Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04830/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA DE SISA.
MATÉRIA COLECTÁVEL DO IMPOSTO DE SISA.
ARTº.74, Nº.1, DA L.G.T.
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO.
ARTº.100, Nº.1, DO C.P.P.T. DÚVIDAS SOBRE A EXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO E SUA QUANTIFICAÇÃO.
Sumário:1. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.D.).
2. A liquidação da sisa era, normalmente, baseada nas declarações dos interessados e, no caso de compra e venda, tais declarações deviam fazer referência ao preço da transmissão objecto de tributação (cfr.artºs.46, 48 e 49, do C.I.M.S.I.S.S.D.). Portanto, em sede de imposto municipal de sisa a matéria colectável incidia, prioritariamente, sobre o preço convencionado pelas partes ou sobre o valor matricial, conforme o que fosse superior (cfr.artº.19, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.).
3. O artº.74, nº.1, da L.G.T., estabelece a regra de que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados no procedimento tributário recai sobre quem os invoque. Assim, em regra, a Administração Tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos. Porém, isso não significa que a Administração Fiscal apenas deva procurar carrear para o procedimento provas dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objectivo provar factos invocados pelos interessados (cfr.artº.58, da L.G.T.).
4. Não tendo a Fazenda Pública produzido diligências demonstrativas do facto tributário no âmbito do procedimento anterior à estruturação da liquidação adicional impugnada, subsistem dúvidas probatórias que devem ser valoradas a favor do contribuinte relativamente à existência do mesmo facto tributário e à sua quantificação (cfr.artº.100, nº.1, do C.P.P.T.).





O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Beja, exarada a fls.214 a 230 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação pelo recorrido intentada, “A...- Sociedade de A..., L.da.”, visando acto de liquidação de Sisa e Imposto de Selo, no montante total de € 29.269,49.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.256 a 265 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença “a quo” julgou a presente impugnação procedente e como consequência anulou a liquidação adicional de Sisa de 2006, no montante de € 29.548,17;
2-A sentença recorrida radicou os seus fundamentos no valor confessório atribuído à declaração de I.R.S., apresentada pelos vendedores dos prédios, B...e mulher, bem como no facto de a Administração Tributária não ter feito, em momento algum, prova complementar de que os compradores dos imóveis pagaram mais do que o declarado na escritura de compra e venda;
3-Em 7/11/03, a impugnante adquiriu em compropriedade com C..., prédios mistos e rústicos no concelho de Barrancos e de Mourão, declarando para efeitos de liquidação de Sisa o valor de € 860.000,00 (€ 215.000,00 com referência aos imóveis de Barrancos);
4-Porém, verificaram os SIT que o vendedor, B..., apresentou a respectiva declaração de I.R.S., mod. 3, com referência aos rendimentos obtidos naquele ano, na qual declarou, relativamente aos prédios de Barrancos, um valor de realização de € 1.297.465,29;
5-Mais constataram, que na escritura de compra e venda dos prédios, e para efeitos de constituição de hipoteca, a instituição bancária avaliou a totalidade dos bens no montante de € 2.994.000,00;
6-Como tal, e em face da discrepância de valores, concluíram os SIT que se terá verificado simulação do negócio jurídico, de que resultou por parte da impugnante a omissão de € 541.232,65 para efeitos de liquidação de Sisa, pelo que se procedeu à respectiva liquidação adicional, de onde resultou imposto no valor de € 26.580,78 (Sisa e Selo), a que acresceram os respectivos juros compensatórios;
7-A douta sentença considerou como factos provados a existência de uma acção executiva intentada pelo vendedor contra o comprador C...para cobrança da quantia de € 6.039.452,04 e ainda de uma queixa-crime apresentada por este contra o vendedor por viciação de cheques, factos esses que em nosso entendimento são irrelevantes para a decisão dos presentes autos;
8-Por outro lado, pode verificar-se que o relatório inspectivo não atribui em momento algum o valor de confissão à declaração de rendimentos apresentada pelo vendedor dos prédios, porque na verdade não se poderá dizer que tal declaração se traduz numa confissão por parte do apresentante;
9-Assim, é nosso entendimento, ressalvado o devido respeito por outra opinião, que tal declaração de rendimentos, entregue nos termos legais e de forma voluntária, dever-se-á presumir verdadeira;
10-Nos termos do artigo 352, do Código Civil, confissão é o reconhecimento que uma parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável favorecendo no entanto a parte contrária, constituindo desta forma uma prova não a favor de quem a emite mas da parte contrária;
