Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06623/13
Secção:CT
Data do Acordão:01/25/2018
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:NULIDADES PROCESSUAIS/NULIDADES DO ACÓRDÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO EM 2.ª INSTÂNCIA: DEVERES DAS PARTES E DEVERES DO TRIBUNAL DE RECURSO
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
OMISSÃO DE DESPACHO DE ADMISSÃO DE DOCUMENTO
FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DIREITO DE QUESTÃO PREJUDICIAL
AMBIGUIDADE E OBSCURIDADE DO ACÓRDÃO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Relatório
I - A Fazenda Pública, notificada do acórdão proferido a 13 de Outubro de 2017, veio – nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 195.º, 615.º, n.º 1, al. b) e 666.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC) e 98.º, n.º 3 e 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, arguir a sua nulidade e requerer - nos termos dos artigos 613.º a 617.º do CPC , a sua reforma.

Em ordem a sustentar a nulidade arguida e a reforma peticionada invocou os seguintes fundamentos (que infra se transcrevem quase na sua totalidade, isto é, sem praticamente alteração ao nível da sua exposição[1]- pese embora a sua extensão - por esta ser, nestes termos, relevante para a integral compreensão do que virá a ser decidido):

1. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO

1.1. Violação do princípio do contraditório – artigos 3.º n.º 3 e 195.ºdo CPC e 98.º n.º 3 do CPPT:
- No despacho proferido a fls. 1107 dos autos, notificado à Fazenda Pública em 6 de Outubro de 2016 decidiu esse douto tribunal “(…) No caso concreto, os depoimentos testemunhais, que a recorrente pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pelo Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (artigos 396º do Código Civil e 607º n.º 5 do Código de Processo Civil) e foram, como ostensivamente resulta do julgado, valorados em sentido absolutamente distinto do que agora vem proposto pela recorrente.
E se é certo que este Tribunal não pode, seguramente, pôr em questão de ânimo leve a convicção que aquele livremente formou – considerando, para além do mais, que aquele dispôs de outros elementos ou mecanismos de ponderação da prova global que este Tribunal de recurso não detém – o certo é que também não pode desconsiderar que as alegações e conclusões formuladas traduzem, claramente, uma invocação de erro ostensivo na apreciação da prova.
Assim, e porque se impunha averiguar se o tribunal a quo incorreu efectivamente nesse erro manifesto, decidiu este Tribunal proceder à audição da prova produzida, isto é, à audição dos depoimentos prestados a fim de realizar o seu próprio julgamento de sindicância do julgamento pela 1ª instância realizado.
Tudo, sempre, tendo presente a matéria de facto dada como apurada, a que foi julgada como não provada e, até, os fundamentos de direito da decisão na parte em que se louva na factualidade “não alegada” e “não provada”.
De toda esta actividade, nasceram dúvidas para este Tribunal Central quanto ao sentido da decisão de facto e quanto à sua compatibilidade com o teor dos documentos juntos aos autos, bem como, ainda, quanto a uma eventual necessidade de proceder à sua ampliação.
Assim, face a todo o exposto, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662º n.ºs 1, 2 als. a) e b) e 3, als. a), o Tribunal decide notificar as partes para realização de nova inquirição das testemunhas cujos depoimentos foi convocado em sede de impugnação da matéria de facto, e exclusivamente quanto aos concretos pontos de facto impugnados, a realizar no próximo dia 18 de outubro de 2016, pelas 10 horas.(…);
- Prescreve o artigo 662.º do CPC, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
(…)
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância; ”;
- No tribunal “a quo” foi feito constar na sentença que:
“Quanto aos factos provados a convicção do tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso, e no depoimento testemunhal.
A não consideração dos demais factos resultou da ausência de prova.
