Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2937/16.6BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/04/2017
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:CONSULTA DO PROCESSO
PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS
LEI 67/98, DE 26/10
Sumário:I - Do art. 83º, do CPA de 2015, decorre expressamente que nos procedimentos concursais a consulta do processo por parte dos candidatos abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da protecção dos dados pessoais nos termos da lei, ou seja, nos termos da Lei 67/98, de 26/10.

II - Dado pessoal é a informação que identifica uma pessoa singular directa ou indirectamente, como ocorre, desde logo, com o nome.

III – Pretendendo a recorrente ter acesso, através de consulta, à identificação – maxime ao respectivo nome - dos outros candidatos, está em causa o tratamento [acesso] de dados pessoais [maxime do nome] por terceiro [concretamente pela recorrente], pois a recorrente não é a titular desses dados, sem prejuízo de ser directamente interessada – isto é, candidata - no procedimento concursal em causa.

IV – De acordo com o disposto no art. 6º, al. e), da Lei 67/98, de 26/10, o terceiro pode ter acesso à identificação dos restantes candidatos se estes tiverem dado, de forma inequívoca, o seu consentimento, ou se tal acesso for necessário para a prossecução de interesses legítimos do terceiro, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias de tais candidatos.

V - A recorrente tem direito a impugnar designadamente a decisão final do procedimento concursal ora em causa (cfr. art. 268º n.º 4, da CRP), mas só poderá exercer de forma efectiva tal direito, melhor dizendo, só poderá ponderar de forma esclarecida se vai ou não impugnar o concurso em causa se tiver acesso à identificação dos outros candidatos, pois, caso contrário, poder-se-á tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil detectar eventuais erros existentes nas razões invocadas para fundamentar a decisão final
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
I - RELATÓRIO
Aida …………….. intentou no TAC de Lisboa o presente processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra o Ministério da Educação, peticionando a consulta integral e completa do processo do concurso - a que se refere o Aviso n.º 4870/ 2016, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 12 de Abril de 2016 - sem ocultação, em quaisquer documentos, da identidade dos candidatos.

Por sentença de 2 de Fevereiro de 2017 do referido tribunal foi a pretensão da requerente julgada improcedente e, em consequência, absolvida a autoridade requerida do pedido.

Inconformada, a requerente interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
a) - A recorrente apresentou-se a juízo pretendendo a intimação da Direção-Geral da Administração Escolar para que a mesma permitisse o acesso completo e integral ao processo de concurso a que se refere o Aviso n°. 4870/ 2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n°. 71, de 12 de Abril de 2016, sem ocultação da identidade dos candidatos.
b) - O direito à informação bem como à consulta do processo pelos interessados encontra-se consagrado nos artigos 82.º e 83.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que à recorrente enquanto candidata não lhe poderá ser negado tal faculdade.
c) - A recorrente não poderá ser considerada terceira no procedimento concursal, não carecendo, por tal razão, de demonstrar o seu interesse no conhecimento dos documentos, porquanto só o acesso aos mesmos lhe permitirá exercer o direito de impugnar qualquer decisão que tenha sido tomada relativamente ao concurso.
d) - A Lei n°. 67/98, de 26 de outubro, designada por Lei da Proteção de Dados Pessoais, não tem aplicação nos procedimentos concursais, quando o acesso aos documentos for da iniciativa dos candidatos, excetuando as notações resultantes da avaliação psicológica, que no caso concreto não teve lugar.
e) - Pelo que deverá a sentença ser revogada e substituída por uma decisão que ordene à entidade recorrida a permissão do acesso sem ocultação da identidade dos candidatos, a todos os documentos constantes do processo de concurso de recrutamento de pessoal a que se refere o Aviso n°. 4870/ 2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n°. 71, de 12 de Abril de 2016.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser declarado procedente e, em consequência, ser a sentença revogada e substituída por uma decisão que ordene à entidade recorrida a permissão do acesso sem ocultação da identidade dos candidatos, a todos os documentos constantes do processo de concurso de recrutamento de pessoal a que se refere o Aviso n°. 4870/ 2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, nº. 7 1, de 12 de Abril de 2016, tudo o mais com as consequências legais.”.

