Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:77/19.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:HELENA AFONSO
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL;
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA POR PROTECÇÃO SUBSIDIÁRIA;
REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO;
ÓNUS DA PROVA.
INFORMAÇÃO SOBRE O PAÍS DE ORIGEM.
Sumário:1 - Compete ao requerente de protecção internacional, o ónus da prova dos factos que alega, em conformidade com o previsto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 27/2008, no artigo 116.º, n.º 1, do CPA e no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Exigindo-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador da impossibilidade ou do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente de asilo/protecção subsidiária, sendo que os factos apurados, permitem concluir, de modo manifesto, não existir.
2 - Não está provado ou sequer indiciado que, caso a ora Recorrente regresse à RDC ou a Angola, seja impedida ou se sinta impossibilitada de regressar aos mesmos, por naqueles países existirem sistemáticas violações dos direitos humanos, que a atingiriam ou que corra risco de sofrer ofensa grave contra a vida ou integridade física – cfr. artigos 7.º, n.º s 1 e 2, da citada Lei.
3 - Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, quando o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária, o pedido é sujeito a tramitação acelerada e considerado infundado, tal como sucede quando o pedido é apresentado “apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento” (alínea h), do n.º 1 do artigo 19.º, da referida Lei), como efectivamente ocorreu no caso sub iudice.
IV - Não reunindo a Autora os pressupostos de facto e de direito para que o pedido de protecção internacional que formulou seja admitido e instruído, nos termos dos artigos 20.º, n.º 4 e 27.º e ss., da referida Lei, a sentença recorrida não padece de erro de julgamento, por ter considerado que o acto impugnado, ao considerar infundado o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, fez uma correcta apreciação dos factos e subsunção dos mesmos às normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente, ao artigo 7.º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório:
L.............................., nascida na República Democrática do Congo, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, ambos com os demais sinais nos autos, “acção administrativa especial urgente, de impugnação judicial”, destinada à impugnação jurisdicional do despacho de 04.12.2018, proferido pela Directora Nacional Adjunta do SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS, pelo qual foi considerado infundado o pedido de protecção internacional que havia efectuado junto daquela autoridade administrativa.

Peticionou que a decisão impugnada fosse anulada, por incompetência, por ser extemporânea, por padecer do vício de violação de lei, e por erro nos pressupostos de facto, por ter aplicado erradamente o artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, tramitando abreviadamente o pedido da Autora. E que seja o SEF condenado a retomar o indicado procedimento, fazendo-o tramitar nos termos do artigo 18.º da referida Lei, averiguando-se sobre a situação político-económica-social na República Democrática do Congo e ponderando-se a essa luz a concreta situação.

Por sentença de 19 de Fevereiro de 2019, do referido Tribunal foi decidido julgar improcedente a acção.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso da referida decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“A. Compulsada a matéria de facto alegada pela Recorrente na Petição Inicial e aquele que é o julgamento de facto constante da sentença recorrida, assim como, considerando o objeto do litígio, é mister concluir que foi omitido do julgamento de facto matéria factual com relevo para a decisão a proferir, que fora alegada pela Recorrente, no respectivo articulado, a qual respeita ao mérito do litígio e que se encontra demonstrada documentalmente (através do acesso aos endereços web indicados naquela peça processual).
B. Com efeito, o Tribunal a quo não apreciou factos alegados pela Recorrente (em particular, os constantes nos artigos 31.º a 35.º da Petição Inicial) que eram de grande relevância para a decisão da causa.
C. Assim, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, por insuficiência da matéria de facto dada como provada no julgamento de facto da sentença recorrida, porquanto, de entre essa matéria, não foram considerados aqueles factos alegados pela Recorrente na Petição Inicial.
D. Destarte, e ao abrigo do disposto no artigo 662.º, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, deve a matéria de facto provada ser aditada, para que dela passem a constar os factos vertidos nos artigos 31.º a 35.º da Petição Inicial, porque provados, com interesse para a decisão a proferir, cuja redacção proposta se apresentou com a alegação.
E. O Tribunal a quo andou mal ao entender que “bem andou o Réu ao decidir que a situação da Autora se reconduz ao consagrado na alínea e) e h), n.º 1, do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho”, julgando, assim, improcedente a pretensão da Recorrente ver o despacho proferido pela Diretora Nacional Adjunta do SEF anulado por padecer de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, por ter aplicado erradamente o artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, tramitando abreviadamente tal pedido.
F. De facto, quer na decisão recorrida, quer no despacho do SEF impugnado, não se explica claramente por que motivos é que se considerou que a Recorrente apresentou o pedido apenas para atrasar ou impedir uma decisão iminente que se traduza no seu afastamento do País, nem, tão-pouco, se justifica porque é que as questões levantadas pela Recorrente não são pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerada refugiada ou pessoa elegível para protecção subsidiária.
G. A acrescer, da informação constante dos autos, bem como considerando a situação político-económica-social da República Democrática do Congo (de onde é nacional a Recorrente) (que não foi tida em consideração pelo SEF, nem pelo Tribunal a quo), resulta diversa prova de que no pedido de protecção internacional apresentado pela Recorrente se colocam questões que não podem ser consideradas irrelevantes ou não pertinentes na apreciação do pedido, e, ainda que assim se entendesse, deveria o SEF ter explicado o porquê de as considerar irrelevantes, fundamentando tal entendimento.
H. Com efeito, conforme supra referido, no caso sub judice, no correspondente procedimento administrativo, o apuramento da concreta situação político-económica-social da República Democrática do Congo não foi efectuada, nem sequer superficialmente, porque o SEF considerou, erradamente, que o pedido da Autora cabia no âmbito do procedimento abreviado do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
I. Nesse sentido, mal se entende, e não se pode aceitar, que o Tribunal a quo tenha entendido que “o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ponderou, tendo concluído negativamente, quanto à sistemática violação dos direitos humanos na RDC, bem como, quanto ao risco de a Autora vir a sofrer ofensa grave, se para aí regressasse”, uma vez que analisada a informação n.º 1675/GAR/18, que sustenta a decisão da Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a qual é transcrita parcialmente pelo Tribunal a quo para chegar àquela conclusão, não se vislumbra qualquer referência objectiva da concreta situação político-económica-social da República Democrática do Congo.
J. No presente caso, se o SEF ou o Tribunal a quo tivessem considerado aquela concreta situação político-económica-social da República Democrática do Congo (da qual, aliás, a generalidade das pessoas, regularmente informadas, têm conhecimento, podendo, nessa medida, rotular-se de factos notórios e do conhecimento geral), bem como a factualidade pessoal da Recorrente, forçosamente a decisão proferida teria que ser outra, uma vez que ocorre aqui uma “razão humanitária” que exigiria a concessão da autorização de residência em seu favor, porque uma vez regressada à República Democrática do Congo, a Recorrente, se deparará com uma situação de “sistemática violação dos direitos humanos” (que, aliás, a mesma já vivenciou), bem como ficaria em “risco de sofrer ofensa grave”.
K. Assim, salvo melhor opinião, no caso em apreço nos autos, pode-se concluir pela existência de um erro manifesto, grosseiro e de facto na não integração do pedido da Recorrente, ao menos, no que respeita à situação prevista pelo artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06.
L. No presente caso, tendo em consideração o relato da Recorrente, as informações juntas aos autos e aos relatórios internacionais aludidos pela Recorrente, considerando ainda as demais informações que são públicas sobre a situação político-económica-social na República Democrática do Congo, ter-se-á de entender que a decisão do SEF, que enquadrou o pedido da Recorrente nas alíneas e) e h), do n.º 1, do art.º 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, está manifestamente errada nos seus pressupostos de facto, padecendo de um vício de violação de lei, pois, no caso, as razões que são invocadas para o pedido de protecção subsidiária são pertinentes e relevantes, não visando, também, apenas atrasar ou impedir a sua extradição
M. Assim, salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal a quo ao não anular aquela decisão administrativa uma vez que a mesma aplicou ao pedido da Recorrente, erradamente, o rito procedimental do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, fazendo-o tramitar de forma acelerada, quando o mesmo havia de ter sido tramitado nos termos do art.º 18.º da referida Lei.
N. Destarte, deve o Tribunal ad quem há, in casu, que anular o acto decisório do SEF, de 04.12.2018, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pela Recorrente, e determinar ao SEF a retoma do indicado procedimento, que deve ser tramitado nos termos do artigo 18.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, averiguando-se sobre a situação político-económica-social na República Democrática do Congo e ponderando-se a concreta situação da requerente do pedido de protecção internacional.
Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, por via dele, ser anulada a decisão da Directora Nacional Adjunta do SEF, de 04.12.2018, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pela Autora, por padecer de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, ao ter aplicado erradamente o artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, tramitando abreviadamente tal pedido, assim como, determinar-se, que o SEF retome o indicado procedimento, fazendo-o tramitar nos termos do artigo 18.º da referida Lei, averiguando-se sobre a situação político-económica-social na República Democrática do Congo e ponderando-se, a essa luz, a concreta situação da Recorrente,
ASSIM SE FAZENDO INTEIRAMENTE A COSTUMADA JUSTIÇA!!!”

