Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11916/03
Secção:CA- 2.ª Sub.
Data do Acordão:06/05/2003
Relator:Xavier Forte
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PREJUÍZO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
GRAVE LESÃO DO INTERESSE PÚBLICO
REMOÇÃO DE UMA RESIDÊNCIA DE CANÍDEOS
NÚMERO SUPERIOR A 3
ANIMAIS DE COMPANHIA
ART.1º E 3º DA CONVENÇÃO EUROPEIA PARA A PROTECÇÃO DOS ANIMAIS DE COMPANHIA
PORTARIA Nº1427/2001, DE 15-12
REGULAMENTO DE CLASSIFICAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E REGISTO DOS CARNÍVOROS DOMÉSTICOS E LICENCIAMENTO DE CANIS
Sumário:I )- Entende-se por animal de companhia qualquer animal possuído ou destinado a ser possuído pelo homem, designadamente em sua casa, para seu entretenimento e enquanto companhia ( artº 1º , da referida Convenção Europeia ).
II)- Ninguém deve inutilmente causar dor, sofrimento ou angústia a um animal de companhia.
III)- Quando numa suspensão de eficácia, se pede a suspensão do acto que ordenou a remoção da residência da requerente, para o canil municipal, dos canídeos ali existentes, que ultrapassem o número de três, o sentimento de perda da requerente é por assim dizer atenuado , pois pode sempre escolher os animais com que pretende ficar , para seu afecto e segurança , além de que é facultada à requerente a possibilidade de « dar outro destino aos canídeos » e a referida remoção não causará aos animais , forçosamente , dor , sofrimento ou angústia . Daí , não se verificar o requisito da alínea a) , do nº 1 , do artº 76º , da LPTA , ou violação do artº 496º, 1 , do C.Civil .
IV)- Há grave lesão do interesse público , quando o acto suspendendo , ao determinar a remoção dos canídeos de uma residência , procura assegurar a tranquilidade dos moradores , a sua saúde e segurança , quando as mesmas são , gravemente , perturbadas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:RELATÓRIO:

A Requerente W..., residente no Outeirinho, veio instaurar a presente suspensão de eficácia do despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mafra, enviado interessada em 20-08-2002, que ordenou a remoção , para o próximo dia 10-09 , p.p., entre as 08,00 h e as 10, 00 h da residência da requerente para o canil municipal, de todos os canídeos existentes , que ultrapassem o número de três .

Foi proferida douta sentença , no TACL , datada de 28-11-2002 , pela qual foi indeferido o pedido de suspensão de eficácia .

Inconformada com a sentença , a requerente , ora recorrente , veio interpor recurso jurisdicional da mesma apresentando as suas alegações de fls. 75 a 76, com as respectivas conclusões de 102 ( artº 690º , do CPC ) que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

O recorrido apresentou as suas contra-alegações de fls. 83 e ss , com as respectivas conclusões de fls. 84 a 85 , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

Os recorridos particulares apresentaram as suas alegações de fls. 83 e ss , com as respectivas conclusões de fls. 84 a 85 , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

No seu douto e fundamentado parecer , de fls. 94 , a Srª Procuradora-Geral-Adjunta entendeu que deve ser julgado improcedente o recurso jurisdicional.

MATÉRIA de FACTO :

Nos termos do artº 713º , 5 , do CPC , remete-se para a matéria de facto constante da douta sentença do TACL , de fls. 62 e ss .

O DIREITO :

Nas conclusões das suas alegações , de fls. 102 , a recorrente começa por referir que a sentença violou as seguintes disposições legais :
- O artº 496-1 , do CPC , ao considerar que a remoção dos animais para um canil municipal , nestas circunstâncias , não é um dano moral grave ;
- O artº 76º, 1 , al. a) , da LPTA , ao considerar que tal remoção dos animais não lhe causa um prejuízo de difícil reparação ;
- O artº 2º-2 , da Portaria nº 1427/2001 , sendo que a recorrente vive numa vivenda , com amplo logradouro , pelo que a autoridade requerida fez uma indevida aplicação da norma em referência .

Porém , não tem razão .

É muito clara a matéria de facto provada , quando no nº 1 se reafirma que as condições de higiene não existem ; as atitudes dos cães é intimidatória , o barulho é insurdecedor ... o número de cães é de nove (9) e são vários os queixosos , aí identificados , afectados pela situação .

No seguimento de queixa , o Delegado de Saúde de Mafra visitou o local , por algumas vezes , verificando a existência de alguns animais de raça canina , entendendo haver evidente desrespeito pelas condições de salubridade e tranquilidade da vizinhança .

E isto , na sequência de queixa apresentada ao Delegado de Saúde de Mafra , em que se refere ser de nove o número de cães , provocando barulho ensurdecedor , quaisquer que sejam as horas , com a impossibilidade de descansar ao Domingo , a partir das 8 horas da manhã e , à noite , em horas tardias .

Além disso há excesso de pêlos , que na verdade são tufos , e que voam para a casa dos queixosos , impedindo-os de abrir as portas e as janelas , além de um cheiro nauseabundo provocado pelas urinas dos animais , acrescendo a existência de carraças que , quando pisadas , espirram sangue .

O Vetirinário municipal emitiu parecer , no sentido de se manter o projecto de remoção dos canídeos em excesso , para o canil municipal , caso a detentora não opte por outro destino , por não estarem respeitadas as condições de salubridade , nem as de tranquilidade da vizinhança .

