Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:48/19.1BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:TAD; VALOR DO PROCESSO; CUSTAS ARBITRAIS.
Sumário:I. O valor da causa corresponde ao montante da sanção de conteúdo pecuniário aplicada - art.º 33.º, al. b) do CPTA;

II. O montante das custas arbitrais determinado através da aplicação das normas que constam do art. 2.º, n.ºs 1 e 5 e respectiva tabela (Anexo I, 2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, de 22 de Setembro, conjugadas com as normas dos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, não ofende os princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP).
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


A Futebol ............... – Futebol, SAD, veio interpor recurso do acórdão datado de 04/02/2019, proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto no âmbito do processo n.º 74/2017, que confirmou parcialmente a decisão da Federação Portuguesa de Futebol e condenou a aqui Recorrente a pagar, a título de sanção disciplinar, o valor total de € 2.103,00 pelas infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 127.º1, 187.º-1, a) e b) do RD, alegadamente cometidas aquando do jogo de futebol realizado entre o Futebol .......... e o Futebol Clube ......................., no dia 21.10.2017, no Estádio do Dragão e fixou as custas no montante de 4.150,00€, mais IVA, a pagar pela Recorrente no montante correspondente a 93,22% desse valor.
Em 23/05/2019 foi proferido acórdão que julgou o recurso procedente, revogou o acórdão do TAD, anulou a deliberação que condenou a Recorrente a pagar a sanção disciplinar e não conheceu das questões de alteração do valor da causa e de desaplicação, por inconstitucionalidade, das normas da Portaria 301/205 de 22 de Setembro, relativas ao cálculo das custas a pagar no Tribunal Arbitral do Desporto, por tal conhecimento ter ficado prejudicado.
Foi interposto recurso para o Venerando STA, o qual, por acórdão de 12/12/2019, revogou o acórdão recorrido e determinou a baixa dos autos ao TCAS para “se proceder à apreciação da questão enunciada no ponto 30 do presente Acórdão”.

Referiu-se no ponto 30 desse acórdão que: “ocorre, todavia, que fruto do julgamento de procedência da impugnação que foi feito pelo TCAS temos que no mesmo não veio a ser emitida qualquer pronúncia quanto à questão relativa às "custas processuais" e inconstitucionalidade que ali foi arguida pela referida Recorrente - págs. 19 a 25 das alegações de recurso de apelação e conclusões xxvi) a xxix) do ponto V das conclusões do mesmo recurso -, questão essa objeto do recurso subordinado deduzido perante este STA, pelo que se impõe a remessa dos autos ao mesmo Tribunal para efetivação daquele julgamento.”.

A Recorrente, no recurso que dirigiu a este TACS, apresentou as seguintes conclusões, na parte em que se refere às referidas questões que agora importa decidir:
“(…)

-A modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para € 30.000,01 - ao invés do total da multa por que foi a recorrente condenada - foi feita em violação do previsto no art. 33.º, b) do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade, fixando­ se o valor da acção no montante de € 2.256,00 daí se extraindo as devidas consequências.

- Os custos fixados pelo TAD comprometem de forma séria e evidente o princípio da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP).

- Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.º e 268.º-4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.

-Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.º- 1 e -5, conjugado com a tabela constante do Anexo 1 (2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.º/ l/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.º da CRP).”

A Recorrida contra-alegou, tendo concluído:

“(…)
-Também não merece qualquer censura o valor atribuído à causa porquanto a Recorrente tem um interesse que vai muito para além da mera revogação da decisão disciplinar, tanto que invoca a inconstitucionalidade das normas aplicadas .
-O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
(…).”

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se o Tribunal a quo errou:
- ao fixar o valor da causa em 30.000,01€ (trinta mil e um cêntimos);
- ao aplicar o “art.º 2.º-1 e -5, conjugado com a tabela que consta do Anexo I (2ª linha), da Portaria 301/205 de 22 de Setembro, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD), por as normas aí vertidas violarem o princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP)” e se, por conseguinte, tais normas devem ser desaplicadas (art. 204.º da CRP).