11-Ora, no caso concreto a declaração de l.R.S. apresentada pelo vendedor não favorece o impugnante, nem tão pouco o próprio vendedor, uma vez que está em causa uma maior tributação em sede de Imposto de Sisa e de Selo, para este e de I.R.S. relativamente ao primeiro;
12-As declarações apresentadas pelos contribuintes presumem-se sim, efectuadas de boa-fé e por isso verdadeiras, nos termos do artigo 75, nº.1, da L.G.T., salvas as excepções previstas no nº.2, designadamente a alínea a) quanto à omissão de valores, o que se verificou relativamente à liquidação de Sisa;
13-Também nesse sentido, o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, l Vol, pp.448, que defende que se a Administração Tributária não demonstrar a falta de correspondência entre o teor das declarações e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar verdadeiro, tanto mais que dessa declaração resultou um facto desvantajoso para o contribuinte, ou seja “in casu” o pagamento de imposto resultante das mais-valias obtidas;
14-Para além da discrepância de valores constante da declaração de rendimentos entregue pelo vendedor, releva ainda o facto de que, quando da constituição de hipoteca foi atribuído pela instituição bancária “BCP, SA”, um valor aos prédios (€ 2.994.000,00), muito superior ao declarado em sede de Sisa e na própria escritura de compra e venda (€ 860.000,00);
15-Do cotejo dos valores da declaração de l.R.S. apresentada pelo vendedor B...e do valor para efeitos de constituição de hipoteca, concluíram os SIT, que os imóveis alienados possuem um valor bastante superior ao declarado pelo impugnante para efeitos de Sisa, configurando mesmo tal facto a simulação de negócio jurídico;
16-Quanto à prova que a douta sentença recorrida defende ser exigível por parte da Administração Fiscal, entende esta RFP, ressalvo o devido respeito, que os Serviços de Inspecção estavam de posse de elementos de prova credíveis e suficientes para efectuar a liquidação adicional, com vista à cobrança dos impostos em falta, elementos esses que em momento algum foram contrariados nos presentes autos, como resulta também do douto parecer da Digna Magistrada do Ministério Público;
17-Importa referir que o impugnante na p.i. apresentada, vem aduzir argumentos centrados e relativos aos meios de pagamento estipulados com o vendedor e que alegadamente não foram efectuados em consonância com tal acordo, o que em nosso entendimento, não releva para a determinação do valor real atribuído ao negócio jurídico entre eles celebrado;
18-Assim, dadas as razões supra expendidas a representação da Fazenda Pública requer seja revogada a sentença recorrida, por erro na apreciação da matéria de facto e direito aplicável para a decisão da causa.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.317 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.319 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.216 a 222 dos autos):
1-Em 2003/07/18, no Cartório Notarial de Barrancos, foi outorgada escritura pública de compra e venda na qual intervieram como primeiros outorgantes B...cc com D..., e como segundos outorgantes a impugnante e C...;
a)Os primeiros outorgantes declararam vender o prédio misto denominado Herdade do ...ou dos ..., sito na freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrita a parte rústica na matriz predial respectiva sob o artigo 012.0001.0000, e a parte urbana sob o artigo 575, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão, sob o n° 00344/900525, aos segundos outorgantes, pelo preço global de € 259.374,91;
b)Ficou arquivado: certidão emitida em 2003/02/12, pelos Serviços de Finanças de Mourão, do conhecimento de imposto municipal de sisa nº.40/327/2002, emitido em 2002/05/07, pelo mesmo Serviço de Finanças, onde consta a sua reavaliação;
2-Em 2003/11/07, no Cartório Notarial de Sousel, foi outorgada escritura pública de compra e venda e hipoteca, figurando como primeiros outorgantes B...cc com D..., como segundo outorgante, C..., como terceiro outorgante, a impugnante, e como quarto outorgante “E...Português, S.A.”, em que os primeiros outorgantes declaram vender aos segundo e terceiro outorgantes os prédios pelo preço global de € 860.000,00:
a)Parcela de € 95.000,00, o prédio rústico denominado Herdade das ..., sito na freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 010.0007.000, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão, sob o nº. 00441/92021;
b)Parcela de € 170.000,00, o prédio misto denominado Herdade da ..., freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrita a parte rústica na matriz predial respectiva sob o artigo 011.0001.0000, e a parte urbana sob o artigo 574, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão, sob o n° 00442/920210;