Acresce que a requerida particular , Maria Alexandra , foi observada em consultas de Psiquiatria , desde 15-05-02 , apresentando um quadro depressivo e ansioso relacionado com um conflito de vizinhança , no local onde reside , por causa da presença de vários cães na moradia ao lado da sua , provocando ruído , cheiro e incómodos vários , durante o dia e a noite, tendo permanecido em casa de família para poder dormir e fazer medicação .

Ora , o artº 1º , da Convenção Europeia para protecção dos animais de companhia , começa por definir animal de companhia , dizendo que é «qualquer animal possuído ou destinado a ser possuído pelo homem , designadamente em sua casa , para seu entretenimento e enquanto companhia» .

No artº 3º , referente aos princípios fundamentais para o bem-estar dos animais , dispõe-se que « ninguém deve inutilmente causar dor , sofrimento ou angústia a um animal de companhia ( 1) e que « ninguém deve abandonar um animal de companhia » .

Por sua vez , o artº 2º , da Portaria nº 1427/2001 , de 15-12 , dispõe , no nº 1 , que a permanência de cães e gatos em habitações situadas em zonas urbanas fica sempre condicionada à existência de boas condições de alojamento dos mesmos e ausência de riscos higio-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem .

No nº 2 , do mesmo artigo , estabelece que « sempre que sejam respeitadas as condições de salubridade e tranquilidade da vizinhança , podem ser alojados por cada apartamento , tanto nas zonas urbanas como nas rurais , até três cães ou quatro gatos adultos , não podendo no total ser excedido o número de quatro animais .

A requerente alega , na verdade que os animais são um contributo para a sua qualidade de vida e realização humana , visto que canalizou para os mesmos parte significativa da sua capacidade de transmitir afecto ; que os mesmos lhe aliviam a solidão , sendo também fonte de segurança contra ameaças à integridade física ; que com o seu afastamento iria registar um sentimento quase semelhante ao da perda de um ente querido .

Porém , é facultada à requerente , no próprio despacho , a possibilidade de «dar outro destino aos canídeos » , estando a sua remoção para o canil municipal dependente da vontade da própria requerente , já que não pode ter mais de três cães ou quatro gatos adultos , não podendo , no total , ser excedido o número de quatro animais .

Acresce que a ser feita a remoção dos cães , que tem a mais , os mesmos ficarão alojados em boas condições no canil municipal , pelo que não lhe causará , bem como ao marido , necessariamente , dor e angústia , assim não causará , forçosamente , dor , sofrimento e angústia aos animais .

Como bem se refere na douta sentença recorrida , quanto ao sentimento de perda , por parte da requerente , há que notar que a remoção apenas tem por objecto os animais que excederem o número de três , podendo sempre escolher os animais com que pretende ficar , para seu afecto e segurança , independentemente de , ainda , quanto aos restantes , poder escolher qualquer outro destino que não seja o canil municipal .

O certo é que o despacho suspendendo apenas surgiu como consequência da falta de condições , no que respeita à salubridade e tranquilidade da vizinhança , onde se encontram os canídeos , aliás em «canil » não licenciado.

O eventual sofrimento a suportar pela requerente e marido não têm , pelo exposto , gavidade suficiente para que possa ser relevante em termos de verificação do requisito da alínea a) , do artº 76º , da LPTA , e do artº 496º , do CC .

Quanto ao requisito da alínea b) , do artº 76 , da LPTA , entendemos que a suspensão da eficácia do acto determina grave lesão do interesse público .

Como se provou , a queixa dos recorridos particulares , com morada contígua à da requerente , incidiu no grave problema que os cães representam para a saúde pública , por falta de condições de higiene , atitude ameaçadora dos animais e barulho insurdecedor .

Daí, uma série de visitas ao local por parte das entidades competentes (fiscalização da Câmara Municipal, Delegado de Saúde e Veterinário Municipal), com elaboração de informações e auto de vistoria , onde se faz referência aos animais do lote 12 , da requerente , com acumulação de pêlos no pavimento , fezes e pêlos nas valas de drenagem das águas pluviais , com prejuízo até das linhas de água e das praias a jusante , a que acresce o barulho que os animais fazem , provocador da intranquilidade dos vizinhos .

Acresce como já se referiu , mas é acentuado na sentença , que uma requerida particular teve necessidade de acompanhamento médico , apresentando um quadro depressivo e ansioso , relacionado com a presença dos animais , que com o seu ruído , cheiro e incómodos vários , durante o dia e a noite , a obrigaram a ausentar-se para casa de família , por vários dias , para poder dormir e fazer a adequada medicação .

Bem andou a entidade requerida ao ordenar , cautelarmente , a remoção dos canídeos , dada a situação de perigo para a saúde e tranquilidade pública .

No caso dos autos , o interesse público impõe que o interesse particular da requerente seja sacrificado , na medida necessária à prossecução daquele .

Com efeito , o acto suspendendo ao ordenar a remoção dos animais existentes para além do prescrito na lei , procurou assegurar a tranquilidade dos moradores , bem com a sua saúde e segurança , que vem sendo , gravemente , perturbadas .

Não estão , pois , verificados os requisitos das alíneas a) e b) , do artº 76º , da LPTA , motivo por que não pode proceder a pretensão da requerente .

DECISÃO :

Acordam os Juízes do TCA , em conformidade, em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida e indeferindo, consequentemente, o pedido de suspensão requerido.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em € 100 e a procuradoria em € 50 .


Lisboa , 05-06-2003