Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:868/08.2 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. Através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.

II. No caso, o Tribunal recorrido demitiu-se do dever de discriminar e especificar, os factos que suportam a decisão retirados dos depoimentos das testemunhas inquiridas ao afirmar na matéria de facto «Dá-se por integralmente reproduzido o teor da certidão da acta de inquirição de testemunhas no referido processo e respectivo CD».

III. A sentença ao transpor os factos provados noutro processo de impugnação judicial, para os presentes autos, confere à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou concede ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, recorre para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO do despacho constante de fls. 788 a 790, que admitiu o aproveitamento da prova pericial produzida noutro processo judicial e, para este TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA datada de 18 de Dezembro de 2017 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida inicialmente pela sociedade ..... – S…, S.A. [hoje, ....., C…,S.A.] contra os actos de liquidação adicional de IVA, do exercício de 2005 e respectivos juros compensatórios, tudo no valor global de €94.251,88.

A Recorrente finalizou a sua alegação recursória com as seguintes conclusões:

A) Quanto ao recurso do despacho de fls. 788 a fls.790

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, de acordo com o qual é decidido com referência à prova pericial requerida pela Impugnante que, "Todavia, e pese embora nos presentes autos não ter sido ainda aferida a necessidade da perícia e a admissibilidade do seu objecto, por poder ser útil à útil à descoberta da verdade material, admito a junção do relatório pericial que faz fls. 758 a 760 do papel", mais acrescentando que, "De todo o modo, anote-se que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (artigo 389° do Código Civil).", (sublinhado e realce nossos)

2. O douto despacho identificado e de que aqui se recorre incorre em erro de julgamento de direito, na medida em que viola o regime jurídico aplicável à admissibilidade, e valoração probatória, da prova pericial patente nos artigos 388° e 389° do Código Civil, pois, não obstante a decisão do Tribunal a quo não se pronunciar acerca da admissão ou não da prova pericial, conforme lhe competiria e à luz dos normativos legais aplicáveis à especifica prova pericial, admite o Tribunal a quo o relatório pericial enquanto prova não pericial (deduz-se), fundamentando tal admissão na eventual utilidade para a descoberta da verdade material.

3. E, admitindo o Tribunal a quo o relatório pericial como prova, sem que se tenha pronunciado sobre a prévia admissão da prova pericial, atribuindo-lhe configuração diversa da prova pericial, mais fundamenta a admissão do dito relatório no regime probatório aplicável à prova pericial de acordo com o disposto no artigo 389° do Código Civil, confundindo-se requisitos de admissibilidade da prova com consequências/efeitos da admissão da prava à luz do regime probatório aplicável.

4. Efectivamente, a prova pericial segue regime de admissibilidade próprio - mais prevendo o Código de Processo Civil nos artigos 474° a 489° um regime processual autónomo de que depende a sua validação como prova válida nos autos -, uma vez que dependente da verificação dos pressupostos previstos no artigo 388° do Código Civil, não podendo confundir-se com a prova documental.

5. Com efeito, o douto despacho admite o documento, sem especificar os fundamentos da sua admissão aos autos, e sem precisar a que titulo é o mesmo admitido, e, sendo certo perceber-se que, no mínimo, e de acordo com o entendimento do Tribunal a quo, pode ser tal relatório pericial bom para a decisão da causa em termos gerais, não se percepciona, todavia, da leitura do douto despacho se estamos afinal perante prava documental ou perante prova pericial.

6. De acordo com o entendimento do Tribunal a quo não é relevante a questão de determinar se o relatório pericial é admitido ou não como prova pericial à luz dos específicos requisitos previstos no artigo 388° do Código Civil, porque o tribunal fixa livremente a força probatória das respostas dos peritos.

7. E a Fazenda Pública não pode concordar com tal entendimento, pois tal reconduzir-nos-ia a situações em que, não obstante a prova pericial requerida não cumprir com os requisitos de admissibilidade vertidos no citado artigo 388° do Código Civil, como no caso sub judice, poderia vir a mesma a ser admitida como prova não pericial, como prova documental, podendo ser-lhe concedida a força probatória de prova pericial, como parece também acontecer nos presentes autos.

8. Ora, o relatório pericial pode apenas, e só, ser admitido como prova dos presentes autos na medida em que a prova pericial requerida pela Impugnante cumpra com os requisitos definidos legalmente no artigos 388° do Código Civil, e não cumprindo, como é entendimento da Fazenda Pública, não é admitida a prova pericial e, portanto, não poderá ser admitida a junção aos autos do relatório pericial.

9. Nestes termos, foi a douta decisão de que se recorre proferida em erro de julgamento de direito, violando as normas contidas nos artigos 388° e 389° do Código Civil, bem como o regime processual que lhe está subjacente e vertido nos artigos 474° a 489° do Código Civil, porquanto admite a junção aos autos de relatório pericial, atribuindo-lhe a força probatória de relatório pericial, sem ter previamente procedido à verificação do preenchimento ou não dos requisitos de admissibilidade da prova pericial.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogado o douto Despacho proferido pela Tribunal a quo, assim se fazendo a costumada Justiça.”

Notificada da admissão de recurso, a Sociedade Impugnante apresentou contra-alegações, aí concluindo do modo que segue:

A. A Digníssima Representante da Fazenda Pública não se conformando com o despacho, aliás douto, da Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferido nos presentes autos, a 11 de Maio de 2017, que admitiu o relatório pericial produzido no âmbito da impugnação judicial apresentada pela mesma impugnante contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2005, que correu termos na 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o processo nº..., interpôs dela recurso para este Venerando Tribunal.

B. O despacho recorrido entendeu admitir a junção do relatório pericial «por poder ser útil à descoberta da verdade material», mais referindo expressamente que «a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (artigo 389º do Código Civil)».

C. Decide, assim, sem margem de crítica, e por essa razão, bem, o Tribunal a quo, em virtude de, no relatório pericial, poder haver informação relevante e útil para a boa decisão dos presentes autos, em que se discute o acto de liquidação de IVA do ano de 2005, em virtude de o relatório pericial não obstante ter sido produzido e elaborado num outro processo - em que se discute apenas um imposto diferente, sendo, contudo, referente ao mesmo exercício e ao mesmo sujeito passivo - a aqui recorrente, sendo igualmente de considerar que estão em causa correcções à matéria colectável, face a supostas omissões de vendas, que constituem igualmente a base tributável do IVA em causa no presente processo.

D. Contudo, não é este o entendimento da aqui Recorrente, a qual discordando da junção do relatório pericial, levou a que a Exma. Representante da Fazenda Pública apresentasse, contra a mesma, recurso, alicerçando o seu juízo de discordância nos seguintes argumentos: «O douto despacho identificado e de que aqui se recorre incorre em erro de julgamento de direito, na medida em que o viola o regime jurídico aplicável à admissibilidade, e subsequente valoração probatória, da prova pericial patente nos artigo 388º e 389º do Código Civil. Porquanto, não obstante o decisão do Tribunal a quo não se pronunciar acerca da admissão ou não da prova pericial, conforme lhe competiria e à luz dos normativos legais aplicáveis à especifica prova pericial, admite o Tribunal a quo o relatório pericial enquanto prova não pericial (deduz-se), fundamentando tal admissão na eventual utilidade para o descoberta da verdade.(...)» Concluindo, no sentido de que «(...) foi a douta decisão de que se recorre proferida em erro de julgamento de direito, violando as normas contidas nos artigos 388º e 389º do Código Civil, bem como o regime processual que lhe está subjacente e vertido nos artigo 474º a 489º do Código do Processo Civil, porquanto admite a junção aos autos de relatório pericial, atribuindo-lhe a força de relatório pericial, sem ter previamente procedido à verificação do preenchimento ou não dos requisitos de admissibilidade da prova pericial.»

