Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:420/17.1BECTB
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/05/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ASSINATURA ELETRÓNICA QUALIFICADA, ENCRIPTAÇÃO DE DOCUMENTOS,  LEI N.º 96/2015, CONTRATAÇÃO PÚBLICA
Sumário:I.Os ficheiros que constituem a proposta em procedimento pré-contratual, devem ser carregados e submetidos na plataforma eletrónica de contratação pública, devendo ser encriptados e assinados, com recurso a assinatura eletrónica qualificada, segundo o n.º 4 artigo 68.º da Lei n.º 96/2015.
II.Quando o interessado realizar o carregamento de um ficheiro de uma proposta na plataforma eletrónica, este deve estar já encriptado e assinado, sem prejuízo da possibilidade prevista no n.º 5.
III. Nos termos do n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08 os ficheiros que constituem a proposta não têm de estar encriptados e assinados eletronicamente antes do seu carregamento na plataforma eletrónica, podendo ser carregados de forma progressiva, caso em que é suficiente a respectiva encriptação e assinatura eletrónica aquando a submissão da proposta.
IV. Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 68.º, o momento da submissão desencadeia o processo de encriptação de todos os ficheiros que compõem a proposta, segundo o n.º 2 do artigo 70.º da Lei n.º 96/2015.
V. Em consequência da submissão da proposta, o concorrente é notificado eletronicamente da submissão de cada um dos ficheiros carregados, apresentando essa notificação a discriminação da data e hora da respetiva submissão e os dados do certificado qualificado da assinatura eletrónica utilizado, em respeito das normas legais aplicáveis.
VI. A exigência de encriptação visa assegurar que as entidades adjudicantes e os restantes concorrentes só tomam conhecimento do conteúdo das candidaturas, das soluções e das propostas, depois de serem abertas pelo júri do procedimento ou pelo responsável pelo procedimento.
VII. Trata-se de tutelar o respeito das regras pela concorrência e pela igualdade dos concorrentes, essenciais aos procedimentos da contratação pública.
VIII. Comprovando-se que os ficheiros que constituíam a proposta da concorrente, encontravam-se encriptados e assinados, encontram-se garantidos os princípios da segurança, da confidencialidade e da integridade que a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública deve assegurar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 13/12/2017, que no âmbito da ação de contencioso pré-contratual movida contra o Hospital… e a Contrainteressada, I..., julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido, de declaração de nulidade ou anulação da decisão de adjudicação a favor da Contrainteressada, de anulação do contrato que tenha sido celebrado e da condenação a nova apreciação das propostas e a exclusão da proposta apresentada pela Contrainteressada e, em consequência, a adjudicação da proposta à Autora.


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Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 172 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1.ª Com o maior respeito, o ora Recorrente considera que a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento no que concerne à questão apreciada, a saber, se os ficheiros que constituem uma proposta devem ser encriptados e assinados eletronicamente, antes do seu carregamento na plataforma eletrónica disponível para o efeito ou se é suficiente a respetiva encriptação e assinatura eletrónica aquando da submissão da proposta em causa.

2.ª Não obstante ter considerado provado que, ao contrário da Recorrente, a Contrainteressada I.... não assinou, com recurso a assinatura eletrónica qualificada, os ficheiros da sua proposta antes do carregamento e submissão da mesma na plataforma eletrónica utilizada, o Tribunal a quo entendeu que, ainda assim, por aplicação do disposto no artigo 68.º, n.º 5 da Lei n.º 96/2015, era suficiente a sua encriptação e assinatura no momento da sua submissão.

3.ª Com o maior respeito, a ora Recorrente não pode deixar de discordar de tal douto entendimento, devendo considerar-se, no seu entender, que não foi devidamente interpretada e aplicada ao caso sub judice a norma constante do artigo 68.º, n.º 5 da Lei n.º 96/2015.

4.ª Ao contrário do que decorre da douta sentença recorrida, a Recorrente considera que, no caso em apreço, à luz do que decorre do disposto nos números 4 e 5 da Lei n.º 96/2015, a Contrainteressada I.... não estava dispensada de observar o dever de assinar os documentos da sua proposta previamente à sua submissão na plataforma eletrónica.

5.ª Nem a letra nem a ratio do preceituado no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015 permitem sustentar o douto entendimento preconizado na decisão recorrida acerca desta questão, pois que o regime excecional ali previsto não pode considerar-se aplicável ao caso sub judice.

6.ª Como resulta do cotejo do n.º 5 com os números 4 e 15 do próprio artigo 68.º em apreço, o regime excecional naquele previsto só é aplicável aos casos em que a plataforma eletrónica permite a permanente alteração (ergo, edição e não mera substituição) dos documentos até ao momento da submissão da proposta, o que não é caso da plataforma em apreço nos presentes autos.

7.ª Na verdade, não sendo ainda documentos finais (porque podem ser alterados na própria plataforma eletrónica), compreende-se que, nesse caso, seja apenas exigida a sua prévia encriptação e não ainda a sua assinatura, com recuso a assinatura eletrónica avançada.

8.ª In casu não ficou demonstrado que a plataforma eletrónica utilizada concedia aos interessados a possibilidade prevista no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, tal seja, a possibilidade de permanente alteração dos documentos da proposta até ao momento da submissão, pelo carregamento de ficheiros que, apesar de encriptados, não seriam ainda considerados definitivos ou finais até esse momento.

9.ª Da matéria de facto dada como provada decorre apenas que a Contrainteressada I.... submeteu a sua proposta juntando dez ficheiros (sem assinatura eletrónica qualificada em qualquer uma das folhas que o constituía) - cfr. alíneas G) e H) dos factos provados.

10.ª Trata-se, portanto, de documentos carregados como sendo finais ou definitivos, pelo que, à luz do disposto no n.º 4 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, podiam e deviam ter sido assinados pela Contrainteressada antes do seu prévio carregamento na plataforma eletrónica utilizada (Saphetygov).

