Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1386/09.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC
DEFICE INSTRUTÓRIO
ACTIVO IMOBILIZADO / VIATURAS DE SERVIÇO
Sumário:I. No processo judicial tributário vigora o principio do inquisitório, pelo que, nos termos do n.º 1, do artigo 99.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento e de processo Tributário (CPPT) o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.
II. Só a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.
III. O activo imobilizado da empresa é o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, ou seja, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico.
IV. O que é determinante para a classificação de um elemento do património da empresa como parte integrante do activo imobilizado é a sua função dentro da empresa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelaM... PORTUGAL, S.A.", (anteriormente designada "D... PORTUGAL, SGPS, LDA"), contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2002, resultado de acção de inspecção, identificada com o n.° 2006 8..., e correspondente liquidação de juros compensatórios, identificada com o n.° 2006 0..., que deram origem à emissão da demonstração de acerto de contas n.° 2006 00..., no valor global de € 46.120,78.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por M... PORTUGA, S.A., com o número de identificação fiscal 5..., contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício fiscal de 2002, resultante de ação de inspeção, identificada com o n.° 2006 8..., e correspondente a liquidação de juros compensatórios, identificada com o n.° 2006 0..., que deram origem à emissão da demonstração de acerto de contas n.° 2006 00..., no valor global de €46.120,78 (quarenta e seis mil cento e vinte euros e setenta e oito cêntimos), anulando, em consequência, os referidos atos impugnados e condenando a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios desde 18-09-2006 até à data da emissão da nota de crédito.

II. Dão-se aqui por reproduzidos todos os factos provados, enunciados na sentença.

III. Em causa nos autos está a correção levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária, no âmbito de um procedimento externo de inspeção, de âmbito parcial, aos elementos contabilísticos-fiscais do grupo, referente ao exercício de 2002, do qual resultaram correções ao lucro tributável no valor de €152.507,32, relativamente à reclassificação dos proveitos decorrentes da alienação de viaturas de serviço, de extraordinárias para operacionais.

IV. Porque relevante, desde logo se invoca a posição assumida pelo ilustre Magistrado do Mistério Público, no âmbito dos presentes autos, o qual, no parecer por si emitido, aderiu à fundamentação da AT, pronunciando-se pela improcedência da impugnação.

V. Apurou a Inspeção Tributária, no âmbito da ação inspetiva supra referida, e no que a esta correção em particular diz respeito, o seguinte [ponto III.1.1. do RIT]:

“(...) A sociedade M... Portugal - C..., S.A, evidencia o resultado decorrente da alienação de viaturas de serviço, como um ganho ou perda extraordinário, aplicando em consequência o normativo constante dos artigos 43.° a 45.° do CIRC, no tratamento fiscal das mais/menos valias apuradas. De facto, verificou-se que o sujeito passivo procede ao apuramento de mais ou menos valias contabilísticas no seu imobilizado, procedendo à aplicação do mecanismo de ajustamentos das mesmas, no quadro 07 da modelo 22, no sentido de sujeitar a tributação o resultado fiscal (positivo) assim apurado, nos termos do artigo 45.° do CIRC. Contudo, o tratamento fiscal a dar às viaturas de serviço alienadas, deve passar pela sua reclassificação como existências, e originar não um proveito extraordinário previsto na alínea f) do n.° 1 do artigo 20.° do CIRC, mas um proveito operacional previsto na alínea a) do n.° 1 do citado artigo, pelos factos que seguidamente se apresentam:

- O negócio do sujeito passivo consiste no comércio de viaturas importadas ao seu fornecedor alemão D... AG;

- As viaturas que adquire destinam-se a ser vendidas aos seus clientes;

- Na aquisição das viaturas o sujeito passivo, precede à contabilização das mesmas na conta de Existências;

- No exercício de sua actividade necessita de algumas viaturas, destinadas a deslocações, bem como para demonstração e experimentação da imprensa e concessionários;

- Aquando da afectação das viaturas à actividade, o sujeito passivo procede a uma reclassificação contabilística, corroborada, pela administração tributária, através da conta regularizações, passando às viaturas a estar registadas no activo imobilizado e em consequência a gerar os respectivos custos de utilização: amortização, combustíveis, seguros, conservação e reparação, sujeitando os mesmos a tributação autónoma quando respeitem a viaturas ligeiras de passageiros;

- Decorre do n.° 3 do artigo 17.° do CIRC, que a contabilidade deverá estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

- Define o POC, imobilizado:" integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carcter de permanência superior a um ano” e supletivamente a IAS n.° 2 “ São activos fixos tangíveis aqueles que sejam detidos por uma empresa para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços para arrendamento a outros ou para uso administrativo e que se espera que sejam usados por mais de um ano”.

- A alienação de grande parte das viaturas regista-se menos de um ano após ter sido afecta ao serviço da mesma;

- A alienação das viaturas é feita a concessionários, empresas e outros clientes;

- As viaturas, não obstante, estarem ao serviço da empresa, encontram-se permanentemente disponíveis para venda, segundo informação da mesma;

Assim, quando as viaturas, de acordo com a política da empresa ou em consequência de possíveis negócios deixam de estar ao serviço da empresa para serem remetidas ao setor de vendas de viaturas usadas, deverá ser efetuado o adequado registo contabilístico da transferência do imobilizado para a conta de existências, pelo correspondente valor líquido contabilístico. Desta forma, obter-se-á uma melhor informação financeira porque, por um lado, o custo de depreciação dos bens é reconhecido durante o período (geralmente inferior a um no), em que, de facto, o mesmo se verificou e em que deles resultaram benefícios económicos para a empresa e, por outro lado, o resultado apurado aquando da venda corresponde ao que a empresa efetivamente obtém - diferença entre o preço de venda e o valor líquido contabilístico à data da transmissão - e é tido como um resultado operacional (que de facto é) e não como um resultado de natureza extraordinária.

Neste sentido o resultado obtido na alienação das viaturas de serviço não poderá ser considerado como mais ou menos valia e, portanto, não terá aplicabilidade, ao caso em apreço, o regime previsto no artigo 45. ° CIRC. Face ao exposto, proceder-se-á à correção no montante de €152.507,32 correspondente ao saldo líquido corrigido pelo sujeito passivo no quadro 07 da modelo 22 da declaração de rendimentos individual, calculado de acordo com o mapa 31 anexo à mesma (Anexo I, fls. 1 a 4)”.