E. Com todo o respeito, não nos parece que este argumento apresente qualquer aderência, quer aos factos, quer ao direito aqui aplicável, devendo o mesmo ser totalmente rejeitado, por um lado, porque, da ponderação e aplicação do Direito à situação em causa, entendeu o Tribunal a quo, de forma correcta a assertiva, admitir tal relatório, com a ressalva de que «a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, nos termos do disposto no artigo 389º do Código Civil.», o que significa que apenas utilizará a informação constante do relatório pericial que admitiu, se entender que o mesmo é útil para a descoberta da verdade material - o que ao fim ao cabo é o fito último de um qualquer processo judicial -, e por outro, porque só lhe dará a valoração probatória que entender conveniente, ao abrigo do princípio da livre apreciação das provas pelo Tribunal, conforme previsto na Lei.

F. Na verdade, a sua admissibilidade é legítima, face ao princípio da economia processual previsto no Código de Processo Civil, aplicável ao processo tributário, por força do artigo 2º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e face à ressalva do Tribunal no eventual aproveitamento do teor do relatório para a descoberta da verdade material, pelo que, entende a Recorrida que andou bem o Tribunal a quo ao decidir pela admissão desse mesmo relatório.

G. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a acepção da Ilustre Representante da Fazenda Pública, quanto ao alegado erro de julgamento, porquanto a admissão do relatório pericial em causa, tem por fito o eventual auxílio do Tribunal na descoberta da verdade material, tendo por isso um efeito probatório diferente do que se o mesmo tivesse sido elaborado nos presentes autos.

H. É isso que retiramos do Acórdão do Tribunal Central Norte, proferido no processo nº00006/2003.TFPRT.31, de 16.03.2017, nos termos do qual:
«Nestas situações de prova emprestada, muito recorrente nos tribunais tributários de 1ª instância e justificada em razões de celeridade e economia processual, evitando-se a repetição desnecessária de actos processuais, a prova testemunhal ou pericial produzida num processo ingressa num segundo processo, mas o juiz deste não está adstrito a conferir-lhe idêntico valor probatório nem a valorar tais meios de prova no mesmo sentido em que o foi nos autos em que foi produzida.
(…)
Como se deixou consignado no sumário doutrinal do acórdão do STJ, de 12/10/2004, proferido no procº05B691, «1. O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art.522º, nº1 do Código de Processo Civil, significa que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto.
2. Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.
3. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado».

I. De mencionar, ainda, o sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº949/05.4TBOVR-A.L1-8, de 11.03.2010, com interesse que:
«1. No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº655° nº1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica.
3. A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.
4. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
5. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
6. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito.
7. A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente peto tribunal - orí-389?do Código Civil.»

J. E, é precisamente de acordo com esta acepção, que o despacho recorrido decide, e bem, no sentido da admissão do aludido relatório pericial, não havendo, por essa razão, qualquer erro de julgamento, quer quanto à admissibilidade do relatório, nem quanto à valoração probatória do mesmo.

K. Face ao exposto, entende a Recorrida que não assiste razão à Recorrente nas alegações que apresentou, dado que o Tribunal a quo não cometeu qualquer erro de julgamento, nem claudicou o despacho recorrido na apreciação da matéria de facto e de direito, pelo que segundo firme convicção da Recorrida, deverá ser este último entendimento - e não o sustentado nas alegações de recurso pela Ilustre Representante da Fazenda Pública - que deverá ser sancionado por este Venerando Tribunal, no sentido da manutenção da decisão recorrida.

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado improcedente por não provado e, em consequência, mantido o despacho recorrido no sentido da admissão da junção aos autos do relatório pericial produzido no âmbito do processo nº... que correu termos na 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra,

CONFORME É DE INTEIRA E COSTUMADA JUSTIÇA!»

B) Quanto ao recurso da sentença

«I. Questão fulcral nos presentes autos consiste em aferir da prestação dos serviços por parte de sujeitos passivos determinados à recorrida, para efeitos de validação do IVA deduzido pela impugnante com referência às operações supostamente desenvolvidas com as sociedades ..... LDA., ..... LDA e ..... LDA., com referência ao ano de 2005.

II. O procedimento inspectivo que determinou a liquidação de IRC em apreço nos presentes autos foi despoletado pelo Processo de Inquérito nº4/03.1IDACB da Policia Judiciária de Leiria - Departamento de Investigação Criminal, do qual resultam como suspeitas da prática de fraudes fiscais e burlas tributárias mediante a emissão de facturação falsa as empresas fornecedoras da recorrida: ....., LDA, a ..... E M...L, LDA., a ..... ..., LDA., e a ..... LDA., têm um sócio gerente em comum, CARLOS ......

III. No decurso do procedimento inspectivo estabeleceram ainda os Serviços de Inspecção Tributária relação entre a impugnante, enquanto cliente, e a empresa ..... - ….. LDA., entidade referenciada como não declarante e pertencente, de acordo com informação prestada pela impugnante, a CARLOS ......

IV. Do processo de inquérito acima identificado resultou que as empresas ....., LDA, com o NIF ....., a ..... E M...L, LDA., com o NIF ....., e a ..... LDA não apresentam estrutura capaz de proporcionar os serviços alegadamente prestados.

V. O trabalho desenvolvido pelos Serviços de Inspecção teve como objectivo específico, após análise dos registos contabilísticos da empresa, efectuar análise aos documentos de suporte do sujeito passivo, bem como verificar dos meios de pagamento e respectiva contabilização com referência às entidades ..... E, LDA, ..... - ….. LDA e ..... LDA.

VI. De tais diligências resultaram as conclusões constantes do RIT a fls. 17, 18 e 19 consubstanciadas na falta de credibilidade dos elementos contabilísticos e documentos de suporte das mesmas para efeitos de fundamentarem a materialização das operações comerciais em causa nos presentes autos.

VII. Das diligências concretizadas junto das empresas em referência, com vista a determinar da sua actividade e forma de exercício foram apurados os factos descritos nos RIT nos pontos 4.1, 4.2 e 4.3 a fls. 19 a 25, e que se reconduzem nomeadamente ao facto de serem empresas não declarantes, sem notícia de actividade na Segurança Social ou na Inspecção-Geral do Trabalho, a que o TOC não reconhece actividade, e com constatadas irregularidades ao nível das facturação emitida.

VIII. Confrontadas as facturas emitidas pelos fornecedores indiciados da emissão de facturação falsa com as datas da ocorrência das propostas inerentes à realização dos trabalhos indicados nas facturas verificaram-se irregularidades, pois que facturas há emitidas em data anterior ao convite efectuado pela entidade contratante para apresentação de proposta com vista à adjudicação da obra, bem como se verificou a emissão de 2ª via de factura com valores diversos, cf. relatado a fls. 33 a 38 do RIT.

IX. E, notificado o sujeito passivo na pessoa do seu administrador J..... para comprovar as operações realizadas entre o sujeito passivo e as entidades em causa, com referência aos exercícios de 2003 a 2005, solicitando-se que "as operações sejam comprovadas através de, entre outros, folhas de presença, autos de medição, folhas de obra, guias de transporte, trocas de correspondência, meios de pagamento utilizados (cheque, dinheiro, transferências bancárias", veio o sujeito passivo juntar elementos comprovativos das relações comerciais dos anos de 2001 e de 2002 cf. fls. 26 do RIT).

X. Apurou-se ainda no decurso do procedimento inspectivo que aos fluxos comerciais entre o sujeito passivo e as empresas identificadas correspondiam fluxos financeiros que se assumiam como pagamentos em dinheiro a CARLOS ..... (cf. fls. 27 do RIT), procedimento não verificado em relação aos restantes fornecedores.

