Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1564/15.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/08/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores: OPOSIÇÃO
CULPA
ÓNUS DE PROVA
INSUFICIÊNCIA DE BENS
Sumário:1. Fundada a responsabilidade do oponente/recorrido pelas dívidas sociais da sua gerida nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT, sobre ele recai o ónus de demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento ou entrega do imposto;
2. Nesse preceito, estabelece-se uma presunção legal de culpa do gestor (art.º350.º do Cód. Civil), pelo que a AT não tem de integrar na fundamentação do despacho de reversão a enunciação dos pressupostos factuais da culpa do revertido;
3. Não está vedada a reversão das dívidas tributárias contra o responsável subsidiário, caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, não podendo, todavia, a AT prosseguir com a execução para penhora de bens do revertido “até à completa excussão do património da sociedade devedora originária” no processo de insolvência (art.º23.º, nºs 3 e 7, da LGT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

A Digna Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a oposição deduzida por José ..., à execução fiscal nº ... e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de ..., no âmbito da qual é executado por reversão na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “... ... de Betão de ..., Lda.” por dívidas de IRC, IVA e Retenções na fonte de IRS e Imposto de Selo.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.342).

Nas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«
A - Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a oposição à execução fiscal à margem identificada, e, em consequência decidindo condenar a Fazenda Pública no pedido de extinção da execução fiscal n.º ... relativamente ao Oponente.
B - Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, padecendo a douta sentença de vício que determina a sua nulidade, bem como de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito.
C - Entende a Fazenda Pública que o douto tribunal a quo (1) incorreu em nulidade da sentença por verificação do vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão – mais concretamente por falta de exame crítico da prova, (2) considerou provados factos a que correspondem as letras “O)., “P)” e “E)” no ponto “III – Fundamentação” “31. – De Facto:”, com base em prova testemunhal que, não decorrem da prova produzida nos autos, ou deveriam decorrer de prova documental incorrendo em erro de julgamento de facto, (3) valorou o depoimento da testemunha Carlos ... quanto à questão da prova de culpa na data limite de pagamento do imposto, quando naquela data ele ainda não estava ao serviço da sociedade, não tendo conhecimento direto dos factos, (4) não foi criterioso na concretização dos factos concluindo diversas vezes como “desde 2009” factos que ocorrerem em 2012/2013/2014 (4) ao retirar daquele factos consequências jurídicas que eles não possuem, incorreu a sentença em erro de julgamento de direito ao concluir que o Oponente afastou a presunção de culpa que sobre si impõe a alínea b) n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
D - O Oponente, supra identificado, foi citado, por reversão, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ... e apensos inicialmente instaurado contra a devedora originária “... ... de Betão de ..., Lda.”, portadora do NIPC ..., por dívidas provenientes de por dívidas de IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) e Retenções na Fonte de IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e IS (Imposto de Selo).
E - Veio o Oponente deduzir a competente OPOSIÇÃO, invocando, em síntese, o seguinte:
A- a falta de fundamentação do despacho de reversão; e
B- não estarem reunidos os pressupostos para se efetivar a reversão fiscal, concretamente: (1) a fundada insuficiência do património da devedora originária e (2) a culpa do revertido no não pagamento da dívida.
F - Em sede de contestação alegou, em suma, a RFP que a pretensão do Oponente não poderia ser atendida porque:
1- Relativamente à alegada falta de fundamentação – é difícil extrair da petição inicial (PI), nesta matéria, se aquilo que invoca o Oponente é vício da fundamentação da reversão, quanto ao requisito da insuficiência/inexistência de bens penhoráveis da devedora originária e que aquele requisito não se verifica, ou apenas esta falta de verificação do requisito, no entanto, entendendo-se que ali se fundamenta uma verdadeira falta de fundamentação - verificado o despacho e as informações que o integram, não se vê que mais tivesse que ser fundamentado, sendo certo que o transmitido se mostrava absolutamente suficiente para que o Oponente pudesse exercer o seu direito de participação, o que fez.
2- Sobre a também invocada falta de verificação do requisito da insuficiência/ausência de bens da devedora originária – (1) a devedora originária foi declarada insolvente, ficando demonstrado, por sentença de um Tribunal judicial, que o seu património é insuficiente para fazer face às suas dívidas e (2) apesar do Oponente invocar a não verificação deste requisito não demonstra que a devedora originária tenha bens suficientes para responderem pelo valor em dívida, aquilo que refere o Oponente é que a devedora tem bens de valor superior ao da dívida exequenda, ocorre que, aqueles estão apreendidos no processo de insolvência.
3- Relativamente à ausência do requisito da culpa – resulta claramente da aplicação dos factos à legislação aplicável que a reversão efetuada se fundamenta na alínea b) do n.º 1 do artigo 24º da LGT, verificando-se a presunção da culpa, nestes casos, os gerentes devem alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas, nomeadamente que a empresa não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, tal, indubitavelmente não resulta do alegado e provado na petição inicial.
G - A douta sentença considerou no ponto “III – Fundamentação” “31. – De Facto:” como provados os factos a que correspondem as letras “O)., “P)” e “E)” com base em prova testemunhal, sem que resulte de qualquer prova documental, sem concretizar a que depoimento se refere, sem efetuar a sua apreciação crítica, ou seja, sem que seja possível conhecer as razões porque se decidiu no sentido em que o foi e não noutro, pois, embora a decisão dê a conhecer os meios de prova em que assentou a sua apreciação, não apreciou nem valorou criticamente a prova, dentro dos parâmetros para tanto exigíveis.
H - Assim a referida sentença encontra-se ferida de nulidade, por força dos artigos 125º do CPPT e alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC aqui aplicável por força do artigo 2º, alínea e) do CPPT, uma vez que, entende esta RFP, como também entendeu o Tribunal Central Administrativo do Sul no Acórdão proferido no processo 08473/15 com data de 10-07-2015 que a verificação do vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão também se verifica por falta de exame crítico da prova, já que como resulta do sumário do referido acórdão:
“A fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária.”
I - Consta da página 5, da sentença de que agora se recorre, sob a epígrafe “III – FUNDAMENTAÇÂO” “III.1. – De Facto” que:
“O) Em data não concretamente apurada após 2009, o Oponente abdicou da sua remuneração como gerente da ..., Lda. – cfr. depoimento das testemunhas arroladas;” quando o que resulta da prova produzida é que: “Em Fevereiro de 2014, o Oponente, através de comunicação interna, abdicou da sua remuneração como gerente da ..., Lda. – cfr. declaração de parte do Oponente;”
“P) Desde 2009 até à presente data, o Oponente realizou vários suprimentos a favor da ..., Lda. – cfr. depoimento das testemunhas arroladas;” – entende a RFP que tal facto deveria decorrer apenas de prova documental, mas ainda que assim não fosse desconhecesse de todo de que depoimento decorre tal facto com a convicção que o Tribunal adquiriu para o considerar provado.
“Q) A partir de meados de 2010, a ..., Lda. deixou de poder usar o Factoring para receber o preço das vendas aos seus clientes - cfr. depoimento das testemunhas arroladas;” o que resulta da prova testemunhal produzida é, sem grande concretização é que em finais de 2010 o recurso a instrumentos bancários ficou mais díficil.