VI. Ora, em face da atividade do sujeito passivo, ora Recorrida (importação de viaturas para venda e como atividade subsidiária a venda de veículos em estado de uso - cfr. artigo 19.° da p.i. reconhecido pela Impugnante), consideram os serviços de inspeção que estando em causa as viaturas de serviço que se encontram permanentemente disponíveis para venda, a alienação das referidas viaturas de serviço não consubstancia proveitos extraordinários mas sim resultados operacionais, tendo ainda verificado que a aplicação do regime previsto no artigo 45° do CIRC e o consequente ajustamento no quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC não produz uma informação financeira correta.

VII. A ora Recorrida afeta algumas das suas viaturas importadas para venda à sua utilização, nomeadamente para deslocações dos seus colaboradores, bem como para a demonstração e experimentação de clientes, concessionários e imprensa e quando o faz procede à reclassificação contabilística, através da conta “38 - regularizações de existências”, passando as viaturas e estar registadas no ativo imobilizado [cfr. pontos E) e F) dos factos dados como provados].

VIII. Já quando a ora Recorrida vendia uma dessas viaturas que, devido à reclassificação anterior, faziam parte do imobilizado, não reclassifica as mesmas viaturas para existências, considerando os serviços de inspeção que estando em causa as viaturas de serviço que se encontram permanentemente disponíveis para venda, a alienação das referidas viaturas de serviço não consubstancia proveitos extraordinários mas sim resultados operacionais, tendo ainda verificado que a aplicação do regime previsto no artigo 45° do CIRC e o consequente ajustamento no quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC não produz uma informação financeira correta.

IX. Logo, a divergência entre a AT e a ora Recorrida reside exatamente na classificação em termos contabilísticos dessas viaturas de serviço e nos efeitos fiscais que tal classificação terá no momento da sua alienação, uma vez dessa qualificação dependerá a sua consideração como proveitos extraordinários ou como resultados operacionais.

X. Com o devido respeito, contra a sentença recorrida que admitiu a aplicação do regime ínsito no artigo 45.° do CIRC, concorrendo para o cálculo do lucro tributável apenas metade do valor da mais valia, começamos por convocar a seguinte argumentação:

“(…) cumpre referir que a questão a decidir foi já apreciada no Trib unal Administrativo e Fiscal de Sintra, em processos com semelhante objeto e fundamentação, intentados pela Impugnante, correndo seus termos sob os n. °s 1045/09.0BESNT, 532/10.2BESNT, e 226/09.1BESNT.

Tendo presente o disposto no n.° 3 do artigo 8.° do Código Civil, nos termos do qual “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, as semelhanças entre os referidos processos e o presente, e bem assim o entendimento veiculado nas sentenças proferidas, adere -se ao fulcro do raciocínio judiciário nelas vertido (...)”.

XI. Adianta-se desde já que relativamente a estes processos encontram-se pendentes de apreciação os recursos apresentados pela Representação da Fazenda Pública.

XII. Segundo a Sentença do Tribunal a quo, de que ora se recorre “(...) ora resultando dos elementos probatórios produzidos, e do RIT, que a classificação contabilística como ativos corpóreos se afigura como correta, e que os veículos de serviço eram efetivamente utilizados pela empresa para apoio da sua atividade, aquando da respetiva alienação, não se descortina qual o fundamento contabilístico ou fiscal que subjaz à conclusão da AT, em sede de RIT, de que a alienação dos mesmos implicaria a sua reclassificação contabilística como existências, com a consequente inaplicabilidade do regime de reinvestimento ínsito no artigo 45.° do CIRC(...) ”.

XIII. Ora, com o devido respeito, não podemos concordar com tal asserção.

Vejamos.

XIV. A figura da “viatura de serviço” não se pode confundir com as viaturas usadas adquiridas, nomeadamente por retoma. Importa aliás referir que o conceito de “viatura de serviço” constitui uma realidade bem conhecida da generalidade dos cidadãos, sendo inclusive facto público e notório.

XV. Com efeito, no setor da venda de viaturas automóveis uma “viatura de serviço” é uma viatura que o vendedor utiliza durante um período de tempo (geralmente curto), percorrendo em regra poucos quilómetros, pelo que estas são vendidas, não como viaturas “usadas”, mas precisamente sob a denominação específica de “viaturas de serviço”.

XVI. Resulta dos autos que as “viaturas de serviço”, não obstante estarem ao serviço da ora Recorrida, encontram-se permanentemente disponíveis para venda. (Sublinhado nosso).

XVII. Logo, não constituem um verdadeiro ativo imobilizado corpóreo da empresa, estando sim temporariamente afeto ao uso da empresa.

XVIII. É igualmente natural relativamente às “viaturas de serviço” a possibilidade de as propostas de compra serem feitas pelos concessionários e de estas poderem ser ou não aceites, dado que importa certamente ter em conta, nomeadamente a oportunidade da venda em face do valor proposto, do estado da viatura e da eventual necessidade e disponibilidade de outras “viaturas de serviço” no local onde as mesmas se encontram.

XIX. Em suma, as vendas de viaturas de serviço não constituem um ganho ou uma perda extraordinários, mas sim um resultado normal da atividade.

XX. O regime especial previsto no artigo 45.° do CIRC visa regulamentar o tratamento fiscal dos ativos do imobilizado que o sujeito passivo tenha afetado ao seu uso permanente, motivo pelo qual se prevê um tratamento mais favorável e a possibilidade de declarar a intenção de reinvestimento.

XXI. No caso das “viaturas de serviço” é manifesta a falta de intenção de permanência no imobilizado, não sendo igualmente legítimo utilizar a opção de “reinvestimento” noutra viatura de serviço que fica igualmente disponível para venda.

XXII. Não obstante, se o sujeito passivo demonstrar que as viaturas de serviço tinham sido afetas à atividade e contribuíram para a obtenção de proveitos, poderão ser aceites amortizações durante esse período, bem como os custos associados.

XXIII. Porém, face à intenção de alienar as viaturas estas terão de ser qualificadas como existências aquando da venda. Não se verifica assim qualquer incongruência, sendo dado o tratamento fiscal adequado à atividade desenvolvida.

XXIV. É indiscutível que as “viaturas de serviço” se destinam a venda, ainda que possam temporariamente estar disponíveis para utilização.

XXV. Além disso, foi apurado nos autos que “(...) em 2002, a Impugnante alienou noventa e uma viaturas de serviço que se encontravam registadas no ativo imobilizado (cf. Q) dos factos provados).

XXVI. As vendas em causa, não decorrem de acontecimentos fortuitos e esporádicos, alheios à atividade corrente da empresa (originando resultados extraordinários como pretende a Recorrida).

XXVII. Decorrem sim da venda de bens em estado de uso, uma das atividades a que a empresa se dedica, nomeadamente que já não servem convenientemente os fins da empresa.