XI. Em relação às relações comerciais que aqui nos importam não há contratos, não há comprovativos de pagamento, nem trocas de correspondência (cf. a fls. 32 do RIT), e das diligências encetadas junto dos colaboradores que estabeleciam a ligação entre a recorrida e as empresas não foi possível criar um elo de ligação sustentável entre os alegados encarregados de obra das empresas de CARLOS ..... e as ditas empresas, conforme descrito no RIT a fls. 29 a 31.

XII. Quanto ao recebimento de clientes, os serviços de inspecção tributária puderam identificar procedimentos diversos evidenciados na contabilidade, sendo que tais evidências se manifestam também com referência ao pagamento de fornecedores (fls. 40 e 41 RIT).

XIII. Com efeito, a contabilidade evidencia dois tipos distintos de contabilização de pagamentos, variável consoante reflicta ou não as relações comerciais entre a impugnante e as empresas fornecedoras indiciadas de emissão de facturação falsa (fls. 41 do RIT).

XIV. De tudo o exposto e devidamente relatado e documentado no RIT resulta a ausência de credibilidade de todos os registos contabilísticos da recorrida relacionados com as empresas em questão: são detectadas irregularidades graves na emissão de facturação nas empresas fornecedoras, e da óptica da análise à recorrida cliente utilizadora das facturas constatam-se também irregularidades nos registos contabilísticos dos proveitos, dos custos, na facturação repetida e não coerente com os serviços prestados, e dos pagamentos, sendo que inexistem documentos próprios das relações comerciais ocorridas, como sejam troca de correspondência ou contratos celebrados entres partes, a que acrescem os ditos pagamentos em dinheiro de avultadas quantias (recorde-se que os custos corrigidos ascenderam ao valor de €470.820,23).

XV. Por outro lado, o relatório pericial nada acrescenta de factualmente relevante para a matéria a apreciar, uma vez que assume como ponto de partida os registos contabilísticos sem cuidar de os relacionar com a vertente documental, com a vertente financeira e com a vertente comercial efectiva da empresa, o que desde logo revela a sua deficiência, para além de defender a tese geral e abstracta de que para determinado nível de prestação de serviços teria de apresentar a impugnante um determinado nível de custos.

XVI. Afirma a douta sentença resultar da prova testemunhal evidenciado que os serviços facturados à Impugnante foram efectivamente prestados, e que as obras a esta adjudicadas pelos seus clientes foram concluídas, contudo, tal conclusão configura-se insuficiente para efeitos de comprovação dos serviços supostamente titulados pelas facturas em causa nos presentes autos e cuja dedução de IVA foi desconsiderada.

XVII. Porquanto os indícios sérios de estarmos na presença de operações simuladas se referem às concretas operações supostamente desenvolvidas entre a impugnante e os fornecedores e prestadores de serviços identificados e não entre a impugnante e seus clientes.

XVIII. E, não obstante o quadro de pessoal reduzido apontado pela douta sentença, a sociedade impugnante manteve ao longo do ano de 2005 vínculos com "prestadores de serviços autónomos à empresa" aptos a suprir as necessidades de mão-de-obra a que a douta sentença alude, pois a impugnante celebrava, de acordo com documentos emitidos, arquivados e contabilizados em Subcontratos, "acordos" que se reconduziam a contratações de prestadores de serviço independentes.

XIX. Pelo que, o facto de ser o quadro de pessoal da impugnante reduzido se considera não ser facto do qual decorra de forma necessária o estabelecimento de uma ligação efectiva entre a impugnante e as identificadas sociedades, porquanto tinha a impugnante forma de suprir as suas necessidades de mão-de-obra recorrendo à celebração dos ditos acordos com aqueles a que chamava prestadores de serviços autónomos.

XX. Mais indica o Tribunal a quo como fundamento válido da desconsideração dos factos vertidos no Relatório de Inspecção Tributária enquanto indícios sérios da simulação das operações o facto de a impugnante ter justificado de forma válida as razões pelas quais recorria às empresas do grupo de " Carlos .....", razões essas reconduzíveis, de acordo com pontos 12, 19 e 20 do probatório, à necessidade de mão-de-obra suplementar em determinados períodos do ano, por sobrecarga de trabalho, e às versatilidade e disponibilidade com que o mesmo disponibilizava materiais e mão-de-obra.

XXI. No entanto, conforme acima referido, tal necessidade de mão-de-obra suplementar era já suprida por intermédio da celebração de acordos com prestadores de serviços, sendo que a afirmada disponibilidade e versatilidade de Carlos ..... se configura insuficiente para a demonstração da veracidade das operações contabilizadas como sendo prestadas efectivamente pelas empresas emitentes das facturas.

XXII. Para além disso, não concretiza a douta sentença de que forma considera provados os factos constantes dos pontos 16 e 18 do probatório, e de que forma é estabelecido o nexo de causalidade entre a prestação de serviços à Junta de Freguesia de Marvila, a que se refere o ponto 15 do probatório, e a declarada subcontratação das sociedades ..... LDA. e à sociedade ..... LDA., bem como o nexo de causalidade entre a prestação de serviços referentes a iluminação de Natal, a que se refere o ponto 17 do probatório, e a declarada subcontratação das sociedades ..... LDA.. e à sociedade ..... LDA..

XXIII. Omitindo a douta sentença quaisquer factos adicionais capazes de sustentar a alegada relação comercial entre a impugnante e as referidas sociedades emitentes das facturas, ou mesmo de afastar os indícios recolhidos no procedimento inspectivo e que apontam no sentido de estarmos perante operações simuladas.

XXIV. De que forma se estabeleceu o contacto com Carlos ....., quem estabeleceu o contacto com Carlos ....., qual era o papel e funções desenvolvidas por Carlos ..... em cada uma das empresas, de que forma tais funções se correlacionavam com as funções de gerência das mesmas, a quem reportava assuntos da empresa, de que forma se processavam os pagamentos dos serviços, quais as circunstâncias em que decorreram as prestações de serviços, qual a relação efectiva entre os trabalhadores disponibilizados por Carlos ..... e as empresas emitentes das facturas, por que motivo no decurso de investigação da Policia Judiciária se confirma não apresentarem os sujeitos passivos em questão qualquer estrutura empresarial e Carlos ..... tem o condão de lhes atribuir total credibilidade e um quadro de trabalhadores capazes de suprir necessidades em prestações de serviços que ascendem a consideráveis montantes?

XXV. Todas estas são questões a que a douta sentença não dá resposta, e cujo não preenchimento, não obstante as diligências levadas a cabo pelos serviços de inspecção tributária, nos encaminha necessariamente no sentido de estarmos na presença de sérios indícios de simulação de operações, e assim, quanto ao ponto 19 do probatório, mais se impugna a ausência de uma precisa definição das efectivas necessidades de pessoal subcontratado pela impugnante, de molde a identificar-se os terceiros envolvidos, e os períodos do ano a que a mesma se reporta.

XXVI. Por outro lado, mais refere a douta sentença como devendo ser tido em consideração o facto de os serviços de inspecção tributária não terem detectado outras anomalias que colocassem em causa os dados e apuramentos contabilísticos da impugnante, facto contrariado pelo Relatório de Inspecção Tributária conforme factos que infra enunciamos.

XXVII. Contudo, convirá ter também em consideração, facto que a douta sentença olvida, que as facturas emitidas pelas sociedades identificadas e indiciadas como titulando operações não materializáveis, o foram em incumprimento dos normativos legais aplicáveis em sede de IVA, não permitindo a especificação dos serviços alegadamente prestados, facto este que reforça os indicias afirmados pela Administração Tributária.