11.ª Discorda-se, assim, do douto entendimento sustentado na fundamentação da douta decisão recorrida, a qual dá indevida aplicação ao disposto no artigo 68.º n.º 5 da Lei n.º 96/2015, por não se encontrem, in casu, preenchidos os respetivos pressupostos legais.

12.ª Não se configurando uma hipótese subsumível ao disposto no n.º 5 daquela norma legal, não estava a Contrainteressada I.... dispensada de dar cumprimento ao dever de proceder à prévia assinatura dos documentos carregados, expressamente previsto no n.º 4 daquele mesmo artigo.

13.ª A hipótese de carregamento prevista no antedito n.º 5 é apenas a que permite a permanente edição, na própria plataforma eletrónica, dos documentos carregados até ao momento da sua submissão, dado que, em coerência, só nesses casos realmente se justifica que seja dispensada a exigência de prévia assinatura dos documentos carregados pelos concorrentes.

14.ª Na verdade, entre as funções desempenhadas pela aposição de uma assinatura eletrónica qualificada a um documento eletrónico está, desde logo, a de certificar que o documento eletrónico não sofreu alteração, o que não seria possível na hipótese de ter sido facultada pela plataforma e utilizada a sua edição, prevista no artigo 68.º n.º 5 da Lei n.º 96/2015.

15.ª Não esteja em causa uma mera possibilidade de substituição de documentos da proposta, dado que a mesma já se encontra contemplada - como uma exigência para todas as plataformas - no n.º 15 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015.

16.ª Isto dito, é forçoso concluir que a assinatura (com recurso a assinatura eletrónica qualificada) dos ficheiros das proposta previamente ao seu carregamento na plataforma eletrónica de contratação pública, só não é obrigatória quando a plataforma eletrónica - mais do que permitir o carregamento progressivo da proposta e a substituição dos ficheiros carregados por outros -, permita a edição dos documentos da proposta carregados nessa plataforma.

17.ª Nada disto sucede ou ficou demonstrado no caso sub judice, pelo que o Tribunal recorrido errou ao subsumir os factos ao disposto no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015.

18.ª Impunha-se e impõe-se, assim, uma decisão que considerasse existir fundamento para determinar a exclusão da proposta da Contrainteressada I.....

19.ª O incumprimento das formalidades previstas no n.º 4 da Lei n.º 68/2015 (prévia encriptação e assinatura dos documentos carregados) não pode deixar de determinar a exclusão da respetiva proposta - cfr. artigo 146.º n.º 2, alínea l) do CCP.

20.ª Tal como prevista no artigo 68.º n.º 4 da Lei n.º 96/2015, a exigência de prévia aposição de assinatura qualificada nos documentos que constituem a proposta cumpre objetivos de segurança, de integridade, de fidedignidade e de credibilização da identidade do conteúdo das propostas.

21.ª É um processo de proteção e segurança dos documentos que se realiza do lado do utilizador e que só pode considerar-se assegurado pela plataforma na específica situação prevista no n.º 5 do artigo 68.º daquele diploma legal.

22.ª O facto de os documentos serem submetidos de forma progressiva não dispensa, por si só, a obrigatoriedade de aposição de assinatura qualificada prévia ao respetivo upload dos ficheiros da proposta.

23.ª O entendimento sustentado na douta decisão recorrida aparta-se da letra da lei ao não considerar que a hipótese prevista no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015 se cinge à possibilidade de edição dos documentos carregados na plataforma, desde que encriptados.

24.ª Não existe fundamento legal ou outro para, como se preconiza na douta sentença recorrida, deixar de aplicar a causa de exclusão da proposta da Contrainteressada IHFI, expressamente prevista no artigo 146.º n.º 2, alínea l) do CCP, por não se tratar de exigência formal que, atentos os seus fins de segurança e transparência, possa ser considerada excessiva ou contrária aos princípios e objetivos gerais de proporcionalidade e livre acesso aos mercados públicos.”.

Pede a procedência do recurso e a revogação do saneador-sentença.


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A Contrainteressada, I..., ora Recorrida notificada apresentou contra-alegações (cfr. fls. 243 e segs.), formulando as seguintes conclusões:

“A. Veio a Recorrente invocar a ilegalidade do acto de adjudicação à Contrainteressada por parte da Recorrido H....., sustentando que os documentos constantes da proposta daquela não se encontram eletronicamente assinados em conformidade com o disposto nos artigos 54.º e 68.º n.º 4 da Lei 96/2015, de 17 de Agosto, uma vez que “(…) não estava a Contrainteressada I.... dispensada de dar cumprimento ao dever de proceder à prévia assinatura dos documentos carregados (…)” (Sic) – cf. Ponto 12º das Conclusões do Recurso apresentado pela Recorrente.

B. No Despacho Saneador-Sentença colocado em crise pela Recorrente, veio o Douto Tribunal a quo considerar que: “De facto, a Demandante assinou, com recurso a assinatura eletrónica qualificada, todos os ficheiros da sua proposta antes do carregamento e submissão da mesma na plataforma eletrónica em causa, enquanto a concorrente I...., Lda. não o fez.” (Sic).

C. Porquanto, o Douto Tribunal a quo fez, e bem, um exercício de análise à legalidade do acto de assinatura praticado pela Contrainteressada Recorrida, o que a Recorrente teima em não efectuar!

D. Numa análise ao quadro legal aplicável ao caso em apreço, comecemos por analisar o teor do artigo 53º n.º 2 da Lei n.º 96/2015 menciona especificamente que: “Os documentos que constituem as candidaturas, as soluções e as propostas carregados nas plataformas eletrónicas devem ser encriptados…” (Sic), de modo a salvaguardar a confidencialidade da informação disponibilizada nas plataformas electrónicas de contratação pública.

E. Por outro lado, “Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada…” (conforme artigo 54º, n.º 1 da Lei n.º 96/2015).

F. Ora analisando em concreto o preceituado no n.º 5 do artigo 68.º da Lei 96/2015, de 17 de Agosto, o mesmo preconiza que: “As plataformas eletrónicas podem conceder aos interessados a possibilidade de os ficheiros das propostas serem carregados de forma progressiva na plataforma eletrónica, desde que encriptados, permitindo a permanente alteração dos documentos até ao momento da submissão” (Sic).