XXVIII. A verdade é que a intenção da ora Recorrida até podia ser a de usar as viaturas importadas por um período indefinido, até com caráter de permanência, mas se, ainda que com essa intenção, vendeu um número elevado de viaturas, parece-nos que o referido elemento intencional fica colocado em causa.

XXIX. Padece a sentença de um défice instrutório, em pura violação dos princípios do inquisitório e da busca da verdade material.

XXX. Verifica-se um manifesto défice instrutório, que influi na decisão da causa, na medida em que a prova dos factos alegados nos autos que frontalmente afastam a pretensão da ora Recorrida é indiscutivelmente relevante para a justa composição da lide.

XXXI. Relativamente aos juros indemnizatórios, importa referir que a sentença recorrida violou o estatuído no n.° 1 do artigo 43.° da LGT porquanto não se vislumbra a existência de qualquer erro de direito.

XXXII. É indiscutível que as viaturas de serviço se destinam a venda, ainda que possam temporariamente estar disponíveis para utilização.

XXXIII. Assim sendo, não estão preenchidos os pressupostos do artigo 43°, n° 1 da LGT.

XXXIV. Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.»

3. A recorrida M... Portugal, S.A apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«A. Relativamente à matéria de facto, a AT não pode ignorar que in casu o sentido da expressão “viaturas de serviço” corresponde aos veículos importados que a Recorrida afeta, sem prazo certo, à utilização pelos seus trabalhadores ou cede a clientes ou jornalistas.

B. Aliás, é a própria AT que se refere aos veículos automóveis em questão como “viaturas de serviço” no relatório de inspeção que fundamenta as correções controvertidas à matéria coletável de IRC.

C. Ademais, a utilização por um período de tempo geralmente curto que nas suas alegações de recurso a AT associa àquilo que comummente se designa como “viatura de serviço” não encontra suporte na prova produzida no caso concreto.

D. Por outro lado, a inserção destas viaturas de serviço numa base de dados autónoma e distinta da base de dados de veículos usados e a possibilidade de os concessionários fazerem propostas de compra não alteram o seu enquadramento como imobilizado corpóreo.

E. Em relação à questão de fundo, como bem entendeu o tribunal de primeira instância, a venda das viaturas de serviço inscritas na contabilidade como imobilizado, por si só, não é apta a determinar uma alteração da intenção do contribuinte relativamente àqueles ativos que provoque a reclassificação como existências (mercadorias).

F. A venda de uma viatura automóvel que se encontra a ser utilizada pela empresa na sua atividade - uma utilização que constitui facto assente e foi reconhecida pela AT - não implica uma reafectação ou modificação da intenção subjacente à detenção do ativo que imponha a sua reclassificação em termos contabilísticos.

G. Poderia ser diferente se a viatura em questão deixasse de ser utilizada na atividade comercial ordinária da empresa e fosse colocada no mercado para venda ao público - e.g. mediante a sua inserção na base de dados das viaturas usadas e exposição para visualização por terceiros -, mas não foi isso que sucedeu no caso sub judice.

H. No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 01347/03, de 6 de julho de 2004, ficou decidido que “esses bens [ativo imobilizado corpóreo] poderão vir a ser vendidos proporcionando até ganhos à empresa ou sociedade” e que “se uma sociedade compra um prédio para seu escritório e o vende posteriormente, isso, só por si, não lhe retira a natureza de imobilizado”.

I. Refira-se, ainda, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 2977/99, de 18 de fevereiro de 2003, no qual ficou consignado que “não é o tratamento contabilístico que determina a natureza dos bens, mas antes esta resulta do destino que lhes é dado na empresa. A venda desse imóvel (...) é de considerar como liquidação do ativo efetuada pelo comerciante, pelo que os respetivos ganhos são (...) "mais-valias resultantes das atividades resultantes das atividades comerciais e industriais definidas nos termos do Código do IRC")”.

J. Ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 05032/11, de 21 de maio de 2015, do qual consta que “Dessa qualificação [como imobilizado] resulta que o ganho obtido com a sua venda é uma mais-valia, com todas as consequências fiscais de tal classificação (...) Com efeito, o que é determinante para a classificação de um elemento do património da empresa como parte integrante do ativo imobilizado é a sua função dentro da empresa”.

K. Ou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 06848/13, de 12 de julho de 2017, no qual considerou que “A diferente classificação de um bem imóvel em imobilizado/património ou ativo permutável/existências deve atender à intenção que motivou a sua aquisição e a sua permanência na titularidade do alienante, por um determinado período (...) Daí que a qualificação do ganho como mais-valia se mostre justificada, não devendo ser posta em causa, nem desconsiderada, a contabilização do imóvel efetuada (como imobilizado), consentânea com a função que o imóvel assumiu na empresa e para o qual foi adquirido” (destaque nosso).

L. Ou o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo n.° 05955/12, de 18 de abril de 2018, segundo o qual “não será do exame do ato de venda do imóvel que se retira a conclusão do enquadramento do mesmo em sede contabilística (tal enquadramento retira-se do exame da intenção da sua aquisição)” (destaque nosso).

M. Pelas razões expostas, deve concluir-se que a sentença recorrida, que julgou a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida totalmente procedente, procedeu a uma correta leitura dos factos e aplicação do direito e deve ser integralmente mantida.

Termos em que o recurso interposto pela Fazenda Pública deve ser julgado totalmente improcedente, por não provado, com a consequente manutenção integral da sentença recorrida que, ao julgar procedente a impugnação judicial, determinou a anulação da liquidação adicional de IRC de 2002 e o pagamento de juros indemnizatórios à ora Recorrida.»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de défice instrutório e de erro de julgamento de direito.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A Impugnante é uma sociedade comercial, constituída sob a forma de sociedade anónima, que tem por objeto a importação e comercialização de automóveis, e serviços conexos (cf. Relatório de Inspeção Tributária — “RIT” — a fls. 105 a 126 do PA);

B) A Impugnante é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (“RETGS”) (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA);

C) A Impugnante importa da sociedade comercial alemã “D... AG” viaturas da marca “M...”, destinadas a serem vendidas aos concessionários da marca (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA e depoimentos de P... e A...);

D) As viaturas importadas nos termos da alínea antecedente são registadas na conta #3 — “Existências” (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA e depoimentos de P... e A...);

E) Algumas das viaturas importadas referidas nas alíneas antecedentes são afetas para serviço da própria empresa, nomeadamente para deslocações dos seus colaboradores, bem como para a demonstração e experimentação de clientes, concessionários e imprensa (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA e depoimentos de P... e A...);