XXVIII. E, decorre dos factos constantes dos autos e devidamente enunciados no RIT a falta de credibilidade da contabilidade da impugnante, associada à presença de sérios indicias de que as facturas emitidas pelas sociedades identificadas não consubstanciam reais operações comerciais.

XXIX. Reconduzindo-se tais indícios à total ausência de suporte documental das operações, à intermediação de uma única pessoa em tais relações, sem que se mostre definido o circuito comercial e documental seguido pelas alegadas relações comerciais, ao pagamento dos alegados serviços efectuado em dinheiro entregue a Carlos ....., personagem dos autos que "arranjava pessoal para as obras" de forma versátil e célere sem que fosse o procedimento associado a tal competência conhecido por qualquer pessoa com responsabilidade na empresa impugnante, a emissão de cheques a partir de conta pessoal do administrador da impugnante, bem como a recepção de pagamentos em conta particular, e as irregularidades descritas na contabilidade.

XXX. Para além de uma total ausência de factos que permitam estabelecer a relação entre as obras levadas a cabo pela impugnante no exercício de 2005 e as concretas empresas fornecedoras de serviços identificadas nos autos.

XXXI. E no referente à prova testemunhal, considerando o facto de o Tribunal a quo se ter abstido de indicar de forma clara quais os factos e de que forma os entendia provados por seu intermédio, consideramo-nos na presente sede impedidos de impugnar quaisquer factos vertidos no probatório por apelo à produção de prova testemunhal, que entendemos, não obstante, no caso sub judice como irrelevante atenta a total ausência de prova documental, que não permite que se chegue sequer a constituir um princípio de prova da existência das relações comerciais alegadas pela impugnante.

XXXII. Nesta sequência, ao sujeito passivo competindo fazer a prova da materialidade das operações efectuadas, com base em documentos justificativos bastantes e eventual prova testemunhal complementar, ónus legal que resulta do estabelecido no artigo 74º da LGT, verificamos que não logrou o mesmo atingir tal objectivo.

XXXIII. Desta forma, mostrando-se suficientemente indiciada a simulação das operações em análise, de acordo com o disposto no nº3 do artigo 19º do CIVA, não pode o IVA deduzido ser aceite, pelo que se mostram as correcções efectuadas em sede de procedimento inspectivo e que deram origem às liquidações de IVA impugnadas realizadas em estrito cumprimento dos normativos legais aplicáveis.

XXXIV. A douta sentença incorreu, pois, em erro de julgamento de facto, por ter desconsiderado prova produzida nos presentes autos legitimadora da actuação da Administração Tributária e Aduaneira, com violação subsequente do normativo contido no nº3 do artigo 19º do CIVA, mais incorrendo em violação do disposto no nº5 do artigo 35º do CIVA.

XXXV. Por outro lado, mais incorreu a douta sentença em erro de julgamento de facto, pelo facto de considerar que estejamos nos presentes autos perante liquidação adicional de IVA determinada com base em correcção à matéria colectável assente em método presuntivo, pois, contrariamente ao defendido na douta sentença, resultaram as liquidações em questão da não aceitação do IVA deduzido com base no incumprimento do disposto nos artigos 19º e 35º do CIVA.

XXXVI. Com referência a cada uma das facturas consideradas nos presentes autos como indiciadoras de operações simuladas e como incumpridoras dos requisitos legais vertidos no nº5 do artigo 35º do CIVA, e devidamente identificadas no relatório de inspecção, foi identificado o IVA deduzido pela impugnante, e consubstancia-se tal montante no valor devido e expresso nas liquidações adicionais resultantes da inspecção (ao qual acrescem juros compensatórios).

XXXVII. Deste modo, ainda que se considerasse que as facturas identificadas pela douta sentença e emitidas pela sociedade ..... LDA. à impugnante cumprem os requisitos impostos pelo nº5 do artigo 35º do CIVA, nunca as liquidações de IVA poderiam ser anuladas totalmente, porquanto se mostra perfeitamente determinável e quantificável o IVA deduzido não aceite pela Administração Tributária em cada uma das operações em causa.

XXXVIII. Atento o exposto deverão as liquidações de IVA manter-se plenamente vigentes, porquanto legais.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente.

Sendo que V. Exas. Decidindo farão a Costumada Justiça.»

A Sociedade Impugnante notificada, veio contra-alegar, concluindo nos seguintes termos:

«A. O Exmo. Representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença, aliás douta, da Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida nos presentes autos, a 18 de Dezembro de 2017, que julgou procedente a impugnação apresentada pela Recorrida contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativo ao exercício de 2005, e respectivos juros compensatórios, tudo num total de € 94.251,88 (noventa e quatro mil, duzentos e cinquenta e um euros e oitenta e oito cêntimos), interpôs contra ela recurso para este Venerando Tribunal.

B. A sentença recorrida decidiu «julgar procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, anular as liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas e referidas na letra E do probatório, com as legais consequências.»

C. Decidindo, assim, sem margem de crítica, e por essa razão, bem, o Tribunal a quo, que:
«(...) a Administração Tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em questão, com base em simulação e que a Impugnante logrou demonstrar que as mesmas facturas titulam vendas de bens e serviços realmente fornecidos e prestados.»

D. Posição esta que a Mma Juiz a quo acolheu da sentença - transitada em julgado, a 27.04.2016 - proferida no âmbito do processo nº... que correu termos na 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na qual se discutiu a legalidade do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) respeitante ao exercício de 2005, da aqui Recorrente, por ter entendido que estávamos perante «(...) a mesma (...) base fundamentadora do acto quanto à questão da simulação, é também a mesma a ilegalidade específica ali e aqui invocada, tendo, pois, que atender-se, por força do trânsito em julgado do despacho a fls. 26, pelo qual foi declarada suspensa a presente instância até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo nº..., ao facto de a questão ter sido aí resolvida nesses termos, de tal modo que é de impor a harmonização de julgados ou a compatibilização prática dos mesmos (cf artigo 8º, nº3 do CC).»

E. Na verdade, face ao invocado princípio da harmonização de julgados, aproveitou a Mma Juiz a quo a prova produzida em sede de impugnação de IRC, aplicando, contudo, as normas legais respeitantes ao IVA, em causa nos presentes autos.

F. Tendo, segundo entende a Recorrida, decidido bem a Mma Juiz a quo, de forma assertiva e correcta, no sentido da anulação do acto de liquidação adicional de IVA referente ao ano de 2005 aqui impugnado e sindicado, por entender que as facturas onde se suportou esse tributo não resultavam de operações simulada s, mas de operações reais e verdadeiras.

G. Contudo, não é este o entendimento da aqui Recorrente, a qual discordando da matéria de facto e da fundamentação de direito, levou a que o Exmo. Representante da Fazenda Pública apresentasse, contra a mesma, recurso, alicerçando o seu juízo de discordância de que «[a] douta sentença incorreu, pois, em erro de julgamento de facto, por ter desconsiderado prova produzida nos presentes autos legitimadora da actuação da Administração Tributária e Aduaneira, com violação subsequente do normativo contido no nº3 do artigo 19º do CIVA, mais incorrendo em violação do disposto no nº5 do artigo 35º do CIVA.».

H. Com todo o respeito, não nos parece que este argumento apresente qualquer aderência, quer aos factos, quer ao direito aqui aplicável, devendo os mesmos ser totalmente rejeitados. Apesar do respeito que lhe merecem apreciações diversas das suas, a aqui Recorrida não pode deixar de manifestar a sua discordância quanto à validade dos argumentos aduzidos pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública para sustentar a sua tese, pelos motivos que infra se apresentam.