Para suporte das suas alegações, a impugnante trouxe aos autos prova documental e prova testemunhal. Ora, do depoimento das testemunhas resulta que prestaram esclarecimentos sobre matéria que se mostra provada por documentos, designadamente, quanto ao regime jurídico da impugnante, objecto social, receitas, natureza da CSR e contrato de concessão, e, ainda, teceram considerações sobre existência ou não de distorções na concorrência. (…)”;
- No acórdão “sub judice”, entendeu o TCA Sul que:
(…) porque o Tribunal a quo, não obstante ter afirmado de forma genérica que concorreram para a formação da sua convicção os “depoimentos testemunhais”, não concretizou os depoimentos que contribuíram para a formação da sua convicção relativamente a cada um dos factos que deu como provados e como não provados, ficando, assim, sem se saber de forma inteiramente segura de que forma as declarações prestadas pelas testemunhas foram decisivas para o julgamento de facto que realizou (fazendo, aliás, recair sobre a Recorrente, por causa desta deficiente fundamentação, um ónus de concretização da impugnação da matéria de facto que não lhe era exigido, por não ser, seguramente, essa a repartição do ónus da prova e os deveres que legalmente se encontravam consagrados, à data, em especial nos artigos 653.º, 659.º e 685-B, todos do Código de Processo Civil, hoje consagrados nos artigos 607.º e 640.º, do mesmo Código). Cabe, pois, agora ao Tribunal ad quem valorar as declarações prestadas pelas testemunhas em 1ª instância (que se encontram gravadas), respeitando o juízo fundamentador que foi exteriorizado na sentença recorrida e as declarações das testemunhas que prestaram depoimento neste Tribunal de recurso”;
- Em sequência de tal renovação/produção de prova, esse Douto Tribunal determinou:
a) A alteração do probatório por aditamento de factos à factualidade dada por provada;
b) A alteração do probatório por dele constar matéria absolutamente contrária à natureza do facto que o probatório em exclusivo deve acolher;
c) A alteração do probatório oficiosamente determinada nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662º do Código de Processo Civil; e
d) A alteração ao probatório nos termos do preceituado no artigo 662º n.º 1 do Código de Processo Civil;
- Ora, pelo supra descrito, dúvidas não restam que ocorreu, no TCA Sul, em sede de recurso, uma “nova produção de prova”, tanto com os documentos juntos às alegações (e admitidos, no acórdão, como meio de prova),como com os documentos juntos pela recorrente aos autos após as alegações (também considerados para efeito de prova de factualidade entendida como relevante para a causa, como veremos mais adiante) e ainda com a realização de nova inquirição de testemunhas, cujos depoimentos sustentaram a alteração ao probatório operada nesta segunda instância, a título de exemplo refira-se o aditamento da factualidade da alínea R), constando do acórdão que tal aditamento é efectuado “(conforme documentos de fls.373 do volume 4 do processo administrativo instrutor e fls. 1128 a 1145 do volume IV dos presentes autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos e depoimento da testemunha S...).”;
- Acrescendo que, conforme transcrição da inquirição de testemunhas realizada na 1ª instância (apresentada pela parte e integrando os autos a fls. 481 e seguintes dos mesmos), bem como da acta de inquirição de testemunhas a fls 434 e ss, a testemunha S..., naquela instância havia prestado depoimento quanto aos factos dos artigos 41º e 45º a 53º da P.I.), nos quais não está em causa a matéria constante da alínea R) agora aditada ao probatório pelo TCA;
- Na realidade, nos pontos R), T) e V) do probatório aditado ou alterado nesta sede de Acórdão, são mencionados os depoimentos das testemunhas como suporte à factualidade aditada ou alterada, sendo certo que, como justificação para a renovação da prova testemunhal, refere-se no Acórdão que após a audição dos depoimentos já prestados nos “nasceram dúvidas para este Tribunal Central quanto ao sentido da decisão de facto e quanto à sua compatibilidade com o teor dos documentos juntos aos autos, bem como, ainda, quanto a uma eventual necessidade de proceder à sua ampliação”;
- Ou seja, as alterações ao probatório efectuadas pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, que se sustentam nos depoimentos das testemunhas, terão decorrido da nova produção de prova realizada nesta sede de recurso, e não da prova já constante nos autos, dado que da prova testemunhal já constante dos autos resultavam dúvidas para o Tribunal Central Administrativo do Sul, aliás esta conclusão decorre também do teor da própria factualidade alterada ou aditada, quando confrontada com a transcrição dos depoimentos prestados em 1ª instância junta aos autos pela impugnante a que acima se alude;