O Recorrido não apresentou contra-alegação de recurso.

O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pronunciou-se no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.
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II. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, consistem em apreciar e decidir se a sentença recorrida: i) efectuou errado julgamento da matéria de facto, por insuficiência da matéria de facto julgada provada; e, ii) se padece de erro de julgamento de direito por se entender que ao pedido de protecção internacional formulado pela recorrente foi correctamente aplicado o rito procedimental do art.º 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, fazendo-o tramitar de forma acelerada (quando o mesmo havia de ter sido tramitado nos termos do art.º 18.º da referida lei); e se, consequentemente, o acto decisório do SEF, de 04.12.2018, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pela Recorrente, deve ser anulado e ser determinado ao SEF a retoma do indicado procedimento, para ser tramitado nos termos do artigo 18.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, averiguando-se sobre a situação político-económica-social na República Democrática do Congo e ponderando-se a concreta situação da requerente do pedido de protecção internacional.
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III – Fundamentação:
3.1. De facto:
A sentença recorrida julgou provada a seguinte factualidade:
1) Em 24.11.2018, L........................., nacional da República Democrática do Congo, deu entrada no Aeroporto de Lisboa, proveniente de Luanda, no voo TP286, tendo-lhe sido recusada a entrada em território nacional por se encontrar indocumentada, tendo-se apurado que viajava com o passaporte angolano com o nome de L..........................., e tendo, nesse dia, requerido a concessão de protecção internacional das autoridades portuguesas, o que deu origem ao processo n.º 1284/18 (cfr. documentos do processo administrativo junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