I. Por um lado, constatamos que, conforme resulta da douta sentença recorrida, a questão da alegada simulação das operações foi resolvida no âmbito do processo nº..., tendo, nessa sequência, e atento o princípio da harmonização de julgados, a Mma Juiz a quo considerado como provados, nos presentes autos, os factos constantes da matéria dada como assente naquele processo, os quais se consolidaram na ordem jurídica, por constarem de sentença já transitada em julgado, constituindo, assim, por consequência caso julgado.

J. Com efeito, e à semelhança do que sucedeu com este processo, também aquele processo (nº867/08.4BESNT) foi objecto de recurso por parte da Representação da Fazenda Pública, e também aquele recurso se cingiu à matéria de facto dada como assente - aproveitada, agora, no âmbito dos presentes autos.

K. Ora, a verdade é que tal recurso foi decidido pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA Sul), no âmbito do processo nº08227/14, datado de 17.03.2016, segundo o qual: «Tendo sido demonstrado o circuito económico subjacente à emissão das facturas em causa, forçoso se torna concluir que a contrapartida pela sua emissão existiu, pelo que soçobra a pretensão da recorrente de abalar a sua veracidade. Tendo em vista o cumprimento do ónus de demonstração da asserção da falta de aderência à realidade das facturas em causa, não basta à recorrente invocar as informações e os pareceres, constantes dos autos, ao invés, importaria a explicitação dos vestígios ou indícios concretos, os quais, através da prova cruzada, permitiriam chegar aos factos indiciados, os quais sustentam a convicção da falsidade dos documentos em causa.»

l. Concluindo, assim, aquele Acórdão do TCA Sul no sentido de que: «[n]o caso, a referida demonstração não foi feita. Pelo que se impõe concluir que a sentença recorrida ao decidir no sentido apontado não merece censura, devendo a mesma ser confirmada.»

M. Ora, compulsando os presentes autos, constatamos que o Exmo RFP insiste na mesma matéria que o levou a recorrer no âmbito daquele outro processo judicial, matéria essa que, como vimos, foi já objecto de reapreciação pelo Tribunal Central Administrativo Sul, e a qual acabou, face ao trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo de impugnação judicial nº867/08.4BESNT, que a pronunciou como assente, por constituir o chamado "caso julgado material", nos termos dos artigos 581º e 619º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2º do CPPT.

N. Com efeito, o caso julgado material visa a relação material que já foi objecto de litígio, o que, no caso dos autos, se manifesta na matéria de facto dada como provada naquele processo e aproveitada neste.

O. E, como refere o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº1226/15.8T8PNF.P1, de 06.06.2016, com aplicação ao caso em concreto:
«I O instituto do caso julgado material é analisado numa dupla perspectiva: como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado.
II - A economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério ecléctico, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositivo do julgado.
III - A autoridade do caso julgado não se verifica relativamente a matéria de facto considerada não provada noutro processo.»

P. E o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-09-2015, proferido no âmbito do Proc. nº101/14.STBMGL.C1:
«I - Sendo o objecto do processo anterior parcialmente idêntico ou conexo com o do subsequente, mesmo não ocorrendo completa identidade do âmbito objectivo, os efeitos do caso julgado material projectam-se, entre as mesmas partes, no segundo, como autoridade do caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objecto posterior, de modo a evitar que a relação jurídica material já definida possa vir a ser apreciada diferentemente, com ofensa da segurança jurídica.
II- A eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com a que ficou definida na decisão transitada e incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos ou as questões preliminares, enquanto pressupostos, premissas ou antecedentes lógicos daquela decisão.
III- Para tanto, importa fixar o sentido e o alcance da decisão proferida na anterior acção, interpretando-a, e, por essa via, também excluir da eficácia do caso julgado os julgamentos sobre questões de facto e de direito que não estejam nela compreendidos, ainda que integrem os fundamentos de tal decisão.
IV - O princípio da segurança jurídica, que tem o caso julgado como seu postulado destacado, assume-se como basilar do Estado de Direito Democrático, pelo que o exposto entendimento não constitui um obstáculo arbitrário ou desproporcionado ao direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.»

Q. É, assim, manifesto que estamos perante uma situação de caso julgado, quanto aos factos da dos como assentes, neste e naquele outro processo respeitante ao IRC do exercício de 2005, da aqui Recorrida, relativos à (alegada) simulação das operações que originaram as facturas aqui tidas em consideração para efeitos de dedução do IVA, os quais não podem, agora, vir a ser alterados, não sendo, por conseguinte, admissível ou passível de impugnação e/ou alteração, como o Exmo Representante da Fazenda Pública pretende, nos artigos 7º a 99º das doutas alegações que apresenta, mas tão só, aproveitados e interpretados, ao caso em concreto e com a devidamente aplicação do Direito, como o fez doutamente a Mma Juiz a quo, em estreito cumprimento com o princípio da harmonização dos julgados, previsto no nº3 do artigo 8º do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 2º do CPPT.

R. Assim sendo, não podemos concordar com a acepção do Ilustre Representante da Fazenda Pública, quanto ao alegado erro de julgamento, porquanto a matéria de facto que o mesmo pretende contrariar constitui, por um lado, caso julgado, a qual não poderá ser, por essa razão, alterada ou modificada, e, por outro, porque face à matéria de prova dada como provada, foi aplicado devidamente o Direito, nos presentes autos.

S. Caso assim não se entenda, sem conceder, deverá o recurso apresentado pelo Exmo RFP ser improcedente, por não provado, atendendo à fundamentação de facto e de direito tecida no Acórdão do TCA Sul proferido no âmbito do processo nº08227/14, datado de 17.03.2016, nomeadamente através da confirmação da matéria de facto dada como prova da naqueles autos e aproveitada nos presentes.

T. Deste modo, entende a Recorrida que não assiste razão à Recorrente nas alegações que apresentou, dado que o Tribunal a quo não cometeu qualquer erro de julgamento, nem claudicou a sentença recorrida na apreciação da matéria de facto e de direito.

U. Segundo entende firmemente a ora Recorrida, deverá ser este último entendimento - e não o sustentado nas alegações de recurso - que deverá ser sancionado por este Venerando Tribunal, no sentido da manutenção da sentença recorrida.

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado improcedente por não provado e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida,

CONFORME É DE INTEIRA E COSTUMADA JUSTIÇA!»

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer a fls.906/907 dos autos, no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.
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Foram colhidos os vistos legais, cumpre decidir em Conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635.º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
-Do recurso do despacho interlocutório
- se o despacho que admitiu a junção do Relatório Pericial elaborado noutro processo de impugnação judicial padece de erro de julgamento de direito;
-Do recurso da sentença
- se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que os actos de liquidação de IVA questionados nos autos não padecem das ilegalidades apontadas na petição de impugnação.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A. A Impugnante foi alvo de uma acção inspectiva externa de âmbito geral – IRC e IVA -, para os exercícios de 2004 e 2005, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, em cumprimento da Ordem de Serviço nº …, de 15 de Fevereiro de 2007, em resultado da qual foi elaborado o respectivo Relatório de Inspecção Tributária (RIT), de 16 de Abril de 2008 (cf. fls. 581 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos anexos 1 a 33 ao RIT, designadamente as facturas constantes de fls. 683 e segs. do PAT apenso;

