada – 117.400,00 € custos com estaleiro – e 47.205,43 € - custos de estrutura – cfr. item Q) dos factos assentes.

Tem sido entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo que, na responsabilidade pré - contratual, o lesado tem direito a ser indemnizado apenas pelos danos negativos (dano da confiança), isto é, pelos danos que não teria se não tivesse celebrado o contrato, não se incluindo, na medida do dano ressarcível, o lucro esperado com o cumprimento do contrato”, entendimento sustentado, nomeadamente em Acórdão proferido em 23 de Setembro de 2003, no âmbito do Proc. 01527/02 (3), no qual, perante uma recusa de visto do Tribunal de Contas e tendo sido formulada pretensão de ressarcimento pelo lucro esperado com o cumprimento do contrato foi, em sede de recurso, julgada improcedente tal pretensão, tendo-se referido que a autora não ficou impossibilitada de concorrer a outras obras públicas (concorreu, de resto, à empreitada para a mesma obra), não suportou o risco, cujo lucro esperado era contrapartida, e ficou com disponibilidade para trabalhar durante o prazo da realização do contrato ineficaz. É, portanto, razoável que seja apenas ressarcida com os gastos com a preparação do concurso público e despesas posteriores tendentes à realização do contrato e à preparação da obra.”

Por sua vez, em sentido contrário e admitindo a indemnização pelo interesse contratual negativo e positivo, temos o Acórdão proferido pelo TCA Norte em 04/11/2011, no Proc. 00213/06.1BELLE, no qual a recorrente, aliás, estriba em larga medida, as alegações de recurso.

Vejamos:

A questão da indemnização pelo interesse contratual positivo, em sede de responsabilidade pré-contratual tem vindo a sofrer alguma evolução na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, importando, a título de exemplo, mencionar Acórdão proferido em 14/07/2010, no Proc. 3684/050TVLSB.L1.S1:
(…)
“Tendo o citado art. 227.º, que no nosso direito consagrou tal responsabilidade civil (10)., sido inspirado pela doutrina e jurisprudência alemãs, desenvolvida a partir de Ihering (11).
Dizendo-nos este autor que “… a conclusão do contrato não produz simplesmente obrigação de cumpri-lo; quando este efeito esteja excluído por qualquer obstáculo jurídico, há, em certas circunstâncias, também o nascimento de uma obrigação de ressarcimento do dano, pois a expressão “nulidade do contrato” designa, segundo a linguagem romana e moderna, somente a ausência daquele efeito, não de qualquer efeito em geral” (12)..
Referindo a propósito, Vaz Serra (13) que” … não é lícito a uma das partes romper arbitrariamente as negociações depois destas terem alcançado um ta desenvolvimento que a outra parte podia julgar-se autorizada a confiar na realização do contrato e, assim, a fazer despesas ou abster-se de outros negócios”.
Com efeito, não é lícito romper negociações: existindo ilicitude quando deliberadamente se crie na contraparte a convicção de que irá haver contratação e, depois, sem justificação, se promova a ruptura (14)
E, quando em virtude da culpa in contrahendo forem causados danos á outra parte, discute-se se a indemnização se refere ao interesse negativo (ou de confiança) ou ao interesse positivo (ou de cumprimento).
Tratando-se de indemnização pelo interesse negativo, vai ressarcir-se o dano que resulta da violação da confiança de uma das partes no comportamento da outra por ocasião dos preliminares e da formação do negócio. Atende-se ao “prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que no decurso das negociações o responsável cumpriria os deveres específicos a elas inerentes e derivados do imperativo da boa fé, maxime convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico, tal como esperava, ou que tinha entrado correcta e validamente”.
Já “o interesse positivo, pelo contrário, se reconduz aos danos que decorrem do não cumprimento do contrato ou do seu cumprimento defeituoso ou tardio. Trata-se da violação das respectivas prestações típicas ou principais (…)”.
E, “entendidos nestes moldes o dano de confiança (in contrahendo) e o dano de cumprimento (in contractu), inculca-se que a responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações preparatórias actua nos limites do interesse negativo, em vez de conexionar-se com o interesse positivo. Observemos, contudo que o nº 1 do art. 227.º do Código Civil tão só impõe a obrigação de indemnização dos danos culposamente causados à outra parte. Deixa em aberto o referido problema.” (15).
Escrevendo a este respeito, Vaz Serra (16): “Em princípio parece dever optar-se pela primeira destas soluções (a da indemnização pelo interesse negativo, ou da confiança). A outra parte não pode exigir o interesse de cumprimento, pois o contrato não é válido; só pode reclamar o interesse negativo ou de confiança, isto é, a reparação dos danos resultantes de ter confiado na validade do contrato.
Quando, porém, caso se houvesse procedido regularmente, o contrato tivesse chegado a aperfeiçoar-se, parece dever ter a outra parte o direito de exigir o interesse de cumprimento. É que, em tal hipótese, da culpa in contrahendo resultou a não perfeição do contrato e, assim, deve ter a outra parte o direito de reclamar aquilo que teria se não o contrato tivesse sido aperfeiçoado.
O responsável é obrigado a colocar o lesado na situação que este teria se tivesse observado o dever de cuidado, precaução e esclarecimento resultante da “relação de negociação” criada com o facto de a parte entrar em negociações com a outra para conclusão de um contrato.
(…………………………………………………………………………………………………………………………).
É de indemnizar-lhe (…) o dano que não teria sofrido pelo facto de ter confiado na realização do contrato, e assim, o chamado “interesse negativo”, o interesse de confiança. A indemnização do chamado interesse positivo não pode, porém, exigi-la, em regra.
Quando, todavia, a culpa in contrahendo estiver na violação de um dever de conclusão (de um contrato), derivado da relação de negociação, é, segundo alguns autores e a jurisprudência, de indemnizar o interesse de cumprimento.”
Não havendo, pois, em matéria de responsabilidade pré-contratual, unanimidade de opiniões quanto á natureza dos danos indemnizáveis.
Podendo ler-se no acórdão deste STJ de 8/1/2009 (17):
Segundo a corrente tradicional, perfilhada por parte substancial da doutrina e da jurisprudência, apenas os danos negativos podem ser objecto de indemnização; indemnizáveis seriam, assim, os danos que o lesado sofreu em virtude de não ter chagado a realizar-se o contrato ou pelo facto de se haver celebrado um contrato inválido ou ineficaz.
Não se vê, contudo, que a corrente tradicional se imponha como inevitável face ao estatuído no art. 227.º do CC; e isto é tanto mais verdadeiro quanto é certo que o art. 10.º da proposta do articulado de Vaz Serra, para a regulamentação da responsabilidade pré-contratual, previa restrições no âmbito da natureza dos danos indemnizáveis que não foram consagrados no texto definitivo da lei. Daí o surgir no seio da doutrina uma corrente sustentando que, no âmbito da responsabilidade pré-contratual, o art. 227.º não impõe qualquer limitação, antes determina a ressarcibilidade de todos os danos causados pelo ilícito pré-contratual culposo; assim, o que delimita o âmbito dos danos ressarcíveis será apenas a sua ligação causal ao acto ilícito entendido nos termos ao art. 563.º ao estatuir que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
E, assim, independentemente de se entender se a ré faltosa deve indemnizar o interesse negativo (ou da confiança) ou o interesse positivo (ou do contrato), ou até ambos, que possam ter sido violados pela falada ruptura nas negociações, o pomo da discórdia resulta agora em saber se existe nexo de causalidade entre os alegados e comprovados danos pela autora sofridos e o evento danoso por banda da ré.
Pois, é evidente que a obrigação de indemnização ora em apreço, por culpa in contrahendo, qualquer que seja o facto típico que a justifique, e alem das suas particularidades, depende da produção de um dano e dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil.”

Entendimento que, conforme se retira do Acórdão supra parcialmente transcrito, foi já adoptado em Acórdão igualmente proferido pelo S.T.J., em 8 de Setembro de 2009, no âmbito do Proc. (referido no Acórdão supra parcialmente transcrito):
(….)
“De acordo com a tese de Pires de Lima e Antunes Varela, a responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á a indemnizar o interesse negativo ou da confiança; mas pode excepcionalmente, se a conduta culposa da parte consistir na violação de um dever de conclusão do negócio, a sua responsabilidade tender para a cobertura do interesse positivo ou de cumprimento.