2) Em 30.11.2018, L.......................... prestou declarações no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que se dão aqui por integralmente reproduzidas (cfr. documentos do processo administrativo junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
3) Em 03.12.2018, a Instrutora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elaborou a Informação n.º 1675/GAR/18, no âmbito do pedido de protecção internacional n.º 1284/18 de L..........................., com o seguinte teor (cfr. documento junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido):
«(…) 6. Dos factos
1. A requerente foi detetada na zona internacional do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa no dia 24.11.2018, no momento do controlo documental efetuado à chegada do voo TP286 proveniente de Luanda, Angola. Por se encontrar indocumentada, foi conduzida à Unidade de Apoio.
2. Declarou então chamar-se L......................, nascida aos 15.05.1995 e ser cidadã nacional da República Democrática do Congo (RDC).
3. Consultada a lista de passageiros do voo TP286 apurou-se que a referida cidadã viajou com o passaporte angolano n.º ....................., com o nome de L...........................
4. Face ao exposto, foi recusada a entrada em território nacional à ora requerente por não ser portadora de qualquer documento de viagem. A requerente apresentou então pedido de protecção às autoridades portuguesas.
5. Em cumprimento do disposto no n.º 3 do art.º 24 e n.º 1, do art.º 16 da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de Maio, foi a requerente ouvida quanto aos fundamentos do seu pedido de protecção, tendo prestado as declarações constantes nos autos, que se transcrevem:
Aos 30 de Novembro de 2018 pelas 15 horas 20 minutos, no Posto de Fronteira do Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa, perante mim, A.................., Inspectora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e na presença do intérprete de língua lingala, M..........................., língua que compreende e através da qual comunica claramente, compareceu o cidadão que se identificou como L........................., nacional da República Democrática do Congo e melhor identificado nos autos, que respondeu da seguinte forma às questões que lhe foram colocadas relativas ao pedido de protecção internacional efectuado:
Pergunta (P). Que língua(s) fala?
Resposta (Resposta (R). Lingala, um pouco de francês e um pouquinho de português.
P. Em que língua pretende efectuar esta entrevista?
R. Em lingala;
P. Tem advogado?
R. Não.
P. Pode fornecer os seus dados biográficos?
A requerente foi informado que os dados que fornecer serão aqueles que ficarão a constar dos documentos que forem emitidos pelo Gabinete de Asilo e Refugiados e qualquer alteração que pretenda fazer dos mesmos, deverá apresentar documentos originais que comprovem e sustentem aquelas alterações.
R. O meu nome é L........................, nasci em Kinshasa no dia 15.05.1995 e sou nacional da República Democrática do Congo e os meus pais são A....................... e de M........................
P. Refere ser nacional da República Democrática do Congo e chamar-se L............................ Tem algum documento que comprove a sua nacionalidade e /ou identidade?
R. Perdi tudo.
P. Onde?
R. No caminho, quando estava a fugir. Perdi na RDC no bairro de M...........
P. Em que data?
R. Foi em 2014, não me lembro do mês.
P. Que documentos é que perdeu?
R. O cartão de eleitor e o cartão de estudante.
P. Mas tem documentos da RDC?
R. Neste momento não tenho nada.
P. Não solicitou novos documentos?
R. Não.
P. Tem algum documento na sua bagagem?
R. Não.
P. Viajou para Portugal com que documento?
R. Com um documento que alguém me ajudou a arranjar. Era um passaporte angolano.
P. Como se chama a pessoa que a ajudou?
R. Chamava-se Francisco e tinha a nacionalidade angolana.
P. Quando conheceu esse senhor?
R. Desde Kinshasa.
P. Mas quando?
R. 2016.
P. Como é que esse senhor arranjou o documento?
R. Eu fui até ao local onde se trata do passaporte, e ele é que me acompanhou, ele não trabalhava ali. Tiraram a minha foto, as impressões digitais e assinei.
P. Quando fez isso?
R. 2016, talvez no final do ano.
P. Em que nome estava o passaporte?
R. L................................
P. É um nome falso?
R. Sim, porque o meu nome é esse (a requerente apontou para o nome que consta do seu processo). P. Para além do seu nome usa ou usou alguma outra entidade?
R. Não.
P. Onde está o documento angolano com o qual viajou?
R. Ficou com aquele senhor, foi esse senhor que me ajudou no aeroporto, fez o check-in e tudo e ficou com tudo.
P. Esse senhor viajou consigo até Portugal?
R. Não, ele ficou em Luanda.
P. Quanto pagou a esse senhor?
R. Não paguei nada, ele era meu namorado.
P. Desde quando é que namoram?
R. Desde 2015.
P. Como é que sendo seu namorado arranjou documentos para você sair?
R. Eu tinha um problema de segurança e por esse motivo ele ajudou-me a fugir.
P. Ele vem ter consigo?
R.A vida que eu pensei que ia ter em Angola, não era a que eu imaginei e ele sentiu-se na obrigação de me ajudar a viajar.
P. Pode explicar como é que ele tinha essa obrigação?
R. Ele sabia a vida que eu tinha em Kinshasa.
P. Que vida era essa?
R. Eu era prostituta, eu era obrigada a prostituir-me pela tia L...................., se quisesse continuar a viver na casa dela.
P. Foi esse senhor que pagou o bilhete de avião e o passaporte?
R. Sim.
P. Você veio de Luanda?
R. Sim.
P. Quando é que saiu da RDC?
R. Em 2015, não me recordo da data.
P. Qual o percurso que efectuou? Quanto tempo esteve em cada país e o que fez?
R. Sai da RDC, e vim de carro acompanhada pelo Francisco até Luanda, Angola.
P. O Francisco já vivia em Luanda?
R. Sim.
P. Qual era a profissão dele?
R. Era mecânico.
P. Ficou a viver em Luanda?
R. Sim, fiquei a viver ali, até vir para Portugal, no dia 24.11.2018.
P. Vivia com o senhor Francisco?
R. Sim.
P. Você trabalhou em Luanda?
R. Não, eu não tive oportunidade de trabalhar como cabeleireira.
P. Mas quando trabalhou como cabeleireira?
R. Nunca trabalhei.
P. Qual é o seu estado civil?
R. Solteira.
P. Tem filhos?
R. Não.
P. Qual é a sua escolaridade?
R. Frequentei a escola durante onze anos. Faltava um ano para conseguir ter o certificado do 12.º ano.
P. Professa alguma religião?
R. Sou cristã.
P. Pertence a algum grupo étnico?
R. A minha mãe era da etnia Luba e o meu pai pertencia ao grupo de etnia swahili.
P. Em que local residia na RDC?
R. Em Kinshasa, no bairro de M...................
P. Desde quando e até quando residiu nessa morada?
R. Nasci no bairro de K............... em Kinshasa e depois fui morarem M................
P. Com quem morava?
R. Com a minha tia.
P. Desde quando?
R. Desde os 17 anos de idade.
P. Por que motivo foi residir com a sua tia?
R. Porque perdi os meus pais e o meu irmão mais novo devido a uma guerra que teve lugar na parte Este da RDC. Os meus pais foram para aquele lugar para tratar de assuntos comerciais e morreram vítimas da guerra. Era uma guerra entre a FARDC (forças armadas da RDC) e o grupo armado rebelde M23
P. Para além da sua tia, tem outros familiares a residir na RDC?
R. Não conheço outros familiares.
P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na RDC?
R. Não. Não era membro de nada.
P. Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional, em 2015?
R. Quando os meus pais faleceram, fiquei sem a protecção de ninguém.
(A requerente começou a chorar e fez-se uma pausa até a mesma se recompor)
Fui parar na casa da minha tia, e não pude continuar a estudar porque não tinha possibilidades financeiras, a minha tia vivia numa casa arrendada e não trabalhava. A minha presença caiu como uma oportunidade para a minha tia me mandar para a prostituição para sobreviver. O dinheiro que eu fazia da prostituição dava para a minha tia pagar a renda de casa, a comida.
P. Mais alguma coisa?
R. Foi nesse trabalho de prostituição que encontrei o Francisco, ele era um cliente. Ele falou comigo e disse que queria ficar comigo como namorada. Não concordei porque eu tinha que apresentar o dinheiro à minha tia. O Francisco então só me escolhia e tornou-se meu amigo e eu contei a minha vida.
P. A sua tia tinha outras senhoras a trabalhar nessa actividade?
R. Ela tinha filhas mas eram muito pequenas.
P. E depois?
R. Francisco perguntou porque é que eu sendo tão nova, andava a prostituir-me. Contei e ele ficou meu amigo e eu disse que fazia esse trabalho porque a minha tia me obrigava. Uma vez não consegui ter clientes e voltei sem dinheiro para casa e a minha tia ficou muito zangada comigo e queria mandar-me para fora da casa. Como não tinha onde ir, ou o que fazer, o país também estava mal, as autoridades não ajudam apesar de eu ser menor, as autoridades queriam estar comigo sem pagar.
P. Mais alguma coisa que queira acrescentar?
R. Por isso o Francisco falou comigo e disse que podia ajudar-me, ele tinha uma casa em Luanda e podia dar-me alojamento em Luanda e eu aceitei para fugir a esse sofrimento, a essa pobreza.
P. Sim...continue.
R. Falei com o Francisco, disse que podíamos continuar a namorar, porque ele disse que não tinha ninguém em Angola. Eu aceitei viver com ele em Angola. Ao chegar em Angola apercebi-me que Francisco era casado e tinha filhos. Depois de ficar em Luanda, três semanas dei-me conta que ele era casado e tinha filhos. As pessoas da minha comunidade disseram logo que ele era casado e que a mulher dele era selvagem e que eu deveria ter muito cuidado. P. E então?
R. Passaram-se alguns dias e Francisco veio falar comigo e disse que eu tinha que sair daquela casa e mudar para outra. Contou que era casado e que a esposa estava informada que eu era a namorada dele e ela queria encontrar uma forma de me encontrar. Disse que não queria que nada de mal me sucedesse e que por isso ia arranjar outra casa para mim. Ele levou-me para outra casa. Eu não conhecia a esposa dele, mas um dia na rua, de repente, uma senhora pediu para falar comigo. Por respeito parei e ela perguntou o meu nome, respondi e ele de imediato começou a bater-me e a gritar e feriu-me. (A requerente mostrou os ferimentos).
P. Posso tirar fotografias?
R. Sim
(Foram tiradas dias fotografias)
P. E depois?
R. Ela empurrou-me e eu caí na estrada. A minha cabeça bateu na pedra do chão. Ela quis puxar de uma faca que trazia e as pessoas que estavam a passar e que tinham parado para ver, tiraram -lhe a faca. Saiu muito sangue da minha vista e alguém chamou a polícia e levaram-me ao hospital para ser tratada.
P. E depois?
R. Quando estava no centro de saúde, tive tratamento com a ajuda da polícia. A polícia depois perguntou o que se havia passado e contei. Eles não perceberam a língua que falei, lingala e perguntaram onde eu vivia e dei o nome de Francisco e o contacto dele. A polícia contactou o Francisco, e ele veio ao hospital e depois fomos todos para a esquadra da polícia, onde estava a esposa de Francisco. O que se passou, não percebi porque estavam a falar português. Pediram para Francisco fazer tudo para eu sair de Angola por ser estrangeira e estar ilegal. Por isso Francisco, que conhecia o meu problema da RDC, fez tudo para me ajudar a vir para um país onde eu pudesse ter refúgio.
P. Mais alguma coisa?
R. Por isso, o Francisco fez isso para evitar que a polícia viesse um dia atrás de mim e para evitar que a esposa dele viesse a minha trás. Perguntou se eu tinha outros familiares em Kinshasa e respondi que não e que não tinha ajuda das autoridades ou outra ajuda para ter uma vida tranquila, por isso estou aqui num país seguro para pedir protecção.
P. Tentou obter ajuda de alguma organização, NGO ou igreja na RDC?
R. (a requerente soltou lágrima e enquanto chorava, falava)
Quando fazia a prostituição, dei conta que a lei não existia no país. Quando uma pessoa perante uma situação de dificuldade, quando se encontra com as autoridades em vez de se sentir segura, não. É o contrário, por isso fiquei com medo de pedir qualquer ajuda nas instituições. Quando pedimos ajuda, por sermos mulher, temos que dar em troca contrapartidas, temos que dar o corpo. P. Mas tentou pedir ajuda?
