Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09021/15
Secção:CT
Data do Acordão:09/19/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
REVERSÃO
Sumário:I - A reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efectivo das funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, o que resulta claramente da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” ou, também, da alusão ao “período de exercício do seu cargo”.
II - Não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
III - Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.
IV - A procuração a favor de diversos Advogados para constituição de uma sociedade, ao abrigo da qual a A… foi constituída em 2000, não se afigura, contrariamente ao que defende a Fazenda, um elemento decisivo que caracterize a gerência de facto.
V - Trata-se de uma actuação situada a montante da existência da própria sociedade, ou seja, num momento temporalmente anterior à constituição da mesma. A outorga de poderes para constituir uma sociedade manifesta a actuação de alguém enquanto sócio (ou futuro sócio) que não enquanto gerente.
VI - A circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por S... ao processo de execução fiscal nº ... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de ..., por reversão de dívidas de IVA, IRC e coimas da devedora originária A..., LDA., dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

1º- A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta valoração e interpretação da matéria fáctica dada como provada, nem tão pouco uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante. Na verdade,

2º- Face aos factos assentes entendeu o tribunal "a quo" que não se provou a gerência de facto do ora oponente.

3º- No seguimento do que vai dito retro, concluiu o tribunal “a quo" pela procedência da oposição, com as consequências legais daí advientes.

4º- Ora, relativamente à questão controvertida, a prova do exercício da gerência de facto, entendeu o respeitoso tribunal a quo que o Oponente se limitou a outorgar uma procuração a favor da sociedade de advogados, com vista à constituição de uma sociedade comercial sediada em Portugal, constituiu um acto isolado e não reiterado de exercício da gerência de facto,

5º- Discordamos frontalmente da asserção retro transcrita e expendida pelo respeitoso tribunal a quo.

6º- Efectivamente, de acordo com os elementos probatórios juntos aos autos e conforme firmado no ponto n°64 da douta p.i., o oponente para além de passar procuração à sociedade de advogados para constituição da sociedade devedora originária, emitiu em nome da antedita sociedade uma procuração em 13.12.2000 a favor do referido Sr. S... para movimentação de conta bancária no Banco ... no Luxemburgo, tendo inclusive, procedido à abertura da mencionada conta.

7º- Ora, resulta de forma clara e notória dos autos que o Oponente integrava a gerência da sociedade devedora originária no período relevante, encontrando-se tal facto devidamente demonstrado no pacto social e na certidão da Conservatória do Registo Comercial.

8º- Tendo em conta a procuração emitida, tal facto essencial deve ser compaginado no sentido de que os poderes que o Sr. S... exerceu lhe foram conferidos Oponente, mediante mandato.

9º- Com efeito, conforme ensinamento de Almeida Costa (in Noções Direito Civil, ed. de 1980 pag, 273), o mandato é o contrato mediante o qual um dos contraentes (o mandatário) se obriga a realizar um dos diversos actos jurídicos por conta do outro (mandante) considerando Mota Pinto que (in Teoria Geral de Direito Civil, 3ª ed. pag. 537), por força desse negócio jurídico, o mandatário pratica os actos em nome, no interesse e por conta da mandante (veja-se ainda Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1°-114).

10º- Na mesma esteira e nos termos do disposto no art.405° do Código Civil e reiterado no entendimento vertido pelos Profs. A, Varela e P. Lima (in Código Civil Anotado, 1, 4ª ed, pag. 355), bem como pelo Prof. A. Costa (in Direito das Obrigações, 4ª ed,, pags. 153 e 157), "contractos" provém de "negotium contrahere", reflectindo precisamente aquilo a que actualmente se pode chamar o auto - governo jurídico inter-individual, na medida em que a lei constituída permite e estimula o exercício da liberdade da regulamentação da esfera jurídica privada, ressalvados que sejam princípios de interesse geral,

11º- Neste pendor, o mandato é, assim, o contrato estabelecido entre quem encarrega outrem de praticar um ou mais actos jurídicos «por conta» do mandante, e quem aceita essa obrigação é o mandatário (art. 1157° do Código Civil).

12º- Nessa óptica, o Oponente tendo passado procuração ao Sr. S... para o representar na gestão da sociedade e no movimento da conta bancária, juridicamente, tudo se passa como se fosse o próprio mandante a realizar o acto ou actos jurídicos para cuja prática o mandato fora outorgado (veja-se a este propósito o Acórdão proferido peio TCAS referente ao Proc. n°00081/04 datado de 12.10.2004).

13º- Neste pendor, conforme sufragado pelo Acórdão do TCAS de 19,04.2005 Proc. n°0041/04 aos gerentes nomeados que, voluntariamente, consentem que outrem em seu nome pratique a generalidade dos actos necessários ao giro comercial da sociedade e a quem o terceiro presta contas, tais actos praticados pelo representante repercutem-se na esfera jurídica dos representados, como se por estes fossem praticados; Neste caso e no âmbito desses poderes, gerente são os representados e não o representante que exerce de facto tais poderes."

14º- Assim, dúvidas não restam, de que a procuração emitida para a representação do oponente na gestão da sociedade e na movimentação da conta bancária, traduzem o acordo juridicamente qualificável como de mandato com representação assumido e com base o Sr. S... agiu em nome e no interesse do Oponente.