A responsabilidade pré-contratual pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso de direito. Este instituto fundamenta-se na tutela da confiança do sujeito na correcção, na honestidade, na lisura e na lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporta a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos.
A boa fé tem aqui um sentido ético, que se exprime pela obrigação de cumprimento dos deveres de informação, lealdade e honestidade, mas, sendo a regra a liberdade negocial e perante a admissibilidade do chamado “dolus bónus” (art. 253º, nº 2, do C.Civil), só deve sancionar-se a conduta que for “intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico”, em termos idênticos aos exigidos para o abuso de direito.
Para o efeito, deve atender-se a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a fase mais ou menos adiantada das negociações, os interesses em jogo, o tipo de negócio, a qualificação ou especialização das partes e usos gerais do comércio jurídico.”

Sintomático quanto a esta matéria afigura-se o Acórdão igualmente proferido pelo S.T.J. em 28/04/2009, no âmbito do Proc. 09A0457, do qual se transcreve o seguinte passo:
“Havendo ruptura ilícita das negociações por banda dos réus, são eles obrigados a indemnizar os autores.
Não discutem as partes a responsabilidade dos réus pelo interesse contratual negativo.
Discute-se apenas se há lugar a indemnização pelo interesse contratual positivo, isto é, se os autores têm direito ao dano ex contratu,ou seja, aos lucros que lhe adviriam se o contrato tivesse sido celebrado.
Não é indiferente para a determinação do montante indemnizatório a consideração do interesse contratual negativo ou do interesse contratual positivo.

Nos termos da doutrina dominante, no ilícito pré-contratual apenas podem ser indemnizados os danos relativos ao interesse contratual negativo, ou seja, os danos que a parte sofreu por ter confiado na futura celebração de um contrato, que afinal não chegou a celebrar-se (Mota Pinto, A responsabilidade pré-contratual pela não conclusão dos contratos, BFD, Suplemento XIV, 1966, pág. 179/180; Almeida Costa, A responsabilidade pré-contratual da ruptura das negociações de um contrato; RLJ, Ano 116, págs. 205 e segs e 251 e segs; Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 10ª ed, pág., 270 /271; Oliveira Ascensão, Direito Civil-Teoria Geral, Vol. II, pág. 374; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed, págs. 77/78; Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 3ª ed, pág. 187/188 .

Em sentido contrário, entendendo que a indemnização proveniente de responsabilidade pré-contratual encontra o seu regime nas regras gerais da responsabilidade civil, enfileiram Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral, tomo I, pág. 346; Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, pág. 460, nota 15; Ana Prata, Notas sobre responsabilidade pré-contratual, pág. 176 e segs; Manuel Duarte Gomes da Silva e Rita Amaral Cabral, Parecer, A Privatização da sociedade financeira portuguesa, Lex, Lisboa, 1995, pág. 320.