C. A Ordem de Serviço para o exercício de 2005 foi aberta após o conhecimento da existência do Processo de inquérito nº…DACB da Polícia Judiciária de …, no qual se investiga a prática reiterada de fraudes fiscais e burlas tributárias a nível nacional, através da emissão de facturas falsas, por um grupo organizado de indivíduos. Entre as entidades suspeitas da emissão de facturas falsas, no referido Processo de inquérito, constam as empresas ....., Lda., ..... e M...L, LDA., ..... Limpezas e ....., Lda., as quais, conforme se lê no RIT, têm um sócio-gerente comum, Carlos ....., com o NIF ..... e “não possuem estruturas capazes de proporcionar os serviços em causa, nomeadamente, funcionários inscritos, veículos suficientes, armazéns de material e, em alguns casos, sequer sede efectiva e números telefónicos activos. Mais se adianta que as facturas encontradas na sua posse (emitentes) não estavam organizadas contabilisticamente (ou seja, não tinha contabilidade) ou sequer apresentava sequência numérica, repetindo-se por vezes o mesmo número em diversas transacções. Salienta-se que, da análise dos computadores apreendidos aos emitentes, resultou que as facturas foram emitidas em documentos de Excel e/ou "Publisher", ou seja, e em qualquer caso não eram utilizados programas de facturação. Aliás, os originais de tais documentos foram recolhidos soltos, nos mais diversos locais, nomeadamente, domicílio dos sócios da firma, no interior dos seus veículos e escritórios sede de outras firmas. É também referido que no mês de Junho de 2004, a Polícia Judiciária efectuou buscas nas supostas sedes dos emitente identificados, no âmbito da investigação, até essa data e, conforme é dito, «em ambos os locais foi recolhido inúmero material que tem vindo a ser alvo de outras diligências quer por esta PJ, quer pelas Direcções de Finanças correspondentes».(…) Nesse conjunto de elementos recolhidos, encontramos facturas emitidas por algumas das empresas atrás refendas, nas quais o sujeito passivo ..... - ..... Construção Civil e Obras Públicas, S.A., surge na qualidade de cliente e, por isso, utilizador das referidas facturas (...)” (cf. fls. 588 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Lê-se, ainda, no RIT (cf. fls. 597 e 623 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

(…)
(Texto no Original)


(…)
(Texto no Original)


(…)


Foi elaborado o DC Único respectivo, que reflecte as correcções efectuadas, não sendo levantado o competente Auto de Noticia por crime fiscal por ir, este processo, fazer parte integrante do processo-crime a instaurar aos respectivos emitentes.

E. Na sequência do que, foram emitidas as respectivas liquidações adicionais de IVA e de IRC para o ano de 2005, entre as quais as liquidações de IVA n.ºs 08....., 08..... e 08....., referentes aos períodos de Setembro, Outubro e Dezembro do ano de 2005, no valor de €86.272,23, acrescidos de €7.979,65 de juros compensatórios, tudo num total de € 94.251,88 (cf. doc. 1 junto com a p.i. a fls. 95 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 572 e 573 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Contra as liquidações adicionais de IVA referidas na letra anterior, deduziu a Impugnante a presente impugnação judicial, cuja p. i. deu entrada em juízo em 12 de Agosto de 2008 (cf. carimbo aposto na p. i. a fl. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. A Impugnante deduziu também impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRC, a qual veio a correr termos neste Tribunal, 1.ª Unidade Orgânica, sob o nº de processo …, tendo sido proferida sentença, com trânsito em jugado em 27 de Abril de 2016, que determinou a anulação das mesmas liquidações adicionais de IRC, com o seguinte teor essencial (cf. certidão judicial junta a fls. 711 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e consulta no SITAF):


(…)

14- A Impugnante realiza, igualmente, empreitadas que se referem aos serviços não enquadrados nas alíneas a) e b) antes referidas, como por exemplo reparações de edifícios, empreitada de espaços verdes ou reparação geral de balneários, pintura e passadeiras;

15 - Durante o ano de 2005 a Impugnante prestou serviços à junta de freguesia de Marvila, referentes a "Calçadas, …..", titulados pelas facturas nºs 05/00….., 05/00….., 05/00….., 05/00….., 05/00….., 05/00….. e 05/00….., no montante global, sem IVA, de € 323.169,55;

16 - Para a realização destes serviços a impugnante subcontratou a Sociedade ....., Lda., que emitiu as facturas n.°s …../05, …../05 e …../05, bem como, a Sociedade ….., Lda, que emitiu as facturas nºs …../05 e …../05, tudo num valor global, sem IVA, de €150,255,00;

17 - No exercido de 2005 a Impugnante prestou serviços relacionados com iluminações de natal para 16 entidades, a correspondem as facturas que também se indicam:

Junta de freguesia do …- Factura 05/00…..
Junta de Freguesia de … - Factura 05/00…..
Junta de Freguesia de … - Factura 06/00…..
Junta de Freguesia de … Factura 06/00…..
Junta de freguesia de … - Fartura 06/00…..
Junta de Freg. de … - Factura 06/00…..
Junta de Freg, de … - Factura 06/00…..
Junta de Freg. de … - Factura 06/00…..
Junta de Freguesia de … - Factura 06/00…..
Junta de Freg. de … - Factura 06/00…..
Junta de Freguesia de … - Factura 06/00…..
Junta de Freguesia de … Factura 06/00…..
Junta de Freguesia de … - Factura 06/00…..
Junta de Freguesia de …- Factura 06/00…..
Junta de Freguesia de …. - Factura 00/00…..
….. - Soc. Imobiliária, S,A. - Factura 06/00…..
Junta de Freguesia de … - Factura 06/00…..
Tudo no valor, sem IVA, de € 369.340,00;

18 - Para a prestação destes serviços a Impugnante subcontratou parte deles nas sociedades:
….., Lda," - Facturas …../05 e …../05
"....., Lda". - Facturas ….., ….., ….., ….., ….. e …..

19 - Em certos períodos do ano, por sobrecarga de trabalho, a Impugnante tem necessidade de subcontratar terceiros;

20 - Foi através de um encarregado da Impugnante que se deu o contacto com "Carlos ....." e o seu grupo de empresas, adquirindo os seus serviços níveis quase regulares, graças à sua versatilidade, disponibilidade manifestada e facilidade com que conseguia os materiais e disponibilizava mão-de-obra;


(…)

Ora, retomando o caso concreto, entende o Tribunal, atenta a análise crítica de toda a prova documental, pericial e testemunhal produzida, que a tese da AT não está suficientemente ancorada com vista a poder concluir-se que as facturas em causa não têm na base da sua emissão serviços efectivamente prestados pelas sociedades Identificadas no probatório.

Vejamos, pois,

É certo que, conforme aludem os serviços de inspecção, no relatório produzido, há circunstâncias e factos (constantes, aliás, o Processo de Inquérito n°…dacb-Secção RRICCEF- da Polícia Judiciária de …) que poderia ter justificado alguma suspeição quanto aos serviços em causa.

Porém, tais factos e o quadro indiciário que a partir daí se pretendeu construir, não permitem concluir que as prestações de serviços facturadas à impugnante não tiveram lugar.

Conforme surge evidenciada da prova testemunhai produzida, os serviços facturados à Impugnante foram efectivamente prestados, e as obras a esta adjudicadas pelos seus clientes foram concluídas, De notar que, o reduzido quadro de trabalhadores da impugnante (cerca de 14) não lhe permitiria, de per si, sem o recurso a Subempreitada, obter os proveitos que veio a obter com os contractos que veio a celebrar com os seus clientes,

O que é um facto é que a Impugnante dispõe das facturas dos alegados serviços prestados e contabilizou-as, vindo a revelar-se coincidente a argumentação, pôr si, aqui vertida nos autos (e a referente 30 apuramento do seu lucro tributável) com o teor dó relatório penda! à sua contabilidade, conforme consta do probatório.

A Impugnante justificou, atém do mais, as razoes pelas quais habitual e continuamente recorria às empresas do grupo de “Carlos .....".