G. Por seu turno o n.º 3 do artigo 68.º da Lei 96/2015, refere expressamente que: “A plataforma eletrónica deve disponibilizar ao interessado as aplicações informáticas que permitam automaticamente, no ato de carregamento, encriptar e apor uma assinatura eletrónica nos ficheiros de uma proposta, localmente, no seu próprio computador.” (Sic).

H. Enquanto o n.º 1 do artigo 69.º da Lei 96/2015 refere que: “Os documentos que constituem a proposta, a candidatura ou a solução são encriptados, sendo-lhes aposta assinaturas eletrónicas qualificadas.” (Sic).

I. Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 70.º do mesmo diploma: “Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 68.º, o momento da submissão desencadeia o processo de encriptação de todos os ficheiros que compõem a proposta”. (Sic).

J. Conclui-se que aquando da apresentação da proposta, a aqui Recorrida I.... sempre poderia optar por uma das seguintes opções: apresentação de proposta ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 68.º da Lei 96/2015, devendo neste caso os ficheiros já se encontrarem encriptados e assinados com recurso a assinatura electrónica qualificada aquando do carregamento dos mesmos na plataforma; ou, pela sua apresentação nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, mediante o carregamento progressivo dos referidos ficheiros na plataforma, sendo que neste caso a encriptação dos ficheiros e a sua assinatura não é exigida aquando do carregamento dos mesmos na plataforma, podendo os ficheiros ser assinados a final, aquando da submissão da proposta.

K. O requisito essencial para o apuramento da legalidade da proposta, em termos de assinatura, é se aquando da submissão, e não do carregamento dos ficheiros na plataforma, os documentos constantes da proposta se encontram assinados e encriptados.

L. E neste sentido já se pronunciou a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 11671/14, Secção CA- 2º JUÍZO, de 15/01/2015, do qual foi Relator Helena Canelas, publicado em www.dgsi.pt. “II - A apresentação da proposta no âmbito de procedimento concursal desenvolvido sob a égide de plataforma eletrónica carece de ser produzida por meio de transmissão escrita e eletrónica de dados através do carregamento dos ficheiros e dos formulários respetivos, devidamente encriptados, sendo que o momento da submissão da proposta se efetiva com a assinatura eletrónica da proposta por utilizador autorizado e identificado.” (Sic).

M. Tal entendimento já era preconizado na revogada Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho, relativa à Utilização de Plataformas electrónicas pelas entidades adjudicantes

– Contratos Públicos, senão veja-se a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao Processo n.º 13093/16, Secção CA – 2ª Juízo, proferido em 05/19/2016, do qual foi Relator Catarina Jarmela, publicado em www.dgsi.pt.: “I - Do disposto nos arts. 18º n.º 5, 19º n.º 3 e 32º n.º 3, da Portaria 701-G/2008, de 29/7, decorre que os documentos que instruem a proposta podem ser carregados de forma progressiva na plataforma electrónica, sem necessidade de prévia encriptação e assinatura electrónica, o que significa que a assinatura apenas tem lugar aquando da submissão da proposta e que não é obrigatória a encriptação e assinatura dos documentos antes do carregamento.” (Sic).

N. Atentos os factos dados como provados no Saneador-sentença do Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, a Contrainteressada I.... foi notificada eletronicamente da submissão de cada um dos ficheiros que constituía a sua proposta, onde se discriminava a data e hora da respetiva submissão e os dados do certificado qualificado de assinatura eletrónica utilizado.

O. A plataforma eletrónica do procedimento concursal em causa deu cumprimento ao estatuído no artigo 31º da Lei n.º 96/2015, o qual exige a implementação de um sistema que, entre outras informações, permita identificar “A data e hora exatas da submissão dos documentos” (Sic).

P. Quer no caso da I...., quer no caso da Recorrida, à medida que os respetivos ficheiros iam sendo carregados na plataforma electrónica, ia sento emitido uma notificação eletrónica que comprovava a data e hora de cada carregamento efetuado.

Q. Com a remessa dos recibos eletrónicos, a plataforma eletrónica pôde assegurar que no momento da submissão – o qual ocorreu em momento posterior ao do carregamento de todos os ficheiros que constituíam a proposta da Recorrida I...., todos os documentos que constituíam a mesma encontravam-se devidamente encriptados e assinados com assinatura eletrónica qualificada.

R. Quer na proposta da Recorrente, quer na proposta da Recorrida constam os seguintes quatro elementos: o nome do titular da assinatura; a entidade em nome do qual assina, o tipo de utilização previsto e a indicação que é emitido como certificado qualificado.

S. Em ambas as propostas de Recorrente e Recorrida, temos que, no momento da submissão das respetivas propostas, os ficheiros que constituíam as mesmas, encontravam-se devidamente assinados com recurso a uma assinatura eletrónica qualificada (independentemente dessa assinatura ter ocorrido logo no momento do carregamento do ficheiro em causa ou apenas no momento da submissão).

T. O Tribunal a quo andou bem ao considerar os ficheiros que constituíam a proposta da concorrente I...., Lda. encontravam-se devidamente encriptados e assinados nos termos legais, encontram-se garantidos os princípios da segurança, da confidencialidade e da integridade que a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública deve assegurar, pelo que nenhuma irregularidade há a apontar ao modo de carregamento efetuado pela mesma.”.

