Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12328/03
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:01/20/2005
Relator:Xavier Forte
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
PENA DE DEMISSÃO
NÃO COMPARECIMENTO AO SERVIÇO , NUM CENTRO MÉDICO , POR PARTE DA RECORRENTE/ARGUIDA , ELA PRÓPRIA MÉDICA
FALTAS INJUSTIFICADAS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I)- Quando a recorrente/arguida não compareceu ao serviço , nos dias 8 a 17 de Uutubro de 1999 , nem o fez até hoje , tal como não compareceu , desde 24-01-1997 , a mesma incorreu em mais de cinco faltas seguidas , sem ter apresentado qualquer justificação , o que se comprova pela respectiva folha de ponto .

II)- A recorrente foi mandada reintegrar , no seu serviço , por Ac. do STA , de 05-12-96 , nunca se tendo apresentado ao serviço , apesar de devidamente notificada para o efeito .

III)- Não se verifica erro nos pressupostos de direito , quando resulta dos autos que o processo disciplinar foi instaurado por despacho do Presidente do Conselho de Administração da ARS , do Norte , de 21-10-99 , na sequência de auto de falta de assiduidade , previamente levantado à recorrente , dando-se assim cumprimento ao disposto no artº 72º , 1 , do ED, onde se estabelece que o auto por falta de assiduidade servirá de base a processo disciplinar .

IV)- O facto de se verificarem circunstâncias previstas na lei como atenuantes não implica que , em todos os casos , elas devam ser valoradas como tal e menos ainda que integrem as atenuantes especiais do artº 29º , do ED .

V)- As circunstâncias atenuantes especiais ( artº 29º , als. a), b) e e),do ED)que não sejam consideradas pela Administração , na atenuação da pena, em caso de infracções graves , cometidas pelo arguído , que põem em causa a viabilidade da relação funcional , só podem ser apreciadas pelo Tribunal , em casos de erro grosseiro , grave ou manifesto na sua apreciação pela Administração .

VI)- Não se verifica a prescrição do procedimento disciplinar , quando se considerou a infracção continuada até 04-11-99 . Na verdade , a arguida começou a faltar ao serviço , a partir de 07-02-97 , ininterruptamente , até 04-11-99 , sem apresentar qualquer justificação , constituíndo , por conseguinte , uma infracção continuada , cujo prazo de prescrição não começa a correr , enquanto não cessar a conduta faltosa .

VII)- Na verdade , tanto o carácter continuado como o carácter permanente da conduta do infractor , implica que só com a cessação da mesma tenha lugar o início do cômputo do prazo de prescrição do procedimento disciplinar .

VIII)- A lei admite a fundamentação por referência ( per relationem ).

IX)- O destinatário do acto deve , perante ela , ficar em condições de saber o motivo por que se decidiu em certo sentido e não em outro qualquer , como é manifestamente , o caso « sub judice » .
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A recorrente veio interpor recurso contencioso directo de anulação do acto administrativo lesivo , que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão da função pública .

A recorrente alega , designadamente , que o acto recorrido está ferido de erro de direito , na medida em que não invoca a única disposição legal que deveria invocar , o artº 71º , do ED , por se tratar de procedimento disciplinar por faltas injustificadas .

O procedimento disciplinar encontra-se , há muito prescrito , nos termos do nº 2 , do artº 4º , do ED .

Deve ser dado provimento ao presente recurso .

A fls. 63 e ss , a entidade recorrida veio apresentar a sua resposta , pugnando pela manutenção do acto recorrido , negando-se provimento ao recurso .

A fls. 83 e ss , a recorrente veio apresentar as suas alegações , com as respectivas conclusões de fls. 99 a 101 , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

No seu douto e fundamentado parecer , de fls. 103 a 104 , o Sr. Procurador-
-Geral Adjunto entendeu que o recurso deve improceder .