F) Ocorrendo a afetação das viaturas importadas para uso próprio da Impugnante, esta procede à sua reclassificação contabilística, através da conta #38 — regularização de existências, passando a ser registadas no ativo imobilizado corpóreo (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA e depoimentos de P... e A...);

G) A Impugnante reconhece os custos relativos a amortizações, combustíveis, seguros, conservação e reparação das viaturas automóveis de serviço, referidas na alínea antecedente (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA e depoimentos de P... e A...);

H) As viaturas afetas para uso próprio da Impugnante não estão expostas em concessionários para venda (cf. depoimentos de P... e A...);

I) As viaturas afetas para uso próprio da Impugnante estão permanentemente disponíveis para demonstração a jornalistas (cf. depoimentos de P...);

J) Caso uma viatura de serviço deixe de servir a sua finalidade ou de cumprir os parâmetros funcionais, é desafetada do serviço da Impugnante, e reclassificada e registada na conta de “Existências” (cf. depoimento de A...);

K) A impugnante comercializa na sua atividade normal, para além das viaturas novas, viaturas usadas (cf. depoimentos de P... e A...);

L) As viaturas usadas são vendidas, pelos concessionários que vendem da impugnante, através de uma consulta a base de dados, onde constam viaturas recompradas pela Impugnante a empresas de renting (cf. depoimentos de P... e A...);

M) Quando seja solicitado à concessionária um veículo usado com determinadas características, que não se encontra disponível na base de dados referida na alínea anterior, a concessionária pode contactar a Impugnante, para aferir da existência de veículo com tais características no conjunto dos veículos de serviço da Impugnante, e apresentar proposta de compra (cf. depoimentos de P... e A...);

N) As propostas de compra relativamente às viaturas de serviço não são sempre aceites pela Impugnante (cf. depoimentos de P... e A...);

O) A Impugnante apenas aliena as viaturas de serviço depois de as utilizar por um período de tempo variável, para prover a determinados pedidos dos concessionários, considerando o cumprimento da finalidade a que a viatura foi afeta, e por questões de administração da empresa e gestão do parque automóvel (cf. depoimentos de P... e A...);

P) A alienação de qualquer viatura de serviço afeta a um colaborador implica a sua substituição e afetação de nova viatura de serviço pela Impugnante (cf. depoimento de P... e A...);

Q) Em 2002, a Impugnante alienou noventa e uma viaturas de serviço que se encontravam registadas no ativo imobilizado, cinquenta e uma das quais com permanência na empresa por período superior a um ano, e as restantes quarenta com permanência na empresa por período inferior a um ano (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA, nomeadamente anexos I a IV);

R) A média simples de permanência na empresa das viaturas de serviço alienadas em 2002, e referidas na alínea antecedente, foi de 451 dias (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA, nomeadamente anexos I a IV);

S) A Impugnante considerou os ganhos obtidos pelas alineações referidas nas alíneas antecedentes como mais-valias, e, portanto, como proveitos extraordinários, nos termos da alínea f) do n.° 1 do artigo 20.° do CIRC, deduzindo o montante de € 502.293,98 ao Quadro 07 da declaração periódica de rendimentos modelo 22 do IRC (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA, nomeadamente anexos I a IV);

T) Adicionalmente, a Impugnante apurou uma diferença positiva entre as mais e as menos-valias no valor de € 488.787,81, correspondendo o montante de € 296.079,81 respeita a bens cuja permanência no ativo imobilizado da empresa foi superior a um ano, e o remanescente de € 192.708,00 a bens com permanência inferior a um ano (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA, nomeadamente anexos I a IV);

U) Por força do apuramento referido na alínea antecedente, a Impugnante acresceu no Quadro 07 da declaração periódica de rendimentos modelo 22 do IRC o montante total de € 331,501,25, correspondendo o montante de € 139.215.16, a 50 % da diferença entre as mais e menos-valias fiscais relativas à alienação de bens cuja permanência na empresa excedeu um ano, em virtude de ter manifestado a intenção de reinvestir os respetivos valores de realização, nos termos do artigo 45.° do CIRC, e o remanescente de € 181.617,91, a 100% do valor das mais-valias fiscais resultantes da alienação de bens detidos por período inferior a um ano (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA, nomeadamente anexos I a IV);

V) Em 26-04-2006, iniciou-se um procedimento externo de inspeção ao grupo de sociedades em que se insere a Impugnante, de âmbito parcial em sede de IRC, que incidiu sobre o exercício de 2002, em cumprimento da ordem de serviço n.° OI200600118, de 13-03-2006 (cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA);

W) Em 31-05-2006, os Serviços da Direção de Serviços de Inspeção Tributária (“DSIT”), no âmbito do procedimento inspetivo referido na alínea antecedente, emitiram o RIT, do qual se extrai o seguinte teor:

“III. Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Colectável

III-1. CORRECÇÕES AO NÍVEL DO LUCRO TRIBUTÁVEL DO GRUPO

O valor total de correcções ao nível do lucro tributável do grupo, ascende a € 124.432,62, (cento e vinte e quatro mil quatrocentos e trinta e dois euros e sessenta e dois cêntimos), conforme se passa a discriminar:

III.1.1. Reclassificação dos proveitos decorrentes da alienação de viaturas de serviço de extraordinários para operacionais

A sociedade M... Portugal - C..., SA, evidencia o resultado decorrente da alienação de viaturas de serviço, como um ganho ou perda extraordinário, aplicando em consequência o normativo constante do artigo 45.º do CIRC, no tratamento fiscal das mais/menos valias apuradas.

De facto, verificou-se que o sujeito passivo procede ao apuramento de mais ou menos valias contabilísticas no seu imobilizado, procedendo à aplicação do mecanismo de ajustamento das mesmas, no quadro 07 da modelo 22, no sentido de sujeitar a tributação o resultado fiscal (positivo) assim apurado, nos termos do artigo 45° do CIRC.