- Todavia, no que respeita à factualidade constante da alínea R), que não foi sequer alegada na petição inicial, e sobre a qual a testemunha S... não foi inquirida em 1ª instância (artigo 7.º do presente articulado), é ainda mais inquestionável que o depoimento mencionado na mesma alínea R) e que lhe serviu de base foi o produzido em 2ª instância, no âmbito da renovação de prova;
- Como consta da alínea a) do n.º 3 do supra citado artigo 662º do CPC Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância”;
- O que necessariamente acarretaria, nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT (sistematicamente inserido na secção V, atinente à instrução, do capítulo II do CPPT que regula a tramitação do processo de impugnação – 1ª instância) a notificação das partes para alegações finda a produção de prova;
- Estabelece o art. 120.º do CPPT sob a epígrafe “Notificação para alegações” que:
«Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias»;
- A finalidade de tal notificação é a de possibilitar às partes a emissão de pronúncia sobre a apreciação crítica das provas, com vista ao julgamento da matéria de facto, e sobre as questões jurídicas que são objecto do processo, constituindo as alegações o encerramento da fase da discussão da causa;
- Assim, terminada a produção da prova, prova que pode ter sido oferecida ou requerida pelas partes ou realizada ou ordenada oficiosamente pelo tribunal, deve dar-se aos interessados a oportunidade para procederem à apreciação crítica da prova produzida, indicando quais os factos que consideram provados e, com base neles, proceder à discussão do aspecto jurídico da causa.” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 02330/08);
- Tendo havido junção ao processo de documentos e tendo havido lugar a nova inquirição de testemunhas (cfr. despacho parcialmente transcrito no art. 1º do presente articulado), que relevaram, como já ficou exposto, para a especificação da matéria de facto julgada provada nesta sede, e que originaram quer a alteração quer o aditamento quer ainda a alteração oficiosa de factos à factualidade provada impunha-se, atento o disposto no art.3º n.º 3 do CPC, a audição da recorrida, só assim se assegurando a participação efectiva das partes no desenvolvimento do litígio e na boa decisão da causa;
- Com efeito, deveria ter sido ouvida a Fazenda Pública, não só no que concerne à matéria objecto de renovação de prova testemunhal, como relativamente à documentação junta aos autos após as alegações de recurso, pois, como decidido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/02/2010, n.º 026/10, O facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2.º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos daquele art. 120.º”;
- Tendo-se concluído, nesse acórdão que, à imagem do que sucede nos presentes autos “A omissão de notificação para alegações constitui irregularidade que pode influir na decisão da causa, pelo que constitui nulidade, à face do preceituado no art. 201.º, n.º 1, do CPC, também nestes autos se deverá concluir que o acórdão padece de nulidade nos termos do artigo 195.º do CPC e artigo 98.º, n.º 3, do CPPT, por violação do princípio do contraditório, violando ainda o princípio da igualdade (plasmado no artigo 13º da CRP) e o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º da CRP);
- Em suma, revelava-se, assim, essencial a notificação das partes para alegarem sobre esta matéria ao abrigo do disposto no artigo 120.º do CPPT;
- Sendo que, a omissão dessa notificação, dado que a falta de alegações pode ter influência na decisão da causa, acarretou no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, determinante de anulação dos pertinentes termos do processo (artigo 195.º do CPC e artigo 98.º, n.º 3, do CPPT), inclusive o acórdão;
- No que concerne à tempestividade da presente arguição da nulidade processual verificada, sempre se dirá que a mesma apenas surgiu com a prolação do acórdão “sub judice”, só aí tomando a recorrida conhecimento da mesma, pelo que, o prazo para a respectiva arguição não se tinha iniciado antes deste momento (no mesmo sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo 0302/17, datado de 17 de maio de 2017).
1.2. Verificação da nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea b) do CPC: não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão
- A alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC prevê:
1.É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”
- Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo (que corresponde ao artigo 668.º do anterior CPC), tal nulidade só pode ser arguida:
“… perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, (…).”.