Pede que o recurso apresentado pela Recorrente seja julgado totalmente improcedente por não provado e, consequentemente, ser mantida a decisão recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento no que concerne à questão de saber se os ficheiros que constituem uma proposta devem ser encriptados e assinados eletronicamente antes do seu carregamento na plataforma eletrónica ou se é suficiente a respetiva encriptação e assinatura eletrónica aquando da submissão da proposta em causa, sendo invocada a violação do artigo 68.º, n.º 5 da Lei n.º 96/2015, de 17/08 e, consequentemente, que existe fundamento para a exclusão da proposta, nos termos do artigo 146.º, n.º 2, alínea l) do Código dos Contratos Públicos.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 19-07-2017 o Conselho de Administração da Entidade Demandada decidiu autorizar a abertura de procedimento de ajuste direto, com o objetivo de adquirir Cortinas e Calhas Hospitalares, a tramitar na plataforma eletrónica Saphetygov – Contratação Pública e ao qual foi atribuído o número de procedimento XXXX/AD/2017 - NL – 1002-2017;

B) Em 27-07-2017 convidou seis entidades a apresentarem propostas, entre as quais a Demandante e a I...., Lda.;

C) Em 02-08-2017 a Demandante submeteu a sua proposta;

D) Juntou seis ficheiros;

E) Cada um dos ficheiros tinha aposta, no final da última folha que o constituía, no canto inferior direito, a assinatura eletrónica qualificada da Demandante;

F) A Demandante foi notificada eletronicamente da submissão de cada um dos ficheiros mencionados, onde se discriminava a data e hora da respetiva submissão e os dados do certificado qualificado de assinatura eletrónica utilizado;

G) Em 02-08-2017 a I...., Lda. submeteu a sua proposta;

H) Juntou dez ficheiros;

I) Nenhum dos ficheiros tinha aposta, em qualquer uma das folhas que o constituía, a assinatura eletrónica qualificada da I...., Lda.;

J) A I...., Lda. foi notificada eletronicamente da submissão de cada um dos ficheiros mencionados, onde se discriminava a data e hora da respetiva submissão e os dados do certificado qualificado de assinatura eletrónica utilizado;

K) Em 04-08-2017 o júri do procedimento concursal reuniu para avaliar as propostas apresentadas, tendo proposto a seguinte ordenação dos concorrentes: 1º) I.... –.; 2º) A....

L) Em 11-08-2017 a Demandante apresentou pronúncia no âmbito do seu direito de audição prévia, no qual requereu a exclusão da proposta apresentada pela I...., Lda. por vícios formais e que fosse deliberada a adjudicação da proposta por si apresentada;

M) Em 23-08-2017 o júri apreciou a pronúncia apresentada pela Demandante, tendo concluído que inexistia qualquer fundamento que justificasse a exclusão da proposta apresentada pela I...., Lda., pelo que manteve a ordenação proposta anteriormente e propôs a adjudicação à concorrente I...., Lda.;

N) Em 30-08-2017 o Conselho de Administração da Entidade Demandada deliberou aprovar a proposta de adjudicação à concorrente I...., Lda. e a minuta do contrato correspondente;

O) Em 20-09-2017 a I...., Lda. aceitou a minuta do contrato;

P) Em 19-09-2017 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco a petição inicial da presente ação;

II. FACTOS NÃO PROVADOS:

Não existem outros factos, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.

E. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Relativamente à matéria de facto dada como provada, o Tribunal fundou a sua convicção nos articulados e na prova documental constante dos autos e do processo administrativo junto em apenso.

Especificamente, relativamente às seguintes alíneas da matéria de facto dada como provada, o Tribunal assentou a sua convicção nos seguintes elementos:

A) Conforme deliberação do Conselho de Administração – fls. 1 e 2; proposta de decisão de contratar - fls. 3 a 5; convite formal para apresentação de propostas no âmbito de ajuste direto – fls. 11 a 14; caderno de encargos – fls. 15 a 28, todos do processo administrativo e cujos conteúdos aqui se dão como integralmente reproduzidos;

B) Conforme fls. 5 e 31 do processo administrativo;

C) Conforme fls. 74 a 101 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido e respetivos documentos de habilitação, de fls. 146 a 167 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

D) Conforme fls. 76 e 77 do processo administrativo;

E) Conforme fls. 90, 94, 86, 96, 98 e 101 do processo administrativo;

F) Conforme fls. 87, 91, 78, 95, 97 e 99 do processo administrativo;

G) Conforme documento n.º 006506158 do SITAF e fls. 32 a 73 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

H) Conforme fls. 34 e 35 do processo administrativo;

I) Conforme fls. 36 a 73 do processo administrativo;

J) Conforme fls. 36, 45, 47, 49, 51, 60, 62, 66, 70 e 72 do processo administrativo;

K) Conforme Relatório Preliminar, de fls. 19 a 23 do documento n.º YYY do SITAF e fls. 107 a 111 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

L) Conforme exposição a fls. 31 a 34 do documento n.º YYY do SITAF e fls. 112 a 118 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

M) Conforme Relatório Final, de fls. 24 a 29 do documento n.º YYY do SITAF e fls. 119 a 127 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

N) Conforme notificação eletrónica, a fls. 35 do documento n.º YYY do SITAF e fls. 133 a 135 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

O) Conforme notificação, a fls. 175 e fls. 177 a 179 do processo administrativo, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido;

P) Conforme e-mail, a fls. 1 do documento n.º YYY do SITAF.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento, em violação do artigo 68.º, n.º 5 da Lei n.º 96/2015, de 17/08, por os ficheiros que constituem uma proposta deverem ser encriptados e assinados eletronicamente, antes do seu carregamento na plataforma electrónica, não sendo suficiente a encriptação e assinatura eletrónica aquando da submissão da proposta em causa, o que constitui fundamento para a exclusão da proposta, nos termos do artigo 146.º, n.º 2, alínea l) do Código dos Contratos Públicos

Nos termos alegados pela Recorrente a decisão recorrida enferma de erro de julgamento no que respeita à questão material controvertida, respeitante ao modo como os ficheiros que constituem a proposta em procedimento pré-contratual, devem ser carregados e submetidos na plataforma electrónica de contratação pública, designadamente, perante a exigência de deverem ser encriptados e assinados electronicamente.

Traduziu-se esse no fundamento da pressente ação de contencioso pré-contratual, em que a Autora baseou o pedido de impugnação do ato de adjudicação, invocando que a proposta apresentada pela Contrainteressada deve ser excluída por não ter respeitado as normas legais sobre carregamento e submissão da proposta na plataforma eletrónica, que exigem a prévia encriptação e assinatura electrónica dos ficheiros que foram carregados e submetidos.