Contudo, o tratamento fiscal a dar às viaturas de serviço alienadas, deve passar pela sua reclassificação como existências, e originar, não um proveito extraordinário previsto na alínea f) do n° 1 do artigo 20° do CIRC, mas um proveito operacional previsto na alínea a) do n° 1 do citado artigo, pelos factos que seguidamente se apresentam:

- O negócio do sujeito passivo consiste no comércio de viaturas importadas ao seu fornecedor alemão D... AG;

- As viaturas que adquiridas destinam-se a ser vendidas aos seus clientes;

- Na aquisição das viaturas o Sujeito passivo, precede à contabilização das mesmas na conta de existências;

- No exercício de sua actividade necessita de algumas viaturas, destinadas a deslocações, bem como para demonstração e experimentação da imprensa e concessionários;

- Aquando da afectação das viaturas à actividade, o sujeito passivo procede a uma reclassificação contabilística, corroborada, pela administração tributária, através da conta regularizações, passando às viaturas a estar registadas no activo imobilizado e em consequência a gerar os respectivos custos de utilização: amortização, combustíveis, seguros, conservação e reparação, sujeitando os mesmos a tributação autónoma quando respeitem a viaturas ligeiras de passageiros;

- Decorre do n.° 3 do artigo 17.0 do CIRC, que a contabilidade deverá estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

- Define o POC, imobilizado: “integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano” e supletivamente a IAS n° 2 ”São activos fixos tangíveis aqueles que sejam detidos por uma empresa para uso na produção ou torneamento de bens ou serviços para arrendamento a outros ou para uso administrativo e que se espera que sejam usados por mais de um ano.”;

- A alienação de grande parte das viaturas regista-se menos de um ano após ter sido afecta ao serviço da mesma;

- A alienação, das viaturas é feita a concessionários, empresas e outros clientes;

- As viaturas, não obstante, estarem ao serviço da empresa, encontram-se permanentemente disponíveis para venda, segundo informação da mesma;

Assim, quando as viaturas, de acordo com a política da empresa ou em consequência de possíveis negócios deixam de estar ao serviço da empresa para serem remetidas ao sector de vendas de viaturas usadas, deverá ser efectuado o adequado registo contabilístico da transferência do imobilizado para uma conta de existências, pelo correspondente valor líquido contabilístico.

Desta forma, obter-se-á uma melhor informação financeira porque, por um lado, o custo de depreciação dos bens é reconhecido durante o período geralmente inferior a um ano) em que, de facto, o mesmo se verificou e em que deles resultaram benefícios económicos para a empresa e, por outro lado, o resultado apurado aquando da venda corresponde ao que a empresa efectivamente obtém — diferença entre o preço de venda e o valor líquido contabilístico à data da transmissão — e é tido como um resultado operacional (que de facto é) e não como um resultado de natureza extraordinária.

Neste sentido o resultado obtido na alienação das viaturas de serviço não poderá ser considerado como mais ou menos valia e, portanto, não terá aplicabilidade, ao caso em apreço, o regime previsto no artigo 45° do CIRC.

Face ao exposto, proceder-se-á à correcção do montante de € 152.507,32, correspondente ao saldo líquido corrigido pelo sujeito passivo no quadro 07 da modelo 22 da declaração de rendimentos individual, calculado de acordo com o mapa 31 anexo à mesma (Anexo I, fls. 1 a 4)”.

(cf. RIT a fls. 105 a 126 do PA);

X) Em 14-08-2006, o Serviço de Finanças de Sintra — 1 emitiu a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2002, identificada com o n.° 2006 8..., e correspondente liquidação de juros compensatórios, identificada com o n.° 2006 0..., que deram origem à emissão da demonstração de acerto de contas n.° 2006 00..., no valor global de € 46.120,78, com data limite de pagamento a 31-10-2006 (cf. doc. 2 junto à PI, e fls. 90 a 93 do PA);

Y) Em 18-09-2006, a Impugnante pagou, junto do Serviço de Finanças de Sintra — 1, o montante de € 46.120,78, referido na alínea anterior (cf. doc. 2 junto à PI, e fls. 94 do PA).


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Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.

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2 - Motivação da matéria de facto

Nos termos conjugados do n.° 2 do artigo 123.° do CPPT, e dos n.°s 4 e 5 do artigo 607.° do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

Nestes termos, cumpre esclarecer que a convicção deste tribunal se fundou na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nomeadamente nos documentos juntos aos autos pela Impugnante e constantes do PA e do PRG, no acordo e confissão das partes, e na prova testemunhal produzida no processo de impugnação n.° 226/09.1BESNT, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão, dentro das várias soluções plausíveis da questão de direito.

No que concerne à matéria assente por produção de prova testemunhal, nomeadamente a constante das alíneas C) a P) da matéria assente, resultou a mesma dos depoimentos das testemunhas P... e A..., arroladas pelo Autora, e inquiridas a 11 de janeiro de 2010, no âmbito do processo de impugnação n.° 226/09.1BESNT, prova aproveitada nos termos e para os efeitos do n.° 1 do artigo 421.° do CPC (cf. despacho a fls. 115 do processo físico).

As referidas testemunhas depuseram de modo claro, objetivo e convincente, revelando conhecimento direto, imediato e convergente, enquanto funcionários da Autora, no que concerne à sua atividade comercial, nomeadamente no que respeita à utilização, afetação e alienação de viaturas de serviço.

Os depoimentos foram apreciados de acordo com o Standard de prova da probabilidade prevalecente, tendo sido, in casu, considerado mais provável a veracidade dos factos relatados pelas testemunhas do que a sua falsidade, atenta a coincidência e coerência de ambos os depoimentos.

A propósito, vide Luís Filipe Pires de Sousa (2017), Prova por Presunção no Direito Civil, 3.a edição, Coimbra, Almedina; e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-092019, relativo ao processo n.° 3018/18.3T8BRG.G1 (disponível em www.dgsi.pt): “O Standard de prova (regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira) no processo civil é o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”).


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2. DE DIREITO

2.1. A primeira questão que importa apreciar é a de saber se a sentença enferma de erro de julgamento por défice instrutório.

A este propósito, alega a Recorrente, que a Impugnante alienou noventa e uma viaturas de serviço que se encontravam registadas no activo imobilizado (alínea Q) dos factos provados) e que essas vendas não decorrem de acontecimentos fortuitos alheios à actividade corrente da empresa, decorrem sim da venda de bens em estado de uso, uma das actividades a que a empresa se dedica, e, assim, a intenção da recorrida de usar as viaturas por um período indefinido fica colocado em causa, padecendo a sentença de um défice instrutório, em pura violação dos princípios do inquisitório e da busca da verdade material (conclusões XXV, XXVI, XXVII, XXVIII e XXIX da alegação de recurso).

Conclui a Recorrente que o invocado défice instrutório influi na decisão da causa, na medida em que a prova dos factos alegados nos autos afasta frontalmente a pretensão da ora Recorrida (conclusão XXX da alegação de recurso).

Vejamos.

No processo judicial tributário vigora o principio do inquisitório, pelo que, nos termos do n.º 1, do artigo 99.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento e de processo Tributário (CPPT) o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.