- Contudo, tendo em conta doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), nomeadamente a constante do acórdão de 2011JUL13, exarado no processo n.º 0370/11:
“Embora de natureza ordinária, o recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA não pode ser utilizado, dado o seu carácter excepcional, como arguição de nulidades da sentença recorrida, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação no tribunal a quo, nos termos do art. 668, n.º 3 do CPC.”.
- Podendo, ainda, ler-se, no mesmo aresto:
“Como acontece na hipótese semelhante de oposição de acórdãos.”.
- Nesta conformidade, vem a Fazenda Pública, perante o tribunal que proferiu o acórdão, arguir a nulidade consubstanciada na falta de fundamentação do segmento do acórdão que decidiu não aplicar o mecanismo de reenvio prejudicial por existência de jurisprudência uniforme e sedimentada, não concretizando nem demonstrando essa uniformidade.
- No Parecer do Magistrado do Ministério Público, a fls. 1041v e 1042, entendeu aquele magistrado que “entre as várias linhas argumentativas seguidas na alegação e conclusões de recurso, destaca-se a que se mostra no ponto 7º das conclusões onde são suscitadas questões relativas à configuração da CSR (Contribuição de Serviço Rodoviário) e das portagens como contraprestações de prestações de serviços aos utentes, na perspectiva da nossa ordem jurídica interna e das regras do Direito de União Europeia”, concluindo-se que “Este tribunal (TJUE), deverá pronunciar-se sobre a sujeição ou não da recorrente a IVA, à luz do art. 4 n.º 5 §2º da sexta Directiva”;
- Nos termos do acórdão: A Exm.ª Magistrada do Ministério Público neste Tribunal defendeu, no seu parecer, o reenvio ao TJUE, alegando que a decisão dos autos está dependente da natureza a atribuir à Contribuição de Serviço Rodoviário e às portagens à luz das regras vigentes na ordem jurídica interna e do Direito Comunitário e que, atenta a importância dessas questões, a instância deve ser suspensa até que o TJUE se pronuncie sobre elas.
Não cremos que esta promoção seja de acolher.
Concordamos integralmente com a douta promoção na parte em que identifica algumas das questões postas em recurso, a posição das partes quanto a elas e quanto à importância que atribui à matéria em apreço. E não temos dúvidas que sendo suscitada questão de aplicação e interpretação do Direito Europeu ou de normas contidas em diplomas nacionais que o visam transpor, aos Tribunais nacionais está reconhecido o direito e o dever (artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia), de questionar o TJUE sobre o sentido interpretativo da (s) norma (s), utilizando, para tanto, o mecanismo (processual) do reenvio prejudicial.
Sobre a densificação deste poder-dever e sobre o quadro jurídico em que este dever de reenvio deve actuar já se pronunciou muitas vezes o TJUE, afirmando que o pedido de reenvio prejudicial não tem que ser formulado se o Tribunal já se tiver pronunciado sobre a questão a reenviar de forma firme, isto é, se já existir jurisprudência consolidada sobre a mesma [para além, com menos interesse para a nossa decisão, de também poder ser dispensado se a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal ou se o Juiz do Tribunal nacional não tiver dúvidas quanto à solução a dar por o sentido da norma cuja interpretação se coloca ser absolutamente claro («teoria do acto claro»)].[1]
Em suma, aquele poder-dever – imposto em nome da uniformização da interpretação jurídica e com a finalidade de ser respeitado o princípio da igualdade no tratamento das mesmas questões no espaço jurídico comum europeu e, concomitantemente, protegidos de forma igual todos os cidadãos e agentes económicos europeus – só existe (para que ora nos releva) nas situações em que não há decisões anteriores do mesmo Tribunal ou quando os sentidos acolhidos nas que existem não são inteiramente uniformes. O que significa que se já tiver havido pronuncia reiterada e uniforme do TJUE sobre o sentido interpretativo a atribuir à norma (que a decisão da questão colocada no processo nacional exige) esse pedido de reenvio não tem justificação à luz da própria regra do Tratado que o prevê e da jurisprudência do Tribunal que tem o dever de o admitir (ou não) e de o apreciar.