Há ainda autores que seguem uma terceira tese, válida para os casos em que o acordo já está conseguido, a fase da negociação já está concluída e só falta formalizar o contrato, através da outorga da usual escritura pública.
Em tais hipóteses, quando o contrato já está prestes a ficar formalmente concluído, em que se deve já considerar existente um autêntico dever de conclusão do contrato e já só falta dar ao acordo a forma legalmente exigida, a indemnização deve corresponder ao interesse contratual positivo ou de cumprimento (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed, pág. 216, nota 3 ; Baptista Machado, A Cláusula do Razoável, R.L.J.Ano 120, págs. 138-141; Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, I, 2ª ed. pág. 192 e segs).
É também neste último sentido a posição de Sónia Moreira (Anotação ao Ac. Rel. de Coimbra de 4-2-03, Cadernos de Direito Privado, nº7, Julho /Setembro, 2004, pág. 41 e segs), quando escreve, em conclusão da referida anotação :
“Na falta de uma disposição legal especial, que regule a indemnização devida por responsabilidade contratual, é de aplicar a regra geral dos arts 562 e segs do C.C.
Nestes termos são de indemnizar todos os danos causados pelo ilícito pré-contratual.
A aplicação deste critério causal significa que não é relevante a distinção entre interesse contratual positivo e interesse contratual negativo.
A situação em causa é que vai ditar o quantum indemnizatório que, a maior parte das vezes, corresponderá ao interesse contratual negativo, mas que também pode corresponder ao interesse contratual positivo.
Nos casos de ruptura ilícita de negociações, a indemnização será, em regra pelo interesse contratual negativo, por que as partes sabem que a celebração do contrato é meramente eventual e não tem outra expectativa que não seja a do desenvolvimento daquelas; contudo, há situações em que a indemnização será pelo interesse contratual positivo quando as negociações tiverem atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio.
Será o caso de se ter atingido um acordo sobre todas as questões essenciais e apenas falte a concretização/celebração do acordo através da forma legal “ ( fls 45) .
É este o entendimento que também perfilhamos, por se afigurar ser o mais equilibrado e o mais consentâneo com a realização da justiça material, de cada caso.
Entendimento que também tem merecido o aplauso da jurisprudência deste Supremo (Ac. S.T.J. de 26-1-06, Col. Ac. S.T.J., XIV, 1º, 40 ; Ac. S.T.J. de 4-2-06, Col. Ac. S.T.J., XIV, 2º, 29; Ac. S.T.J. de 3-3-04, proferido no processo 04B2983 e Ac. S.T.J. de 11-1-07, proferido no processo 06B4223, ambos em www.dgsi.pt/jstj.
No caso concreto, houve uma violação ilícita, por parte dos réus, do dever de conclusão do negócio.
O contrato estava em fase de conclusão, pronto para a outorga da escritura da formalização do contrato.
A celebração da escritura só não ocorreu por culpa exclusiva dos réus, face aos factos que resultaram provados.
Na verdade, as negociações tinham percorrido todo o seu caminho, estavam concluídas, nada mais havendo a negociar, pois nenhuma cláusula negocial estava em aberto, nem subsistia qualquer dúvida sobre os termos exactos do negócio .
Apenas faltava a concretização/celebração do acordo através da forma legal, mediante a outorga da competente escritura pública, que os réus, já em pleno Cartório Notarial, ilícita e culposamente, se recusaram a celebrar, o que impõe aos réus a obrigação de indemnizar pelo interesse contratual positivo.

Nem se diga que tal solução se traduz num entrave ao livre exercício do comércio jurídico, em violação da própria liberdade de contratar, que constitui um corolário do direito da iniciativa económica privada, tratado constitucionalmente como um direito fundamental, sendo que tal liberdade é constitucionalmente protegida, na medida em que aquele princípio também o é.
O argumento não colhe.
Como observa Nuno Manuel Pinto Oliveira ( Anotação ao citado Acórdão do S.T.J. de 26-1-06 ( Cadernos de Direito Privado, nº20, Outubro/Dezembro de 2007, pág. 47), “ a liberdade de contratar ou não contratar não está, não pode estar fora do direito; não está, não pode estar fora da ordem normativa do direito.
O dogma da licitude da interrupção do processo de (con)formação do contrato é um dogma incompatível com o desenvolvimento ( doutrinal, jurisprudencial e legislativo) do direito civil ( assim, p. ex. as directivas comunitárias 2000/43/CE e 2004/113/CE – entretanto transpostas para o direito português - convocam o princípio da igualdade como critério de controle da licitude ou ilicitude, da legitimidade ou ilegitimidade do exercício da liberdade de contratar (ou não contratar).
Os contraentes devem considerar-se adstritos a um dever de lealdade e, como concretização desse dever de lealdade, a um dever de actuação consequente.
Excluído ou repudiado o dogma da licitude da interrupção do processo de (con)formação do contrato, os deveres de actuação consequente proíbem ( pelo menos) uma interrupção injustificada ( sem razão legítima), brutal e unilateral do processo de (con)formação do contrato .
O contraente infringirá deveres de actuação consequente se recusar ou rejeitar injustificadamente um contrato contendo apenas e só as cláusulas por si aceites ou por si propostas.
A afirmação de que os acordos intercalares “não são juridicamente vinculativos, só ganham força com a conclusão do contrato e, por isso, podem a todo o momento ser repostos em discussão”, deve rejeitar-se: a conduta de quem repõe arbitrária e injustificadamente em discussão acordos intercalares é, ou pode ser, uma conduta ilícita ( uma conduta contrária ao dever - no caso, ao dever de actuar de boa fé)”.
Não se mostram, pois, violados os invocados arts 61º, nº1 e 17º da Constituição da República Portuguesa .