Ora, a Recorrente não indica qualquer diligência de prova que tenha requerido e que não tenha sido ordenada, nem identifica a realização oficiosa de qualquer diligência instrutória útil para o conhecimento dos factos alegados ou de factos susceptíveis de serem conhecidos oficiosamente, nem este Tribunal vislumbra que outras diligências pudessem ser realizadas, para além das efectuadas.

Só a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.

Compulsados os autos é possível confirmar que efectuadas as diligências probatórias, que considerou necessários para a solução dada ao caso (art. 607º, nº 5 do CPC), o Mmo. Juiz a quo fixou os factos que resultaram da prova documental existente no processo e da que resultou dos depoimentos das testemunhas e proferiu sentença julgando totalmente improcedente a impugnação, e com base na factualidade dada como provada, considerou que «(…) as viaturas de serviço não se encontram expostas ao público, nem permanente disponíveis para venda, dependendo a sua alienação de solicitação por parte do concessionário, e de uma ponderação gestionária casuística, em função dos interesses gestionários da em empresa no momento da solicitação de venda [cf. Alíneas H) a P) da matéria assente].»

E mais à frente refere «Ora, resultando dos elementos probatórios produzidos, e do RIT, que a classificação contabilísticas como activos imobilizados corpóreos se afigura como correcta, e que os veículos eram efectivamente utilizados pela empresa para apoio da sua actividade, aquando da sua alienação, não se descortina qual o fundamento contabilístico ou fiscal que subjaz à conclusão da AT, em sede de RIT, de que a alienação dos mesmos implicaria a sua reclassificação contabilística como existências, com a consequente inaplicabilidade do regime de reinvestimento ínsito no artigo 45.º do CIRC.»

Ora, com o que a Recorrente não concorda é com o entendimento do Tribunal a quo de que a alienação das viaturas de serviços não implica uma reclassificação contabilística como existências, o que pode constituir um erro de julgamento, mas não por défice instrutório, visto que não foi alegado, nem se vislumbra nenhuma omissão de diligência de prova susceptível de afectar o julgamento da matéria de facto.

Assim, tanto quanto é possível compreender, através da interpretação conjugada das alegações e conclusões de recurso, o Recorrente também não imputa à decisão recorrida qualquer erro na apreciação da prova, pois, limita-se a discordar do sentido em que se formou a convicção do julgador, através de juízos de valor sobre a intenção da Recorrente de não usar por um período indefinido as viaturas de serviço.

Atento o alegado, o cerne da discórdia respeita à reclassificação em termos contabilísticos para efeitos fiscais das viaturas de serviço no momento da sua alienação, do que dependerá a almejada pretensão da Recorrente da consideração dos proveitos como operacionais, ou seja, está em causa a qualificação jurídica dos factos dados como provados, o que se apreciará no âmbito do erro de julgamento de di­­­­­reito.

Termos em que improcede neste segmento o recurso.


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2.2. A questão agora a decidir consiste em saber se previamente à venda das viaturas de serviço a ora Recorrente deveria ter efectuado o registo contabilístico de transferência do imobilizado para a conta de existências, constituindo, assim um proveito operacional, ou, pelo contrário, devem manter-se como activos imobilizados corpóreos para efeitos contabilísticos e fiscais, constituindo um proveito extraordinário

A Fazenda Pública discorda da decisão da primeira instância, alegando, em síntese, que as vendas das viaturas não constituem um ganho ou uma perda extraordinários, mas sim um resultado normal da actividade, por ser manifesta a falta de intenção de permanência no imobilizado, face à intenção de as alienar, ainda que possam temporariamente estar disponíveis para utilização pela Recorrente, pelo que deverão ser qualificadas como existências aquando da venda, o que implica a inaplicabilidade do regime das mais valias fiscais aos referidos proveitos e do regime previsto no artigo 45.º do CIRC.

Vejamos.

A sentença recorrida para julgar procedente a impugnação, por ter concluído que as correcções em sede de RIT violaram o disposto no n.º 1, do artigo 45.º, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º, nas alíneas a) e f) do n.º 1 do artigo 20.º, e no artigo 17.º, todos do CIRC (na versão em vigor à data dos factos), o disposto na alínea f) do n.º 4 e no n.º 42 do POC, e o artigo 15.º da Directiva n.º 78/660/CEE (Quarta Directiva do Conselho, de 25/07/1978, baseada no artigo 54.º, n.º 3, alínea g), do Tratado, e relativa às contas anuais, de certas formas de sociedades), e, em consequência, anular os actos impugnados, por erro nos pressupostos de facto e de direito, depois de transcrever as normas jurídicas e contabilísticas nacionais e europeias aplicáveis ao presente caso e citar pertinente jurisprudência sobre a matéria, estruturou discurso fundamentador, em suma, nos seguintes termos:

Do acervo probatório resulta que a Impugnante, no âmbito da sua atividade comercial, importa da marca “M...” à sociedade comercial alemã “D... AG”, destinadas a serem vendidas aos concessionários da marca, que são contabilisticamente registadas como “Existências” [cf. alíneas A) a D) da matéria assente].

Contudo, algumas das viaturas importadas são afetas para serviço da própria empresa, nomeadamente para deslocações dos seus colaboradores, bem como para a demonstração e experimentação de clientes, concessionários e imprensa, sendo reclassificadas contabilisticamente como “Ativos Imobilizados Corpóreos”, com o suporte dos custos fiscais daí advenientes [cf. alíneas E) a G) da matéria assente].

Em 2002, a Impugnante alienou noventa e uma viaturas de serviço que se encontravam registadas no ativo imobilizado, cinquenta e uma das quais com permanência na empresa por período superior a um ano, e as restantes quarenta com permanência na empresa por período inferior a um ano, tendo considerado os ganhos obtidos pelas alineações referidas nas alíneas antecedentes como mais-valias, e, portanto, como proveitos extraordinários, nos termos da alínea f) do n.° 1 do artigo 20.° do CIRC, deduzindo o montante de € 502.293,98 ao Quadro 07 da declaração periódica de rendimentos modelo 22 do IRC [cf. alíneas Q) e S) da matéria assente].

Adicionalmente, apurou uma diferença positiva entre as mais e as menos-valias no valor de € 488.787,81, correspondendo o montante de € 296.079,81 respeita a bens cuja permanência no ativo imobilizado da empresa foi superior a um ano, e o remanescente de € 192.708,00 a bens com permanência inferior a um ano [cf. alínea T) da matéria assente].