J - Ressalvando, sempre, o devido respeito por opinião diversa, entende a RFP que os factos considerados provados na sentença, de que agora se recorre, transcritos supra, não decorrem dos elementos de prova apresentados, aliás a própria sentença referindo que aqueles resultam da prova testemunhal não fundamenta a sua consideração.
K - Entende a RFP que errou o Tribunal na valorização do depoimento da testemunha Carlos ..., desde logo porque o admitiu sobre factos de que não tinha conhecimento direto - já que estava em causa a culpa pelo não pagamento de dívidas pagáveis voluntariamente de 10-11-2010 a 20-10-2011 e a testemunha iniciou funções na empresa em agosto de 2012 - e depois porque concluiu factos que aquele não concretizou, já que nunca falou em suprimentos e aqueles não resultam de qualquer prova documental.
L - Assim errou a sentença ao considerar na página 6: “A testemunha em audiência revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Confirmou as dificuldades financeiras decorrentes da crise financeira que assolou o sector da construção civil em Portugal com a redução de encomendas. Explicou com detalhe quais foram as medidas tomadas pela gerência após a crise, nomeadamente, à adesão ao SIREVE e a posterior instauração de um PER, como também dos suprimentos efectuado pelo Oponente, e as tentativas de expansão de clientes no Reino de Marrocos.” (sublinhado nosso)
M - Dissecado o depoimento da testemunha Eva ... não é possível encontrar uma referência a suprimentos - de facto, questionada sobre se sabia que o Oponente “do bolso dele meteu muito dinheiro” na respondeu “muitas vezes” concretizando que “trazia o cartão Multibanco da esposa para pagar aos trabalhadores com necessidades” pelo que, conforme referido supra a existência de suprimentos decorre de prova documental, no entanto, do descrito quanto à testemunha, em análise, não decorre qualquer referência a suprimentos, não sabendo a testemunha de que natureza decorria aquele recurso ao “cartão multibanco da esposa” os hiatos temporais ou montantes em causa – e, decorre claramente daquele testemunho que em 2009 não houve salários em atraso, em 2010 talvez um incumprimento pontual mas que acabou por ser pago.
N - Assim errou a sentença ao considerar na página 6: “E Eva ... ..., antiga responsável dos recursos humanos da ..., Lda. até 2016, que prestou um depoimento claro e revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Confirmou ao Tribunal as dificuldades que afectaram a empresa após a crise financeira que assolou o país, e explicou que a partir de 2009 deixaram de receber as remunerações de forma regular; Afirmou, convictamente, que o gerente tentou tudo para levar a empresa para a frente, tendo sido prejudicado pelas dívidas de grandes clientes (as empresas de construção civil que entretanto foram declaradas insolventes); Confirmou que o gerente abdicou do seu salário no sentido de ajudar a recuperação da empresa e continuou a fazer suprimentos para ajudar a empresa.” (sublinhado nosso)
O - Refira-se desde já que a sentença, de que se recorre, não refere a valoração que atribuí às declarações de parte do Oponente, recorrendo a elas para considerar provado factos parecendo mesmo que as valora da mesma forma que os restantes testemunhos, entende esta RFP, que tal não se aceita desde logo porque aquele esteve presente em toda a inquirição, ouvindo todas as testemunhas tendo prestado as suas declarações posteriormente, e, depois pela própria natureza das declarações de parte, veja-se neste sentido, o teor do acórdão da relação do porto datado de 2014/11/20, proferido no âmbito do processo 1878/11.8TBPFR.P2, onde se pode ler que “as declarações de parte (art. 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova” (realce nosso), o que se verifica nos autos em análise.
P - Quanto à questão da (ausência) de culpa na falta de pagamento do imposto aqui em causa – fundamento que levou à procedência da oposição – o que resulta do alegado pelo Oponente na petição inicial, assim como das suas declarações de parte é que as verdadeiras dificuldades financeiras ocorreram a partir de 2012 e em 2013/2014 o Oponente lançou mão de várias medidas para tentar viabilizar a empresa:
Q - Assim errou a sentença ao considerar nas páginas 6 e 7: “E por último, valorou-se também os esclarecimentos prestados pelo próprio Oponente, o qual também convenceu o Tribunal da sua autenticidade, tendo apresentado um discurso claro e pormenorizado e por isso credível. Explicou que devido à insolvência de vários clientes da ..., Lda., como por exemplo a ... da ... ou a ..., acabou por prejudicar seriamente a saúde financeira da empresa; Explicou que lançou mão de várias medidas desde 2009 para tentar viabilizar a empresa.” (sublinhado nosso)
R - Assim, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto a sentença, aqui recorrida, ao dar como provado os pontos “O)”, “P)”, “Q)”, ao admitir o testemunho de Carlos ... para efeitos da questão da culpa no não pagamento já que aquele não estava ao serviço da empresa naquela altura, assim como, ao atribuir à testemunha Eva ... a afirmação de que deixaram de receber remunerações a partir de 2009, quando resulta do depoimento o exato contrário ou a confirmação de que o gerente fez suprimentos, ou ao Oponente que lançou várias medidas para viabilizar a empresa desde 2009 quando, aquilo que resulta da prova produzida é que em 2009 a empresa não sofria de qualquer crise – desde logo tendo em conta o lucro de 30 milhões que levou à liquidação de imposto aqui em causa.
S - Não podendo, por isso, a douta sentença concluir, como faz na página 13 da sentença: “Releva também para esta conclusão a circunstância de não ter ficado provado nos presentes autos qualquer outro facto do qual se possa retirar que a Oponente não exercia com diligência e rigor as suas funções de TOC da executada originária.” – porquanto é o oposto que decorre dos elementos de prova testemunhal junto aos autos.
T - Assim, porque a sentença de que se recorre, considerou, por erro de julgamento de facto, que em 2009 a devedora originária tivesse qualquer dificuldade financeira, sendo aliás o ano de 2009 um ano em que faturou cerca de 30 milhões de euros, resultando antes que as dificuldades financeiras se verificaram após 2011/2012, e que as tentativas de revitalização económica se iniciaram “desde 2009” quando o que resulta dos autos é que se iniciaram em 2013 e com maior incidência em 2014, a sentença considerou erradamente a ausência de culpa no não pagamento das dívidas pelo Oponente.
U - Ora, no caso dos autos, o valor em dívida mais significativo deve-se à liquidação de IRC do ano de 2009, no valor de cerca de € 1.221.650,06 com data limite de pagamento voluntário de 10-11-2010, valor declarado e autoliquidado pela devedora originária com base na sua contabilidade e no facto de ter apresentado um lucro de cerca de 30 milhões de euros em 2009, e, conforme referido não resulta dos autos o motivo pelo qual ela não foi paga, não demonstrou o Oponente, a razão pela qual depois de a sociedade apresentar um lucro de 30 milhões não procedeu ao pagamento de cerca de 1 milhão na data devida que ele bem conhecia, de facto ficou demonstrado que em 2012 a sociedade iniciou um período de crise e que o Oponente diligenciou para a ultrapassar mas em 2013/2014 e não, “desde 2009” como a sentença de que se recorre, por erro de facto e falta de concretização afirma, mas não na data limite de pagamento aqui em causa, assim, incorreu em erro de julgamento de Direito a sentença, de que se recorre, ao considerar que o Oponente afastou a presunção de culpa que a lei sobre si impõe - artigo 24.º da LGT, n.º 1 alínea b).
V - Acresce que, in casu, haverá, quanto às restantes dívidas que ser considerado um especial dever de diligência por parte do Oponente, atendendo à natureza das mesmas IVA; IRS efetivamente retido aos trabalhadores aquando do pagamento dos seus salários (efetivamente recebidos conforme prova testemunhal); IRC calculado com base na contabilidade da própria devedora originária; e IS efetivamente retido, é que, nas palavras de Saldanha Sanches e Rui Barreira in Culpa no cumprimento e responsabilidade dos gerentes, Fisco, “se as dívidas fiscais têm pressupostos distintos e distintos modos de formação, há que relacionar estas especificidades com o modo como o gestor pode ser responsabilizado, criando as necessárias graduações de culpabilidade”.