c)Parcela de € 100.000,00, o prédio misto denominado Herdade do ..., freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrita a parte rústica na matriz predial respectiva sob o artigo 010.0002.0000, e a parte urbana sob o artigo 553, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão, sob o n° 00111/290186;
d)Parcela de € 280.000,00, prédio rústico denominado Herdade dos ..., freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz predial respectiva sob parte do artigo 007016000, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão, sob o n° 00702/980408;
e)Parcela de € 85.000,00, o prédio misto denominado Cardador de Baixo, freguesia e, concelho de Barrancos, inscrita a parte rústica na matriz predial respectiva sob o artigo 2 da Secção A, e a parte urbana sob o artigo 951, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barrancos, sob o n° 00523/111188;
f)Parcela de € 12.500,00, o prédio rústico denominado Cardador de Baixo, freguesia e concelho de Barrancos, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 6 da Secção A, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barrancos, sob o n° 00524/111188;
g)Parcela de € 12.500,00, o prédio rústico denominado Cardador de Baixo, freguesia e concelho de Barrancos, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 5 da Secção A, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barrancos, sob o n° 00525/111188;
h)Parcela de € 70.000,00, o prédio misto denominado Cardador de Baixo, freguesia e concelho de Barrancos, inscrita a parte rústica na matriz predial respectiva sob o artigo 1 da Secção A, e a parte urbana sob os artigos 950 e 1331, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barrancos, sob o n° 00526/111188;
i)Parcela de € 35.000,00, o prédio misto denominado Cardador de Baixo, freguesia e concelho de Barrancos, inscrita a parte rústica na matriz predial respectiva sob o artigo 4 da Secção A, e a parte urbana sob o artigo 1329, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barrancos, sob o n° 00527/111188;
j)Pelos segundos e terceiro outorgantes foi dito que constituem a favor de “E...Português, S.A.”, hipoteca voluntária sob os mesmos prédios, pelo montante de € 2.994.000,00;
l)Foram arquivados:
i.Conhecimentos de Sisa n°s 0949 49/2003, 0949 48/2003, 0949 51/2003, 0949 47/2003 e 0949 50/2003, emitidos em 2003.08.21 pelo Serviço de Finanças de Mourão;
ii.Conhecimentos de Sisa n° 33/2003, 31/2003, 30/2003, 26/2003, 34/2003, 32/2003 e 029/2003, emitidos em 2003.08.21, pelo Serviço de Finanças de Barrancos;
3-Em 2003/10/30, na agência F...de Reguengos de Monsaraz, C..., solicitou a anulação dos cheques visados n°s. 2256822330, 2256822893, 2256822796, 2256822699, 256822505, 256822403, por motivo extravio;
4-Em 2004/01/07, B...entregou no Tribunal da Comarca de Évora requerimento executivo contra C..., para pagamento de quantia certa, liminarmente indeferido, atentas as rasuras objectivas dos cheques em causa;
5-E, em 2004/08/06, C... apresentou no Tribunal Judicial da Comarca de Estremoz queixa-crime contra B...e mulher D..., em co-autoria por 6 crimes de falsificação de documentos e um crime de abuso de confiança;
6-Na declaração de rendimentos do ano de 2003, B...e mulher D..., no anexo G - Mais-valias e outros incrementos patrimoniais, declararam no Q4 A e B:
realização
Tipo
Artigo
Secção
€ 1.547.520,90
R
7
10
€ 402.970,12
R
1
1.1
€ 53.729,35
U
574
€ 836.081,20
R
2
10
€ 92.897,91
U
553
€ 2.000.214,40
R
16
7
€ 422.430,56
R
2
A
€ 40.520,83
U
951
€ 75.434,03
R
6
A
€ 75.434,03
R
5
A
€ 181.041,67
R
1
A
€ 150.868,06
U
950
€ 90.520,83
U
1331
€ 150.868,06
R
4
A
€ 60.347,22
U
1329
€ 1.014.468,35
R
1
12
€ 113.716,00
U
575
7- A escrita da impugnante foi inspeccionada;
8-No relatório elaborado em 2006/02/23, a inspecção concluiu ter a contribuinte omitido o montante de € 3.119.844,31 nas declarações prestadas para a correspondente liquidação de sisa;
9-A conclusão funda-se na declaração Modelo 3 de I.R.S. do ano de 2003 dos contribuintes B...e mulher D... e em estes contribuintes terem entregue no Serviço de Finanças de Mourão certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Évora da interposição de acção executiva para pagamento de € 6.000.000,00, titulados por 6 cheques de 1.000.000,00 cada;
10-Na sequência foi emitida a liquidação adicional de Sisa nº.0230/1/2006, no montante de € 29.269,49, liquidada nos termos do artº.111 e seguintes do CIMSISSD, conforme relatório enviado pela DF Évora a coberto do Ofício nº.5233, de 06/05/03, dado que omitiu ao valor de compra o valor de € 541.232,65 (½ do valor total omitido), nas sisas nºs. 26, 27, 28, 29, 30, 32 e 33, de 21/08/03, com prazo de pagamento de 30 dias a contar da assinatura do aviso de recepção;
11-A notificação das liquidações foi enviada por carta registada com aviso de recepção, sendo este assinado em 2006/05/24;