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela improcedência do recurso.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos do art. 146º n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu resposta das partes.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
“A) No dia 2 de Dezembro de 2016 a Requerente dirigiu à Directora-Geral da Administração Escolar um requerimento solicitando, ao abrigo dos art.ºs 83º e 84º do CPA, lhe fosse “disponibilizada toda a informação relativa ao mencionado concurso [concurso aberto pelo Aviso n.º 4870/2016, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 71, de 12 de Abril de 2016, para o cargo de director de serviços da Direcção de Serviços dos Recursos Humanos e Formação], a que os candidatos têm direito nos termos da lei, nomeadamente as atas, incluindo as da respectiva preparação, da definição de critérios e das classificações dos candidatos, bem como a respectiva fundamentação” (doc. 1 junto ao requerimento inicial e cujo teor se dá por reproduzido);
B) No dia 14 de Dezembro de 2016 foi facultada ao mandatário da Requerente documentação relativa ao referido procedimento concursal, designadamente as fichas de avaliação curricular e das entrevistas, e na qual se ocultou a identificação dos candidatos, à excepção das relativas à própria Requerente, com o esclarecimento de que “importa no enquadramento da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, referir que os documentos solicitados tiveram de ser sujeitos ao necessário anonimato, pelo que estarão disponíveis para consulta e aquisição de cópias a partir de segunda-feira dia 12 de dezembro, das 10h às 17h. Mais se refere que o processo se encontra à guarda da Direção de Serviços de Gestão e Planeamento” (Ofício com a referência B16023809U, datado de 9 de Dezembro de 2016 e junto à resposta da Autoridade Requerida e cujo teor se dá por reproduzido);
C) O requerimento inicial de intimação foi apresentado no Tribunal no dia 21 de Dezembro de 2016 (cfr. o “Comprovativo de entrega de Documento” junto ao processo em suporte de papel).”.
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Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar improcedente a sua pretensão de consulta integral e completa do processo do concurso sem ocultação, em quaisquer documentos, da identidade dos candidatos (cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Tal decisão de improcedência assentou na seguinte fundamentação:
«O CPTA regula nos art.ºs 104º a 108º os termos da actuação em juízo tanto do direito à informação procedimental, previsto nos art.ºs 268º, n.º 1, da Constituição e 82º a 85º do CPA, como do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, contemplado nos art.ºs 268º, n.ºs 2, da Constituição (1) e por último na Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, que aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos e revoga a Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, conhecida como Lei de Acesso aos Documentos Administrativos ou LADA.
A informação procedimental é aquela que respeita a um concreto procedimento administrativo vivo, pendente, em curso, em movimento, por ter nele sido integrada para os fins do procedimento, tenha ou não sido gerada pela dinâmica do próprio procedimento ou nele integrada com esse propósito. O direito à informação não procedimental é independente de estar em curso qualquer procedimento administrativo e da qualidade de interessado nele.
Tanto no direito à informação procedimental como no direito à informação não procedimental está sempre em causa, em último termo, o acesso à informação na posse ou detidas em nome das entidades abrangidas pelo âmbito subjectivo de aplicação da Lei n.º 26/2016, nos termos do seu art.º 4º, com a diferença de que no direito à informação não procedimental a lei ordinária e a Constituição acentuam o suporte da informação, qualquer que ele seja [art.ºs 1º, n.º 1, 3º, n.ºs 1, al. a) a e), e 2, entre outros, da Lei n.º 26/2016, 104º, n.º 1, do CPTA e 268º, n.º 2, da Constituição, que fala em “direito de acesso aos arquivos e registos administrativos”].
No caso em pauta, a informação que a Requerente pretende, e solicitou, respeita a um concreto procedimento administrativo em curso, pendente – a saber: o concurso para o cargo de director de serviços da Direcção de Serviços dos Recursos Humanos e Formação, no qual a Requerente é candidata - pelo que se trata de uma informação procedimental, cujo acesso é regulado pelos art.ºs 82º a 85º do CPA (…)
O direito à informação procedimental, cuja titularidade resulta da circunstância de se ser directamente interessado num determinado procedimento, independentemente de se ser ou não titular da informação pretendida (art.ºs 268º, n.º 1, da Constituição e 82º, n.º 1, do CPA), compreende os seguintes subdireitos: (i) o direito à informação sobre o estado e as vicissitudes do procedimento em que o titular do direito é directamente interessado bem como sobre as decisões definitivas que sobre ele forem tomadas, quer se trate de decisões destacáveis quer de decisões finais (art.ºs 268º, n.º 1, da Constituição e 82º, n.º 2, do CPA); (ii) o direito de consultar o processo (art.º 83º, n.º 1, do CPA); (iii) o direito de obter certidão, reprodução (cópia) ou declaração autenticada de documentos que constem do processo a que se tenha acesso (art.º 83º, n.º 3, do CPA). Cfr., ainda, o art.º 84º do CPA.
Com o conteúdo e as restrições apontadas, o acesso à informação procedimental é extensivo a quaisquer pessoas que não sejam directamente interessados no procedimento, desde que provem ter nele interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam (art.º 85º, n.º 1, do CPA). Interesse legítimo é aquele que não é proibido pela ordem jurídica no seu todo, seja em si mesmo, seja enquanto meio para atingir um fim proibido.
É ao requerente que pertence definir o âmbito, isto é a extensão e a compreensão, do pedido, bem como a forma de acesso, sem prejuízo, naturalmente, das restrições impostas pela lei ao direito de acesso (…)
O direito à informação procedimental não abrange a informação que conste de documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica (art.º 83º, n.º 1, 2ª parte, do CPA), mas abrange os documentos relativos a terceiros, “sem prejuízo da protecção dos dados pessoais nos termos da lei” (n.º 2 do art.º 83º cit.), a qual se pode conseguir mediante a expurgação dos dados pessoais.
Dados pessoais” na acepção da al. a) do art.º 3º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, são “qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados”); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social”.
O “tratamento de dados pessoais”, pelo seu lado, é “qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição” [art.º 3º, al. b) da Lei n.º 67/98].
Na circunstância, a Requerente pretende não só a “consulta” dos documentos do processo de concurso, mas também que lhe seja “comunicada” ou “posta à disposição” “toda a informação relativa ao mencionado concurso [concurso aberto pelo Aviso n.º 4870/2016, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 71, de 12 de Abril de 2016, para o cargo de director de serviços da Direcção de Serviços dos Recursos Humanos e Formação], a que os candidatos têm direito nos termos da lei, nomeadamente as atas, incluindo as da respectiva preparação, da definição de critérios e das classificações dos candidatos, bem como a respectiva fundamentação”.
Com semelhante extensão é inegável que a pretensão da Requerente, a ser satisfeita, envolve o acesso a dados pessoais dos outros candidatos, em relação aos quais a Requerente é “terceiro”, porquanto é pessoa singular que não é o titular desses dados pessoais [al. f) do art.º 3º da Lei n.º 67/98]. Ponto é saber se pelo só facto de ser terceiro lhe é vedado, em absoluto, isto é em quaisquer circunstâncias, o acesso aos dados em questão.
A este propósito o art.º 6º da Lei n.º 67/98 determina que o tratamento de dados pessoais pode ser efectuado, e portanto o tratamento não é proibido, em duas circunstâncias: (i) se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento “ou” (ii) se o tratamento for necessário para realizar alguma das finalidades enumeradas nas várias alíneas do artigo, nomeadamente para “prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados” [al. e) do art.º 6º cit.].
Donde resulta que ao terceiro interessado no acesso cabe o ónus de invocar e provar o consentimento inequívoco do titular dos dados ou justificar o carácter legítimo do seu interesse no acesso aos dados pessoais (visto que uma coisa e outra não se presumem) e ao responsável pelo tratamento deles o ónus de demonstrar na decisão que indefira o pedido do requerente que os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados prevalecem sobre os do requerente – tudo ónus que devem ser cumpridos por esta ordem lógica.
Compulsados o requerimento pelo qual a Requerente solicitou o acesso bem como o ofício de notificação à Requerente da autorização de acesso a apenas parte da informação pretendida, verifica-se que nenhuma das partes cumpriu o respectivo ónus nos termos acabados de assinalar, pelo que a Autoridade Requerida, apesar de tudo, não podia ter deferido o pedido. Com efeito, a decisão da Autoridade Requerida, tomada sem que fosse demonstrada a prevalência dos interesses ou dos direitos, liberdades e garantias dos titulares dos dados pessoais em questão, só seria relevante, e susceptível de ser censurada, se a Requerente, cumprindo, por sua vez, o respectivo ónus, tivesse demonstrado que a sua pretensão de acesso, enquanto terceiro, aos dados pessoais contidos nos documentos que solicitou era justificada à luz das normas legais aplicáveis.».