15º- Ou seja, foi pelo Oponente transferido voluntariamente, poderes de gerência que o pacto lhe atribuía à luz da lei, para a esfera de outrem, o qual exerceu a gerência em nome e no interesse daquele, tendo no período em que vigorou tal situação, sido praticados actos de gerência produtores de efeitos na esfera jurídica do representado, subsumindo-se a um mandato com representação, nos termos do qual os actos do representante produzem os seus efeitos na esfera jurídica do representado - gerente (arte. 258° e 1178°, n° 1 C. Civil).

16º- Face ao que vai dito, o Oponente é responsável pela dívida por ter exercido no ano em causa, nos termos fixados, a gerência de facto, subsistindo o pressuposto de culpa funcional em que assenta a sua pretendida responsabilização por tais dívidas.

17°- Sem prescindir, ainda que não se relevem os argumentos invocados, o que somente por mera hipótese académica se admite, cumpre reiterar que no âmbito dos elementos probatórios juntos aos autos, consta-se que pela Declaração de Início de actividade, a qual foi assinada na qualidade de sujeito passivo ou de seu representante legal.

18º- Na mesma esteira, e no que contende às declarações periódicas do IVA, resulta inequivocamente que atento à assinatura aposta na Declaração de início de actividades é, manifestamente, idêntica com a assinatura constante nas declarações periódicas de IVA (v.d. declarações periódicas de IVA junto aos autos de doc. 2 a doc. 9), reiterando-se desta forma que assinadas foram, na qualidade de representante legal do Oponente, dando-nos indícios sérios da prática de actos de gerência na antedita sociedade pelo Oponente, através do seu representante legal.

19º- No entanto, tais documentos não foram alvo de análise crítica da prova, pelo que tal consubstancia nulidade que aqui expressamente para todos os efeitos legais.

20º- Mais, quanto à gerência, visualizando a certidão da Conservatória do Registo Comercial, junta aos autos, verifica-se que o gerente designado foi única e exclusivamente o Oponente, sendo que, no que contende à forma de obrigar da sociedade, esta obrigava-se mediante a assinatura do gerente ou procurador.

21º- Assim, tal facto deve ser acrescido aos factos provados, máxime que resulta do pacto social que o oponente é o único gerente nomeado, sendo a forma de obrigar a sociedade a assinatura do único gerente,

22º- Ora, no âmbito do pacto social resulta inequivocamente que a sociedade se obriga com a assinatura única e exclusiva do Oponente ou de um procurador, resultando tal facto de igual forma da Declaração de Inicio de actividade.

23º- Importa chamar à colação o Acórdão do TCA Sul, n°06732/13, de 31-10-2013: "(…) levando em consideração que o oponente era o único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava a mesma, legítimo será presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência - artº.351, do C.Civil) o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade (cfr..ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção,18/6/2013, proc.6565/13)."

24º- Continuando: "Aqui chegados, deve concluir-se que, no caso concreto, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, ao abrigo do artº.24, nº1, da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/3/2009, rec.709/08; ac.T.C.A.Sul -2ªSecção,27/11/2012, proc.5979/12".

25°- Destarte, a quanto alegado se deixa reiterado, claro e inequívoco resulta, que sendo o ora oponente o única gerente, e no seguimento do entendimento dos nossos Tribunais Superiores, é legítima a reversão,

26º- Face a tudo quanto vai dito, as vicissitudes elencadas, estão comprovadas, e referenciadas, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo areópago de certo que teria sido outro.

27º- Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

28º- Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.

29º- Com o devido respeito, que muito é, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas,

30º- Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, peio que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.

TERMOS EM QUE,

Deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a oposição à execução fiscal, com todas as consequências legais.

Todavia, Em decidindo, Vossas Excelências farão a costumada

Justiça!


*

O Recorrido apresentou contra-alegações, onde conclui:

“A)

Ao contrário do defendido pela recorrente Fazenda Nacional, a douta sentença fez correcta valoração apreciação e julgamento dos factos e aplicação do direito

B)

Também ao invés do defendido pela recorrente as procurações conferidas pelo recorrido não autorizam a prática de actos comerciais mormente aos relativos à execução do objecto social, inter alia compra e venda, importação e exportação de material eléctrico.

C)

Também neste medida não se mostra aplicável ao caso vertente as jurisprudências dos acórdãos citados pela recorrente, os quais, pelo contrário, se reportam a situações concretas em que são inequívocos, quanto ao seu âmbito e abrangência, os poderes conferidos aos ali mandatários para a prática de actos comerciais.

D)

Ademais, em lado algum a recorrente, faz, como lhe competia, a prova de que o recorrido, por si ou por procurador, haja exercido de facto a gerência de sociedade devedora principal.

E)

Tal como referido na douta sentença recorrida e na jurisprudência aí citada e noutra no mesmo sentido avançada pelo recorrido, a prática de um acto ou actos isolados, em condições determinadas, ainda que com a outorga de procuração a favor de terceiros, não constituem demonstração do exercício de facto de gerência, tal como exigido pelo artigo 24º, nº1 da LGT.

F)

O entendimento sustentado pela recorrente Fazenda Pública traduz-se a final e no caso concreto na defesa de uma responsabilidade meramente objectiva e nominal, o que contraria as disposições legais aplicáveis.