R. Sim, pedi ajuda. Uma vez um cliente não me quis pagar, fui atrás dele e disse que se não podia pagar tudo, dava-me gasosa, vi a polícia e pedi ajuda, mas eles levaram-me para uma casa e abusaram de mim.
P. Não apresentou queixa?
R. Eu fui queixar e se fosse queixar, eles são todos amigos e iriam continuar a abusar de mim.
P. Saiu da RDC. Não podia ter ido para qualquer outro local da RDC? Você até tem estudos, podia tentar arranjar um trabalho...
R. Naquela altura e com a minha idade, não me deixavam mudar de um local para outro. Eu era muito nova, não tinha experiência e não conhecia ninguém.
P. Que idade tinha na altura?
R. 16 anos. Foi quando o meu pai faleceu.
P. E receia voltar então a que país?
R. Em RDC e Angola.
P. O que poderia acontecer se regressasse à RDC?
R. Em Kinshasa estou sem abrigo e protecção e não há ninguém que me possa ajudar.
P. Tem receio de quem?
R. Estou com medo de tudo o que sucedeu em Kinshasa e penso que tudo se pode repetir. Não é um país de direito e de lei e as autoridades poderiam continuar a tratar-me mal, a abusar de mim.
P. Porque é que não solicitou protecção internacional no(s) país(es) onde esteve antes de vir para Portugal?
R. Porque eu já me sentia protegido pelo meu namorado, não pensei que sucedesse um dia o que me sucedeu. Mas como as autoridades me pediram para ir embora, não podia pedir protecção. Do tempo que estive em Angola, percebi que as autoridades protegem os angolanos e não os estrangeiros. Não é um país onde possa pedir protecção porque não respeitam os estrangeiros.
P. No seu país de origem alguma vez pediu algum visto?
R. Não
P. E no(s) país(es) onde esteve após sair do seu país, solicitou algum visto?
R. Pedi em Angola. Mas tudo era Francisco que geria. Quando eu estava numa situação de perigo, ele tentou tudo para me salvar. Não sei qual foi a resposta.
P. Para onde queria ir?
R. Foi o Francisco que tratou de tudo, do bilhete e do passaporte. Eu devia ir para a Rússia.
P. Conhece alguém na Rússia?
R. Não. O Francisco fez isso para a polícia não me apanhar para eu não poder voltar à RDC.
P. Conhece alguém em Portugal?
R. Não.
P. E nos outros países conhece alguém ou tem familiares?
R. Na minha vida, estou sozinha.
P. Anteriormente já tinha viajado ou residido em qualquer outro país?
R. Não, foi a primeira vez que sai do país.
P. Já pediu protecção internacional, asilo anteriormente?
R. Não.
P. Alguma vez cumpriu pena de prisão?
R. Não.
P. Alguma vez foi condenada por um crime?
R. Não.
P. Deseja acrescentar alguma coisa?
R. (A requerente começou a chorar). Estou aqui para pedir a protecção.
P. Em Portugal, é-lhe concedido apoio durante todo o procedimento de asilo por uma ONG designada Conselho Português para os Refugiados (CPR). No final do procedimento, é necessária a sua autorização para a informar o CPR da decisão que venha a ser tomada no seu caso. Autoriza?
R. Sim.
E mais não disse, nem lhe foi perguntado, lido o presente auto em lingala que compreende e na qual se expressa, o achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente comigo e com o intérprete aqui presente, pelas 16h55horas, hora a que findou este acto.
6. A requerente não apresentou qualquer documento comprovativo da sua identidade e nacionalidade ou para sustentação dos méritos do seu pedido de protecção. O facto de se expressar em lingala, língua utilizada de forma transversal na República Democrática do Congo permite, nesta fase, conceder à requerente o benefício da dúvida, assumindo por ora tratar-se de uma cidadã nacional daquele país.
7. Em cumprimento do n.º 1 do art. 24.º da Lei n.s 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de Maio, foi comunicada ao Conselho Português para os Refugiados a apresentação do actual pedido de protecção internacional.
7. Da apreciação da admissibilidade do pedido
A requerente, solteira, cristã, declarou ser cidadã nacional da República Democrática do Congo (RDC) e ter frequentado e escola durante 11 anos. Não é nem nunca foi membro de qualquer organização política, religiosa, militar, étnica ou social na RDC.
Declarou que aos 17 anos de idade, em virtude de ter perdido os pais e o irmão mais novo no conflito que ocorria na parte Este da RDC entre as FARDC (Forças Armadas da RDC) e o grupo rebelde armado M23, foi viver com a tia (L.....................) no bairro de M................, Kinshasa. A tia que não trabalhava, viu nela uma possibilidade de ganhar dinheiro para pagar a renda da casa e comida. Não pode continuar os estudos por impossibilidade financeira e viu-se forçada (pela tia) a entrar na prostituição, pois só assim poderia continuar a viver ali.
Referiu que conheceu então Francisco, um cliente angolano. Ao fim de algum tempo, tornaram-se amigos e aquele quis namorar com ela. Relatou a Francisco que foi forçada pela tia a entrar na prostituição, e ele teria que continuar a ser cliente e não namorado porque ela tinha que apresentar dinheiro à tia, senão aquela zangava-se. Declarou também que naquela altura, apesar de ser menor, as autoridades também não a ajudaram pois só queriam estar com ela sem pagar. Francisco disponibilizou-se para a ajudar, oferecendo-lhe alojamento em Luanda. Como aquele disse não ter qualquer relação, concordou em continuar a namorar com ele e para fugir à pobreza e ao sofrimento, foi com ele para Angola em 2015.
Três semanas depois, as pessoas da comunidade informaram-na que Francisco era casado e tinha filhos e que deveria ter cuidado porque a esposa daquele era" selvagem". Dias depois, Francisco informou-a de que a esposa soube daquele relacionamento pelo que teria que sair daquela casa e arranjou então outra casa para ela habitar. A esposa de Francisco descobriu onde ela se encontrava e em plena rua, confrontou e agrediu a requerente. Populares que assistiam a cena, impediram-na de puxar uma faca contra a requerente. A policia, que, entretanto, fora chamada, levou-a para o hospital, mas não conseguiu saber o que se tinha passado porque a requerente só falava lingala. Forneceu então o contacto de Francisco às autoridades e quando aquele chegou foram todos para a esquadra. As autoridades falaram com Francisco e disseram para a retirar do país porque aquela estava em situação ilegal. Francisco, tratou então de tudo para que a requerente viesse para um país onde pudesse ter refugio.
Declarou que não pediu ajuda, porque sendo mulher ao solicitar ajuda, teria que dar contrapartidas, com o corpo e mencionou que em uma ocasião quando um cliente não quis pagar, pediu ajuda às autoridades, mas aqueles levaram-na para uma casa e abusaram dela. Não procurou ir para outro local da RDC porque era menor, não tinha experiência e não conhecia ninguém. Também não solicitou proteção em Angola porque Francisco a protegia e para além disso as autoridades angolanas que não que não respeitam os estrangeiros, pediram para ela se ir embora.
Receia regressar à RDC porque não tem abrigo ou proteção e não tem quem a ajude, e receia que tudo se repita e que as autoridades abusem dela.
Analisadas as declarações da requerente verifica-se, desde logo, que a requerente não concretiza quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de atividade por ela exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. Também não é por si invocado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer atividade individual suscetível de provocar um fundado receio de perseguição, na aceção do art.s 3.º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06.
O motivo invocado pela requerente, para abandonar a RDC, para alem de não ser pertinente para análise das condições para a atribuição do estatuto de refugiado, carece de atualidade, já que ocorreram em data anterior a 2015 e atualidade é condição necessária e fundamental para se conseguir fundamentar o receio agora invocado. A requerente apresenta razões, meramente subjetivas, que tiveram lugar há mais de quatro anos, pelo que não se considera fundado o seu receio actual. A requerente não invoca também, em relação ao seu país de origem, qualquer outro facto ou situação de natureza persecutória., tendo inclusivamente declarado ter saído da RDC para fugir a pobreza e ao sofrimento.
Subjacente ao pedido de protecção apresentado pela requerente, estão motivos económicos que não se enquadram nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal. Com efeito, o Manual de Procedimentos do ACNUR, refere no ponto 62 que, "Um migrante é uma pessoa que, por outras razões que não as mencionadas na definição, deixa voluntariamente o seu país para se instalar algures. Pode ser motivado pelo desejo de mudança ou de aventura, ou por razões familiares ou outras razões de carácter pessoal. Se é motivado exclusivamente por razões económicas, trata-se de um migrante e não de um refugiado".
Saliente-se ainda que os factos alegados pela requerente, relativamente a Angola, não relevam em virtude de estes não se reportarem ao país da sua nacionalidade.
A requerente não invoca também factos relativamente aos quais nos seja possível assumir que enfrenta ou possa vir a enfrentar um grave risco de perseguição em razão de um dos motivos previstos na Convenção de Genebra. Aliás, a requerente assenta o seu relato numa situação relativamente à qual não nos foi possível identificar uma ligação/ nexo de causalidade a um dos motivos da Convenção.
Vários outros fatores demonstram não ser premente a necessidade de protecção no caso em apreço: o facto de a requerente somente após ter sido recusada a sua entrada em território nacional e não ter solicitado proteção em Angola, porque se sentia protegida por Francisco e não sentiu necessidade de solicitar proteção internacional.
A ausência de qualquer situação ou ato de natureza persecutória reforçam a desnecessidade de protecção internacional e não permitem fundamentar qualquer receio agora invocado.
Em suma, no presente caso, consideramos que não são alegados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que a requerente tenha sido alvo de ameaças ou perseguições, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.s 3 da Lei n.º 27/2008 de 30.06, pelo que, o caso não é subsumível ao estatuto de refugiado, considerando-se o pedido infundado nos termos do artigo. 19s, n.s 1, al. e) e h) da Lei 27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 5 de Maio.
8. Da admissibilidade do pedido de Autorização de Residência por Protecção Subsidiária
O artigo 7.º da Lei n.s 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3.º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Ora, como ficou demonstrado no ponto 7 da presente informação, a requerente apresentou um relato sem qualquer relevância para a análise das condições para a atribuição de proteção subsidiária e a própria requerente refere que receia regressar à RDC porque não tem abrigo ou proteção e não tem quem a ajude, temendo que tudo se repita e que as autoridades possam abusar dela.
De acordo com o relato, não se afigura que, caso regresse ao país de origem a requerente corra o risco de pena de morte ou execução, tortura ou tratamento desumano ou degradante, nem que o seu regresso implique ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
Face a tudo o que precede, conclui-se que não se verifica qualquer risco de a requerente vir a sofrer ofensa grave na aceção do art.º 7.º da Lei 27/2008 de 30 de Junho com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 5 de Maio.
Pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para protecção subsidiária, por incorrer nas alíneas e) e h) do n.º 1, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 de 05.05.
9. Proposta
Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de protecção internacional infundado (estatuto de refugiado e estatuto de protecção subsidiária), por se enquadrar nas alíneas e) e h) do n.s 1 do artigo 19.º da Lei n.2 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05 pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3.º e 1 da Lei citada. Assim, submete-se à consideração do Exmo. Diretor Nacional do SEF a proposta acima, nos termos das alíneas e) e h) do n.º 1 do artigo 19.º, e n.º 4 do artigo 24.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 de 05.05. (…)».