Por isso, é de concluir, ao contrário do decidido pela Relação, que incumbe aos réus, o dever de indemnizar a autora Maria ………………………….. pelo interesse contratual positivo, que é o resultante do dano ex contratu, ou seja, pelos lucros que lhe adviriam se o mesmo contrato tivesse sido celebrado….”, entendimento que foi já igualmente adoptado pelo Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão proferido em 3 de Maio de 2007, no âmbito do Proc. 0731945, do qual se transcreve, parcialmente, o respectivo sumário:
(…)
“– Porque nada existe que regulamente o quantum indemnizatório – não resultando do citado art. 227º quais os danos indemnizáveis, ou qualquer restrição às regras gerais da responsabilidade civil –, são ressarcíveis todos os danos causados pelo ilícito pré – contratual, ou seja, os danos emergentes – incluindo todas as despesas perdidas – e mesmo, em alguns casos, os lucros cessantes reportados à frustração do interesse contratual positivo.”

Retomando o caso dos presentes autos:

É inquestionável que tendo sido anulada a deliberação impugnada e tendo-se concluído que as propostas classificadas nos três primeiros lugares deveriam ter sido excluídas existiria o dever de concluir o negócio com a ora recorrente – tal como o Município recorrido o fez com a contra-interessada que apresentou a proposta graduada em primeiro lugar com a qual celebrou o contrato de empreitada de obras públicas denominado “Remodelação da ETAR de Estremoz” – cfr. item DD) dos factos apurados -, pelo que a recorrente deve ser indemnizada no montante de 15.734,89 €, quantia a que se chega pela operação aritmética supra referida e que aqui se recorda: 1.690.906,79 € - valor da proposta da recorrente (item N dos factos assentes) – a que subtraem os montantes de 1.510.566, 47 € - a título de custos de execução da empreitada – 117.400,00 € custos com estaleiro – e 47.205,43 € - custos de estrutura – cfr. item Q) dos factos assentes – sufragando este Tribunal a tese sustentada pelo Prof. Paulo Mota Pinto no artigo “Responsabilidade por violação de regras de concurso para celebração de um contrato (em especial o cálculo da indemnização), publicado em “Estudos de Contratação Pública – II”, págs. 273/295, de que se transcreve o seguinte excerto:
(…)
“Diversa é a situação quando o prejuízo alegado decorre de o lesado não ter vencido o concurso (adjudicação ilícita a outro concorrente) ou de aquele ter sido ilegitimamente revogado (revogação ilícita). Há, porém, que delimitar ainda as hipóteses consoante o autor do concurso estava já vinculado pelas regras deste a celebrar o contrato (pois o anúncio continha uma verdadeira proposta) ou se tratava de um mero convite a contratar, reservando-se porém, o organizador a “última palavra” sobre essa conclusão (a posição de master of the bargain). É discutível que devam equiparar-se a estes segundos casos, em que o concurso não vinculava o seu autor nos termos de uma verdadeira proposta, aqueles em que esse autor teria tido a possibilidade de licitamente cancelar o concurso, não o tendo, porém, feito (nem provando que o teria efectivamente feito).