Considera a Recorrente que a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao não exigir que os ficheiros que constituem a proposta não têm de estar encriptados e assinados electronicamente antes do seu carregamento na plataforma electrónica, sendo suficiente a respectiva encriptação e assinatura electrónica aquando a submissão da proposta.

Invoca que não foi devidamente interpretada e aplicada a norma do n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08, pois a Contrainteressada não estava dispensada de observar o dever de assinar os documentos da sua proposta previamente à sua submissão na plataforma electrónica.

Considera que a norma do n.º 5 do artigo 68.º é excepcional e não se pode considerar aplicável ao caso, pois do cotejo do citado n.º 5, com os n.ºs 4 e 15 do artigo 68.º resulta que o n.º 5 só é aplicável aos casos em que a plataforma electrónica permite a permanente alteração, não traduzida na mera substituição, dos documentos até ao momento da submissão da proposta, o que não é o caso da plataforma dos autos.

Invoca que não ficou demonstrado que a plataforma electrónica utilizada concedia aos interessados a possibilidade prevista no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, de permanente alteração dos documentos da proposta até ao momento da submissão, pelo carregamento de ficheiros que, apesar de encriptados, não são considerados definitivos ou finais.

Tendo a Contrainteressada carregado documentos como sendo finais ou definitivos deveriam ter sido assinados antes do seu carregamento na plataforma electrónica, não devendo estar dispensada de dar cumprimento ao dever de proceder à prévia assinatura dos documentos carregados.

Vejamos.

De forma a poder conhecer do fundamento do recurso, importa considerar a matéria factual apurada em juízo, para com base nela se proceder à interpretação e aplicação do direito.

Nos termos apurados na matéria de facto assente, a Contrainteressada, ora Recorrida, submeteu a sua proposta na plataforma electrónica, juntando dez ficheiros, sem que qualquer dos ficheiros tivesse aposta em alguma das suas folhas a assinatura electrónica qualificada.

Em consequência da submissão da proposta, a Contrainteressada foi notificada electronicamente da submissão de cada um dos ficheiros carregados, apresentando essa notificação a discriminação da data e hora da respectiva submissão e os dados do certificado qualificado da assinatura electrónica utilizado.

Perante a factualidade apurada, vejamos então a questão de direito.

Antes de mais, importa fixar o momento temporal relevante para efeitos de aplicação da lei no tempo, considerando as alterações legais introduzidas ao Código dos Contratos Públicos (CCP) e também na matéria da disponibilização e da utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública.

Na determinação da lei aplicável relevam os normativos legais em vigor à data da abertura do procedimento pré-contratual que ora está em causa, ocorrida em 19/07/2017, pelo que tem aplicação o CCP, na versão anterior ao D.L. n.º 111-B/2017, de 31/08, assim como a Lei n.º 96/2015, de 17/08, cujo artigo 94.º revogou os anteriores diplomas, o D.L. n.º 143-A/2008, de 25/07 e a Portaria n.º 701-G/2008, de 29/07.

Invoca a Recorrente como fundamento do presente recurso que a decisão de adjudicação à Contrainteressada é ilegal, porque não foram cumpridas as formalidades legalmente previstas, atinentes ao modo de apresentação da respetiva proposta, devendo a proposta ter sido excluída.

Estabelece a alínea l), do n.º 2 do artigo 146º do Código dos Contratos Públicos (CCP), que as propostas “Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º” devem ser excluídas.

No que respeita ao modo da apresentação da proposta, prevê o artigo 62º do CCP que:

1 – Os documentos que constituem a proposta são apresentados directamente em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita e electrónica de dados (…)”.

A norma jurídica alvo de discórdia respeita ao disposto no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública, o que exige a sua interpretação, assim como a compreensão do regime legal sobre os termos do carregamento de ficheiros e a submissão da proposta e ainda as exigências legais em matéria de encriptação e de assinatura electrónica.

Com relevo e para melhor compreensão, transcreve-se a seguinte parte do artigo 68.º, com a epígrafe “Carregamento das propostas”:

1 - As plataformas eletrónicas devem permitir o carregamento progressivo, pelo interessado, da proposta ou propostas, até à data e hora prevista para a submissão das mesmas.

2 - O carregamento mencionado no número anterior é feito na área reservada em exclusivo ao interessado em causa e relativa ao procedimento em curso.

3 - A plataforma eletrónica deve disponibilizar ao interessado as aplicações informáticas que permitam automaticamente, no ato de carregamento, encriptar e apor uma assinatura eletrónica nos ficheiros de uma proposta, localmente, no seu próprio computador.

4 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada.

5 - As plataformas eletrónicas podem conceder aos interessados a possibilidade de os ficheiros das propostas serem carregados de forma progressiva na plataforma eletrónica, desde que encriptados, permitindo a permanente alteração dos documentos até ao momento da submissão.

(…)

15 - Durante o processo de carregamento, as plataformas eletrónicas devem assegurar aos interessados a possibilidade de substituírem ficheiros já carregados por outros novos, no âmbito do processo de construção de cada proposta.

(…)” (sublinhados nossos).

O preceito seguinte, sob artigo 69.º, com a epígrafe “Encriptação e classificação de documentos”, determina:

1 - Os documentos que constituem a proposta, a candidatura ou a solução são encriptados, sendo-lhes aposta assinaturas eletrónicas qualificadas.” (sublinhados nossos).

Por sua vez, o artigo 70.º disciplina a “Submissão das propostas”, nos seguintes termos:

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 65.º, a proposta considera-se apresentada, para efeitos do CCP, quando o concorrente finaliza o processo de submissão.

2 - Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 68.º, o momento da submissão desencadeia o processo de encriptação de todos os ficheiros que compõem a proposta.

(…)” (sublinhados nossos).

E segundo o n.º 1 do artigo 71.º da citada Lei n.º Lei n.º 96/2015, de 17/08, “Após a submissão, o concorrente deve receber, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo anterior, um recibo eletrónico, com registo da identificação da entidade adjudicante, do procedimento, do lote, se for o caso, do concorrente, da proposta, bem como da data e hora da respetiva submissão.”.