Nestes termos e nos demais de Direito:
1 Deve verificar-se a nulidade da sentença, nos termos expostos.
Ou se assim não se entender,
2 Deve ser dado provimento ao presente recurso por erro de julgamento, revogando-se a douta sentença recorrida.
3 A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.».

O Recorrido não contra-alegou.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela inexistência da invocada nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º615.º do CPC e 125.º do CPPT, pela rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto por inobservância do ónus imposto ao Recorrente no artigo 640º do CPC, e pela procedência do recurso quanto ao alegado erro de julgamento, dado que, a seu ver, o recorrido não logrou ilidir a presunção legal de culpa na insuficiência do património social para pagamento das dívidas, nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC),são estas as questões que importa resolver: (a) se a sentença está inquinada de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nomeadamente, falta de exame crítico da prova concretamente quanto aos pontos O), P) e Q) da matéria assente; (b) se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto quanto aos referidos pontos do probatório; (c) se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao extrair da matéria assente a não imputabilidade ao oponente/Recorrido da falta de pagamento das dívidas exequendas.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância foram julgados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:

«

A) Em 8/04/2011, foi outorgado entre a ..., Lda. e a Fazenda Nacional, o instrumento junto a fls. 15 a 17 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Contrato de Penhor Mercantil e Depósito;

B) Em 12/12/2012, no âmbito do processo-crime n.º 26/12.11DSTR, que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ..., o Oponente foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal – cfr. fls. 311 a 318 dos Autos;
C) Em 7/08/2013, foi elaborado pelo IAPMEI o instrumento junto a fls. 31 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, através do qual consta que foi aceite o Procedimento SIREVE n.º 130110/2013 em nome da ..., Lda.;
D) Em 20/03/2014, foi instaurado no Tribunal Judicial de ... o Processo Especial de Revitalização em nome da ..., Lda. – cfr. fls. 32 e 33 dos Autos;
E) Em 17/04/2015, no âmbito do processo n.º 857/15.0 T8STR, foi proferida pela Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de ... a sentença que declarou a insolvência da ..., Lda. – cfr. fls. 109 a 111 do PEF apenso aos Autos;
F) Em 17/07/2015, foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de ... o despacho constante a fls. 189 do PEF apenso aos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, no qual consta o seguinte: «Face às diligências de fls. 354/390 e não tendo os responsáveis subsidiários exercido o direito de audição (de acordo com o art. 60º, n.º 4 e 6 da LGT o prazo fixado para exercer o direito de audição foi de 10 dias), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra José ... contribuinte n.º ..., com domicilio em R …, na qualidade de responsável civil subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação dos executados nos termos do art. 160º do CPPT, para pagar nos 30 (trinta) dias a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5 do art. 23º da LGT) (…)
Fundamentos da Reversão:
Fundamentos de emissão central.

Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificadas (IES) e /ou em face da Insolvência declaradas pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art. 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de Facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255º e/ou 399º do Código das Sociedades Comerciais).
Identificação da dívida em cobrança coerciva N.º de Processo Principal ... (…)
Total (Eur): 1.325.669,71EUR (…)»;

G) Em 17/07/2015, no âmbito do PEF n.º ..., o Serviço de Finanças de ... remeteu para o Oponente por carta registada com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 192 do Processo de Administrativo apenso aos Autos, denominado de “Citação (Reversão)”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte « (…) Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(a) POR REVERSÃO, nos termos do art. 160º do C.P.P.T, na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia de 1.325.669,71 EUR de que era devedor (a) o(a) executado(a) infra indicado(a) , ficando ciente de que se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.(…)»;
H) O Aviso de Recepção referido na alínea anterior foi assinado a 23/07/2015 – cfr. fls. 196 do Processo de Administrativo apenso aos Autos;
I) Em 12/02/2016, no âmbito do Processo referido em E), decorreu a Assembleia de Credores, tendo a proposta de plano de insolvência sido aprovada – cfr. fls. 262 a 266 dos Autos;
J) Em 5/04/2016, no âmbito do Processo referido em E), foi homologada por sentença judicial a proposta de plano de recuperação – cfr. fls. 267 dos Autos;

K) O Oponente juntou aos Autos, os documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que são cópias da relação de créditos reconhecidos no processo de insolvência da ..., Lda.;
L) O Oponente juntou aos Autos, os documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que é o plano de recuperação da ..., Lda., e onde consta no ponto 7.3 “Créditos subordinados” a condição do perdão total;
M) Em 27/06/2014, a ..., Lda. remeteu para o Tribunal Judicial de ... o instrumento constante a fls. 289 dos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, no qual consta que o Oponente abdicou de receber a remunerarão que auferia por a empresa se encontrar com dificuldades financeiras;
N) Em 12/12/2012, no âmbito do processo-crime n.º 26/12.11DSTR, que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ..., o Oponente foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal – cfr. fls. 311 a 318 dos Autos;
O) Em data não concretamente apurada após 2009, o Oponente abdicou da sua remuneração como gerente da ..., Lda. – cfr. depoimento das testemunhas arroladas;
P) Desde 2009 até à presente data, o Oponente realizou vários suprimentos a favor da ..., Lda. - – cfr. depoimento das testemunhas arroladas;
Q) A partir de meados de 2010, a ..., Lda. deixou de poder usar o Factoring para receber o preço das vendas aos seus clientes - cfr. depoimento das testemunhas arroladas;
R) A p.i. foi apresentada em 24/07/2015 junto do Serviço de Finanças de ...

- cfr. fls. 4 dos Autos.

*
Na sentença recorrida ficou ainda consignado, sob o título de «FACTOS NÃO PROVADOS», que «Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.».

*

Por fim, em sede de «motivação da decisão de facto» consignou-se na decisão recorrida, o seguinte: «A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Para além disso, o Tribunal valorou os depoimentos das testemunhas arroladas, nomeadamente da testemunha Carlos ... ..., que exerceu funções de TOC na sociedade devedora originária até finais de 2015, cujo depoimento foi claro e congruente.
A testemunha em audiência revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Confirmou as dificuldades financeiras decorrentes da crise financeira que assolou o sector da construção civil em Portugal com a redução de encomendas. Explicou com detalhe quais foram as medidas tomadas pela gerência após a crise, nomeadamente, à adesão ao SIREVE e a posterior instauração de um PER, como também dos suprimentos efectuado pelo Oponente, e as tentativas de expansão de clientes no Reino de Marrocos.

E Eva ... ..., antiga responsável dos recursos humanos da ..., Lda. até 2016, que prestou um depoimento claro e revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Confirmou ao Tribunal as dificuldades que afectaram a empresa após a crise financeira que assolou o país, e explicou que a partir de 2009 deixaram de receber as remunerações de forma regular; Afirmou, convictamente, que o gerente tentou tudo para levar a empresa para a frente, tendo sido prejudicado pelas dívidas de grandes clientes (as empresas de construção civil que entretanto foram declaradas insolventes); Confirmou que o gerente abdicou do seu salário no sentido de ajudar a recuperação da empresa e continuou a fazer suprimentos para ajudar a empresa.
E por último, valorou-se também os esclarecimentos prestados pelo próprio Oponente, o qual também convenceu o Tribunal da sua autenticidade, tendo apresentado um discurso claro e pormenorizado e por isso credível. Explicou que devido à insolvência de vários clientes da ..., Lda., como por exemplo a ... da ... ou a ..., acabou por prejudicar seriamente a saúde financeira da empresa; Explicou que lançou mão de várias medidas desde 2009 para tentar viabilizar a empresa.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Recorrente começa por invocar a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos previstos no n.º1 do art.º125.º do CPPT e art.º615.º, n.º1 alínea b), do CPC.

No que concerne à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão como causa de nulidade da sentença, é entendimento firme na doutrina e na jurisprudência que a mesma apenas ocorre quando haja uma total e absoluta ausência de ambas e não quando ela possa ser entendida, como medíocre, insuficiente ou inadequada, circunstâncias que apenas são susceptíveis de colidir com o valor doutrinal da decisão.