aa) Pensamos que só na primeira hipótese (vinculação do organizador do concurso) se pode pôr o problema das condições, para a exigência, pelo lesado, de uma indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, no que, pensamos, não é mais do que uma aplicação do critério (que vale para a medida da responsabilidade no caso de não conclusão do contratos em geral) da existência de um dever de conclusão. O problema é, então, o de saber se, sem a violação do dever (por exemplo, a errada interpretação dos critérios de apreciação do concurso, ou a sua violação), aquele lesado teria vencido o concurso e celebrado o contrato.
Ora, pode ser difícil apurar se o demandante teria realmente vencido o concurso. Nalguns casos, o lesado disporá (ou disporá já, dependendo da fase do concurso), de uma “posição de resultado garantido”, pois os critérios definidos eram exactos (por exemplo, apenas interessava o melhor preço, ou a data da aquisição de certa habilitação), não existindo qualquer espaço de discricionariedade na sua apreciação, ou o lesado tinha mesmo já sido seleccionado como o vencedor. Afigura-se que o lesado – a quem compete provar que tinha a melhor oferta, e portanto que, segundo as respectivas regras, teria vencido o concurso – deve então ter direito a uma indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, por aplicação das regras gerais. Com efeito, nestas hipóteses a liberdade negativa de contratar já não existia, pois o autor do concurso estava vinculado a respeitar as regras e, por aplicação destas, a celebrar o contrato com o lesado. A sua indemnização incluirá então o que o lesado teria lucrado com essa celebração – embora possa ser igualmente computada, nos termos de uma “presunção de rentabilidade” ou de amortização, com base nas despesas ou custos em que incorreu.
Deve-se, na verdade, partir-se da presunção de que as regras relativas aos critérios de adjudicação (de vencimento) do concurso, e à manutenção deste, têm também como escopo a protecção do interesse dos concorrentes em obter o lucro que resultaria do vencimento (o interesse contratual positivo), apesar de apenas um deles poder vir a vencer o concurso.
Aliás, como salientou Medicus, nesse sentido depõe, normalmente, o próprio interesse do organizador do concurso (por exemplo, a Administração Pública). Este pretende com o concurso obter um conjunto de ofertas ao menor custo e tão variadas quanto possível, para poder seleccionar. Mas para isso tem de oferecer um incentivo à participação no concurso, o que em regra reside justamente na possibilidade de vencimento, e, portanto de obtenção do correspondente lucro. Tal incentivo seria destruído se a expectativa de (pelo menos sendo o autor da melhor oferta) obter o contrato não fosse protegida por uma indemnização que inclua também o lucro em causa, correspondente ao interesse contratual positivo.”

A indemnização do interesse contratual positivo foi também defendida por Rui Cardona Ferreira (4) que sintetiza a sua posição, vertendo no final da obra mencionadas as seguintes proposições:
“1ª A abertura de concurso público e, em geral, de procedimentos adjudicatórios públicos constitui a entidade adjudicante num dever de contratar, ainda que sujeito (i) à observância dos parâmetros por si fixados e à correspondente individualização do co-contratante, bem como (ii) a uma reserva de revogação por motivos de interesse público nos termos legais, situação que é escorreitamente enquadrada com recurso à noção de promessa pública;
2ª Este pressuposto funda normativamente o direito do concorrente ilicitamente preterido a ser indemnizado pelo interesse contratual positivo, correspondente aos lucros cessantes que adviriam da execução do contrato;
3ª Ainda que não se reconheça um dever de contratar qua tale, não poderá deixar de se reconhecer os deveres resultantes para a entidade adjudicante dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da transparência e da boa fé; sempre que o contrato tenha sido efectivamente celebrado e da aplicação destes princípios resulte que o concorrente preterido deveria ter sido o adjudicatário, encontra-se, subsidiariamente, fundado também o direito a uma indemnização pelo interesse contratual positivo.”

Aqui chegados, importa chamar a atenção para a questão da preservação da capacidade produtiva do lesado, ou dito de outra forma, a aplicação da regra da compensatio lucri cum danno, questão que é, pertinentemente, aflorada no Acórdão proferido pelo STA em 23 de Setembro de 2003, Proc. 01527/02, para, lançando mão da posição sustentada por Rui Cardona Ferreira, concluir que a mesma, nos presentes autos, não afasta a indemnização pelo interesse contratual positivo ou pode constituir fundamento para reduzir o montante indemnizatório.