Do ora transcrito decorre que, em suma, a decisão de improcedência assentou na seguinte argumentação:
- no caso sub judice a informação solicitada pela recorrente respeita a um concreto procedimento que se encontra pendente, no qual a recorrente é candidata, pelo que está em causa informação procedimental, cujo acesso é regulado pelos arts. 82º a 85º, do CPA de 2015;
- o direito à informação procedimental abrange os documentos relativos a terceiros, “sem prejuízo da protecção dos dados pessoais nos termos da lei” (sombreado nosso) – cfr. art. 83º n.º 2, do CPA de 2015;
- a informação a que a recorrente pretende ter acesso - nomeadamente as fichas de avaliação curricular e das entrevistas dos outros candidatos - envolve o acesso a dados pessoais de outros candidatos (cfr. art. 3º, als. a) e b), da Lei 67/98, de 26/10), em relação aos quais a recorrente é “terceiro” porquanto é pessoa singular que não é titular desses dados pessoais (cfr. art. 3º, al. f), da Lei 67/98, de 26/10);
- de acordo com o disposto no art. 6º, al. e), da Lei 67/98, de 26/10, cabe à recorrente o ónus de invocar e provar o consentimento inequívoco do titular dos dados ou justificar o carácter legítimo do seu interesse no acesso aos dados pessoais, não tendo a recorrente cumprido tal ónus.