De acordo com o n.º 2 do artigo 53.º da Lei n.º 96/2015 “Os documentos que constituem as candidaturas, as soluções e as propostas carregados nas plataformas eletrónicas devem ser encriptados (…)”, de modo a salvaguardar a confidencialidade da informação disponibilizada nas plataformas electrónicas e garantindo que “(…) o acesso aos documentos que constituem as candidaturas, as soluções e as propostas só deve ser possível na data fixada nos termos das regras do procedimento”, como previsto no disposto do seu n.º 1.

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, “Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada (…)”.

Explanado o quadro normativo, enfrentemos a questão decidenda.

Resulta claro que segundo o n.º 4 artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, quando o interessado realizar o carregamento de um ficheiro de uma proposta na plataforma eletrónica, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada, sem prejuízo da possibilidade prevista no n.º 5 de os ficheiros das propostas, desde que encriptados, poderem ser carregados de forma progressiva na plataforma eletrónica.

No procedimento pré-contratual em causa, a Contrainteressada optou pela modalidade de carregamento dos documentos da proposta prevista no citado n.º 5, pois não assinou, com recurso a assinatura eletrónica qualificada, todos os ficheiros da sua proposta antes do carregamento e submissão, como previsto nos termos do n.º 4.

Analisando com detalhe o disposto no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, deparamo-nos com o inciso “desde que encriptados”, a que o precedente n.º 5 do artigo 18.º da Portaria n.º 701-G/2008 não fazia referência.

A disposição equivalente anterior assumia mesmo o sentido contrário, ao estipular que “As plataformas podem conceder aos interessados a possibilidade de os ficheiros das propostas serem carregados de forma progressiva na plataforma electrónica, sem necessidade de encriptação e assinatura electrónica, permitindo a permanente alteração dos documentos na própria plataforma até ao momento da submissão”, nos termos da correspondência e sucessão resultante do quadro comparativo elaborado pela Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, no âmbito da Proposta de Lei n.º 320/XII/4.ª, que culminou na aprovação da Lei n.º 96/2015 (disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=39389) (sublinhado nosso).

Significa que nos termos anteriores à actual Lei n.º 96/2015 já se encontrava prevista a modalidade de carregamento prevista no seu n.º 5 do artigo 68.º, mas sem que então fosse exigida a encriptação no momento do carregamento, como agora exigido e em relação ao qual o elemento literal da norma não deixa margem para dúvidas.

Como destacado na decisão sob recurso, que ora se acolhe, comparando a versão inicial e a versão final da Proposta de Lei n.º 320/XII/4.ª, constata-se que o inciso referente à encriptação foi aditado mediante proposta de alteração do PSD/CDS-PP e do PS (as mencionadas versões e propostas encontram-se disponíveis para consulta no site e endereço referido).

A justificação apresentada para a alteração em causa pelo PS foi a seguinte: “Acolhe-se recomendação da Associação para a Contratação Pública Electrónica; Segurança: A presente norma, prevê o carregamento progressivo de propostas na plataforma electrónica, mas deverá ser garantida a sua encriptação por motivos de segurança, pois caso não ocorra a encriptação de documentos, a proposta dos Operadores económicos fica vulnerável no sistema” (veja-se o documento intitulado “Propostas de alteração apresentadas pelo grupo parlamentar do PS”, pp. 12, disponível para consulta no site e endereço referido).

A finalidade e preocupação subjacentes à exigência da encriptação prendem-se em acautelar que as propostas e os seus respetivos documentos sejam carregados nas plataformas eletrónicas em segurança, sem possibilidade de conhecimento em momento anterior ao estabelecido para o efeito, seja por terceiros, incluindo os outros concorrentes, seja pelo próprio júri ou entidade adjudicante, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 74º da Lei n.º 96/2015, ao prever que “As propostas não podem ser disponibilizadas ao júri, ou ao responsável pelo procedimento caso não exista júri, antes do termo do prazo para a respectiva apresentação”).

No mesmo sentido estabelece o n.º 1 do artigo 73.º da Lei n.º 96/2015, nos termos do qual, “Os meios eletrónicos utilizados pelas plataformas eletrónicas devem assegurar que as entidades adjudicantes e os restantes concorrentes só tomam conhecimento do conteúdo das candidaturas, das soluções e das propostas, depois de serem abertas pelo júri do procedimento, ou pelo responsável pelo procedimento caso não exista júri”.

Trata-se de concretizar e dar efetividade à regra legal, prevista no n.º 1 do artigo 53.º da Lei n.º 96/2015, de que “o acesso aos documentos que constituem as candidaturas, as soluções e as propostas só deve ser possível na data fixada nos termos das regras do procedimento”.

Considerando a relevância dessa matéria, para efeitos de respeito das regras pela concorrência e pela igualdade dos concorrentes, essenciais aos procedimentos da contratação pública, a violação dos dois artigos citados foi tipificada pelo legislador como contraordenação muito grave, nas alíneas c) e d) do artigo 82.º da Lei n.º 96/2015.

Tal como bem decidido pela decisão recorrida, a solução à questão decidenda passa pela interpretação e aplicação conjugada dos preceitos legais explanados, em especial, o n.º 5 do artigo 68.º, com os artigos 70.º, n.º 2 e 69.º, n.º 1 da Lei n.º 96/2015.

Resultando do disposto no n.º 2 do artigo 70.º que nos casos referidos no n.º 5 do artigo 68.º, o momento da submissão desencadeia o processo de encriptação de todos os ficheiros que compõem a proposta e que, segundo o n.º 1 do artigo 69.º, os documentos que constituem a proposta, a candidatura ou a solução são encriptados, sendo-lhes aposta assinaturas eletrónicas qualificadas, nada obsta à apresentação da proposta nos termos em que a Contrainteressada, ora Recorrida, o fez no âmbito do procedimento pré-contratual.