Por força deste apuramento, acresceu no Quadro 07 da declaração periódica de rendimentos modelo 22 do IRC o montante total de € 331,501,25, correspondendo o montante de € 139.215.16, a 50 % da diferença entre as mais e menos-valias fiscais relativas à alienação de bens cuja permanência na empresa excedeu um ano, em virtude de ter manifestado a intenção de reinvestir os respetivos valores de realização, nos termos do artigo 45.° do CIRC, e o remanescente de € 181.617,91, a 100% do valor das mais-valias fiscais resultantes da alienação de bens detidos por período inferior a um ano [cf. alínea U) da matéria assente].

Em resultado de um procedimento externo de inspeção, a AT veio corrigir o lucro tributável da Impugnante, no que concerne às referidas mais-valias, no montante de € 152.507,32, emitindo as respetivas liquidações, considerando que, “o tratamento fiscal a dar às viaturas de serviço alienadas, deve passar pela sua reclassficação como existências, e originar, não um proveito extraordinário previsto na alínea f do n° 1 do artigo 20° do CIRC, mas um proveito operacional previsto na alínea a) do n° 1 do atado artigo”, porquanto:

- A alienação de grande parte das viaturas regista-se menos de um ano após ter sido afecta ao serviço da mesma;

- A alienação, das viaturas é feita a concessionários, empresas e outros clientes;

- As viaturas, não obstante, estarem ao serviço da empresa, encontram-se permanentemente disponíveis para venda, segundo informação da mesma;

Assim, quando as viaturas, de acordo com a política da empresa ou em consequência de possíveis negócios deixam de estar ao serviço da empresa para serem remetidas ao sector de vendas de viaturas usadas, deverá ser efectuado o adequado registo contabilístico da transferência do imobilizado para uma conta de existências, pelo correpondente valor líquido contabilístico.

Desta forma, obter-se-á uma melhor informação financeira porque, por um lado, o custo de depreciação dos bens é reconhecido durante o período geralmente inferior a um ano) em que, de facto, o mesmo se verificou e em que deles resultaram benefícios económicos para a empresa e, por outro lado, o resultado apurado aquando da venda corresponde ao que a empresa efectivamente obtém — diferença entre o preço de venda e o valor líquido contabilístico à data da transmissão — e é tido como um resultado operacional (que de facto é) e não como um resultado de natureza extraordinária.

Neste sentido o resultado obtido na alienação das viaturas de serviço não poderá ser considerado como mais ou menos valia e, portanto, não terá aplicabilidade, ao caso em apreço, o regime previsto no artigo 45° do CIRC”. [cf. alíneas V) a X) da matéria assente].

Contudo, resulta tanto do RIT, como da prova testemunhal produzida, que a maioria das viaturas alienadas esteve mais de um ano ao serviço da empresa, e que a média simples de permanência na empresa das viaturas de serviço alienadas em 2002, e referidas na alínea antecedente foi de 451 dias [cf. alíneas Q) e R) da matéria assente].

Mormente, resulta, com abundância, da prova produzida, que as viaturas de serviço não se encontram expostas ao público, nem permanentemente disponíveis para venda, dependendo a sua alienação de solicitação por parte do concessionário, e de uma ponderação gestionária casuística, em função dos interesses gestionários da empresa no momento da solicitação de venda [cf. alíneas H) a P) da matéria assente].

Ademais, assume a própria AT, em sede de RIT, que as viaturas se encontram em uso efetivo pela empresa aquando da sua alienação [cf. alínea W) da matéria assente], pelo que não se descortina qualquer elemento probatório, tanto em sede de procedimento inspetivo, como em sede da presente ação, que permita sustentar a errónea classificação contabilística das mesmas como ativos imobilizados corpóreos, nos termos das normas referidas supra.

Concomitantemente, e como vimos supra, a efetiva afetação das viaturas ao serviço da empresa implica a sua classificação contabilística como ativos imobilizados corpóreos, e bem assim o reconhecimento dos custos relativos a amortizações, combustíveis, seguros, conservação e reparação das viaturas automóveis de serviço, como feito pela Impugnante [cf. alíneas E) a G) da matéria assente].

Note-se, aliás, que esta operação merece a concordância da AT em sede de RIT: “Aquando da afectação das viaturas à actividade, o sujeito passivo procede a uma reclassificação contabilística, corroborada, pela administração tributária, através da conta regularizações, passando às viaturas a estar registadas no activo imobilizado e em consequência a gerar os repectivos custos de utilização: amortização, combustíveis, seguros, conservação e reparação, sujeitando os mesmos a tributação autónoma quando respeitem a viaturas ligeiras de passageiros” [cf. alínea W) da matéria assente].

Realce-se, contudo, que tal consideração não pode deixar de ser contraditória face à asserção da AT que as viaturas se encontram permanentemente disponíveis para venda, dado que a classificação contabilística como ativos imobilizados corpóreos implica que as mesmas não se destinam a ser vendidas, e ao invés se destinam a ser utilizadas pela empresa com carácter duradouro.

Ora, resultando dos elementos probatórios produzidos, e do RIT, que a classificação contabilística como ativos imobilizados corpóreos se afigura como correta, e que os veículos de serviço eram efetivamente utilizados pela empresa para apoio da sua atividade, aquando da respetiva alienação, não se descortina qual o fundamento contabilístico ou fiscal que subjaz à conclusão da AT, em sede de RIT, de que a alienação dos mesmos implicaria a sua reclassificação contabilística como existências, com a consequente inaplicabilidade do regime de reinvestimento ínsito no artigo 45.° do CIRC.

Destarte, se os bens não perderam ou alteraram a sua afetação e destinação previamente à alienação, mantém-se como ativos imobilizados corpóreos para efeitos contabilísticos e fiscais, e, como tal, as suas respetivas alienações afiguram-se como idóneas a preencher a previsão do n.° 1 do artigo 45.° do CIRC, assim como idóneo se afigura o tratamento contabilístico e fiscal a que a Impugnante procedeu aquando da afetação e alienação das viaturas de serviço.

Outra conclusão seria contrária à substância e à realidade financeira, e consequentemente contrária às regras e normas contabilísticas e fiscais supra expostas.

Aliás, no limite, interpretação contrária tornaria inaplicável o regime das mais-valias e do reinvestimento, previsto no n.° 1 do artigo 45.° do CIRC, pelo menos relativamente a bens cuja venda se insira no objeto social da empresa, mas que por esta sejam afetos à sua atividade própria, porquanto esvaziaria de conteúdo útil e operativa o preceito em relação às empresas com esta particularidade, consubstanciando uma violação do princípio da igualdade tributária, previsto no artigo 13.° da Constituição e no n.° 2 do artigo 5.° da LGT, como bem refere a Impugnante.

O decidido pela primeira instância diga-se, desde já, merece a nossa total concordância.