A recorrente defende que a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar improcedente o pedido de intimação, pois:
1) A Lei 67/98, de 26/10, não tem aplicação nos procedimentos concursais quando o acesso aos documentos for da iniciativa dos candidatos, com excepção das notações da avaliação psicológica que no caso em apreciação não teve lugar;
2) Só o acesso aos documentos do concurso - sem ocultação da identidade dos candidatos - lhe permitirá exercer o direito de impugnar qualquer decisão que tenha sido tomada relativamente ao concurso.

Desde já se adianta que improcede a argumentação descrita em 1), mas procede a indicada em 2), conforme de seguida se demonstrará.

O recorrido facultou à recorrente - na sequência de pedido que esta formulou em 2.12.2016 enquanto candidata no procedimento concursal em causa - documentação relativa ao procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 4870/2016, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Abril de 2016, para o cargo de director de serviços de Gestão de Recursos Humanos e Formação, da Direcção-Geral da Administração Escolar, designadamente as fichas de avaliação curricular e das entrevistas, e na qual foi ocultada a identificação - maxime o nome - dos candidatos, com excepção da identificação relativa à própria recorrente.

A recorrente defende que tal anonimização não tem aplicação nos procedimentos concursais quando o acesso aos documentos for da iniciativa dos candidatos, como é o caso, em que a informação foi solicitada pela recorrente enquanto candidata no procedimento concursal em causa (com excepção das notações da avaliação psicológica que no caso em apreciação não teve lugar), mas sem razão.

Com efeito, dispõe o art. 18º, do CPA de 2015, sob a epígrafe “Princípio da proteção de dados pessoais”, o seguinte:
Os particulares têm direito à proteção dos seus dados pessoais e à segurança e integridade dos suportes, sistemas e aplicações utilizados para o efeito, nos termos da lei.” (sublinhados nossos).

Além disso, prescreve o art. 83º, desse mesmo Código, sob a epígrafe “Consulta do processo e passagem de certidão”, que:
1 - Os interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica.
2 - O direito referido no número anterior abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da proteção dos dados pessoais nos termos da lei.
(…)” (sublinhados e sombreados nossos).

Como explica Fausto de Quadros, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2016, pág. 47, em anotação ao art. 18º, acima transcrito:
Este é um artigo novo. Esta matéria tinha que ser disciplinada num Código do Procedimento Administrativo, não apenas pela importância que a matéria da proteção dos dados pessoais ganhou no Direito, portanto, também no Direito Administrativo, como também para se ir ao encontro do artigo 35.º da Constituição, na sua redação actual (2), e ao Direito ordinário que se produziu na matéria, nomeadamente, para se transporem as Diretivas da União Europeia que vieram disciplinar a proteção dos dados pessoais. Dentro do Direito ordinário, merecem destaque a Lei 67/98, de 26 de Outubro, alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto (…)”.

Esta Lei 67/98, de 26/10 [Lei da Protecção de Dados Pessoais], procedeu à transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados (cfr. o respectivo art. 1º).

Ora, do art. 83º, do CPA de 2015, acima transcrito, decorre expressamente que nos procedimentos concursais a consulta do processo por parte dos candidatos - como é o caso dos autos em que a consulta foi solicitada pela recorrente enquanto candidata no procedimento concursal em causa - abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da protecção dos dados pessoais nos termos da lei, ou seja, nos termos da Lei 67/98, de 26/10.