Se concatenarmos os três artigos citados, constatamos que no procedimento de carregamento dos ficheiros previsto no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, o concorrente insere individualmente cada um dos ficheiros que constituem a sua proposta, sem os mesmos estarem encriptados ou assinados eletronicamente e, aquando da respetiva submissão, a plataforma eletrónica, automaticamente, procede à sua respectiva encriptação e assinatura eletrónica qualificada.

Significa que se encontra assegurada a exigência de encriptação dos documentos carregados, prevista no n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015.

Acresce que, tal como destacado na decisão recorrida, os factos apurados nos autos permitem corroborar esta interpretação, pois a concorrente Contrainteressada, ora Recorrida, foi notificada eletronicamente da submissão de cada um dos ficheiros que integram a sua proposta, onde se discrimina a data e hora da respetiva submissão e os dados do certificado qualificado de assinatura eletrónica utilizado.

O que traduz que a plataforma electrónica usada no procedimento pré-contratual em causa deu cumprimento ao estatuído no artigo 31.º da Lei n.º 96/2015, ao exigir a implementação de um sistema que, entre outras informações, permita identificar “A data e hora exatas da submissão dos documentos”.

Tal basta para demonstrar que a plataforma electrónica usada no procedimento de contratação pública em causa nos autos deu resposta, em termos que permitem comprovar o respeito pelas formalidades e procedimentos previstos na lei, assegurando as finalidades de autenticidade e de integralidade da proposta.

Como já antes afirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 13/09/2012, Processo n.º 09080/12, as normas do artigo 62.º e da alínea l), do n.º 2 do artigo 146.º, ambas do CCP, que estipulam que o júri deve propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas, assumem a opção feita pelo legislador “pela desmaterialização dos procedimentos pré-contratuais ou por outra, a opção pela contratação pública eletrónica, baseada na utilização de tecnologias, designadamente, pela utilização de plataformas eletrónicas por parte de todos intervenientes dos procedimentos”, sendo “definido o respetivo regime jurídico, isto é, o conjunto de regras, requisitos e condições quanto à utilização e funcionamento das plataformas eletrónicas, com relevo, quanto ao modo de apresentação e receção das propostas”.

Em concretização, de acordo com o artigo 65.º da Lei n.º 96/2015, “A plataforma eletrónica deve operacionalizar um sistema de aviso de receção eletrónico que comprove o sucesso do envio dos documentos que constituem as candidaturas, as soluções e as propostas, bem como a data e hora da submissão” (n.º 3), “deve assegurar a determinação precisa da data e hora da transmissão dos dados referidos no número anterior, devendo aqueles dados ser inscritos na proposta no momento da sua receção” (n.º 4), sendo o aviso de receção referido no n.º 3 “enviado, de imediato, para o interessado” (n.º 5) e “Caso o envio completo não seja bem-sucedido, considera-se não ter existido qualquer apresentação de candidaturas, soluções e propostas, devendo o interessado ser, de imediato, notificado desse facto” (n.º 6).

Todos os imperativos previstos nas normas legais aplicáveis foram respeitados, não tendo a proposta submetida pela Contrainteressada na plataforma eletrónica violado as vinculações relativas à encriptação e assinatura electrónica dos ficheiros e da proposta.

A Contrainterrada foi carregando ficheiro a ficheiro na plataforma eletrónica e à medida que os respetivos ficheiros iam sendo carregados, ia sendo emitido uma notificação electrónica, comprovativa da data e hora de cada carregamento efetuado.

Os recibos electrónicos de submissão das propostas são emitidos automaticamente pela plataforma eletrónica e servem para comprovar não apenas a data e a hora em que se procedeu a essa submissão, mas também o seu envio bem-sucedido, ou seja, que a proposta vinha codificada, encriptada e com o certificado digital de assinatura electrónica, sendo eles apostos na própria proposta no momento da sua recepção e enviando-se de imediato o respectivo aviso de recepção para os concorrentes.

Deste modo, com o envio dos recibos eletrónicos, a plataforma eletrónica pode asseverar que no momento da submissão, o qual ocorreu em momento posterior ao do carregamento de todos os ficheiros que constituíam a proposta da concorrente, ora Contrainteressada, todos os documentos que a integram se encontravam devidamente encriptados e assinados com assinatura eletrónica qualificada.

Ora, de acordo com a definição dada pela alínea g) do artigo 2.º da Lei n.º 96/2015, a submissão da proposta ocorre no momento em que o concorrente ou candidato efetiva a entrega da proposta, da candidatura ou da solução, após o respetivo carregamento em plataforma electrónica e a proposta considera-se apresentada, para efeitos do CCP, quando o concorrente finaliza o processo de submissão, nos termos do n.º1 do artigo 70.º da Lei n.º 96/2015.

Como se extrai da sentença recorrida, na parte que ora se transcreve: “se compararmos os elementos fornecidos pela assinatura digital eletrónica da Demandante (aposta em cada um dos ficheiros que constituíam a sua proposta) e os dados transmitidos pelo certificado qualificado de assinatura eletrónica utilizado pela concorrente I...., Lda. (constantes de cada um dos recibos eletrónicos que foram emitidos após o carregamento de cada ficheiro que constituía a respetiva proposta), constatamos que em ambos constam os seguintes quatro elementos: o nome do titular da assinatura; a entidade em nome do qual assina (dado existirem poderes de representação: no caso concreto, a Demandante e a I...., Lda.); o tipo de utilização previsto (ou seja, assinar em plataformas eletrónicas de contratação), e a indicação que é emitido como certificado qualificado.

Ou seja, em ambos os casos contemplados, temos que, no momento da submissão das respetivas propostas, os ficheiros que constituíam as mesmas, encontravam-se devidamente assinados com recurso a uma assinatura eletrónica qualificada (independentemente dessa assinatura ter ocorrido logo no momento do carregamento do ficheiro em causa ou apenas no momento da submissão).

E não podemos olvidar que “A aposição de uma assinatura electrónica qualificada a um documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que: a) A pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica qualificada; b) A assinatura electrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento electrónico; c) O documento electrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada” (conforme estabelece o artigo 7º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 02-08, que regula o Regime Jurídico dos Documentos Electrónicos e da Assinatura Digital).”.