No caso concreto verifica-se a exigida existência de jurisprudência uniforme e sedimentada, como se demonstrará na apreciação das diversas questões através dos acórdãos a citar, tendo mesmo relativamente a elas sido atingido, se nos é permitido, quase o limite máximo de intervenção do TJUE, atenta a fortíssima densificação dos conceitos usados nas normas em discussão e as sucessivas pronuncias quanto ao sentido que a esses conceitos e normativos devem ser dados.[2];
- Na apreciação do erro de julgamento de direito, entendeu o TCA Sul, no acórdão agora posto em crise que “(…) Na sentença recorrida, se bem a interpretamos, não foi analisada a verificação ou não dos pressupostos de incidência objectiva do imposto;
Para nós é precisamente por esse fundamento de indeferimento da pretensão da Recorrente que deve ser iniciada a apreciação da legalidade das liquidações impugnadas(…);
- Considerando ainda, E, estando em causa a própria qualificação da operação como operação susceptível de ser tributada em sede de IVA, só fará sentido avançar para a análise da eventual qualificação do sujeito que a presta como sujeito passivo de IVA se se verificarem os pressupostos de incidência objectiva. É que, de nada adianta discutir qual a natureza da entidade, os poderes que detém ou exerce na concretização de determinadas operações ou se do seu não reconhecimento como sujeito passivo de IVA decorrem distorções de concorrência se as operações económicas em que a actividade da Recorrente se traduz não forem objectivamente operações sujeitas a incidência de IVA.”;
- Ora, é nosso entender, que é correcto o entendimento do douto acórdão ao considerar que a apreciação desta 1ª vertente - da incidência objectiva - é essencial, e configura condição para se poder prosseguir procedendo à análise do preenchimento da incidência subjectiva;
- Todavia, na apreciação que foi feita no acórdão do TCA Sul, no que concerne à verificação dos pressupostos de incidência objectiva não foi indicado qualquer acórdão do TJUE susceptível de confirmar a existência da invocada uniformidade de jurisprudência;
- Sendo a questão, controversa, senão vejamos:
- Foi entendimento da AT que, na entrega dos montantes à EP relativos à CSR, esta não realiza uma prestação de serviços relevante para efeitos do IVA, uma vez que esta receita não constitui a contrapartida de um serviço individualizável prestado pela EP ao Estado ou a terceiros, não configurando, por esse facto, uma prestação de serviços nos termos do artigo 4º do Código do IVA (CIVA);
- Entendeu o TCA Sul, de forma diversa, considerando que a prestação de serviços a ser enquadrada para efeitos dos artigos 1º e 4º do CIVA não é a “transferência da CSR” mas sim a Conservação e disponibilização das vias aos utentes da Rede Rodoviária Nacional (RRN) em determinadas condições e em cumprimento das obrigações contratualmente assumidas enquanto concessionária, considerando, o Tribunal, ser a CSR uma das contrapartidas estabelecidas. Considerando ainda, que o serviço é perfeitamente individualizável, quer ao nível da prestação quer ao nível dos seus beneficiários diretos (utentes) estando mesmo legal e contratualmente definido esse serviço;
- Entendeu o TCA Sul defender a existência de uma prestação de serviços para efeitos do IVA ao referir, citando alguma doutrina, uma atribuição patrimonial qualquer que seja, terá, em princípio subjacente uma prestação de serviço se não for contrapartida de uma entrega de bens, mesmo que tal prestação de serviço haja de qualificar-se (como faz a administração francesa) de inominada (inomée) por ser desconhecido ou de difícil identificação o seu conteúdo”. Acrescentando que “se nos é permitido e ainda que a identificação do seu efectivo beneficiário seja realizada de forma indirecta, como é o caso das situações em que a contribuição é a «compensação de uma prestação» que aproveita de forma segura um «determinado grupo» embora seja de aproveitamento apenas provável «quando referido ao indivíduo» que dela, integrando-se na relação da prestação, acaba por efectivamente beneficiar”;
- Ora, tal entendimento do TCA Sul não assenta, nem refere, qualquer acórdão do TJUE no mesmo sentido;