4) Em 04.12.2018, com base na informação n.º 1675/GAR/18, a Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em suplência, proferiu decisão, no âmbito do processo de protecção internacional n.º 1284F/18, considerando infundados os pedidos de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, apresentados por L................, de acordo com o disposto na alínea e) e h) do n.º1 do artigo 19.º e no n.º 4 do artigo 24.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio (cfr. documento junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

5) Em 04.12.2018, L.................... foi notificada da decisão proferida nessa mesma data pela Directora Nacional Adjunta (em suplência) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considerando o pedido de protecção internacional infundado (cfr. documento do processo administrativo junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

6) Em 07.12.2018, L...................... requereu a concessão de apoio judiciário, com vista a impugnar a decisão que considerou infundado o seu pedido de protecção internacional (cfr. documento do processo administrativo junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

7) Por email de 11.12.2018, o advogado T..................... foi notificado pela Ordem dos Advogados de que foi nomeado para patrocinar L.....................

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8) Em 12.01.2019, deu entrada neste Tribunal de petição inicial que originou os presentes autos (cfr. fls. dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
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Factos não provados: inexistem, com relevância para a decisão da causa.

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Motivação de Facto: A matéria de facto julgada provada foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, assentando a convicção deste Tribunal no teor dos documentos integrantes do processo judicial e do processo administrativo junto aos autos.”.
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3.2. De Direito:
3.2.1. A Autora, ora Recorrente, instaurou o presente processo destinado à impugnação jurisdicional do despacho de 04.12.2018 proferido pela Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pelo qual foi considerado infundado o pedido de protecção internacional que a Autora havia efectuado junto daquela autoridade administrativa, tendo o mesmo sido julgado improcedente.
3.2.2. Invocou a Recorrente que na sentença recorrida foi efectuado errado julgamento da matéria de facto, por insuficiência da matéria de facto julgada provada. Referiu que foi omitido do julgamento de facto matéria factual com relevo para a decisão a proferir, que fora alegada pela Autora, ora Recorrente, no respectivo articulado, a qual respeita ao mérito do litígio e que se encontra demonstrada documentalmente (através do acesso aos endereços web indicados naquela peça processual). Com efeito, o Tribunal a quo não apreciou factos alegados pela Recorrente (em particular, os constantes nos artigos 31.º a 35.º da Petição Inicial) que eram de grande relevância para a decisão da causa, a saber:
a) a situação de vida na República Democrática do Congo tem vindo a deteriorar-se nos últimos anos (artigo 31.º da Petição Inicial);
b) Segundo a UNHCR, a República Democrática do Congo é uma das situações humanitárias mundiais mais complexas e desafiantes; após uma longa guerra civil que teve o seu fim em 2003, desde 2016 uma nova onda de violência tem afectado a RDC, estando milhares de civis a lutar pela sobrevivência; as violações dos direitos humanos são ainda recorrentes, incluindo mutilação física, homicídios, violência sexual, decisões de decretamento de prisão arbitrárias e detenção em condições desumanas (artigo 32.º da Petição Inicial);
c) Também segundo a UNHCR, só em 2015 foram reportados 10.400 casos de abusos sexuais e violações enquanto outros sofrem em silêncio com medo da retaliação e centenas de meninas e mulheres serão violadas mais de uma vez ao longo da sua vida (artigo 33.º da Petição Inicial);
d) As informações constantes naqueles relatórios são igualmente confirmadas pelas notícias dadas pela comunicação social, que vão indicando que a má situação social e económica da República Democrática do Congo tem vindo a agravar-se de dia para dia (artigo 34.º da Petição Inicial);
e) Em 2017, dos 711 pedidos de protecção internacional apresentados em Portugal, 158 foram apresentados por nacionais da República Democrática no Congo (em 2016 tinham sido 42), sendo que a tal facto não é obviamente alheia a grave situação político-económica-social que se vive naquele País (artigo 35.º da Petição Inicial).
Apreciemos, então, se sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto, por insuficiência da matéria de facto dada como provada, em virtude de “não terem sido considerados aqueles factos alegados pela Autora”, ora Recorrente e se deve a indicada matéria de facto provada ser aditada.
O artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) (1), dispõe que “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. E o artigo 640.º, do CPC, consagra os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto.
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do CPC (2) Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”.
E nos termos do artigo 78.º, n.º 2, alínea f), do CPTA “Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor: (…) f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção”.
Analisados os artigos 31.º a 35.º da petição inicial verifica-se que nos mesmos são feitas alegações genéricas sobre a “situação de vida na República do Congo”, “mutilação física”, “homicídios”, “violência sexual”, “decisões de decretamento de prisão arbitrárias”, “detenção em condições desumanas”, “10400 casos de abusos sexuais e violações enquanto outros sofrem em silêncio com medo da retaliação e centenas de meninas e mulheres serão violadas mais de uma vez ao longo da sua vida”, referidas em relatórios da UNHCR e em notícias dadas pela Comunicação social, bem como, é feita referência ao aumento do número de pedidos de protecção internacional por nacionais da República Democrática do Congo, que passou de 42 pedidos em 2016, para 711 em 2017.
Contudo, face à factualidade alegada pela Autora relativa à situação pessoal que a determinou a sair da RDC, em 2015, para Angola, onde permaneceu até entrar em Portugal em Novembro de 2018 e às declarações prestadas pela mesma – cfr., designadamente, artigo 27.º da petição inicial e n.ºs 2 e 3 do ponto 4.1. da sentença recorrida (probatório), a consideração destas alegações como factos provados carece de relevância para a decisão dos presentes autos.
Com efeito, face à concreta factualidade alegada pela Autora, ora Recorrente, para fundamentar o seu pedido de protecção internacional, não se impunha julgar provados os factos alegados (genericamente) relativos à “situação político-económica-social na República Democrática do Congo”, por serem destituídos de relevância para a decisão dos presentes autos, como melhor veremos infra.
Em suma, compulsada a matéria de facto alegada na petição inicial, a matéria de facto julgada provada e atento o objecto do litígio, conclui-se que não se verifica o invocado erro de julgamento da matéria de facto.
Em face do que, não assiste razão à Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento da matéria de facto, improcedendo as conclusões A) a D) da alegação de recurso.
3.2.3. Vejamos se ocorre o invocado erro de julgamento de direito por se entender que ao pedido de protecção internacional formulado pela recorrente foi correctamente aplicado o rito procedimental do art.º 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, fazendo-o tramitar de forma acelerada, quando o mesmo havia de ter sido tramitado nos termos do art.º 18.º da referida lei.
Defendeu a Recorrente que quer na decisão recorrida, quer no despacho do SEF impugnado, não se explica claramente por que motivos é que se considerou que a Recorrente apresentou o pedido apenas para atrasar ou impedir uma decisão iminente que se traduza no seu afastamento do País, nem, tão-pouco, se justifica porque é que as questões levantadas pela Recorrente não são pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerada refugiada ou pessoa elegível para protecção subsidiária. Da informação constante dos autos, bem como considerando a situação político-económica-social da República Democrática do Congo, que não foi tida em consideração pelo SEF, nem pelo Tribunal a quo, resulta diversa prova de que no pedido de protecção internacional apresentado pela Recorrente se colocam questões que não podem ser consideradas irrelevantes ou não pertinentes na apreciação do pedido, e, ainda que assim se entendesse, deveria o SEF ter explicado o porquê de as considerar irrelevantes, fundamentando tal entendimento. E que tendo em consideração o relato da Recorrente, as informações juntas aos autos e aos relatórios internacionais aludidos pela Recorrente, considerando ainda as demais informações que são públicas sobre a situação político-económica-social na República Democrática do Congo, ter-se-á de entender que a decisão do SEF, que enquadrou o pedido da Recorrente nas alíneas e) e h), do n.º 1, do art.º 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, está manifestamente errada nos seus pressupostos de facto, padecendo de um vício de violação de lei, pois, no caso, as razões que são invocadas para o pedido de protecção subsidiária são pertinentes e relevantes, não visando, também, apenas atrasar ou impedir a sua extradição.
A sentença recorrida julgou improcedente a presente acção, com a seguinte fundamentação, que se transcreve, na parte relevante para a decisão do presente recurso:
“(…) Em suma: deterão protecção internacional (i) os beneficiários de direito de asilo, que constituem os refugiados, perseguidos pelas actividades que exerçam em favor da democracia, liberdade, paz, direitos da pessoa humana ou que receiem ser perseguidos em razão, designadamente, da sua raça, nacionalidade, religião, opinião política, integração em certo grupo social (art. 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho) e (ii) os elegíveis para a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária, correspondendo aos que estejam impedidos ou se sintam impedidos de regressar ao seu país devido à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifiquem ou que corram risco de sofrer ofensa grave (art 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho).
Sucede que os pressupostos do direito de protecção internacional, seja através do asilo, ou da protecção subsidiária, têm que ser avaliados objectivamente, a partir dos factos invocados, não bastando um receio subjectivo, um estado pessoal de inquietação ou medo (a título de exemplo cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 10286/13, de 26.09.2013).
Cabendo ao requerente da protecção internacional, de acordo com o disposto no artigo 88.º, n.º 1, do CPA, o ónus da prova do preenchimento dos pressupostos legais para que lhe seja concedida a pretendida protecção.