Como ensinava já Alberto dos Reis no seu “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág.140, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º2.º do art.º668.º».

Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/02/2013, tirado no proc.º03/13, «…tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação».

E como se conclui no mais recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25/06/2015, proferido no proc.º0905/14, «Só é causa de nulidade da sentença, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013, a falta absoluta de fundamentação, ou seja, a nulidade só se verifica quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão judicial».

E como se deixou consignado neste último aresto, «como é sabido, só a falta absoluta de fundamentação é motivo de nulidade da sentença – ou seja, a nulidade só se verifica quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão judicial –, não se verificando este vício se, como no caso dos autos, o juiz optou por não reproduzir o conteúdo de determinados documentos ou por não fazer referência expressa a certos factos que constam do processo de inspecção devidamente identificado. Num recente acórdão deste STA pode ler-se, no respectivo sumário, que “a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013 só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem, com o mínimo de suficiência e de explicitação, os fundamentos de facto e de direito que a justificam, não devendo confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, visto só a esta última se reporta a alínea em questão” (Acórdão do STA de 15.01.15, Proc. n.º 092/14). Já em acórdão anterior se tinha afirmado “que, por um lado, a nulidade da sentença por falta de fundamentação está intimamente ligada à necessidade de esclarecimento das partes e, por outro, que esse vício pressupõe que a sentença não indique as razões jurídicas que estiveram na base da decisão (…). E, porque assim, esta nulidade só ocorre quando a sentença seja totalmente omissa no tocante à fundamentação, não bastando que seja insuficiente, obscura ou mesmo errada visto, nestes casos, esse erro, insuficiência ou obscuridade se traduzir num erro de julgamento que determina a sua revogação ou alteração e não num vício que importe a sua nulidade” (Acórdão do STA de 09.01.13, Proc. n.º 01076/12)».

Vertendo aos autos, basta ler atentamente a sentença para se verificar que ela contém a motivação factual e jurídica da decisão. No que em particular respeita à motivação factual, aquela que é posta em causa no recurso, é indicado o concreto meio de prova que suporta cada um dos pontos da matéria assente; e, no que especialmente respeita aos pontos O) P) e Q), embora se indique apenas “depoimento das testemunhas arroladas”, salienta-se que prestaram depoimento apenas duas testemunhas e a leitura atenta da motivação da decisão de facto permite apreender claramente qual a matéria vertida nesses três pontos sobre que depôs uma ou outra das testemunhas, ou ambas.

No que concerne ao exame crítico da prova, basta que o juiz indique os concretos meios ou elementos de prova documental ou testemunhal de que se socorreu para formar a sua convicção para que tal exigência se tenha por cumprida quando não hajam meios ou elementos de prova contraditórios entre si ou depoimentos bem distintos, como no caso não se alcança nem é apontado, em que ao tribunal se imporia esclarecer as razões por que deu prevalência a uns meios de prova em detrimento de outros.

Não se verifica, pois, a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Pelo que improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.

Outrossim, pretende a Recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto constante dos pontos O), P) e Q) do probatório. A seu ver, os depoimentos prestados não suportam a matéria neles vertida, cuja decisão deveria ser: quanto ao ponto O), “Em Fevereiro de 2014, o oponente, através de comunicação interna, abdicou da sua remuneração como gerente da ..., Lda.”; quanto ao ponto Q), “Em final de 2010, o recurso a instrumentos bancários ficou mais difícil”; quanto à matéria do ponto P), sustenta que a prova apenas testemunhal é insuficiente à demonstração da realidade do facto e ainda quando assim se não entenda, não há nenhum depoimento que se lhe refira.

De facto, e começando pela matéria vertida no ponto O), ouvidos os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas – Carlos ... ..., TOC de profissão e que foi director financeiro da sociedade executada “..., Lda.”, a partir de Agosto de 2012 e de Eva ... ..., escriturária de profissão e responsável dos Recursos Humanos da executada desde 2002 até 2016 – não se alcança qualquer afirmação no sentido de que o oponente tenha abdicado da sua remuneração “após 2009”.

O que consta da carta datada de 27/06/2014, a fls.289 dos autos, dirigida pela sociedade executada ao 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., referida no ponto M) do probatório é o seguinte: «Vimos por este meio informar V. Exa. que o Sr. Eng.º José ... é funcionário desta empresa, auferindo um vencimento de 5.306,65€, ilíquido, mas tendo abdicado de receber remuneração (conforme comunicação interna dirigida ao Departamento de Recursos Humanos, que se junta em anexo) por a empresa se encontrar em dificuldades financeiras, que a obrigaram a recorrer a um Processo Especial de Recuperação, que corre no 2.º Juízo Cível desse Tribunal, com o n.º539/14.0TBSTR».

Ora, tudo quanto se pode extrair desse documento é que àquela data de 27/06/2014 o oponente tinha abdicado de receber a sua remuneração, importando salientar que o oponente não juntou aos autos “a comunicação interna dirigida ao Departamento de Recursos Humanos” que ali se refere anexa, como não juntou qualquer outro documento de natureza contabilística, ou extra contabilística, que permita concluir que o oponente abdicou de receber a sua remuneração em data tão recuada como 2009.

No que respeita à matéria vertida no ponto P) do probatório, relativa a suprimentos, de facto também nenhuma das duas testemunhas o refere. Carlos ... ..., sem a acuidade e o rigor que se lhe exigiam posto tratar-se do director financeiro da executada, referiu que o oponente “pôs dinheiro na empresa, emprestou dinheiro à empresa”; perguntado sobre valores envolvidos, respondeu não saber, nem se assumiram a forma de suprimentos.