G)

De igual modo e salvo melhor entendimento, não se verifica qualquer nulidade por falta de apreciação de análise crítica por falta por prova documental, nem da documentação a que a recorrente se refere se pode retirar qualquer indício ou prova da existência de uma gerência de facto por parte do recorrido.

H)

Os fundamentos recursórios da Fazenda Pública consubstanciam uma interpretação exorbitante e sem a necessária densificação fáctica, ao arrepio total da lei e dos princípios da legalidade e da responsabilidade tributária subsidiária, contidos, respectivamente, nos artigos 266º da CRP no artº8 da LGT e nos artigos 22º, nº2, 23º e 24º, nº1 também da LGT.

I)

Sem conceder do exposto, os factos documentados nos autos e todo circunstancialismo que os rodeou, são de molde a poder concluir-se que decisão diversa da recorrida, como pretende a Fazenda Pública, constituiria também uma tremenda e gritante injustiça e iniquidade.

J)

Neste contexto e no mais que doutamente V. Exa suprirão de jure, o Tribunal “ ad quo” fez um adequado julgamento de prova produzida e do direito aplicável, pelo que deve manter-se na íntegra, de modo a reconhecer-se e a manter-se a ilegalidade do acto administrativo de reversão, por ilegitimidade passiva do recorrido.

Decidindo, V.Exas farão a costumada,

JUSTIÇA!”.


*

A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) Em 2003.10.18, no Serviço de Finanças de ..., foi autuado o processo de execução fiscal n°..., contra A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa (cf. fls. 56 dos autos);

B) Tem por base:

a. Certidão de dívida n°2003/104960, emitida em 2003.10.12, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de € 69.218,80, de IRC do exercício de 2001, com pagamento voluntário até 2003.09.01; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.09.02;

C) Em 2004.10.28, a este PEF foram apensados os processos n°3255200401001795 e 3255200401002244, ficando os autos a valer pela quantia exequenda de € 3 486 056,47 (cf. fls. 5 do PEF); têm por base:

a. Certidão de dívida n°2005/110019, emitida em 2005.12.22, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de € 964,50, dos quais € 920,00 de coima e € 44,50 de encargos, com pagamento voluntário até 2005.06.21; mais atesta que são devidos juros de mora contados sobre € 44,50, a partir de 2005.06.22 (cf. fls. 62 dos autos);

b. Certidão de dívida n°2003/179749, emitida em 2003.10.18, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de €45 583,51, de IVA - Juros compensatórios do período de 2001/01 a 2001/03, com pagamento voluntário até 2003.08.31; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.09.01 (cf. fls. 63 dos autos);

c. Certidão de dívida n°2003/179750, emitida em 2003.10.18, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de €16 178,84, de IVA - Juros compensatórios do período de 2001/04 a 2001/06, com pagamento voluntário até 2003.08.31; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.09.01 (cf. fls. 65 dos autos);

d. Certidão de dívida n°2003/179751, emitida em 2003.10.18, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de €26 606,56, de IVA - Juros Compensatórios do período de 2001/07 a 2001/09, com pagamento voluntário até 2003.08.31; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.09.01 (cf. fls. 67 dos autos);

e. Certidão de dívida n°2003/179752, emitida em 2003.10.18, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de €14 509,87, de IVA - Juros Compensatórios do período de 2001/10 a 2001/12, com pagamento voluntário até 2003.08.31; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.09.01 (cf. fls. 69 dos autos);

f. Certidão de dívida n°2003/179753, emitida em 2003.10.18, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de € 1 216 454,30, de IVA do período de 2001/01 a 2001/12, com pagamento voluntário até 2003.08.31; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.09.01 (cf. fls. 71 dos autos);

g. Certidão de dívida n°2003/179755, emitida em 2003.11.04, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de €39 757,52, de IVA - Juros compensatórios do período de 2001/01 a 2001/03, com pagamento voluntário até 2003.09.30; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.10.01 (cf. fls. 74 dos autos);

h. Certidão de dívida nº2003/179756, emitida em 2003.11.04, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n° 2, 4, em Lisboa, é devedora de €10 697,58, de IVA - Juros Compensatórios do período de 2001/04 a 2001/06, com pagamento voluntário até 2003.09.30; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.10.01 (cf. fls. 76 dos autos);

i. Certidão de dívida n°2003/179757, emitida em 2003.11.04, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de € 82 973,34, de IVA - Juros Compensatórios do período de 2001/10 a 2001/12, com pagamento voluntário até 2003.09.30; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.10.01 (cf. fls. 78 dos autos);

j. Certidão de dívida n°2003/179758, emitida em 2003.11.04, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de € 1 964 076,15, de IVA do período de 2001/01 a 2001/12, com pagamento voluntário até 2003.09.30; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2003.10.01 (cf. fls. 80 dos autos);

k. Certidão de dívida n°2006/281846, emitida em 2006.03.15, que atesta que A..., Lda., com sede na Rua ..., n°2, 4, em Lisboa, é devedora de € 62 935,20, dos quais € 61 697,87 de IRC de 2003 acrescido de €1. 237,33 de juros compensatórios, com pagamento voluntário até 2005.09.08; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2005.09.09 (cf. fls. 83 dos autos);