Revertendo ao caso dos autos, constata-se que a Autora foi interceptada no Aeroporto de Lisboa, quando provinha de Angola, encontrando-se indocumentada, ainda que tenha utilizado, para poder viajar, um passaporte Angolano, de pessoa com identidade diversa; foi assim, na sequência da intercepção e da decisão de afastamento do território, que se seguiria, que a Autora requereu a concessão de protecção internacional ao estado português, o que fez com que as Autoridades Portuguesas considerassem, legitimamente, que o pedido de protecção internacional fora formulado para obstar ao afastamento do território.
No concerne aos fundamentos do pedido de protecção, a Autora esclareceu nas declarações prestadas junto do SEF que saíra do seu país de origem, na República Democrática do Congo, em 2015 e que desde então residira em Angola; relatou ainda que perdera a sua família, na guerra, aos 17 anos, e que fora residir com a sua tia ainda no RDC, que a obrigava a prostituir-se; tendo então conhecido o Francisco que a levou para a Angola. Sucede que descobrira que o mesmo era casado, e a sua mulher acabou por agredi-la. Refere ainda que não pôde recorrer às autoridades da RDC, quando permaneceu no seu país, porque também exigiriam contrapartidas da Autora, nem das autoridades angolanas, que apesar de a ajudarem quando a estas recorreu face às agressões da mulher do Francisco, disseram que a mesma estaria ilegal e por isso teria que abandonar o país.
Em síntese e de todo o alegado, se conclui que a Autora não relata actividades em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana; ou que esteja a ser perseguido ou ameaçado em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social.
Acresce que a Autora saiu da República Democrática do Congo, em 2015 e que permaneceu em Angola, até à data da sua viagem para Portugal, em Novembro de 2018, tendo aliás como destino a Rússia, e que apenas saiu desse país por a mulher do seu namorado ter descoberto o enlace e a ter agredido.
Por sua vez, consta da informação n.º 1675/GAR/18, que sustenta a decisão da Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e que considerou infundado o pedido de protecção internacional da Autora, que: «(…) O motivo invocado pela requerente, para abandonar a RDC, para alem de não ser pertinente para análise das condições para a atribuição do estatuto de refugiado, carece de atualidade, (…)”
(…)
Constatando-se que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ponderou, tendo concluído negativamente, quanto à sistemática violação dos direitos humanos na RDC, bem como, quanto ao risco de a Autora vir a sofrer ofensa grave, se para aí regressasse.”.
Cumpre, assim, apreciar e decidir se efectivamente a sentença recorrida incorreu nos imputados erros de julgamento. Adiantando, desde já, que os mesmos não se verificam.
Comecemos por enunciar as normas jurídicas aplicáveis ao caso sub iudice.
A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, que a republicou estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna cinco directivas comunitárias identificadas no artigo 1.º da referida Lei.
Com a epígrafe: “Conteúdo do pedido” dispõe o artigo 15.º da citada Lei:
“1 - O requerente deve apresentar todos os elementos necessários para justificar o pedido de asilo, nomeadamente:
a) Identificação do requerente e dos membros da sua família;
b) Indicação da sua nacionalidade, país ou países e local ou locais de residência anteriores;
c) Indicação de pedidos de protecção internacional anteriores;
d) Relato das circunstâncias ou factos que fundamentam a necessidade de protecção internacional.
(…)
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, deve ainda o requerente, juntamente com o pedido de asilo, apresentar os documentos de identificação e de viagem de que disponha, bem como elementos de prova, podendo apresentar testemunhas em número não superior a 10.”.
Relativamente à apreciação do pedido dispõe o artigo 18.º da referida Lei n.º 27/2008, nos seguintes termos:
1 - Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete ao SEF analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2 - Na apreciação do pedido, o SEF tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as atividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, exceto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.”
O artigo 19.º da referida Lei n.º 27/2008, com a epígrafe: “Tramitação acelerada”, estabelece o seguinte:
“1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que: (…) e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária; (…) h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento; (…)”.
Relativamente à concessão do direito de asilo o artigo 3.º da Lei 27/2008, prevê:
1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
(…)
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”.
Quanto à autorização de residência por protecção subsidiária, o artigo 7.º, da Lei n.º 27/08 de 20.08, com a epígrafe “Protecção subsidiária”, dispõe:
1- É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”.
Para efeitos desta Lei n.º 27/2008, conforme resulta do seu artigo 2.º, n.º 1, entende-se por: “Beneficiário de proteção internacional” “uma pessoa a quem foi concedido o estatuto de refugiado ou o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas i) e j)” (alínea b)); “Estatuto de proteção subsidiária”, “o reconhecimento, por parte das autoridades portuguesas competentes, de um estrangeiro ou de um apátrida como pessoa elegível para concessão de autorização de residência por proteção subsidiária;” (alínea i); “Estatuto de refugiado”, “o reconhecimento, por parte das autoridades portuguesas competentes, de um estrangeiro ou de um apátrida como refugiado que nessa qualidade seja autorizado a permanecer em território nacional;” (alínea j)), e como resulta da alínea aa) entende-se por “«Proibição de repelir» (“princípio de não repulsão ou non-refoulement”)» o princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, directa ou indirecta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta protecção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, (…)”.
No Manual de Procedimentos e Critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado, de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, do ACNUR, que contém linhas orientadoras para o efeito, refere-se no ponto 195 que “Os factos relevantes de cada caso têm de ser fornecidos em primeiro lugar pelo próprio requerente. Incumbirá, então, à pessoa competente para a determinação do seu estatuto (o examinador) apreciar a validade de qualquer elemento de prova e a credibilidade das declarações do requerente.”.
No ponto 196 do referido Manual do ACNUR refere-se que “Constitui um princípio geral de direito que o ónus da prova compete à pessoa que submete um pedido. Contudo, frequentemente acontecerá que um requerente não é capaz de apoiar as suas declarações mediante provas documentais ou outras; e os casos em que o requerente pode fornecer elementos de prova para todas as suas declarações serão mais a excepção do que a regra. Na maioria dos casos, uma pessoa ao fugir da perseguição, chegará apenas com as necessidades elementares e, muito frequentemente, sem documentos pessoais. Deste modo, enquanto o ónus da prova em princípio incumbe ao requerente, o dever de certificar e avaliar todos os factos relevantes é repartido entre o requerente e o examinador. De facto, em alguns casos, poderá caber ao examinador a utilização de todos os meios ao seu dispor para a produção dos necessários elementos de prova no apoio ao pedido. Contudo, essa investigação independente pode nem sempre ter sucesso e podem existir declarações que não sejam susceptíveis de prova. Em tais casos, se a declaração do requerente parecer credível, dever-lhe-á ser concedido o benefício da dúvida, a menos que existam boas razões para o contrário.”.
E no ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR refere-se que “O benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos.”.
Compete, assim, ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por protecção subsidiária, o ónus da prova dos factos que alega exigindo-se do mesmo um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária.
Como resulta da transcrição supra efectuada da sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou, e bem, que não estamos perante uma situação de aplicação à Autora, ora Recorrente do estatuto de refugiado, afastando, assim, a possibilidade de aplicação à mesma do estatuto de refugiado, bem como, considerou infundado o pedido de concessão de autorização de residência por protecção subsidiária, considerando que a decisão da ED, não padece de qualquer erro.
Efectivamente, analisada a Informação n.º 1675/GAR/18 – cfr. ponto 3 do probatório – constata-se que na mesma foi efectuada a transcrição das declarações prestadas pela Recorrente, as quais foram enunciadas e analisadas no ponto 7, dessa Informação, concluindo-se que “a requerente não concretiza quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de atividade por ela exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. Também não é por si invocado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer atividade individual suscetível de provocar um fundado receio de perseguição, na aceção do art.s 3.º, da Lei n.s 27/2008, de 30.06.
O motivo invocado pela requerente, para abandonar a RDC, para alem de não ser pertinente para análise das condições para a atribuição do estatuto de refugiado, carece de atualidade, já que ocorreram em data anterior a 2015 (…) A requerente não invoca também, em relação ao seu país de origem, qualquer outro facto ou situação de natureza persecutória., tendo inclusivamente declarado ter saído da RDC para fugir a pobreza e ao sofrimento.
Subjacente ao pedido de protecção apresentado pela requerente, estão motivos económicos que não se enquadram nas disposições que regulam o direito de asilo em Portugal. (…) Saliente-se ainda que os factos alegados pela requerente, relativamente a Angola, não relevam em virtude de estes não se reportarem ao país da sua nacionalidade.
A requerente não invoca também factos relativamente aos quais nos seja possível assumir que enfrenta ou possa vir a enfrentar um grave risco de perseguição em razão de um dos motivos previstos na Convenção de Genebra. Aliás, a requerente assenta o seu relato numa situação relativamente à qual não nos foi possível identificar uma ligação/nexo de causalidade a um dos motivos da Convenção.
Vários outros fatores demonstram não ser premente a necessidade de protecção no caso em apreço: o facto de a requerente somente após ter sido recusada a sua entrada em território nacional e não ter solicitado proteção em Angola, porque se sentia protegida por Francisco e não sentiu necessidade de solicitar proteção internacional.
A ausência de qualquer situação ou ato de natureza persecutória reforçam a desnecessidade de protecção internacional e não permitem fundamentar qualquer receio agora invocado.
Em suma, no presente caso, consideramos que não são alegados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que a requerente tenha sido alvo de ameaças ou perseguições, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.s 3 da Lei n.º 27/2008 de 30.06, pelo que, o caso não é subsumível ao estatuto de refugiado, considerando-se o pedido infundado nos termos do artigo. 19.º, n.s 1, al. e) e h) da Lei 27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 5 de Maio. (…)”.