12-Em 2006/06/26, no Serviço de Finanças de Barrancos, deu entrada a presente impugnação.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos constantes da impugnação, nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo (a prova testemunhal não trouxe contributos, principalmente pela distância temporal dos factos a que os deponentes foram inquiridos, mas confirmou de certa maneira a queixa-crime)…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente procedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude da Fazenda Pública não ter efectuado prova dos pressupostos da liquidação adicional de sisa e imposto de selo que estruturou, mais exactamente o excesso de preço omitido na transmissão dos imóveis em causa nos presentes autos.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese e conforme supra se refere, que o relatório inspectivo não atribui, em momento algum, o valor de confissão à declaração de rendimentos apresentada pelo vendedor dos prédios, porque na verdade não se poderá dizer que tal declaração se traduz numa confissão por parte do apresentante. Que tal declaração de rendimentos, entregue nos termos legais e de forma voluntária, dever-se-á presumir verdadeira. Que, do cotejo dos valores da declaração de l.R.S. apresentada pelo vendedor B...e do valor para efeitos de constituição de hipoteca, concluíram os SIT que os imóveis alienados possuem um valor bastante superior ao declarado pelo impugnante para efeitos de Sisa, configurando mesmo tal facto a simulação de negócio jurídico. Que quanto à prova que a douta sentença recorrida defende ser exigível por parte da Administração Fiscal, entende a recorrente que os Serviços de Inspecção estavam de posse de elementos de prova credíveis e suficientes para efectuar a liquidação adicional, com vista à cobrança dos impostos em falta, elementos esses que em momento algum foram contrariados nos presentes autos (cfr.conclusões 1 a 17 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, se bem percebemos, consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O Imposto Municipal de Sisa (o dec.lei 308/91, de 17/8, alterou a designação do imposto de sisa para imposto municipal de sisa, tendo em vista a afectação das respectivas receitas aos municípios), criado pelo dec.lei 41969, de 24/11/58 (diploma que aprovou o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações), podia definir-se como um imposto directo, de obrigação única, características reais e sobre o património, incidindo nas transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, ou de figuras parcelares desse direito, relativamente a bens imóveis (cfr.preâmbulo e artº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D.; ac.T.C.A.Sul, 8/8/2012, proc.5857/12; Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.588 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.285 e seg.).
O diploma em análise, encontra-se informado por um conjunto de regras ou princípios que se condicionam, restringem ou desenvolvem mutuamente. Entre esses princípios podemos citar o da irrelevância da forma do título translativo (cfr.artº.1, “in fine”) e o da prevalência do resultado económico sobre o rigor das figuras jurídicas susceptíveis de, nos termos do direito privado, operarem a transmissão de bens imóveis (cfr.v.g.artº.2).
O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.S.D.; Nuno Sá Gomes, Incidência da Sisa, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.6, pág.35 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/1/2012, proc.3197/09).
Como é sabido, a liquidação da sisa devia preceder o acto ou facto translativo dos bens (artº.47, do C.I.M.S.I.S.S.D.).
Porém, também é certo que só o facto transmissão (na acepção ampla do artº.1, do C.I.M.S.I.S.S.D.) concretiza o direito do Estado à percepção da correspondente sisa, ou seja, é no momento da transmissão que se subjectiva a obrigação de pagar tal imposto. Até lá, existe apenas, do lado do contribuinte, um projecto de transmissão e, do lado do Estado, mera expectativa, situação esta que não é influenciada pela circunstância de a lei considerar condição legal de realização do acto a antecipação do pagamento da sisa que só será devida se ele se realizar e se no momento dessa realização se verificarem os pressupostos da tributação do mesmo. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Por último, refira-se que a liquidação da sisa era, normalmente, baseada nas declarações dos interessados e, no caso de compra e venda, tais declarações deviam fazer referência ao preço da transmissão objecto de tributação (cfr.artºs.46, 48 e 49, do C.I.M.S.I.S.S.D.). Portanto, em sede de imposto municipal de sisa a matéria colectável incidia, prioritariamente, sobre o preço convencionado pelas partes ou sobre o valor matricial, conforme o que fosse superior (cfr.artº.19, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, C.I.M.S.I.S.S.D. anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª. Edição, 1997, págs.316 e seg.).