D) Por despacho do Chefe de Finanças, em substituição de 2006.08.04, foi ordenada a preparação do processo para reversão contra os gerentes da sociedade (cf. fls. 58 do PEF);

E) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2008.08.17, por M..., endereçada a S..., ..., foi enviado ofício normalizado notificação audição-prévia (Reversão), constante de fls. 59 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido;

F) Em 2006.08.28, o Opoente exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 74 a 76 do PEF);

G) Por despacho de 2007.01.22, a Chefe de Finanças reverteu a execução fiscal contra o Opoente (cf. fls. 104 a 105 do PEF);

H) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2007.02.06, por M..., endereçada a S..., ..., foi enviado ofício normalizado citação (reversão), cópia das certidões de dívida e documento informático da (print) liquidação dos tributos, informação de 2007.01.15 e cópia do despacho de reversão (cf. fls. 106 a 139-v do PEF);

I) Em 2007.03.13, no Serviço de Finanças de ..., deu entrada a presente oposição (cf. fls. 7 dos autos);

J) Em 2007.08.08, no Serviço de Finanças de ... deu entrada reclamação do Opoente contra as liquidações de IRC dos anos de 2001 a 2003 e de IVA do ano de 2001 (cf. fls. 150 a 154 e 164 do PEF);

K) Em 2000.10.27, perante o Notário J…, com domicílio em …, Grão Ducado do Luxemburgo, o Opoente outorgou procuração, cuja tradução para português consta de fls. 30-v a 31 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se transcreve:

a. (...);

b. Nomeia ..., ..., ..., ...z e ..., todos advogados, com escritório na Rua ..., n° 2, 4° andar, em Lisboa, Portugal, a quem outorga a cada um individualmente, todos os poderes necessários para, em nome [de S...], e nos termos e condições que os Procuradores tenham por convenientes:

c. Constituir uma sociedade por quotas com um ou mais sócios, ou uma sociedade anónima (...);

d. Decidir relativamente a todos os detalhes respeitantes à constituição da dita sociedade, nomeadamente mas não exclusivamente sobre:

i. Aceitação dos acionistas;

ii. Aprovação do conteúdo dos estatutos da sociedade;

iii. Nomeação dos órgãos sociais da sociedade;

iv. Subscrição e pagamento do capital social correspondente à quota subscrita pelo outorgante;

v. Assinar ou preencher todos os documentos necessários ou convenientes, assim como encarregar-se de todos os procedimentos necessários perante a Conservatória do Registo Comercial, Notário, RNPC e Serviço de Finanças;

vi. Assinar todos e quaisquer contratos e/ou escrituras relacionadas ou necessárias à constituição da sociedade, assim como quaisquer alterações eventuais que sejam consideradas necessárias ou convenientes;

vii. Proceder ao registo da constituição da sociedade perante a Conservatória do Registo Comercial e no Serviço de Finanças;

viii. Assinar, executar ou preencher qualquer outro documento ou escritura, confirmações ou declarações e, por sua decisão, executar quaisquer outros atos que sejam considerados necessários ou convenientes no âmbito da presente procuração, assim como tomar todas as medidas necessárias, perante qualquer entidade pública ou privada, ao cumprimento de todas as obrigações legais, contratuais e administrativas relativas à constituição da sociedade e ao início da atividade, mesmo antes de todas as formalidades registrais concluídas;

e. (...);

L) Por escritura pública de contrato de sociedade, outorgada em 2000.11.07, no 12° Cartório Notarial de Lisboa, constante de fls. 35 a 42 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, foi constituída a sociedade por quotas que adotou a firma …, Limitada, e o Opoente nomeado gerente;

M) Em 2001.03.27, no serviço de Finanças de …, por J…, foi entregue declaração de inscrição no registo/início de atividade, constante de fls. 44 a 46 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, da sociedade …, Lda.;

N) Em 2000.12.13, o Opoente autorizou S... a movimentar as suas contas bancárias no Banco …, SA, sucursal do Luxemburgo (cf. fls. 47 dos autos);

O) O Opoente reside no Grão Ducado do Luxemburgo desde 1995.

b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito

IV - Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas ouvidas por carta rogatória que os confirmaram”.


*

2.2. De direito

Através da sentença objecto do presente recurso jurisdicional, a oposição deduzida por S..., contra a execução fiscal nº ... e apensos, instaurada no Serviço de Finanças de ..., para cobrança coerciva de dívidas de IVA, IRC e coimas da devedora originária A..., LDA., foi julgada procedente.

Antes de entramos na análise do recurso propriamente dito, façamos um esclarecimento inicial.

Na apreciação levada a efeito pelo TT de Lisboa, foram separadamente analisadas as questões da responsabilidade do oponente por dívidas de impostos e por dívidas de coimas.

Quanto à responsabilidade do revertido por dívidas decorrentes de impostos (IVA e IRC), a sentença que concluiu pela ilegitimidade do Oponente fez assentar a sua decisão unicamente na questão da falta de prova do exercício da gerência.

Já quanto à responsabilidade do revertido por dívidas decorrentes de coimas, a sentença que concluiu pela ilegitimidade do Oponente fez assentar a sua decisão unicamente na questão da falta de prova da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora.