A outra testemunha, Eva ... ..., responsável dos Recursos Humanos da sociedade executada, igualmente de modo vago e sem nada concretizar ou detalhar, disse que o oponente “metia dinheiro” na empresa. Quando lhe foi perguntado, como sabe? Respondeu, “trazia o cartão Multibanco da esposa para pagar a trabalhadores com necessidades”.

Nem o próprio oponente, chamado pelo Mmo. Juiz a quo a prestar esclarecimentos nos termos do n,º2 do art.º7.º do CPC, refere ter feito suprimentos à sociedade executada, mas sim ter efectuado “prestações suplementares e empréstimos” reflectidos no balanço da empresa, sem que, no entanto, nada tivesse documentado a propósito apesar de expressamente notificado pelo tribunal para o fazer, conforme se alcança da acta de inquirição, a fls.271.

O modo vago e impreciso dos depoimentos, que não esclarecem a que título foram feitos nem quais os montantes envolvidos nos alegados financiamentos do oponente à executada, para mais desacompanhados de quaisquer elementos de prova documental que o tribunal a quo expressamente, mas sem sucesso, determinou fossem juntos aos autos, não permite dar por demonstrado, com a segurança exigida em direito probatório, que o oponente tenha efectuado suprimentos ou sequer financiamentos a outro título à executada.

Quanto, por fim, ao ponto Q), também nenhuma das testemunhas afirma o que ai se encontra vertido. Eva ... ..., em termos nada claros nem precisos, referiu, é certo, que “deixou de haver factoring”; mas logo o oponente tratou de esclarecer que relativamente a determinadas facturas que a “..., Lda.” apresentava a clientes para serem recebidas e eram pagas por factoring recebia 80% do respectivo valor e os restantes 20% só após o cliente pagar ao Banco nos prazos convencionados, o que no contexto da crise económica, já em 2010, nem sempre sucedia, obrigando a sociedade executada ao correspondente esforço financeiro.

Assim, na procedência da impugnação da matéria de facto vertida nos pontos O), P) e Q), suprime-se o ponto P) e alteram-se os dois restantes, que passam a ter a seguinte redacção:

O) Pelo menos desde Junho de 2014, o oponente abdicou de receber a remuneração que auferia como gerente da executada “..., Lda.”;

Q) Em determinadas facturas que a “..., Lda.” apresentava a clientes para serem recebidas e eram pagas por factoring, a executada recebia 80% do valor facturado e os restantes 20% só após o cliente pagar ao Banco nos prazos convencionados, o que no contexto da crise económica, já em 2010, nem sempre sucedia, obrigando a sociedade executada ao correspondente esforço financeiro.

É pois com o alterado probatório que importa avançar na apreciação das demais questões do recurso, centrando agora no apontado erro de julgamento de direito quanto aos pressupostos da reversão contra o oponente.

Demonstram os autos (cf. despacho de reversão, fls.189/191 do apenso instrutor) que foram revertidas contra o oponente e ora Recorrido dívidas tributárias provenientes de IRC, IRS, IVA e Imposto de selo referenciadas a períodos de tributação de 2009 e 2011, com datas limite de pagamento, respectivamente, em 2010 e 2011.

Aplica-se o regime decorrente do artigo 24.º da LGT, por ser este o regime de responsabilidade subsidiária vigente à data de constituição das dívidas – nesse sentido pode ver-se o acórdão do STA de 29/06/2011, tirado no proc.º0368/11: «A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos».

O artigo 24.º da LGT, no segmento relevante para os autos, estabelece o seguinte:

«1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, no regime em causa, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, facto este que no caso em apreço não resulta controvertido.

A alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação, que é a dos autos, em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança.

E, nestes casos, e como resulta da expressão “quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores, ou seja, como se refere no acórdão do STA de 29/09/2009, proferido no proc.º0498/10, «…no caso da alínea b), constituindo o pagamento da prestação tributária uma obrigação do gerente ou administrador, não sendo aquela satisfeita, cabe aqueles provar que a falta de pagamento não lhes é imputável, podendo, nomeadamente, provar que os gerentes ou administradores que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida praticaram actos lesivos do património da executada que impedem o pagamento por falta das verbas necessárias».

Ou seja, quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. “Esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art. 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (cf. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” – nesse sentido pode ver-se o acórdão do TCAN, de 29/10/2009, tirado no proc.º 00228/07.2.BEBRG.

Tendo em conta o regime legal aplicável, importa agora apurar se o gerente/oponente e ora Recorrido logrou demonstrar que a falta de pagamento das dívidas tributárias lhe não era imputável.
A sentença, depois de discorrer sobre o regime aplicável de responsabilidade subsidiária, ponderou o seguinte, de relevante e em síntese nossa:

«Ora, no caso dos Autos, mostra-se provado que as dívidas que estão a ser exigidas ao Oponente respeitam a IVA, IRC, IRS e Imposto do Selo de 2009 a 2011.
Consta do probatório que a devedora originária aderiu ao SIREVE e que em 2014 foi instaurado um PER no Tribunal Judicial de ....
E dos factos dados como assentes resulta que o Oponente abdicou da sua remuneração, tento também efectuado vários suprimentos no sentido de ajudar a devedora originária.
Posto isto, e conjugando os factos assentes com as disposições normativas supra referidas, podemos desde já adiantar que o Oponente tem razão.
Passemos a explicar.
O Oponente começa por alegar que foi um gerente diligente mas que não lhe foi possível contrariar um contexto económico acentuadamente desfavorável provocado pela insolvência dos seus grandes clientes.
Ora, é certo que o administrador/gestor tem um dever de prudência e diligência mediana por forma a não colocar em causa a viabilidade financeira da empresa com prejuízo para os credores tal como resulta do disposto nos artigos 64.º e 259.º do Código das Sociedades Comerciais e do art.º 32.º da LGT.
Mas no caso dos Autos, ponderado o depoimento das testemunhas arroladas e a prova documental produzida, conjugado com os esclarecimentos do próprio Oponente é segura a conclusão de que o Oponente logrou fazer prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento dos impostos em causa.
Isto é, ficou demonstrado que a difícil situação económico-financeira da devedora originária foi motivada essencialmente por factores externos à mesma e não por uma atitude menos cuidadosa do Oponente.
Aliás, sendo um facto público e notório a crise financeira que afectou Portugal (especialmente no sector da construção civil), e segundo a prova testemunhal produzida, o Oponente apesar das dificuldades financeiras decorrentes da insolvência dos vários clientes, como por exemplo a empresa ... da ... Construção S.A. ou da …, começou a realizar suprimentos para atenuar os danos provocados pela falta de pagamento dos seus principais clientes, tendo, paralelamente encetado os procedimentos necessários tendentes a ultrapassar as dificuldades da sociedade, nomeadamente a adesão ao SIREVE, e posteriormente à instauração de um Plano Especial de Revitalização.
Por outro lado, ficou também provado que a partir de 2010 o recurso ao Factoring, que era uma ferramenta usada em larga escala pela ..., Lda., acabou deixar de ser acessível a esta por decisão das próprias instituições de crédito.
Assim, se inicialmente o Factoring melhorava o fluxo de caixa para movimentar os negócios da devedora originária, acabou com a insolvência dos clientes por deixar de utilizado. Naturalmente que esta situação provocou significativos problemas de tesouraria na executada originária.
Acresce que, tratando-se do IVA uma das dívidas em causa, imposto que é imputado ao adquirente e por este suportado, a fim de ser entregue ao Estado pela diferença, e existindo a favor da devedora originária elevados montantes de créditos incobráveis, significa que o IVA não foi recebido mas tinha de ser por si suportado, pelo que é óbvia a conclusão de que tal factualidade acarretou dificuldades financeiras para a sociedade.
Por outro lado, o Tribunal não ignora a tentativa do Oponente em alagar novos mercados no sentido de obter formas para viabilizar a empresa, concretamente no Reino de Marrocos.
Finalmente, o facto de ter quer abdicado do seu salário como gerente, e principalmente de ter dado o perdão total aos créditos subordinados, demonstra o que acabou de ser dito.
Ou seja, não foi certamente por culpa imputável ao Oponente que deixaram de ser pagos os impostos aqui em causa.
Por último, mas não menos importante, ficou provado que o Oponente não alienou património da sociedade devedora originária para seu proveito próprio. Aliás, esgotadas as possibilidades de viabilizar a empresa, apresentou a mesma ao SIREVE e à insolvência, sendo revelador do seu sentido de responsabilidade.
Em face do que antecede, parece não ser possível atribuir ao Oponente a responsabilidade pela falta de pagamento das dívidas exigidas nos Autos, conseguindo assim ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia, e como tal, resta-nos concluir que, efectivamente, o Oponente é parte ilegítima na presente execução, e por isso a Oposição tem que proceder com base neste fundamento, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, ex vi do artigo 2º al. e) do CPPT».

Como se vê, a sentença afastou a responsabilidade subsidiária do oponente por dívidas da sociedade devedora originária, desde logo, com base em pressupostos factuais que integrou na matéria assente mas que este tribunal não validou em apreciação do erro de julgamento invocado pela Recorrente Fazenda Pública, designadamente, com relação aos pontos O), P) e Q), a saber: que o oponente tenha abdicado da sua remuneração em data não apurada após 2009; que de 2009 até “à presente data” o oponente tenha efectuado suprimentos à sociedade devedora originária (“..., Lda.”); que esta tenha deixado de poder usar o factoring para receber o preço das vendas aos seus clientes.

Na verdade e como se disse já, não há depoimentos que suportem a afirmação de que foram feitos pelo oponente suprimentos à sociedade devedora originária e ainda que se pudesse aceitar que pontualmente ele “meteu dinheiro” na empresa, não se sabe de que montante e em que circunstâncias o fez, dito de outro modo, qual foi o destino que, na sociedade, foi dado a essas alegadas entradas de dinheiro e como foram contabilizadas.

Por outro lado, só em 2014 e não “após 2009” se pode afirmar, com os elementos probatórios dos autos, que o oponente tenha abdicado da sua remuneração.

Acresce, não corresponder rigorosamente à verdade que a sociedade tenha deixado de poder recorrer ao “factoring” para antecipação de créditos facturados a clientes; apenas resultou demonstrado que no caso de incumprimento de clientes com crédito cedido, a sociedade devedora originária deixava de receber 20% do valor facturado, que é coisa bem diferente.

De todo modo, sempre se apresentava decisivo demonstrar a escala de valor desses incumprimentos de clientes com créditos cedidos e situá-los temporalmente bem como relacioná-los com os proveitos contabilizados da sociedade nos períodos em causa, o que não foi feito, desconhecendo-se afinal que expressão tiveram tais incumprimentos nas contas da sociedade.

Acresce, no que em particular respeita às dívidas exequendas provenientes de IVA, que não foi feita qualquer prova de que se referem a imposto não entregue ao Estado liquidado em facturas cujo valor não veio a ser recebido de clientes, parecendo precipitada a conclusão extraída pelo Mmº juiz a quo de que detendo a sociedade créditos incobráveis tal significa que o IVA não foi recebido mas teve de ser suportado pela sociedade devedora originária, tanto mais que não tratou de relacionar temporalmente as dívidas (de 2011) com os ditos créditos incobráveis.

Por último, sendo certo que a sentença refere a insolvência de grandes grupos empresarias nacionais clientes da “..., Lda.”, como a ... da ... ou a ..., a verdade é que se desconhece se eram grandes clientes da sociedade devedora originária, com um peso tal na sua facturação capaz de comprometer, com a sua insolvência, o equilíbrio financeiro da actividade da devedora originária.