*
Dos factos.
Para a decisão do recurso, importa considerar a seguinte matéria de facto:
a) A Federação Portuguesa de Futebol condenou a Futebol .................. SAD a pagar, a título de sanção disciplinar, o valor total de € 2.256,00 pelas infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 127.º-1, 187.º-1, a) e b) do RD - doc. de fls. 4 do SITAF.
b) Em 04/02/2019, o Tribunal Arbitral do Desporto proferiu acórdão no âmbito do processo n.º 74/2017, em que fixou o valor da causa em 30.000,01€ - doc. de fls. 4 do SITAF;
c) E confirmou parcialmente a decisão da Federação Portuguesa de Futebol, tendo condenado a Futebol ........................ SAD a pagar, a título de sanção disciplinar, o valor total de € 2.103,00 pelas infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 127.º-1, 187.º-1, a) e b) do RD, alegadamente cometidas aquando do jogo de futebol entre o Futebol ..................e o Futebol ........................, no dia 21.10.2017, no Estádio do Dragão e fixou as custas no montante de 4.150,00€, mais IVA, a pagar pela Recorrente no montante correspondente a 93,22% desse valor - doc. de fls. 4 do SITAF.
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Direito
Do valor da causa.
O TAD decidiu alterar o valor da causa que havia sido atribuído pela Recorrente ao presente processo e que correspondia ao valor da sanção disciplinar aplicada, por entender que “nos termos do disposto no n° 2, do artigo 306 ° e do artigo 308.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi n. °4, do artigo 31° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…) os comportamentos subjacentes à punição traduzida na aplicação de sanções pecuniárias ultrapassam sobejamente o mero valor económico da pena aplicada, alcançando um valor que não se torna determinável exclusivamente pela quantia aplicada. Nesse sentido a norma regulamentar violada (o artigo 187.° do RD) assenta a sua previsão no comportamento incorreto do público, seja ele social seja desportivo, seja pelo arremesso de objetos, seja por insultos. (…) Assim sendo, é entendimento deste colectivo que o valor da presente causa é indeterminável, sendo por isso fixado em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos previstos nos n.°s 1 e 2 do CPTA, em conjugação com o disposto no artigo 6.°, n° 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e com o n° 1, do artigo 44.° da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aplicáveis por força do n° 1, do artigo 77° da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto e do n.° 2, do artigo 2º da Portaria n.° 301/2015 de 22 de Setembro”.

Estatui o art.º 33.º, al. b) do CPTA que: “nos processos relativos a actos administrativos, atende-se ao conteúdo económico do acto, designadamente por apelo aos seguintes critérios, para além daqueles que resultam do disposto no artigo anterior: (…) b) Quando esteja em causa a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada;”.
A sanção disciplinar aplicada no presente processo tem natureza pecuniária, pelo que cai no âmbito de previsão da referida norma.
O conteúdo económico do acto coincide, nestas situações, com o montante da sanção aplicada - cfr. Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª Edição, p. 232.
Não há, assim, que atender ao critério previsto no art.º 34.º do CPTA, dado que não estamos perante um processo que tenha por objecto bens imateriais ou normas administrativas.
Impõe-se, por isso, fixar o valor da causa em 2.256,00€, que corresponde ao montante da sanção disciplinar aplicada e revogar, nessa parte, o acórdão recorrido.
Na jurisprudência deste TCAS veja-se, neste sentido e entre outros, o ac. proferido em 08/11/2018, proc.º n.º 70/18.5 BCLSB, o ac. de 07/11/2019, proc. n.º 2/19.3BCLSB, o ac. de 10/12/2019, proc.º n.º 4/19.0BCLSB.