Com efeito, a propósito das dívidas de coimas e encargos com processos de contra-ordenação, lê-se na sentença, além do mais, que:

“Mas, vejamos ainda quanto às dívidas de coimas e encargos com processos de contraordenação:

A reversão de dívidas de coimas era possível, nos termos do artigo 7-A do RJIFNA, que concretamente permitia também a reversão, nos mesmos casos, contra os gerentes e administradores, por caso de insuficiência patrimonial de garantia do pagamento de coimas fiscais, não aduaneiras.

Apenas parecia estarem excluídas as dívidas de custas, segundo a Jurisprudência onde se defendia não existir disposição legal, para tanto.

De qualquer forma era anotada uma importante divergência de regime no que diz respeito à reversão executiva pelas coimas em dívida – tinha convencido a seguinte orientação:

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X – No regime do art. 7.º-A, do RJIFNA, não existe qualquer presunção de culpa do gerente, motivo por que, não se tendo feita qualquer prova quanto a esta, a questão deve ser decidida favoravelmente ao gerente que deduziu oposição com fundamento na falta de culpa.

No entanto, a disposição que está em análise acabou por ser revogada pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), que contém a mesma orientação, em geral, no artigo 8º.

Por conseguinte, a reversão é possível, mas competia à Autoridade Tributária assegurar-se, antes do ato, da culpa do revertido, tema que terá de levar expressamente à motivação decisória, como se repete.

Este programa não foi cumprido pela Autoridade Tributária, que nem invoca a norma legal que lhe permitia a reversão.

Por conseguinte, quanto às dívidas de coimas e encargos com processos de contraordenação, falecem, neste caso, as bases da reversão e faz vencimento o argumento do Opoente.

Não estão reunidas, pois, as condições de facto de integração da norma de responsabilização do revertido”.

Ora, se bem lermos as conclusões da alegação de recurso, a verdade é que aí não encontramos uma alusão sequer às dívidas provenientes de coimas, nem tão pouco à questão da falta de prova da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora.

Com efeito, todo o ataque ao decidido – sem autonomizar a diferente natureza de cada parcela que compõe a dívida exequenda – centra-se unicamente no exercício da gerência, em concreto no alegado erro cometido pelo TT de Lisboa ao não julgar provado o exercício da gerência de facto por parte do Oponente.

Ora, dispõe o artigo 635º, nºs 3 e 4, do CPC, respectivamente, que “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente” e, bem assim, que “Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso”.

No caso, como é patente, a Recorrente não restringiu expressamente o objecto do recurso, resultando das suas palavras que ataca a sentença na sua globalidade, ou seja, toda a sua parte dispositiva e, como tal, a decisão de total procedência da oposição.

Poder-se-ia colocar a hipótese de, in casu, a delimitação do objecto do recurso ter sido feita implicitamente, concretamente por não ter sido atacada a questão na qual a sentença fez assentar a procedência da oposição na parte relativa às coimas e encargos correspondentes, ou seja, a referida falta de prova da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora.

Contudo, entendemos que esta possível leitura não é acertada em face da formulação adoptada no recurso, designadamente onde aí se afirma o inconformismo com a sentença e, bem assim, a pretensão de ver “revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a oposição à execução fiscal, com todas as consequências legais”.

O que acontece, porém – e isso é, para nós, incontornável - é que o ataque à sentença recorrida, na parte em que julgou procedente a oposição quanto às dívidas de coimas e respectivos encargos com os processos de contra-ordenação, é manifestamente ineficaz, ineficiente, imprestável para o fim visado de obter a revogação do decidido.

É que, como está bom de ver, cingindo-se todo o percurso argumentativo espelhado no recurso jurisdicional ao erro da sentença quanto à não consideração da prova da gerência de facto da devedora originária, a verdade é que, ainda que tal gerência de facto se viesse a considerar provada, tal não levaria ao provimento do recurso na parte visada.

Na verdade - repete-se - a procedência da oposição, na parte relativa às coimas e encargos correspondentes, assentou unicamente na questão da falta de prova pela Fazenda Pública da culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora e isso, repete-se, não foi atacado.

Como tal, sem atacar este juízo sobre a falta de cumprimento do ónus da prova da culpa na insuficiência do património, nunca a decisão da 1ª instância – sublinhe-se, na parte aqui considerada – poderia ser alterada.

Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, atenta a manifesta ineficácia do ataque à decisão recorrida, há, desde já, que julgar improcedente o presente recurso jurisdicional na parte em que aí se pretendia ver revogada a sentença no esteio que julgou procedente a oposição deduzida com respeito à dívida de coimas e correspondentes encargos associados.

Portanto, nesta parte, mantém-se inalterada a sentença recorrida.


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Com isto dito, avancemos

Está já apenas em apreciação a sentença do TT de Lisboa na parte em que aí se decidiu pela procedência da oposição quanto às dívidas relativas a impostos - IVA e IRC.

Vejamos, então, as questões que nos ocupam.

Na conclusão 19º, defende a Fazenda Pública que a sentença padece de nulidade resultante da falta de análise crítica da prova.

A este propósito, apelando a um acórdão deste Tribunal e secção, dir-se-á que “Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).

No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).

Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02).

Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08)” – cfr. acórdão de 10/07/15, processo nº 08473/15

Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls. 489 a 498 do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se improcedente a alegação da Recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão ("in casu" na vertente factual) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Mais se dirá, a este propósito, que, a pretexto da alegada falta de apreciação crítica da prova, o que a Recorrente quer, efectivamente, e tal como decorre das conclusões 17ª e 18ª, é que o Tribunal considere factos – aditando-os – assentes com base em documentos que se mostram juntos aos autos.


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Prosseguindo, portanto, para a impugnação da matéria de facto.

Nas conclusões 20º e 21º, pretende a Recorrente que se adite à matéria de facto que “o gerente designado foi única e exclusivamente o Oponente, sendo que, no que contende à forma de obrigar da sociedade, esta obrigava-se mediante a assinatura do gerente ou procurador”, indicando-se como elemento de prova de tal circunstancialismo a certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos autos.

Deve reconhecer-se sentido e razão à pretensão da Recorrente, devendo tal factualidade passar a integrar os factos provados, o que aqui se adita.

P) Através da AP 32/ 001212 foi registada na CR Comercial de Lisboa a constituição da sociedade A..., daí constando como gerente designado S... – cfr. certidão da CRC de Lisboa a fls. 50 e 51 do PEF apenso.

Q) A sociedade obrigava-se pela assinatura de um gerente ou de um procurador - cfr. certidão da CRC de Lisboa a fls. 50 e 51 do PEF apenso.

Diga-se, ainda, a propósito da declaração de início de actividade, a que se faz alusão nas conclusões 17ª e 18ª da alegação de recurso, que a referência à mesma é expressamente contemplada no ponto M) da matéria de facto, pelo que não se justifica qualquer menção adicional a incluir no julgamento da matéria de facto.


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Há, contudo, que aditar à matéria de facto o seguinte circunstancialismo, o que se efectiva ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC.

R) Em 30 de Novembro de 2001, S... outorgou procuração a favor de diversos Advogados residentes em Lisboa, conferindo-lhes poderes para que, em seu nome e sua representação, vendessem as quotas da sociedade ... – Material Telefónico Lda e, bem assim, para que o representassem em qualquer assembleia geral de accionistas, decidindo inclusivamente “a resignação do outorgante como director da empresa” – cfr. procuração traduzida, junta aos autos a fls. 155 e 156, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questão que nos passará a ocupar.

Ora, como já decorre daquilo que deixámos dito, a sentença julgou a oposição totalmente procedente.

Em concreto, apreciando a ilegitimidade do revertido quanto às dívidas provenientes de IVA e IRC, a procedência da oposição assentou no seguinte discurso argumentativo que, parcialmente, se transcreve:

“(…)

As dívidas em causa são relativas a IRC e IVA do ano de 2001 e a IRC do exercício de 2003 e a coimas e encargos, e a Lei Geral Tributária (LGT) entrou e vigor em 1 de Janeiro de 1999, pelo que ao caso é aplicável o regime instituído pela LGT, de competir ao revertido a prova da não culpa (cf. Artigo 6º da DL nº 398/98, de 17 de Dezembro).

Contudo, a sucessão de regimes aplicáveis, já não tem a mesma relevância que chegou a ser-lhe dada para o efeito de se saber se é ou não da Administração Fiscal, o ónus da prova da efetiva gerência como base da reversão, fundada na culpa da diminuição do património garantia das dívidas fiscais.

Com efeito, a jurisprudência definiu através de Ac. do Pleno do CT do STA a orientação de que provada a gerência de direito não se presume a gerência de facto.

Anote-se que da leitura do despacho de reversão não sabemos se a reversão foi feita ao abrigo da alínea a) ou da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, mas trata-se de pormenor irrelevante porque o Opoente não alegou o vício de carência de fundamentação.

Diz-nos o artigo 24/1.b) da LGT: os gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Todavia, o Opoente nega ter exercido a gerência de facto da empresa. Era gerente nominal ou de direito, e na verdade, procuração que outorgou apenas conferia poderes bastantes e suficientes para os mandatários criarem a sociedade.

A Administração Tributária funda a reverão da execução fiscal contra o Opoente apenas na falta de bens da sociedade ou na insuficiência do património para a satisfação das dívidas em causa.

Ora, um dos pressupostos da responsabilidade tributária prevista no artigo 24.° da LGT é o exercício efetivo de funções no período de tempo a que respeita a dívida revertida, daí que a Autoridade Tributária tenha que levar à motivação do despacho o efetivo exercício da gerência no período considerado, demais ainda quando não existe presunção, presunção esta porque meramente judicial, de exercício do cargo.

Assim, na senda do decidido no Ac. TCAS, CT - 2ºJuízo, de 2012.11.06, Proc nº 05666/12, Juízo, entendemos ser insuficiente para caracterizar o exercício da atividade de gerência, a prática de um único ato, que foi a abertura de conta bancária seguida de autorização a um terceiro para a movimentar, ato este isolado e desconexionado com qualquer prática sucessiva, que igualmente também entendemos ser insuficiente para caracterizar o exercício de tal atividade de gerência, preenchendo-o, a qual pressupõe um conjunto de atos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do seu objeto social.