Note-se, por último que estão em causa dívidas cuja falta de pagamento ou entrega se reporta a 2010 e 2011, pelo que decisivo é a situação patrimonial e financeira que a sociedade apresenta nessas datas, sendo irrelevante as vicissitudes ocorridas posteriormente a essa data e que o Mmº juiz a quo tanto relevou em sede factual.

Concluímos, pois, que não há nos autos prova suficiente que demonstre que a falta de pagamento das dívidas de imposto não seja imputável ao oponente, aqui Recorrido. E nada se demonstrando de relevante a tal respeito, deve ele responder pelas mesmas ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º24.º, da LGT.

A sentença recorrida, que diferentemente decidiu, incorreu em erro de julgamento, tal como aponta a Recorrente, não podendo manter-se na ordem jurídica, impondo-se a sua revogação.

Concluindo-se que a sentença recorrida fez errado julgamento na parte relativa à culpa do oponente na falta de pagamento ou entrega do imposto enquanto pressuposto da responsabilidade subsidiária e que, por isso, deve ser revogada, assim se concedendo provimento o recurso, face a essa revogação, importará agora passar ao conhecimento, em substituição, das invocadas questões da falta de fundamentação do despacho de reversão e da fundada insuficiência dos bens da devedora originária, cujo conhecimento a sentença deu por prejudicadas – cf. art.º665.º, n.º2 do CPC.

Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no n.º3 daquele artigo 665.º do CPC.

Nos termos dos artºs.23, nº.2, da L.G.T., e 153, nº.2, do C.P.P.T., a reversão do processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário depende de verificação da inexistência de bens penhoráveis do devedor originário e seus sucessores/responsáveis solidários ou da fundada insuficiência, para pagamento da dívida exequenda e acrescido, dos bens penhoráveis, integrantes do património destes, sendo que esta última circunstância se pode ter como preenchida com base em elementos constantes de auto de penhora e outros elementos disponíveis na execução fiscal. Ao invés do regime anterior, plasmado no artº.239, nº.2, C.P.T., não é, na actualidade, necessária a prévia excussão do património do devedor originário para ser praticável a reversão, bastando a fundada insuficiência, atestada pela forma referenciada.

Todavia, realizada a alteração subjectiva da instância executiva com base na aludida fundada insuficiência patrimonial, a execução não pode avançar para a fase da penhora de bens do revertido enquanto o devedor originário tiver património penhorável.

Nesta sede, à Administração tributária incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/4/2005, rec.100/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/6/2011, rec.167/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2012, rec.123/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8792/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.65 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.223 e seg.).

“In casu”, o órgão de execução fiscal fundamentou a reversão na situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e na insolvência da sociedade declarada pelo Tribunal, como se alcança de fls.189 do apenso instrutor.

Assim, assacar ao despacho de reversão vício de forma por falta de fundamentação quanto à inexistência/ insuficiência de bens, não colhe, pois ao oponente foram explicitadas as razões por que se concluiu pela fundada insuficiência de bens da devedora originária.

Que tal fundada insuficiência não se pode basear somente na apreciação documental da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal, é já questão que respeita à ausência de verificação do requisito substantivo da inexistência/ insuficiência de bens, que não à fundamentação formal da reversão.

E nesta sede, embora o oponente alegue que a sociedade devedora originária tem escriturado imobilizado no valor de 11.426.575,00€, bem superior à dívida revertida de 1.325.669,71€; tem créditos vencidos sobre clientes por cobrar no valor de cerca de 3.000.000,00€; a sociedade já efectuou o pagamento parcial da dívida em cerca de 200.000,00€ e a exequente já se pagou através de penhora de créditos da devedora originária que ascendem a cerca de 680.000,00€; que celebrou com a AT dois contratos de penhor mercantil e depósito de diversos bens e equipamentos cujo valor ascende a 2.371.500,00€, a verdade é que sendo facto assente que a devedora originária foi declarada insolvente por sentença de 17/04/2015 (cf. ponto E) do probatório), tal facto determina, nos termos do disposto no art.º36.º, n.º1 alínea g) do C.I.R.E. a apreensão e entrega de todos os bens do insolvente ao processo de insolvência com vista à sua venda e partilha do produto pelos credores.

Ora, o que a AT receberá nessa execução universal em que intervêm todos os credores do insolvente e é atingido, em princípio, todo o património do devedor, não é possível determinar, situação esta que se integra na previsão do n.º7 do art.º23.º da LGT, podendo a reversão operar mas não podendo a execução avançar para a fase da penhora de bens do revertido enquanto o devedor originário tiver património penhorável.

Trata-se de entendimento sancionado pelo STA, nomeadamente no seu Acórdão de 02/07/2014, tirado no proc.º01202/13, em cujo sumário doutrinal se pode ler: «A sustação dos processos de execução fiscal que se verifica na sequência da declaração de falência/insolvência da devedora originária, comporta as excepções previstas nos nºs. 1 e 6 do art. 180º do CPPT, não estando vedada a reversão das dívidas tributárias contra o responsável subsidiário (nº 7 do art. 23º da LGT), caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, impondo-se, contudo, que a AT respeite os limites da excussão prévia impostos pelo nº 2 do art. 23º da LGT».

Pelas indicadas razões, não colhe a alegação de que a reversão enferma de erro nos pressupostos, a qual assenta num entendimento pelo oponente do benefício da excussão prévia em termos que o legislador não sanciona.

Também neste segmento, a oposição não logra procedência.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i. Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;
ii. Conhecendo em substituição, julgar a oposição totalmente improcedente.

Condena-se o recorrido em custas, em ambas as instâncias, sem prejuízo do não pagamento de taxa de justiça devida em sede de instância de recurso, visto não ter contra-alegado.

Lisboa, 8 de Março de 2018



_______________________________
Vital Lopes




________________________________
Joaquim Condesso




________________________________
Anabela Russo