Esta análise efectuada na decisão administrativa impugnada permite compreender os motivos pelos quais a ED considerou que as questões levantadas pela Recorrente não são pertinentes ou têm relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerada refugiada ou pessoa elegível para protecção subsidiária. Pois, na mesma foi efectuado o resumo das declarações da ora Recorrente, designadamente, que aos 17 anos depois de perder os pais e o irmão mais novo foi viver com uma tia, que a forçou a entrar na prostituição, para poder continuar a viver com a mesma, tendo conhecido um cliente angolano, Francisco, a quem contou a sua história. Que a ora Recorrente referiu que as autoridades não a ajudavam e “queriam estar com ela sem pagar”. Francisco disponibilizou-se para a ajudar, oferecendo-lhe alojamento em Luanda, tendo ido para Angola, em 2015, onde veio a saber que esta era casado, tendo sido agredida pela mulher de Francisco, a Autora foi levada para o Hospital, sendo Francisco aconselhado a retirá-la do país, tendo vindo para Portugal, onde chegou em 24 de Novembro de 2018. Após o que a ED efectuou a análise destas declarações concluindo que o motivo invocado para além de não ser pertinente para a análise das condições para a atribuição do estatuto de refugiado, carece de actualidade, salientando, também, que demonstra não ser premente a necessidade de protecção, o facto de a requerente somente após ter sido recusada a sua entrada em território nacional e não ter solicitado protecção em Angola, porque se sentia protegida por Francisco e não sentiu necessidade de solicitar protecção internacional. E que a ausência de qualquer situação ou acto de natureza persecutória reforçam a desnecessidade de protecção internacional e não permitem fundamentar qualquer receio agora invocado. Considerando, a ED, que não foram alegados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que a requerente tenha sido alvo de ameaças ou perseguições, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 3 da Lei n.º 27/2008 de 30.06, pelo que, o caso não é subsumível ao estatuto de refugiado, considerando-se o pedido infundado nos termos do artigo 19.º, n.s 1, al. e) e h) da Lei 27/2008 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 5 de Maio. E, atenta a mesma factualidade a ED considerou que a ora Recorrente também, não era elegível para protecção subsidiária.
Por outro lado, esta fundamentação também permite compreender as razões pelas quais a ED considerou que o pedido foi formulado apenas para atrasar ou impedir uma decisão de afastamento da Autora do país, pois, como resulta dos factos provados, a Autora só formulou este pedido após lhe ter sido recusada a entrada em território nacional (cfr. ponto 1 do probatório). Improcedendo, assim, as conclusões E) e F) da alegação da Recorrente.
A decisão recorrida ao considerar que a ED andou bem, também, não padece do invocado vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto. Pois, como bem se concluiu no acto impugnado a Recorrente fez alegações ou levantou questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária, como acabámos de referir, o que permite submeter o pedido de protecção internacional formulado pela Recorrente a tramitação acelerada.
Senão vejamos.
Desde logo a Recorrente não se insurgiu contra a decisão que considerou que a mesma não reúne os requisitos para a concessão do estatuto de refugiado, pois, quanto a este fundamento não imputou qualquer vício à sentença recorrida – cfr. alíneas E) a N) das conclusões. O que refira-se, face à factualidade enunciada, desde logo face às declarações prestadas pela Recorrente constantes do probatório, é manifesto que a Recorrente não se encontra em nenhuma das situações referidas no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 27/2008.
Por outro lado, do citado artigo 7.º, da Lei do Asilo decorre que a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária não se basta com a conclusão de que no país da nacionalidade ou da residência habitual do Requerente de asilo, existe uma sistemática violação dos direitos humanos, sendo também necessário que o mesmo esteja impedido ou se sinta impossibilitado de regressar e permanecer nesse país atendendo a essa sistemática violação dos direitos humanos. Ou que essa impossibilidade objectiva ou subjectiva resulte do requerente de protecção internacional correr o risco de sofrer ofensa grave.
Como se referiu no acórdão deste TCA Sul de 26-03-2015, proferido no processo n.º 11691/14 (3) “(…) constitui jurisprudência uniforme do STA e deste TCA que “a autorização de residência por razões humanitárias, prevista no artigo 8.º da Lei nº 15/98, de 26/3 [hoje, artigo 7º da Lei nº 27/2008, de 30/6, sob a epígrafe “protecção subsidiária”], só pode ser concedida se, no país de origem do interessado, existir «grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos» que, em concreto, impeça [“pulsão objectiva”] ou impossibilite [“pulsão subjectiva”] o regresso [e permanência] do requerente ao país da sua nacionalidade”, sendo que “recai sobre o requerente de autorização de residência o ónus da prova dos factos em que baseia a sua pretensão” [cfr., neste sentido, os acórdãos do STA, de 29-10-2003, proferido no âmbito do recurso nº 0151/03, e deste TCA Sul, de 24-5-2007, proferido no âmbito do processo nº 02543/07, e de 24-2-2011, proferido no âmbito do processo nº 07157/11].”.
Ora, no caso a Autora, ora Recorrente, alegou que receia regressar à RDC, de onde referiu ter saído em 2015 e a Angola, onde permaneceu desde que saiu da RDC até Novembro de 2018. Contudo, os factos provados – cfr. declarações prestadas pela mesma - permitem concluir não existir esse receio e que a mesma não está impedida, nem se sente impossibilitada de regressar à RDC ou a Angola, atendendo à sistemática violação dos direitos humanos, ou em virtude de correr risco de sofrer ofensas graves.
Sendo que para este efeito considera-se ofensa grave, nomeadamente: “a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.”, como se prevê no n.º 2, do já citado artigo 7.º da Lei do Asilo.
Não subsistindo dúvidas que a ora Recorrente relatou factos relacionados com a vida privada da mesma, sem que tenha referido de forma coerente e precisa factos que permitam concluir que formulou pedido de ajuda às autoridades da RDC ou de Angola.
No entanto, a mesma não referiu e também não está demonstrado nos autos que tenha sido alvo de qualquer tratamento que colocasse em causa a sua vida ou integridade física, fosse por parte das autoridades da RDC ou de Angola, não tendo a mesma relatado qualquer situação concreta de perseguição. Pelo que, em face das declarações prestadas carecia de relevância a recolha de informações sobre a “concreta situação político-económica-social da República Democrática do Congo” (o país de origem), seja pelo SEF, seja oficiosamente pelo Tribunal a quo – que permitissem concluir que está demonstrada a existência de violação indiscriminada ou a violação generalizada de direitos humanos, de forma a atingir qualquer pessoa que ali se encontre ou que a Recorrente ficaria em “risco de ofensa grave”, no caso de regressar à RDC.
Em face do exposto, acompanha-se o entendimento da sentença recorrida quando concluiu que “as declarações da Autora não permitem obter o efeito pretendido por aquela, permitindo até decidir que a sua situação não se enquadra nas situações descritas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, nem tão-pouco nas descritas no artigo 7.º da mesma lei.
Como tal, face a todo o quanto aduzido, bem andou o Réu ao decidir que a situação da Autora se reconduz ao consagrado na alínea e) e h), n.º 1, do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
Donde, de todo o supra exposto, resulta que não se verificam os vícios que a Autora imputa ao acto impugnado, tendo por isso de improceder a sua pretensão.”.
Pois, o acto impugnado fez uma correcta apreciação da factualidade apurada, designadamente, das declarações prestadas pela requerente do pedido de protecção internacional – ora Recorrente -, concretamente, dos factos que motivaram a sua saída da RDC e de Angola e o pedido de protecção internacional em Portugal.
Face às declarações prestadas pela Autora, ora Recorrente e em face dos factos provados, estão evidenciadas condições de vida difíceis, não estando contudo, evidenciado que uma vez regressada ao seu país de residência, Angola, ou de origem, RDC – países relativamente aos quais refere ter receio regressar - venha a correr risco de sofrer ofensa grave, ou seja impedida ou se sinta impossibilitada de regressar aos mesmos, por naqueles países existirem sistemáticas violações dos direitos humanos, que a atingiriam.
Cabe ao requerente do pedido de protecção internacional, o ónus da prova dos factos que alega, em conformidade com o previsto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 27/2008, no artigo 116.º, n.º 1, do CPA e no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Exigindo-se, para tanto, um relato coerente, credível e suficientemente justificador da impossibilidade ou do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, sendo que os factos apurados, como referido, permitem concluir, de modo manifesto, não existir.
Em suma, no caso dos autos, não está provado ou sequer indiciado que, caso a ora Recorrente regresse à RDC ou a Angola, seja impedida ou se sinta impossibilitada de regressar aos mesmos, por naqueles países existirem sistemáticas violações dos direitos humanos, que a atingiriam ou que corra risco de sofrer ofensa grave contra a vida ou integridade física – cfr. artigos 7.º, n.º s 1 e 2, da citada Lei.
Na verdade, os factos relatados pela Autora, ora Recorrente, não permitem concluir que a mesma careça de protecção internacional, pelo que, também, não estamos perante uma situação enquadrável no artigo 7.º da Lei n.º 27/2008.
Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, quando o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária, o pedido é sujeito a tramitação acelerada e considerado infundado, tal como sucede quando o pedido é apresentado “apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento” (alínea h), do n.º 1 do artigo 19.º, da referida Lei), como efectivamente ocorreu no caso sub iudice.
Nesta conformidade, não reunindo a Autora os pressupostos de facto e de direito para que o pedido de protecção internacional que formulou seja admitido e instruído, nos termos dos artigos 20.º, n.º 4 e 27.º e ss., da referida Lei, a sentença recorrida não padece de erro de julgamento, por ter considerado que o acto impugnado, ao considerar infundado o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, fez uma correcta apreciação dos factos e subsunção dos mesmos às normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente, ao artigo 7.º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5.
Em face do que deverá ser negado provimento ao presente recurso, não sendo, consequentemente de anular o acto impugnado e de condenar a ED a admitir liminarmente o pedido do demandante para efeitos de instrução do mesmo, nos termos dos artigos 27.º a 32.º da Lei do Asilo, para apreciação da admissibilidade do mesmo, averiguando-se sobre a situação político-económica-social para eventual concessão de protecção subsidiária, em conformidade com o previsto no artigo 18.º, dar referida Lei, mantendo-se, consequentemente, na ordem jurídica o despacho impugnado.
Razões pelas quais tem de improceder o presente recurso.