De qualquer modo, o Oponente comprovou residir no Luxemburgo na época crítica: em consequência não geriu a empresa na época crítica”.

Contra o assim decidido insurge-se a Fazenda Pública, defendendo, em síntese, que ressalta evidenciado nos autos um circunstancialismo de facto demonstrativo do exercício efectivo gerência da sociedade ... Lda, por banda de S..., seu único gerente.

Com efeito, entre as demais asserções, afirma a Fazenda Pública que “de acordo com os elementos probatórios juntos aos autos e conforme firmado no ponto n°64 da douta p.i., o oponente para além de passar procuração à sociedade de advogados para constituição da sociedade devedora originária, emitiu em nome da antedita sociedade uma procuração em 13.12.2000 a favor do referido Sr. S... para movimentação de conta bancária no Banco ... no Luxemburgo, tendo inclusive, procedido à abertura da mencionada conta”, donde resulta “ que o Oponente integrava a gerência da sociedade devedora originária no período relevante, encontrando-se tal facto devidamente demonstrado no pacto social e na certidão da Conservatória do Registo Comercial”. Este entendimento é, ainda, reforçado pela afirmação “o Oponente tendo passado procuração ao Sr. S... para o representar na gestão da sociedade e no movimento da conta bancária, juridicamente, tudo se passa como se fosse o próprio mandante a realizar o acto ou actos jurídicos para cuja prática o mandato fora outorgado”.

Em suma, para a Recorrente, “foi pelo Oponente transferido voluntariamente, poderes de gerência que o pacto lhe atribuía à luz da lei, para a esfera de outrem, o qual exerceu a gerência em nome e no interesse daquele, tendo no período em que vigorou tal situação, sido praticados actos de gerência produtores de efeitos na esfera jurídica do representado, subsumindo-se a um mandato com representação, nos termos do qual os actos do representante produzem os seus efeitos na esfera jurídica do representado - gerente (arte. 258° e 1178°, n° 1 C. Civil)”.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Tal como resulta da matéria de facto, a devedora originária foi constituída no ano de 2000, tendo sido designado gerente o Oponente, S..., obrigando-se a sociedade pela assinatura de um gerente ou de um procurador.

A AT reverteu a execução fiscal contra S... com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1 da LGT, com expressa referência ao texto das normas correspondentes às alíneas a) e b) do referido preceito legal.

De acordo com o artigo 24º, nº1 da LGT:

1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Ora, a reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efectivo das funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, o que resulta claramente da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” ou, também, da alusão ao “período de exercício do seu cargo”.

Por conseguinte, é fácil concluir que, para efeitos de efectivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não basta, para a responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, da factualidade apurada nos autos resulta, com interesse para a decisão, o seguinte:

- a sociedade ... foi constituída em Novembro de 2000;

- o Recorrido foi nomeado gerente (único) da devedora originária desde a sua constituição;

- a sociedade obrigava-se com a assinatura do gerente ou procurador;

- em Dezembro de 2000, S... autorizou S... a movimentar as suas contas bancárias no Banco ... SA, sucursal do Luxemburgo;

- as dívidas em causa respeitam a IVA de 2001 e IRC de 2001 e 2003.

Na avaliação feita pelo TT de Lisboa, este circunstancialismo não foi suficiente para concluir que o oponente foi gerente de facto da sociedade ....

Vejamos, desde já se adiantando que se acompanha o decidido pelo Tribunal a quo.

Fazendo uso do que se escreveu no acórdão deste TCA, de 21/05/15, no processo nº 8445/15, aí se diz sobre a responsabilidade subsidiária o seguinte:

“(…)

Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).

A lei não define, precisamente, em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492;ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).

É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.)”.

Não percamos de vista, como deixámos aflorado, que a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respectivamente; vide, também, o acórdão do TCA Norte, de 27/03/14, processo nº 808/11.1BEPNF que aqui seguimos de perto.

Ora, de acordo com a sentença recorrida, resulta que os únicos factos que poderiam assumir alguma relevância no sentido de se afirmar o efectivo exercício da gerência por parte do Recorrido são os que respeitam à “abertura de conta bancária seguida de autorização a um terceiro para a movimentar”, o que, porém, no entendimento do TT de Lisboa, não pode deixar de ser visto como um acto “isolado e desconexionado com qualquer prática sucessiva” e, como tal, “insuficiente para caracterizar o exercício de tal actividade de gerência, preenchendo-o, a qual pressupõe um conjunto de atos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do seu objecto social”.

Vejamos, importando dizer que, não obstante se reconheça que no artigo 64º da p.i o Opoente afirma que “o único e exclusivo acto que o oponente a pedido da ... praticou em nome da já constituída ... foi o de abrir uma conta bancária e assinar uma procuração, em 13 de Dezembro de 2000, a favor do referido Sr. S..., exclusivamente para movimentação da mesma no Banco ..., no Luxemburgo”, a verdade é que essa não foi exactamente a factualidade que resultou provada no ponto N) do probatório, alínea em que se pode ler que “Em 2000.12.13, o Opoente autorizou S... a movimentar as suas contas bancárias no Banco ..., SA, sucursal do Luxemburgo (cf. fls. 47 dos autos)”. Mais, aliás. Vista a procuração junta aos autos, deve referir-se, como em sede de contra-alegações, que “a procuração conferida ao dito Senhor K...” surge “em nome pessoal e sem qualquer referência, expressa ou implícita, à sociedade” ....