Deste modo, mantém-se actual a doutrina que dimana do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 02610/14.0BEBRG, de 06/11/2015, proferido ao abrigo do regime legal anterior, em que o artigo 27.º mencionado no acórdão corresponde ao artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, na parte em entendeu que “conforme decorre da Portaria, também pode ocorrer um carregamento progressivo dos ficheiros e neste aspecto, quando esta ocorre, será com a submissão da proposta que se irão ser assinados os diversos documentos. Não é assim imperioso que tenha de ocorrer a assinatura de todos os documentos quando do carregamento dos diversos documentos da proposta”, dado que “não há dúvidas que os documentos em causa nos autos foram assinados, estando assim cumprido o desiderato prosseguido pela Portaria que é a necessidade de que todos os documentos da proposta se encontrem assinados, como decorre do seu artigo 27º”, concluindo que “de acordo com o artigo 27º da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho, todos os documentos carregados nas plataformas electrónicas deverão ser assinados electronicamente, mesmo que essa assinatura decorra da assinatura quando da submissão da proposta. Se todos os documentos da proposta se encontram assinados através da assinatura electrónica qualificada não há motivo para exclusão da proposta do contra-interessado”.

Tal como se extrai do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 15/01/2015, Processo n.º 11671/14: “A apresentação da proposta no âmbito de procedimento concursal desenvolvido sob a égide de plataforma eletrónica carece de ser produzida por meio de transmissão escrita e eletrónica de dados através do carregamento dos ficheiros e dos formulários respetivos, devidamente encriptados, sendo que o momento da submissão da proposta se efetiva com a assinatura eletrónica da proposta por utilizador autorizado e identificado (vide, a este respeito, entre outros, os Acórdãos do TCA Norte de 25-11-2011, Proc. 02389/10.4BELSB; de 22-06-2011, de 00770/10.8BECBR; de 16-09-2011, Proc. 00102/11.8BEPRT (…)”.

Pelo que, tal como decidido pelo Tribunal a quo, comprovando-se que os ficheiros que constituíam a proposta da concorrente, ora Contrainteressada encontravam-se devidamente encriptados e assinados nos termos legais, encontram-se garantidos os princípios da segurança, da confidencialidade e da integridade que a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública deve assegurar, nenhuma irregularidade havendo a apontar ao modo de carregamento efetuado.

Neste campo da contratação pública eletrónica, deverá igualmente ter em conta a reserva colocada pela Comissão Permanente do Tribunal de Contas, no Parecer que emitiu no âmbito da Proposta de Lei n.º 320/XII/4.ª, na parte em que refere que “A proposta de lei consagra, em vários passos, exigências formais no âmbito dos procedimentos de contratação pública que se afiguram excessivas e contrárias aos princípios e objetivos gerais de proporcionalidade, simplificação, desburocratização, desmaterialização e livre acesso aos mercados públicos. Este tipo de exigências, num sistema que não admite admissões condicionais nem aperfeiçoamentos formais, favorece a exclusão de candidaturas e propostas, reduzindo o número de opções a apreciar. O Tribunal de Contas tem vindo a observar o crescimento exponencial das exclusões por razões de natureza formal e, por essa via, a frequente drástica redução do universo de propostas a considerar nos concursos. Por outro lado, as exigências de natureza formal aumentam também a litigância que, sendo já bastante elevada neste mercado, alonga procedimentos e é fonte de ineficiências. O incremento das causas de exclusão formal de candidaturas e propostas é, pois, muito negativo, tendo consequências prejudiciais para a concorrência, para a amplitude das possibilidades de escolha oferecidas às entidades adjudicantes e para o inerente interesse público”.

Pelo exposto, acolhendo na totalidade a fundamentação da decisão recorrida, por ter procedido a um correto julgamento dos facto e do direito, será de julgar improcedente o recurso, por não provado o seu respetivo fundamento.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Os ficheiros que constituem a proposta em procedimento pré-contratual, devem ser carregados e submetidos na plataforma eletrónica de contratação pública, devendo ser encriptados e assinados, com recurso a assinatura eletrónica qualificada, segundo o n.º 4 artigo 68.º da Lei n.º 96/2015.

II. Quando o interessado realizar o carregamento de um ficheiro de uma proposta na plataforma eletrónica, este deve estar já encriptado e assinado, sem prejuízo da possibilidade prevista no n.º 5.

III. Nos termos do n.º 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17/08 os ficheiros que constituem a proposta não têm de estar encriptados e assinados eletronicamente antes do seu carregamento na plataforma eletrónica, podendo ser carregados de forma progressiva, caso em que é suficiente a respectiva encriptação e assinatura eletrónica aquando a submissão da proposta.

IV. Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 68.º, o momento da submissão desencadeia o processo de encriptação de todos os ficheiros que compõem a proposta, segundo o n.º 2 do artigo 70.º da Lei n.º 96/2015.

V. Em consequência da submissão da proposta, o concorrente é notificado eletronicamente da submissão de cada um dos ficheiros carregados, apresentando essa notificação a discriminação da data e hora da respetiva submissão e os dados do certificado qualificado da assinatura eletrónica utilizado, em respeito das normas legais aplicáveis.

VI. A exigência de encriptação visa assegurar que as entidades adjudicantes e os restantes concorrentes só tomam conhecimento do conteúdo das candidaturas, das soluções e das propostas, depois de serem abertas pelo júri do procedimento ou pelo responsável pelo procedimento.

VII. Trata-se de tutelar o respeito das regras pela concorrência e pela igualdade dos concorrentes, essenciais aos procedimentos da contratação pública.

VIII. Comprovando-se que os ficheiros que constituíam a proposta da concorrente, encontravam-se encriptados e assinados, encontram-se garantidos os princípios da segurança, da confidencialidade e da integridade que a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública deve assegurar.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo a decisão recorrida, de improcedência da ação de contencioso pré-contratual.

Custas pela Recorrente – artigos 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º e 12.º n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão Marques)


(Helena Canelas)