Refere o mencionado autor, na obra supra já parcialmente transcrita, a págs. 88/89
(…)
“Em primeiro lugar, a compensatio pressupõe que o lesado tenha alcançado uma vantagem efectiva de alguma forma causalmente conectada com o facto lesivo ou que, de modo censurável, se tenha abstido de colher os proveitos de uma vantagem efectiva. Por isso, a manutenção da aptidão ou capacidade lucrativa, não é, em si mesma, uma vantagem que possa ser compensada com o dano incorrido pelo concorrente ilicitamente preterido. De certo, esta situação só tem os custos inerentes em que o concorrente não deixará de incorrer.
Em segundo lugar, a verificação de uma vantagem compensável também não se confunde com a possibilidade abstracta de participação num procedimento para a adjudicação de outro contrato. A relevância, para este efeito, da mera possibilidade de participação e adjudicação de outro contrato enfrenta as mesmas dificuldades da demonstração da responsabilidade pela frustração da celebração do contrato em cujo procedimento o concorrente tenha sido preterido. Com a dificuldade acrescida de que, não tendo o lesado chegado a participar no novo procedimento, se torna ainda mais difícil, na generalidade dos casos, formular qualquer juízo quanto à respectiva probabilidade de êxito.
Em terceiro lugar, mesmo tendo o particular concorrido e logrado obter a adjudicação noutro procedimento, a compensatio depende ainda da demonstração de que, não fora a preterição no primeiro procedimento, o mesmo particular não teria tido a possibilidade de se apresentar no segundo procedimento, ou pelo menos, de fazê-los nos termos que determinaram o sucesso aí alcançado. De outra forma, soçobra o pressuposto da relação de causalidade entre o ilícito cometido e a vantagem auferida. Este pressuposto será, hoje em dia, ainda mais difícil de demonstrar tendo em conta a genérica admissibilidade do recurso à subcontratação na execução dos contratos públicos e, em especial, para efeitos de qualificação (cfr. artigos 318º, nºs 4 e 5, e 320º do CCP).
Em quarto e último lugar, parece claro que, mesmo nas situações, seguramente raras, em que a compensatio possa ser invocada contra o concorrente ilicitamente preterido, esta configura-se como facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito a indemnização e, como tal, a sua invocação constitui ónus da entidade demandada, não sendo de conhecimento oficioso (cfr. artigos 493º, nº 3, e 496 do CPC, e 342º, nº 2 do CC). Mesmo admitindo alguma contemporização nas exigências de prova normalmente aplicáveis, estamos, certamente, muito longe de uma presunção legal de verificação do condicionalismos em que pode ocorrer a compensatio.”

No caso presente, a matéria de facto dada como provada pelo T.A.F. de Beja não permite fazer operar a compensatio, como fundamento para excluir ou diminuir o montante indemnizatório supra fixado, não tendo o recorrido sequer alegados factos que permitam o recurso a tal regra.

Uma último considerando para reiterar o que já foi dito quanto à existência de um dever de concluir o contrato com a aqui recorrente (5), face à decisão proferida pelo T.A.F. aqui posta em crise apenas quanto à improcedência da pretensão indemnizatória, não estando em causa, nos presentes autos, e ao contrário do que sucedia com a situação fáctica sobre a qual se debruçaram os supra referidos Arestos do S.T.A., em que se verificava a recusa de visto prévio por parte do Tribunal de Contas, geradora de ineficácia intransponível do contrato, o que não sucede nos presentes autos.

Com última questão a tratar temos o pedido de condenação em juros, que a recorrente refere ser os juros comerciais, conforme peticiona na p.i., pretensão que reitera no final das alegações de recurso, mas que não encontra abrigo na lei, dado que não tendo sido celebrado entre recorrente e recorrido qualquer contrato, não foi estipulada a taxa de juro comercial, conforme exige o § 1º do artigo 102º pelo que não estando em causa qualquer dívida resultante de acto comercial, mas sim uma indemnização por responsabilidade pré-contratual a taxa de juro de mora é a dos juros legais – civis – previstos nos artigos 806 nº 2 e 559º nº 1 do Código Civil.



III) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso, condenando o recorrido Município de Estremoz a pagar à recorrente a quantia de 15.734,89 €, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados desde a citação até integral pagamento.
Custas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 24 de Novembro de 2016

Nuno Coutinho

José Gomes Correia

Paulo Vasconcelos
(1) Esperança Mealha, in “Responsabilidade Civil nos Procedimentos de Adjudicação dos Contratos Públicos”, Revista Julgar, nº 5, pág. 113.
(2) Direito das Obrigações, 9ª edição, pg. 548.
(3) Entendimento reiterado em Acórdão proferido pelo STA em 31/10/2006, no âmbito do Proc. nº 0875/05
(4) In “Indemnização do interesse contratual positivo e perda de chance”
(5) Questão a que se alude no Acórdão proferido pelo S.T.A. em 14 de Janeiro de 2016, no Proc. 01403/12.