Seja como for, tal circunstancialismo, ocorrido no mês seguinte ao da constituição da sociedade, pese embora possa constituir um indício no sentido do exercício efectivo da gerência por parte do Oponente, ora Recorrido, por si só é insuficiente para permitir a conclusão de que o Oponente exerceu a gerência de facto da devedora originária no período aqui em causa, como a sentença concluiu.

Deve aqui evidenciar-se – e afastando-nos do entendimento defendido pela Fazenda Pública, ora Recorrente – que inexiste nos autos prova de ter sido emitida “procuração ao Sr S... para o – leia-se, ao S... - representar na gestão da sociedade”, pois a já referida procuração limita-se à representação do S... junto do Banco ..., SA, sucursal do Luxemburgo.

Mas mais.

A Fazenda Pública, na defesa da sua posição, coloca significativo enfoque na procuração a que alude a alínea K) da matéria de facto, ou seja, a procuração a favor de diversos Advogados para constituição de uma sociedade, ao abrigo da qual a ... foi constituída em 2000.

Contudo, contrariamente ao que defende a Recorrente, não vemos aí um elemento decisivo que caracterize a gerência de facto. Com efeito, trata-se de uma actuação situada a montante da existência da própria sociedade, ou seja, num momento temporalmente anterior à constituição da mesma. Por outro lado - e decisivo – a outorga de poderes para constituir uma sociedade manifesta a actuação de alguém enquanto sócio (ou futuro sócio) que não enquanto gerente.

Deve realçar-se, pois, que nos autos inexiste qualquer outra prova de que o Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade ... em qualquer dos períodos – por referência à dívida exequenda – a que se reportam as alíneas a) e b) do nº1 do artigo 24º da LGT.

Mais, aliás.

Conforme resulta da matéria de facto por nós aditada, logo em Novembro de 2001 o S... outorgou procuração a diversos Senhores Advogados para, em seu nome e em sua representação, venderem as quotas da sociedade ..., bem como para o representarem na “resignação … como director da empresa em questão”, o que nos leva a considerar uma clara manifestação de vontade de quebra do vínculo jurídico à sociedade originária devedora.

É verdade – e este parece ser o argumento de maior peso apresentado pela Fazenda Pública - que o Oponente era o único gerente da sociedade executada, o que, parece, levar a Recorrente a considerar que a viabilidade funcional da devedora originária ficaria comprometida sem a intervenção do oponente.

Contudo, como se decidiu no acórdão do TCA Norte, de 12/06/14, no processo nº 00013/12.0BEBRG, “tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.

Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado”.

Note-se, aliás, o que se passou com a entrega da declaração a que alude a alínea M) dos factos provados, que se mostra assinada pelo TOC, enquanto representante legal da empresa, o qual, porém, o Oponente afirma desconhecer.

Assim, analisado o conjunto da prova produzida, e na linha daquilo que foi decidido em 1ª instância, entendemos que ficou por demonstrar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de gestão por parte do Recorrido, sendo que, como acima dissemos, era à Fazenda Pública que competia a prova de tal exercício.

Com efeito, inexistem elementos nos autos que nos evidenciem qualquer intervenção relevante ao nível da gestão da sociedade, seja a assinatura de contratos ou quaisquer outros documentos, a efectivação de pagamentos, a contratação de pessoal, a alienação ou aquisição de património, a negociação de fornecimentos, entre outros actos típicos da gerência.

Por seu turno, não é demais lembrar, que o exercício efectivo da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

De resto, no caso concreto, perante a escassez de elementos de facto concludentes sobre o exercício de facto da gerência, sempre seríamos levados a considerar a existência de uma dúvida substancial e fundada sobre esse exercício de facto por parte do ora Recorrente.

E, como tal, considerando que o ónus de tal prova recai sobre a Fazenda Pública, sempre o desfecho do caso em análise seria de considerar em desfavor da pretensão da AT – cfr. neste sentido o ac. do TCA Norte, de 15/05/14, processo nº 00273/07.8 BEMDL.

Deste modo, não tendo a Fazenda Pública provado que o executado, revertido, exerceu de facto a gerência da devedora originária, praticando os actos próprios e típicos da gerência, não pode o mesmo ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do artigo 24º da LGT.

Assim sendo, conforme decidido, é parte ilegítima na execução fiscal – artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Por conseguinte, a sentença, que assim decidiu, não pode deixar de se manter, com a consequente procedência da oposição.

Improcede, assim, o presente recurso jurisdicional.


*

Em face do valor da causa, justifica-se que se pondere a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

A este propósito, seguiremos o acórdão de 26/01/17 (processo nº 516/15.4BELLE), deste Tribunal e Secção.

Assim:

“(…)

As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:

Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.

4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).

O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.

Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).

Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:

Artigo 530º.

Taxa de justiça

(…)

7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).

Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13)”.

Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e do grau complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, aplicando-se a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará.


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3 – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Condena-se a Recorrente em custas, com dispensa pelas partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça – artigo 6.º, nº 7, do RCP.

Lisboa, 19/09/17


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Jorge Cortês)