MATÉRIA de FACTO :

Com interesse para a decisão , considero provados e relevantes os seguintes factos :

1)- A recorrente/arguida era médica no Centro de Saúde de Murça (CSM) , desde 1985 .

2)- No âmbito de um processo disciplinar , foi-lhe aplicado , por despacho ministerial , de 27-02-87 , a pena de demissão .

3)- Inconformada , a arguida recorreu do despacho punitivo , tendo o STA dado provimento ao recurso , por Acórdão de 05-12-96 , transitado em julgado , em 07-01-97 .

4)- Na sequência do referido Acórdão , a ARS Norte notificou a arguida , em 06-02-97 , para retomar funções no CSM , no dia imediato ao da notificação , reiterando esse propósito , em 19-05-97 e em Dezembro de 1998 .

5)- A arguida , porém , não mais compareceu ao serviço , no CSM , nem apresentou qualquer justificação para a sua ausência ao serviço , a partir daquela data , tendo sido , consequentemente , levantado , em 20-10-99 e em 02-12-99 , autos por falta de assiduidade , por faltas injustificadas , a partir de 24-01-97 .

6)- A arguida apresentou , entretanto , um pedido de exoneração , em 04-01-99 , sem nunca se apresentar ao serviço , o qual produziu efeitos a partir de 17-12-99 , conforme prescreve o artº 29º , do DL nº 427/89 , de 07-12 .

7)- Faltando ao serviço , ininterrupta e continuamente , a partir de 07-02-97 até 16-12-99 , inclusive , num total de 1043 faltas injustificadas , contadas nos termos do artº 100º , do DL nº 497/88 , d e30-12 , e mais tarde , do artº 100º , do DL nº 100/99 , de 31-03 .

8)- Sem apresentar qualquer justificação para aquelas faltas , nos termos e dentro dos prazos estabelecidos pelo DL nº 497/88 , de 30-12 ( DL 100/99 , de 31-03 ) .

9)- Parecer nº 355/0 , de 30-09-02 , do Consultor Jurídico , do Departamento de Modernização e Recursos da Saúde , em que se conclui pela legalidade da pena de demissão à arguida , pela prática de factos ilícitos ocorridos antes da apresentação do seu pedido de exoneração .

10)- Despacho do SEAMS , exarado sobre o referido parecer , que é do seguinte teor :

« concordo com a aplicação da pena proposta – pena de demissão à arguida – nos termos e pelos fundamentos constantes do processo e do presente processo , bem como dos despachos emitidos sobre o mesmo .

16-12-02

Ass) Adão Silva

Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde .


11)- A arguida , pelo comportamento descrito , violou os deveres gerais de zelo e assiduidade , previstos nas alíneas b) e g) , do nº 4 e nºs 6 e 11 , do artº 3º , do ED .

12)- Tal conduta revelou um deliberado , consciente e grave incumprimento dos seus deveres profissionais , no CSM , inviabilizando a manutenção da relação funcional com a Administração Pública .

13)- Incorreu , por conseguinte , na pena de demissão , prevista no artº 26º, 1 , do ED .

14)- Não militam a favor ou contra a arguida quisquer circunstâncias atenuantes ou agravantes especiais , previstas nos artºs 29º a 31º , do ED .


O DIREITO :

A recorrente começa as conclusões das suas alegações por dizer que , hoje , depara-se com uma situação de execução incompleta do Ac. do STA , de 1996 , através do qual se declarou a nulidade do acto que a afastou compulsivamente da Administração Pública , durante 10 anos , pelo que o presente procedimento disciplinar assume uma atitude persecutória da Administração face à recorrente .

Ora , como muito bem refere o Digno Magistrado do MºPº , não se vê em que poderá traduzir-se a alegada atitude persecutória da Administração , se todos os procedimentos observaram os pertinentes comandos legais e foi a recorrente quem se recusou a tomar o lugar , quando se pretendia proceder à sua reintegração , na função pública – Centro Médico de Murça - em sede de execução de sentença e deferindo o requerido .