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Sumariando, em conformidade com o disposto no n.º 7, do artigo 663.º do CPC:
1 - Compete ao requerente de protecção internacional, o ónus da prova dos factos que alega, em conformidade com o previsto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 27/2008, no artigo 116.º, n.º 1, do CPA e no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Exigindo-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador da impossibilidade ou do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente de asilo/protecção subsidiária, sendo que os factos apurados, permitem concluir, de modo manifesto, não existir.
2 - Não está provado ou sequer indiciado que, caso a ora Recorrente regresse à RDC ou a Angola, seja impedida ou se sinta impossibilitada de regressar aos mesmos, por naqueles países existirem sistemáticas violações dos direitos humanos, que a atingiriam ou que corra risco de sofrer ofensa grave contra a vida ou integridade física – cfr. artigos 7.º, n.º s 1 e 2, da citada Lei.
3 - Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, quando o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária, o pedido é sujeito a tramitação acelerada e considerado infundado, tal como sucede quando o pedido é apresentado “apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento” (alínea h), do n.º 1 do artigo 19.º, da referida Lei), como efectivamente ocorreu no caso sub iudice.
IV - Não reunindo a Autora os pressupostos de facto e de direito para que o pedido de protecção internacional que formulou seja admitido e instruído, nos termos dos artigos 20.º, n.º 4 e 27.º e ss., da referida Lei, a sentença recorrida não padece de erro de julgamento, por ter considerado que o acto impugnado, ao considerar infundado o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, fez uma correcta apreciação dos factos e subsunção dos mesmos às normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente, ao artigo 7.º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5.

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Sem custas – cfr. artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se, consequentemente, a sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Junho de 2019.
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(Helena Afonso – relatora)

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(Pedro Nuno Figueiredo)
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(Carlos Araújo)



(1) Aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, tal como os demais artigos do CPC invocados relativamente aos recursos
(2) Aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
(3) Consultável em www.dgsi.pt.