Importa, ainda, tomar em consideração que os serviços de inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa, na análise efectuada, não detectaram outras anomalias que colocassem; em causa os dados e apuramentos contabilísticos da Impugnante.

Face a tudo o que vem dito e demonstrado, entende o Tribunal que a correcção ora em análise não se poderá manter, uma vez que, por um lado, à administração não logrou fazer a prova do bem fundado na formação das suas presunções de existência de facturação falsa, e por outro lado, ao invés, a Impugnante demonstrou a veracidade das operações contabilizadas.

Com efeito, a Impugnante conseguiu, não só, pôr em causa os alegados indícios avançados pela AT, como criar a convicção no tribunal que que as prestações de serviços tiveram efectivamente lugar.

H. As facturas n°s …../05, …../05 e …../05, emitidas pela sociedade ....., Lda., especificam as quantidades, preços unitários e valores dos bens vendidos (cf. fls. 683 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I. As restantes facturas constantes de fls. 686 e segs. do PAT apenso não especificam os serviços que em concreto foram prestados, nem as quantidades unitárias ou totais dos mesmos;

J. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do relatório da prova pericial produzida no processo n°…, junto a fls. 756 e segs.;

K. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da certidão da acta da inquirição de testemunhas no referido processo e respectivo CD, junta a fls. 772 e segs.

Nada mais resultou provado com interesse para a decisão a proferir.

Na sentença referida na letra G do probatório, julgou-se que “a administração não logrou fazer prova do bem fundado da formação das suas presunções de existência de facturação falsa e, por outro lado, ao invés, a Impugnante demonstrou a veracidade das operações contabilidades”.

Ora, sendo a mesma a base fundamentadora do acto, quanto à questão da simulação, é também a mesma a ilegalidade específica ali e aqui invocada, tendo, pois, que atender- se, por força do trânsito em julgado do despacho proferido a fl. 626, pelo qual foi declarada suspensa a presente instância até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo nº..., ao facto de a questão ter sido aí resolvida nesses termos, de tal modo que é de impor a harmonização de julgados ou a compatibilização prática dos mesmos (cf. artigo 8º, nº 3, do CC).

Deste modo, é entendimento deste Tribunal que a Administração Tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em questão, com base em simulação e que a Impugnante logrou demonstrar que as mesmas facturas titulam vendas de bens e serviços realmente fornecidos e prestados.».


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B.DE DIREITO

Importa começar pelo conhecimento do recurso interposto do despacho interlocutório acima referido («Interposto um recurso para o TCA (versando alegadamente matéria de facto e de direito) e sendo interposto um recurso subordinado para o STA (versando alegadamente matéria de direito) a competência para conhecer de ambos os recursos radica no TCA.» acórdão do STA de 12.12.2012, proferido no processo n.º 01188/12, disponível em texto integral em www.dgsi.pt), uma vez que o seu eventual provimento prejudica necessariamente a apreciação do recurso interposto da sentença final.

No caso em juízo, a Impugnante (doravante recorrida) na petição de impugnação que apresentou junto do Tribunal de 1ª instância peticionando a anulação dos actos de liquidação adicional de IVA, do exercício de 2005 e respectivos juros compensatórios, requereu a produção de prova pericial e testemunhal.

Posteriormente, por requerimento de fls.756, veio a recorrida, requerer o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo de impugnação n.º … e ainda que «(…) seja admitida a junção aos autos da prova pericial produzida naquele mesmo processo, que se junta como DOC. n.º1».

Por despacho de 17.10.2016, foi ordenada a notificação da parte contrária para se pronunciar sobre o requerido aproveitamento da prova pericial (fls. 766).

A recorrente pugnou pelo indeferimento do pretendido aproveitamento, alegando que as questões não respeitam a factos relevantes para o exame da decisão e por não se tratarem de factos controvertidos ou necessitados de prova.

Sobre a pretensão da recorrida, incidiu o despacho recorrido que aqui parcialmente se transcreve: «(…) Nos presentes autos, em que vem impugnada a liquidação de IVA e juros compensatórios do ano de 2005, a Impugnante veio solicitar a realização de perícia com o seguinte objeto (cf. artigo 327° da pi): (a) apuramento dos proveitos da sociedade impugnante durante o exercício de 2005; (b) apuramento dos custos da sociedade Impugnante que tenham contribuído para os proveitos do exercício de 2005; (c) apuramento do lucro tributável da sociedade impugnante no exercício de 2005; (d) apuramento da margem de lucro da sociedade impugnante; (e) apuramento das margens de lucro médio do sector; (f) averiguação sobre se aos custos corrigidos corresponde o IVA não aceite como dedutível.

No processo que correu termos neste TAF sob o n° … e cuja cópia da pi foi junta como Doc. n°2 (cf. fls. 505 a 587 do processo em papel), foi requerida a realização de perícia com o seguinte objecto: (a) apuramento dos proveitos da sociedade impugnante durante o exercício de 2005; (b) apuramento dos custos da sociedade impugnante que tenham contribuído para os proveitos do exercício de 2005; (c) apuramento do lucro tributável da sociedade impugnante no exercício de 2005; (d) apuramento da margem de lucro da sociedade impugnante; (e) apuramento das margens de lucro médio do sector.

Na verdade, e ao contrário do alegado pelo I RFP, nos presentes autos a Impugnante requereu a realização da prova pericial e indicou objecto.

A Fazenda Pública defendeu, depois, que os conhecimentos requeridos para análise das questões a decidir estão perfeitamente ao alcance do Tribunal.

Vejamos:

A perícia é um meio de prova, ou seja, tem por escopo a demonstração da realidade dos factos [artigo 341° do Código Civil (CC)]. Mais concretamente, visa a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, geralmente quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (artigo 388° CC).

Tendo presente a finalidade da perícia, fácil se torna concluir que aos peritos não compete sindicalizar a actividade da Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente no que respeita aos métodos seguidos pela fiscalização na determinação da matéria colectável, não compete ajuizar da conformidade legal dos documentos, nem procedimentos contabilísticos. De igual modo, não compete aos peritos pronunciarem-se sobre a factualidade susceptível de prova por testemunhas ou por documentos e que não requeira quaisquer conhecimentos pessoais.

Todavia, e pese embora nos presentes autos não ter ainda sido aferida a necessidade da perícia e a admissibilidade do seu objecto, por poder ser útil à descoberta da verdade material, admito a junção do relatório pericial que faz fls. 758 a 760 do processo em papel.

De todo o modo, anote-se que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (artigo 389° do Código Civil).».

É contra esta decisão que a recorrente se insurge, defendendo que o Relatório Pericial apenas poderia ser admitido se previamente fosse aferido a verificação do preenchimento ou não dos requisitos de admissibilidade daquele tipo de prova.

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre a problemática subjacente ao presente recurso.

Conforme já tivemos oportunidade de o afirmar no acórdão deste TCA de 28.09.2017, proferido do recurso n.º 6512/13: «Podemos considerar, sem esforço, que o direito à prova constitui um direito estruturante da legislação processual civil e tributária.

Como bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.05.2013, proferido no processo n.º 984/12 «(…) [o] processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. Por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova requeridas que se mostrem pertinentes, nomeadamente a prova testemunhal e pericial, em conformidade com o disposto nos artigos 114º, 115º, 116º e 118º do CPPT.

Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de oposição são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (art. 211º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

O regime jurídico da prova pericial no âmbito do processo judicial tributário vem consagrado no artigo 116º. do CPPT, nos termos do qual «1-Poderá haver prova pericial no processo de impugnação judicial sempre que o juiz entenda necessário o parecer de técnicos especializados.2- A realização da perícia é ordenada pelo juiz, oficiosamente ou a pedido do impugnante ou do representante da Fazenda Pública, formulado, respectivamente, na petição inicial e na contestação.».