Na conclusão II , a recorrente refere que a primeira notificação recebida pela recorrente para se reapresentar ao serviço foi legal e justificadamente respondida pela recorrente e aceite pela Administração .

Ora , como se verifica do PI , fls. 8 e ss , a recorrente não compareceu ao serviço nos dias 8 a 17 de Outubro de 1999 , nem o fez até hoje , tal como não compareceu desde 24-01-1997 , o que corresponde a mais de cinco faltas seguidas , sem ter apresentado qualquer justificação , o que se comprova pela respectiva folha de ponto .

Acresce que a recorrente foi mandada reintegrar na Instituição , por Acórdão do STA , de 05-12-96 , nunca se tendo apresentado ao serviço , apesar de para tal haver sido convidado em 06-02-97 , convite que lhe foi posteriormente renovado , em 19-05 , do mesmo ano .

Não foi aceite qualquer resposta à 1ª notificação , improcedendo por não provada a 2º conclusão e , consequentemente a 3ª e a 4º ; igualmente improcedem as 5º e 6ª conclusões , como se verifica pelo referido e consta do PI , de fls. 8a 13 .

Também não se vislumbra como ocorra o invocado erro nos pressupostos de direito , com base na omissão pelo acto recorrido da referência aos artºs 71º e ss , do ED .

Mas sem razão .

Efectivamente , resulta dos autos que o processo disciplinar foi instaurado por despacho do Presidente do Conselho de Administração da ARS , do Norte , de 21-10-99 , na sequência de um auto de falta de assiduidade previamente levantado à ora recorrente , dando-se , assim , cumprimento ao artº 72º . 1 , onde se estabelece que o auto por falta de assiduidade servirá de base a processo disciplinar , que seguirá os trâmites previstos no ED , com as especialidades previstas no presente artigo . (cfr. fls. 91 do PI).

Como refere a autoridade recorrida , no seu douto articulado , uma vez que o processo por falta de assiduidade assimilou o anterior processo por abandono do lugar , não será agora de questionar se o funcionário ou agente faltoso teve ou não o propósito de abandonar o cargo ( apuramento do «animus revertendi » , pois que será processado pelas falas , independentemente , da intenção com que faltou ( abandonar ou não o lugar) .

Quanto ao alegado incumprimento dos artºs 28º , 30º e 32º , do ED , entendemos que tal não se verifica , dado que a pena se mostra adequada e as circunstâncias não configuram qualquer atenuante e muito menos dirimente , demonstrando-se , claramente , pela matéria de facto provada que a ARS notificou a arguida , em 06-02-97 , para retomar funções no CSM , no dia imediato ao da notificação , reiterando esse propósito , em 19-05-97 e em Dezembro de 1998 . ( artº 4º , da matéria fáctica provada ) .

A recorrente , na verdade , com o seu comportamento faltoso reiterado ,, sem justificar a sua recusa em apresentar-se ao serviço , demonstrou a sua vontade de não reatar a actividade no Centro Médico de Murça , inviabilizando , desta forma , a manutenção da sua relação funcional com a Administração .

Não se verificando nenhuma das circunstâncias especiais previstas no artº 29º , do ED , e não havendo outras circunstâncias atenuantes susceptíveis de diminuirem , substancialmente , a culpa da arguida , não merece censura a posição da autoridade recorrida , ao não usar da faculdade de atenuação extraordinária consignada no artº 30º , do ED . ( cfr. entre outros , o Ac. do STA , de 02-02-89 , DR de 14-11-94 , pág. 741 ) .

Como se refere naquele douto parecer , o tribunal conhece dos pressupostos de facto e de direito das penas disciplinares e no que toca à própria pena aplicada , por existir discricionaridade por parte da Administração , a intervenção do tribunal fica reservada aos casos de erro grosseiro , entendido como uma injustiça notória ou desproporção manifesta entre a falta cometida e a sanção aplicada , o que não ocorreu e nem sequer a recorrente o alegou . ( cfr. entre outros o Ac. do STA , de 19-10-95 , Rec. nº 28 205 ) .