Do pedido de desaplicação das normas sobre custas.
A Recorrente insurge-se contra o montante de custas processuais fixado no acórdão do TAD (4.150,00€, mais IVA, a pagar pela Recorrente no montante correspondente a 93,22% desse valor), alegando que são manifestamente excessivas face ao valor da sanção disciplinar aplicada pela deliberação que impugnou (€ 2.256,00) e defende que as normas que constam do art. 2.º, n.ºs 1 e 5 e respectiva tabela (Anexo I, 2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, de 22 de Setembro, conjugadas com as normas dos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, devem ser desaplicadas (art.º 204.º da CRP) por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP).
Entende-se, no seguimento da doutrina vertida no acórdão STA n.º 033/18.0BCLSB, de 21.02.2019, nos acórdãos do TCAS proferidos em 22/08/2019, proc.º n.º 96/19.1BCLSB; 07/11/2019, proc. n.º 2/19.3BCLSB; 10/12/2019, processos n.º 4/19.0BCLSB, 133/19.0BCLSB e n.º 143/17.1BCLSB, acessíveis em www.dgsi.pt e do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 543/2019, de 16/10/2019, que não se verificam as apontadas inconstitucionalidades.
Escreveu-se no último dos apontados acórdãos que:
(…)
2.5. (…) Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, no contexto de apreciação das custas judiciais, a Constituição não garante uma justiça gratuita mas uma justiça economicamente acessível à generalidade dos cidadãos, sem necessidade de recurso ao sistema de apoio judiciário (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 1182/96 e 70/98). Ora, se o Estado pode exigir aos cidadãos que recorrem aos tribunais públicos o pagamento de taxas de justiça em contrapartida do serviço público de justiça que lhes é individualmente prestado nos processos judiciais, por maioria de razão poderá exigir aos operadores desportivos o pagamento do serviço especializado de justiça desportiva que lhes é especificamente prestado pelo TAD, que é um centro de arbitragem de natureza privada criado para responder às necessidades de uniformização, celeridade e especialização impostas pela especificidade do litígio desportivo (Acórdão n.º 230/13).
(…) a transferência de competências jurisdicionais dos tribunais administrativos para o TAD, na matéria em apreço (cfr. artigos 4.º e 5.º da respetiva lei), redundou num encarecimento dos valores cobrados pelo serviço público de justiça prestado em processos de valor igual ou inferior a €30.000,00.
E efetivamente assim é, como decorre da comparação do montante global fixado na primeira linha da tabela constante do Anexo I da Portaria n.º 301/2015 (€3.325,00) e o montante máximo da taxa de justiça fixado na tabela I do RCP para a generalidade dos processos judiciais de valor não superior a €30.000,00 (cinco unidades de conta, que equivale a €510,00), situando-se a diferença em cerca de seis vezes mais o valor das custas dos processos arbitrais necessários (€510,00 x 6 = €3060,00).
Sucede que, como se antecipou no ponto anterior, há razões constitucionalmente aceitáveis para essa diferença de valores, que se prendem com a natureza privada do TAD - que tem nas custas processuais a sua principal fonte de financiamento (artigo 1.º, n.º 3, da Lei do TAD) -, o nível médio de rendimentos das entidades desportivas envolvidas nos litígios que integram a competência necessária desse tribunal arbitral, sensivelmente superior ao nível médio de rendimentos dos cidadãos em geral, e as próprias características do serviço de justiça prestado pelo TAD.
(…)
Conforme é referido no Acórdão n.º 155/2017, «[p]ara que se possa considerar existir uma clara desproporção que afeta o carácter sinalagmático de um tributo não se pode atender apenas ao carácter fortemente excessivo da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço (acórdãos nºs. 640/95 e 1140/96); ela há-de igualmente ser aferida em função de outros fatores, designadamente da utilidade do serviço para quem deve pagar o tributo (cfr. acórdãos nºs. 1140/96; 115/02 e 349/02).»
(…) não se deve ignorar a especificidade da justiça arbitral (necessária) face à justiça estadual, nem a especificidade do tipo de litígios integrados na competência necessária do TAD face à generalidade dos demais litígios carecidos de resolução jurisdicional, sendo necessariamente diferentes as variáveis de ponderação que o legislador deve atender na fixação do valor das custas de processos que genericamente envolvem federações desportivas, ligas profissionais e clubes desportivos, e são decididos por uma entidade que, tendo natureza jurisdicional, não é pública, nem financiada pelo Estado, e tem a seu cargo custos próprios permanentes que decorrem da sua específica estrutura arbitral de funcionamento.
Neste enquadramento, não se afigura constitucionalmente censurável a fixação de um valor mínimo de custas processuais que reflita a maior capacidade económica presumida dos potenciais litigantes e permita cobrir os custos específicos mais elevados do serviço de justiça prestado pelos tribunais arbitrais, como sucede com o valor concretamente fixado na primeira linha da tabela anexa à Portaria n.º 301/2015 (€3325,00).
Os eventuais excessos que o sistema de custas processuais legalmente estabelecido possa comportar, por força da amplitude do primeiro escalão tributário, devem ser sinalizados caso a caso em função do concreto valor processual da causa e do concreto valor das custas processuais cobradas. Esta tem sido, aliás, a perspetiva de análise que o Tribunal Constitucional tem adotado no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas que fixam o montante das custas processuais exclusivamente em função do valor da causa, sindicando à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, não o critério em si, mas o resultado tributário concreto a que a sua aplicação conduziu no processo que deu origem ao recurso de constitucionalidade.
Como expressivamente se afirma no Acórdão n.º 301/2009, «estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projecção consequencialista sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado». (…)”.

Tal doutrina tem aqui plena aplicação, pelo que se entende que não há que desaplicar as referidas normas com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade.

Há, assim, que manter o decidido pelo acórdão recorrido em matéria de custas arbitrais.

Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em julgar parcialmente a procedência do recurso, fixando o valor da causa em 2.256,00€ e declarar a improcedência do pedido de desaplicação das normas sobre custas arbitrais.
Custas pela Recorrente, em 75% do devido.


Lisboa, 16 de Janeiro de 2020

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Jorge Pelicano

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Paulo Gouveia

[vencido conforme declaração em baixo]

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Sofia David




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Voto de vencido:
Discordo do Acórdão na parte referente à questão das custas no TAD, com base na fundamentação que consta do voto de vencido no Ac. do TC nº 543/2019 e na fundamentação que consta do Ac. deste TCAS de 6-12-2017, P. nº 155/17.