“In casu”, a A. Fiscal fundamentou a liquidação adicional de sisa e selo objecto dos presentes autos na existência de dois vectores, a saber:
1-Que na escritura de compra e venda dos prédios, e para efeitos de constituição de hipoteca, a instituição bancária avaliou a totalidade dos bens no montante de € 2.994.000,00;
2-Que o vendedor, B..., apresentou a respectiva declaração de I.R.S., mod. 3, com referência aos rendimentos obtidos naquele ano, na qual declarou, relativamente aos prédios de Barrancos, um valor de realização de € 1.297.465,29.
Vectores dos quais concluiu pela existência de omissão parcial do valor da compra nas declarações prestadas para liquidação da correspondente sisa (mais exactamente ½ de € 1.082.465,29 = € 1.297.465,29 - € 215.000,00, sendo este o valor declarado na escritura de compra e venda dos imóveis situados no concelho de Barrancos).
Contudo, tal conclusão não se revela devidamente fundamentada.
Expliquemos porquê.
Quanto ao primeiro vector utilizado pela A. Fiscal para concluir pela omissão parcial do valor da compra, a avaliação dos imóveis efectuada pela entidade bancária para efeitos de constituição de hipoteca no montante de € 2.994.000,00, de tal garantia não se pode retirar a conclusão a que chega a Fazenda Pública. E recorde-se que a sociedade impugnante na p.i. põe em causa esta conclusão ao referir que a garantia constituída terá, alegadamente, levado em consideração igualmente o gado vacum existente nos imóveis (cfr.artº.31 da p.i.), mais juntando um documento relativo a tal factualidade (cfr.documento nº.8 junto à p.i.).
Já relativamente ao segundo esteio utilizado pela Fazenda Pública para concluir pela omissão parcial do valor da compra, a declaração de I.R.S., mod. 3, apresentada pelo vendedor com referência aos rendimentos obtidos naquele ano, na qual declarou, relativamente aos prédios de Barrancos, um valor de realização de € 1.297.465,29, desde logo se dirá que tal valor de realização é posto em causa pelo impugnante no artº.6 da p.i. que originou os presentes autos.
E recorde-se que no artº.74, nº.1, da L.G.T., se estabelece a regra de que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados no procedimento tributário recai sobre quem os invoque. Assim, em regra, a Administração Tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos. Porém, isso não significa que a Administração Fiscal apenas deva procurar carrear para o procedimento provas dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objectivo provar factos invocados pelos interessados (cfr.artº.58, da L.G.T.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.656).
Revertendo ao caso dos autos, a obrigação da Fazenda Pública seria a de coligir elementos certos e seguros cuja existência a pudesse levar a concluir que o preço declarado não correspondia ao real, elementos que apenas se poderiam consubstanciar na prova da importância efectivamente paga (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.). E, não obstante a existência da declaração dos vendedores como indício do preço por que foram adquiridos os imóveis ser superior ao declarado, o que é certo é que em momento algum, a A. Fiscal fez prova complementar, que lhe seria exigível, pelo menos tendo em atenção as vicissitudes da recusa liminar da execução dos cheques visados, de que os contribuintes pagaram pela aquisição efectuada mais do que aquilo que foi declarado na escritura de compra e venda realizada no Cartório Notarial de Sousel (cfr.nºs.2 a 4 do probatório). Concretizando, devia a Fazenda Pública, nomeadamente, ter confrontado os vendedores com a discrepância entre o valor da venda constante da escritura de compra e venda, por contraposição ao valor das mais-valias declaradas para efeito de I.R.S. pelos mesmos. Mais devia ter indagado se a aquisição dos imóveis abarcou, ou não, os bens móveis (animais/gado vacum) existentes nos prédios adquiridos.
Não tendo produzido tais diligências demonstrativas do facto tributário no âmbito do procedimento anterior à estruturação da liquidação adicional impugnada, subsistem dúvidas probatórias que devem ser valoradas a favor do contribuinte relativamente à existência do mesmo facto tributário e à sua quantificação (cfr.artº.100, nº.1, do C.P.P.T.).
Concluindo, deve confirmar-se a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 25 de Junho de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Pereira Gameiro - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)