À prova pericial prevista no normativo parcialmente transcrito aplica-se o disposto nos artigos 467.º a 489.º (anteriores artigos 568.º a 591.º) do CPC (cfr. nº4 do artigo 116.º do CPPT).

Em termos conceptuais e jurídicos a perícia é um meio de prova. A finalidade da perícia é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.».

Pois bem, no caso dos autos, o despacho recorrido limitou-se a admitir a junção do Relatório Pericial, sem contudo, é certo, ajuizar da (im)pertinência ou natureza dilatória da perícia nem posteriormente determinou a notificação à recorrente para poder reclamar, se entender que há nele qualquer deficiência, obscuridade ou contradição ou que as conclusões não se mostrarem devidamente fundamentadas (artigo 486º, nºs 1 e 2 do CPC).

Todavia, não se alcança da sentença recorrida que com base no Relatório Pericial tenha dado como provado qualquer facto. Na verdade a letra J. do probatório, tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento e não o de dar como provada a existência de factos que com base neles se possam considerar como provados.

Termos em que improcede o recurso.

Do recurso da sentença

As liquidações impugnadas tiveram origem nas correcções levadas a cabo pela Administração Tributária consubstanciadas no não reconhecimento do direito da recorrida, à dedução do IVA que lhe foi liquidado nas facturas emitidas pelas sociedades «..... e Manutenção Geral, «....., Lda» e «....., Lda» por não corresponderem efectivas prestação de serviços e não obedecerem ao disposto no artigo 35º do CIVA conjugado com o artigo 4.º, n.º3 do DL n.º 147/2003 de 11 de Julho.

Antes de mais importa registar, que a sentença recorrida julgou procedente a impugnação deduzida contra esses actos de liquidação de IVA, acolhendo o decido no âmbito da Impugnação judicial n.º …, respeitante à mesma recorrida e ao mesmo período, com base no mesmo relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, se bem que relativamente ao IRC.

É precisamente o que revela a sentença recorrida, na seguinte passagem:

«Na sentença referida na letra G. do probatório, julgou-se que a “ administração não logrou fazer prova do bem fundado da formação das suas presunções de existência de facturação falsa e, por outro lado, ao invés, a Impugnante demonstrou a veracidade das operações contabilísticas”. Ora, sendo a mesma a base fundamentadora do acto, quanto à questão da simulação é também a mesma a ilegalidade específica ali e aqui invocada, tendo, pois, que entender-se, por força do caso julgado do despacho proferido fls. 626, pelo qual foi declarada suspensa a presente instância até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º …, ao facto de a questão ter sido ai resolvida nesses termos, de tal modo que é de impor a harmonização de julgados ou a compatibilização prática dos mesmos (cf. artigo 8º, n.º3, do CC).».

E concluiu: «Desde modo, é entendimento deste Tribunal que a Administração Tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em questão, com base em simulação e que a Impugnante logrou demonstrar que as mesmas facturas titulam vendas de bens e serviços realmente fornecidos e prestados.».

Na perspectiva da recorrente « (…) o facto de o Tribunal a quo se ter abstido de indicar de forma clara quais os factos e de que forma os entendia provados por seu intermédio, consideramo-nos na presente sede impedidos de impugnar quaisquer factos vertidos no probatório por apelo à produção de prova testemunhal, que entendemos, não obstante, no caso sub judice como irrelevante atenta a total ausência de prova documental, que não permite que se chegue sequer a constituir um princípio de prova da existência das relações comerciais alegadas pela impugnante.».

Como é sabido, através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.

Ora, no caso esse ónus não foi cumprido, na medida em que o Tribunal recorrido se limita a indicar na letra J. do probatório «Dá-se por integralmente reproduzido o teor da certidão da acta de inquirição de testemunhas no referido processo e respectivo CD, junta a fls. 772 e segs.».

Referiu o Acórdão do STJ de 25.03.2010, proferido no recurso nº 186/1999.P1.S1: « (…) como salienta o Ac. do STJ, de 28.10.93, discriminar provém de cernere, cujo sentido definitivo e concreto consistia na separação pelo crivo e significa separar, diferenciar, discernir, o que implica especificar e individualizar os factos»( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

O que significa, que no caso vertente, o Tribunal recorrido se demitiu do dever de discriminar e especificar, os factos que suportam a decisão retirados dos depoimentos das testemunhas inquiridas, isto embora por força do artigo 421.º do CPC aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT: «Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.».

Isto por um lado. Por outro, a matéria levada às letras H. e I. « As facturas n°s …../05, …../05 e …../05, emitidas pela sociedade ....., Lda., especificam as quantidades, preços unitários e valores dos bens vendidos (cf. fls. 683 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) e « As restantes facturas constantes de fls. 686 e segs. do PAT apenso não especificam os serviços que em concreto foram prestados, nem as quantidades unitárias ou totais dos mesmos;» reconduzem-se à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova.

Não sofrendo dúvida que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

A tudo a isto acresce, como afirma o Acórdão do STJ de 2.03.2010, proferido no recurso n.º 690/09.9: « (…) a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela. Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente: prova evidente do que acaba de ser dito é o que está estipulado no n.º 2 do artigo 96 do Código de Processo Civil – “A decisão das questões e incidentes suscitados não constituem, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia”.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido o Acórdão daquele mesmo Tribunal de 5.5.2005 proferido no recurso n.º 05B691, ao decidir que «Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Na verdade, «(…) perspectivando-se no âmbito do valor probatório da sentença, enquanto documento público, os factos apreciados num processo não se impõem noutro processo, porque a sentença prova plenamente a realização do julgamento (dos actos praticados pelo juiz), mas não quanto à realidade dos factos dados como provados. Daqui resulta, na esteira de Calamandrei, a rejeição de qualquer “eficácia probatória “ das premissas de uma decisão (cf. MARIA JOSÉ CAPELO, loc. cit., pág. 114 e segs.)» ( Acórdão do STJ de 11.10.2016, proferido no recurso n.º2560/10.9TBPBL.C1, disponível em texto integral em wwww.dgsi.pt).

Por conseguinte, a sentença recorrida ao transpor os factos provados no processo de impugnação n.º …, para os presentes autos, confere à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou concede ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.

Nos termos do artigo 712.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC, pode este Tribunal de recurso, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em 1.ª instância quando repute deficiente, obscura sobre pontos determinados da matéria de facto, o que acontece, como vimos, no caso presente.

A esta luz, importa de importa determinar à anulação do julgamento, por forma a permitir a correcção das apontadas deficiências.

Em face do exposto, fica prejudicado, por ora, o conhecimento das questões suscitadas, por pressuporem a prévia definição dos factos que, com relevo para a respectiva decisão, se venham ou não a mostrar assentes.

IV.CONCLUSÕES

I. Através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.
II. No caso, o Tribunal recorrido demitiu-se do dever de discriminar e especificar, os factos que suportam a decisão retirados dos depoimentos das testemunhas inquiridas ao afirmar na matéria de facto «Dá-se por integralmente reproduzido o teor da certidão da acta de inquirição de testemunhas no referido processo e respectivo CD».
III. A sentença ao transpor os factos provados noutro processo de impugnação judicial, para os presentes autos, confere à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou concede ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anulando-se a sentença recorrida para que sejam definidos e enunciados com precisão e directamente os factos considerados provados com recurso à prova produzida, ficando assim, prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas no recurso.

Custas pela recorrente quanto ao recurso interposto do despacho interlocutório, quanto ao recurso da sentença não são devidas custas.

Lisboa, 3 de Maio de 2018.

[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]