Estatui o art. 3º, da referida Lei 67/98, sob a epígrafe “Definições”, o seguinte:
Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Dados pessoais»: qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;
b) «Tratamento de dados pessoais» («tratamento»): qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição;
(…)
f) «Terceiro»: a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, não sendo o titular dos dados, o responsável pelo tratamento, o subcontratante ou outra pessoa sob autoridade directa do responsável pelo tratamento ou do subcontratante, esteja habilitado a tratar os dados;
(…)” (sublinhados nossos).

Dado pessoal é, portanto, a informação que identifica uma pessoa singular directa ou indirectamente, como ocorre, desde logo, com o nome, neste sentido se tendo pronunciado designadamente:
- Alexandre Sousa Pinheiro, A protecção de dados no novo Código do Procedimento Administrativo, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, Coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Volume I, 3ª Edição, 2016, págs. 346 [“A natureza de uma informação como dado pessoal extrai-se, unicamente, da relação entre a CRP e a LPD, ou, de uma forma mais clara, do art.º 3.º, alínea a), da LPD.”] e 347 [“Com base nesta disposição (3), o conceito de dados pessoais abrange uma pluralidade de informação pessoal que pode variar do nome à informação genética.” (sublinhado e sombreado nossos)];
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 379 [“Cabem assim neste conceito de dados pessoais, dados ou elementos informativos da mais variada natureza (sinais ou elementos de natureza não convencional, ou convencional, como é o nome da pessoa, dados de natureza biométrica, de que fazem parte a identificação da retina, das impressões digitais, e da geometria da mão, dados genéticos, entre tantos outros)” (sublinhado e sombreado nossos)];
- Catarina Sarmento e Castro, in Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Comentada, Coordenada por Alessandra Silveira e Mariana Canotilho, 2013, pág. 122, em anotação ao art. 8º [“Deste modo, e a título meramente exemplificativo, são dados pessoais, para além do nome ou da morada, outros dados de identificação como o número de identificação civil, de passaporte, da segurança social, de contribuinte, ou de cliente de um estabelecimento comercial, assim como o número de telefone, o e-mail, o IP do nosso computador, uma chapa de matrícula, o valor de uma retribuição, o som da voz registada para permitir o acesso a uma conta bancária, as classificações escolares e curriculum, a história clínica, as dívidas e créditos, as compras que alguém efetua, o registo dos meios de pagamento que utiliza, desde que, por estarem associados a uma pessoa, permitam identificá-la. É também o caso de uma impressão digital, de uma imagem biométrica do rosto, de uma imagem recolhida através do uso de uma câmara, como nos casos da videovigilância, ou de um conjunto de fotografias divulgadas na internet.” (sublinhado e sombreado nossos)];
- o Manual da Legislação Europeia sobre Proteção de Dados, Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Conselho da Europa, 2014, in fra.europa.eu/sites/default/ files/fra-2014-handbook-data-protection-pt.pdf [no qual, a pág. 40, refere-se o seguinte: “Nos termos do direito da UE, bem como nos termos do direito do CdE (4), considerase que as informações contêm dados sobre uma pessoa se:
• essa pessoa estiver identificada nessas informações; ou
• essa pessoa, embora não esteja identificada, estiver descrita nestas informações de forma que permita descobrir quem é a pessoa em causa efetuando pesquisas adicionais.
Ambos os tipos de informações são protegidos da mesma forma na legislação europeia sobre proteção de dados. O TEDH tem afirmado repetidamente que o conceito de «dados pessoais» é o mesmo na CEDH e na Convenção 108, especialmente no que respeita à exigência de serem relativos a pessoas singulares identificadas ou identificáveis.
As definições legais de dados pessoais não esclarecem em que casos se considera que uma pessoa está identificada. Evidentemente, a identificação exige elementos que descrevam uma pessoa de forma a distinguila de todas as outras e de a tornar reconhecível enquanto indivíduo. O nome de uma pessoa é um exemplo perfeito desse tipo de elementos descritivos. Em casos excecionais, outros elementos de identificação poderão produzir o mesmo efeito que um nome. Por exemplo, no caso das figuras públicas, poderá ser suficiente mencionar o cargo da pessoa (por ex., Presidente da Comissão Europeia).” (sublinhado e sombreado nossos)];
- o Parecer 4/2007 adoptado sobre o conceito de dados pessoais, pelo Grupo de Trabalho de Protecção de Dados da União Europeia (cfr. art. 29º, da Directiva n.º 95/46/CE), in http://www.gpdp.gov.mo/uploadfile/others/wp136_pt.pdf [no qual, a pág. 13, refere-se o seguinte: “Relativamente às pessoas “directamente” identificadas ou identificáveis, o nome da pessoa é, de facto, o identificador mais comum e, na prática, a noção de “pessoa identificada” implica na maioria das vezes a referência ao seu nome.”].