Sobre a questão colocada no presente recurso, já este Tribunal Central Administrativo se pronunciou, no âmbito do processo n.º 226/09.1BESNT, de 11/02/2021 (disponível em www.dgsi.pt/), estando em causa as mesmas partes, com a diferença de que os presentes autos respeitam à liquidação de IRC do ano de 2002 e no acórdão citado estava em crise a liquidação de IRC do ano de 2001, sendo que a fundamentação das correcções constantes dos respectivos RIT, as sentenças recorridas, bem como as alegações de recurso e contra-alegações são idênticas.

Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica constante do recente acórdão de 11/02/2021, proc. n.º 226/09.1BESNT, deste Tribunal Central Administrativo Sul, e por as questões aqui em análise não deferirem, pois, tratam-se das mesmas situações de facto e de direito (classificação fiscal e contabilística de vendas de viaturas de serviços), pelo que permitindo-nos transcrever as passagens relevantes, cujo entendimento perfilhamos:

Conforme se alcança do teor da sentença recorrida, o Tribunal « a quo» considerou que as viaturas em causa deveriam ter sido reclassificadas como existências, contudo, também o disse não ser possível retirar do Relatório de Inspeção «[e]lementos que permitam concluir que as correcções efectuadas se referem a bens que a sociedade decidiu, depois de os usar, recolocar no mercado, sendo que na verdade o que resulta do relatório de inspecção, é que a mera venda das “viaturas de serviço” ainda que aquelas no momento se encontrassem afectas à empresa, nomeadamente a um trabalhador ou a um quadro, sempre implicaria a sua reclassificação, e é com este entendimento que o Tribunal não concorda, pois se desprende do elemento intencional.»

No essencial, as razões da discordância da recorrente incindem, na classificação em termos contabilísticos dessas viaturas de serviço e nos efeitos fiscais que tal classificação terá no momento da sua alienação, uma vez dessa qualificação dependerá a sua consideração como proveitos extraordinários ou como resultados operacionais.

Dos autos resulta assente que a recorrida é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) (cfr. al.A) do probatório). (…)

No âmbito da sua actividade a «M... Portugal, S.A.», adquire à sociedade “D... AG”, viaturas novas destinadas a serem vendidas, registadas conta #3 – existências (cfr. al.B) do probatório). Mais ficou provado, que algumas daquelas viaturas são afectas a viaturas para serviço da própria empresa, nomeadamente para deslocações dos seus colaboradores, bem como para a demonstração e experimentação de clientes, concessionários e imprensa, sendo reclassificadas através da conta #38 – regularização de existências, passando a ser registadas no «Activo Imobilizado Corpóreo» com o suporte dos custos de utilização (amortização, combustíveis, seguros, conservação e reparação) daí advenientes.

Não vem questionado nos autos que o lançamento contabilístico – reclassificação - operada pela recorrida mereceu a concordância da Administração Tributária em sede de procedimento de inspecção, conforme demonstra a seguinte passagem, extraída do Relatório de Inspecção: « Aquando da afectação das viaturas à actividade, o sujeito passivo procede a uma reclassificação contabilística, corroborada, pela administração tributária, através da conta regularizações, passando às viaturas a estar registadas no activo imobilizado e em consequência a gerar os respectivos custos de utilização: amortização, combustíveis, seguros, conservação e reparação, sujeitando os mesmos a tributação autónoma quando respeitem a viaturas ligeiras de passageiros» (cf. alínea J) do probatório)

No plano conceptual a expressão «activo imobilizado» das empresas, como já o dissemos, no acórdão, deste Tribunal Central, relatado no processo n.º 5032/11, DE 21.05.2015, «[é] o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, ou seja, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico.

Tem a doutrina considerado que se trata de bens que não são produzidos ou adquiridos com vista sua revenda com o objectivo de obtenção de lucro, mas antes de bens duradouros, que se encontram indisponíveis para venda, por se destinarem produção, a utilização, ou obtenção de rendimentos periódicos ou por se encontrarem em reserva, para serem utilizados ocasionalmente ou vendidos apenas em situações de necessidade de alcançar liquidez. (Neste sentido, vide: Vitor Faveiro, in Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, II Vol., pág. 763, Rogério Ferreira, Balanços, pág. 211, e António Cardoso Mota, C.I. Mais-Valias, 2ª Edição, pág. 70).

Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional, caracterizam-se, assim, pela sua aptidão para contribuírem para as operações do ente empresarial em causa durante um determinado período de tempo, sendo que, com algumas excepções, essa aptidão vai decrescendo ao longo da sua vida útil.

Em suma, o que é determinante para a classificação de um elemento do património da empresa como parte integrante do activo imobilizado é a sua função dentro da empresa.

No caso concreto, as viaturas foram alienadas enquanto veículos utilizados pela recorrida na sua actividade (cfr. D) do probatório), logo assentando a qualificação de um bem como elemento do activo imobilizado, na questão material e objectiva da função desse bem na actividade da empresa a sua alienação não os desclassifica enquanto imobilizado corpóreo.

Na perspectiva da recorrente, embora reconhecendo que a recorrida efectuou prova de que as viaturas de serviço tinham sido afectas à actividade e contribuíram para a obtenção de proveitos, vem manifestar a sua discordância com o decidido, alegando que está em causa «[u]m número elevado de viaturas» e por esse motivo, afirma « [p]arece-nos que o referido elemento intencional fica colocado em causa».

Ora, ponderando o argumento apresentado pela recorrente, constatar-se-á facilmente que é incapaz de abalar o decidido porque e desde logo se tratar de um mero juízo de valor, sem suporte a qualquer realidade que importe apurar para aferir da legalidade da actuação da Administração Tributária.

O que significa que a Administração Tributária não se desonerou do ónus que sobre si impendia de fundamentar a legalidade da sua actuação conducente à liquidação sindicada. Isto porque como sabemos, o artigo 75.º, n.º 1 da LGT estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: «presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal».

Concluímos, assim, pela improcedência de todas as conclusões do recurso.

Pelo exposto, a sentença não errou no julgamento que fez, pelo que, o recurso não merece provimento.


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Conclusões/Sumário:

I. No processo judicial tributário vigora o principio do inquisitório, pelo que, nos termos do n.º 1, do artigo 99.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento e de processo Tributário (CPPT) o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.

II. Só a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.

III. O activo imobilizado da empresa é o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, ou seja, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico.

IV. O que é determinante para a classificação de um elemento do património da empresa como parte integrante do activo imobilizado é a sua função dentro da empresa.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Notifique.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021.


A Juíza Desembargadora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)
(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Exmas. Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).