Como se refere no Ac. do STA , de 19-04-94 , Rec. nº 32 129 , o facto de se verificarem circunstâncias previstas na lei , como atenuantes , não implica que em todos os casos , elas devam valoradas como tal e menos ainda que integrem as atenuantes especiais do artº 29º , do ED .

É que a circunstância atenuante prevista na al. a) , do citado artº 29º exige mais do que a simples ausência de anteriores punições disciplinares , sendo necessário que o currículo anterior do arguído denote elementos que permitam qualificá-lo como exemplar . ( cfr. Ac. do TCA , de 18-04-02, Rec. 1058 ) .

As circunstâncias atenuantes especiais ( artº 29º , als. a) b) e e) ,do ED) , que não sejam consideradas pela Administração , na atenuação da pena , em caso de infracções graves , cometidas pelo arguído , que põem em causa a viabilidade da manutenção da relação jurídica funcional , só podem ser apreciadas pelo tribunal , em casos de erro grosseiro , grave ou manifesto na sua apreciação pela Administração . ( cfr. Ac. do TCA , de 10-05-01 , Rec. nº 1501 ) .

Entendemos que também não se verificou a prescrição invocada , nos termos do artº 4º , 2 , do ED , que estabelece que prescreverá igualmente o procedimento disciplinar se , conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço , não for instaurado o competente procedimento disciplinar , no prazo de três meses .

É que se observou o prazo aí previsto , considerando a infracção continuada até 04-11-99 . Na verdade , a arguida começou a faltar ao serviço , a partir de 07-02-97 , ininterruptamente , até 04-11-99 , sem apresentar qualquer justificação , constituindo , por conseguinte , uma infracção continuada , cujo prazo de prescrição não começa a correr , enquanto não cessar a conduta faltosa .

Na infracção continuada temos uma pluralidade de actos singulares unificados pela mesma disposição exterior das circunstâncias que determina a diminuição da culpa do agente .

Tanto o carácter continuado como o carácter permanente da conduta do infractor , implica que só com a cessação da mesma tenha lugar o início do cômputo do prazo de prescrição do procedimento disciplinar . ( cfr. entre outros o Ac. do STA , de 30-06-98 , Rec. 39 835 ) .

Também improcede o alegado vício de forma , por falta de fundamentaçao, pois não existe contradição entre o parecer , o relatório e a decisão de demissão recorrida , concluindo aquele pela legalidade da demissão da arguida e este pela demissão , pelo que não foi violado o artº 125º , do CPA , com a fundamentação por remissão .

Na verdade a lei admite a fundamentação por referência ( per relationem ) .

A fundamentação deve ser clara , suficiente e congruente .

O destinatário do acto deve , perante ela , ficar em condições de saber o motivo por que se decidiu em certo sentido e não em outro qualquer , como é manifestamente , o caso dos autos .

Pelo exposto , a arguida com o comportamento descrito violou os deveres gerais de zelo e assiduidade , previstos nas alíneas b) e g) , do nº 4 , e nºs 6 a 11 , do artº 3º , do ED , com uma conduta – não apresentação de justificação de faltas ao serviço , nos termos e dentro dos prazos legalmente estabelecidos , e ausência contínua e injustificada ao serviço – que revelou um deliberado , consciente e reiterado grave incumprimento dos seus deveres profissionais no Centro Médico de Murça , inviabilizando a manutenção da relação funcional com a Administraçao Pública .


DECISÃO :


Acordam os Juízes do TCA , em conformidade , em negar provimento ao recurso contencioso .

Custas pela recorrente , fixando-se a taxa de justiça em € 150 e a procuradoria em € 75 .

Lisboa , 20-01-05 .