Ora, pretendendo a recorrente ter acesso, através de consulta, à identificaçãomaxime ao respectivo nome - dos outros candidatos, está em causa o tratamento [acesso] de dados pessoais [maxime do nome] por terceiro [concretamente pela recorrente], pois a recorrente não é a titular desses dados, sem prejuízo de ser directamente interessada – isto é, candidata - no procedimento concursal em causa.

A este propósito estatui o art. 6º, da Lei 67/98, de 26/10, sob a epígrafe “Condições de legitimidade do tratamento de dados”, o seguinte:
O tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para:
(…)
e) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.” (sublinhados e sombreado nossos).

Deste normativo legal decorre que a recorrente poderá ter acesso à identificação dos restantes candidatos se:
- tais candidatos tiverem dado, de forma inequívoca, o seu consentimento, ou
- tal acesso for necessário para a prossecução de interesses legítimos da recorrente, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias de tais candidatos.

Ora, no caso sub judice nada se provou no sentido de que os restantes candidatos deram o seu consentimento a que a recorrente tivesse acesso à sua identificação, sendo certo que sobre a recorrente recaía o ónus da prova desta condição de legitimidade (cfr. art. 342º n.º 1, do Cód. Civil).

De todo o modo, encontra-se preenchida a segunda condição de legitimidade acima descrita.

Efectivamente, a recorrente tem direito a impugnar designadamente a decisão final do procedimento concursal ora em causa - aberto pelo Aviso n.º 4870/2016, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Abril de 2016, para o cargo de director de serviços de Gestão de Recursos Humanos e Formação, da Direcção-Geral da Administração Escolar - (cfr. art. 268º n.º 4, da CRP), mas só poderá exercer de forma efectiva tal direito, melhor dizendo, só poderá ponderar de forma esclarecida se vai ou não impugnar o concurso em causa se tiver acesso à identificação dos outros candidatos, pois, caso contrário, poder-se-á tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil detectar eventuais erros existentes nas razões invocadas para fundamentar a decisão final [sem o conhecimento da identidade dos outros candidatos pode ser impossível ou, pelo menos, muito difícil, por exemplo, conjugar os juízos de valor exarados nas respectivas fichas de avaliação curricular com os correspondentes currículos, e, em consequência, detectar eventuais erros].

Acresce que inexistem interesses ou direitos, liberdades e garantias dos restantes candidatos que prevaleçam sobre o interesse legítimo da recorrente no acesso a tal identificação.

Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, intimada a Directora-Geral da Direcção-Geral da Administração Escolar a facultar à recorrente a consulta do procedimento concursal em causa sem ocultação da identificação dos restantes candidatos, no prazo de 10 dias úteis, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão (cfr. arts. 108º n.º 1 e 160º n.º 1, ambos do CPTA, na redacção do DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão, e art. 87º, al. c), do CPA de 2015), sob pena de, não o fazendo, poder incorrer em responsabilidade civil, disciplinar ou criminal e ser-lhe aplicada a sanção pecuniária compulsória prevista no art. 169º, do CPTA.
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Uma vez que o recorrido ficou vencido deverá suportar as custas, em ambas as instâncias (cfr. art. 527 n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e, em consequência, intimar a Directora-Geral da Direcção-Geral da Administração Escolar a facultar à recorrente a consulta do procedimento concursal em causa sem ocultação da identificação dos restantes candidatos, no prazo de 10 (dez) dias úteis, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, sob pena de, não o fazendo, poder incorrer em responsabilidade civil, disciplinar ou criminal e ser-lhe aplicada a sanção pecuniária compulsória prevista no art. 169º, do CPTA.
II – Condenar o recorrido nas custas, em ambas as instâncias.
III – Registe e notifique (incluindo a Directora-Geral da Direcção-Geral da Administração Escolar).
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Lisboa, 4 de Maio de 2017

(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)

(Conceição Silvestre – 1ª adjunta)

(Carlos Araújo – 2º adjunto)


(1) Bem como no art. 17º, do CPA de 2015.
(2) No qual se prescreve o seguinte:
“1. (…)
2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade administrativa independente.
3. (…)
4. É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei.
5. (…)
6. (…)
7. Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei.”.
(3) Al. a) do art. 3º, da Lei 67/98.
(4) Conselho da Europa.