Sendo que, ao invés, existe diversa jurisprudência do TJUE sobre a matéria em questão, susceptível de sustentar posição contrária (que cita e identifica [Da Jurisprudência do TJUE - incidência objectiva: 1) Os conceitos previstos na Diretiva IVA são conceitos próprios do Direito da União não podendo ser restringidos ou interpretados tendo por base aqueles contidos nas legislações nacionais dos diferentes Estados membros; Para tal o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo, quando solicitado, a definir o seu âmbito e alcance, tendo como objetivo uma interpretação uniforme nos vários Estado membros da União (v. acórdãos CPP, C 349/96, e Skandia, C 240/99); Embora a Sexta Diretiva atribua um âmbito de aplicação muito lato ao IVA, apenas são abrangidas por este imposto atividades que tenham caráter económico (v. Acórdãos Régie dauphinoise, C-306/94, MKG-Kraftfahrzeuge-Factoring, C305/01 e Hutchinson 3G e o., C-369/04).; Nos termos do artigo 2º da Sexta Diretiva, relativo às operações tributáveis, são sujeitas ao IVA, para além das importações de bens, as entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país. Além disso, por força do artigo 4º, nº 1, da referida Diretiva, entende-se um sujeito passivo qualquer pessoa que exerça, de modo independente, uma atividade económica, independentemente do fim ou resultado dessa atividade (v. designadamente, acórdãos Comissão/Países Baixos, c-235/85, Comissão/Grécia, C-260/98 e Isle of White Council e o., C-288/07); Relativamente às entregas de bens ou prestações de serviços efetuadas a título oneroso, na aceção do artigo 2º, nº 1, alínea a) da Sexta Diretiva, O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem proferido jurisprudência no sentido que só se devem considerar efetuadas a título oneroso e como tal tributáveis, quando exista entre o fornecedor e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são realizadas prestações recíprocas, constituindo, a retribuição recebida pelo prestador, a contrapartida efetiva do serviço fornecido ao beneficiário (v. Acórdão Tolsma, C-16/93, SDC, C-2/95 e Comissão/República da Finlândia C-246/08); Em conformidade com a Jurisprudência do TJUE, a existência de uma prestação de Serviços efetuada a título oneroso, na aceção do artigo 2º, nº 1, da Sexta Diretiva, pressupõe a existência de um nexo direto entre o serviço prestado e a contrapartida/contravalor recebido (v. designadamente, acórdãos Apple and Pear Development Council, 102/86, Fillibeck, C-258/95 e Comissão/Grécia C-260/98 e Isle of White Council e o., C-288/07);
- Em suma, e relativamente às operações controvertidas, e tendo por base a jurisprudência do TJUE, terá necessariamente de se entender, contrariamente à opinião do TCAS, que não existe qualquer prestação de serviços a título oneroso, existindo outrossim duas relações jurídicas distintas de natureza unilateral:
- A primeira, entre o Estado e os sujeitos passivos da CSR, e
- A segunda entre a EP e os beneficiários diretos da RRN (utilizadores efectivos);
- Efectivamente, no primeiro caso, os sujeitos passivos da CSR (sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos), não obtêm qualquer contrapartida directa do Estado nem da EP pelo seu pagamento, sendo a taxa fixada tomando por referência indicadores com base nos litros de combustível transaccionados, não conferindo àqueles sujeitos passivos o direito a qualquer contrapartida, seja qual for o destino dado a este combustível;
- No segundo caso, os utilizadores da vias (beneficiários directos) não estão obrigados a qualquer contrapartida directa à EP, nem sequer estão obrigados ao pagamento de CSR, pela actividade prestada pela EP de financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento das vias que integram a RRN, bem como a própria concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento das vias que integram a Rede Rodoviária Futura, constituindo ainda sua obrigação manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança das mesmas;
- Estes mesmo argumentos são defendidos pelo TJUE, no seu acórdão de 22 de junho de 2016, no processo C-11/15, Cesky rohzlas, em resposta a questão prejudicial enviada pelo Nejvyssi spavni soud (Supremo Tribunal Administrativo da República Checa) “Pode a atividade de serviço público de radiodifusão, financiada por meio de taxas legais obrigatórias, cujo montante é fixado por lei e que se baseiam na propriedade, posse ou disponibilidade a qualquer outro título de um aparelho recetor de rádio, ser considerada uma “prestação de serviços a título oneroso” na aceção do artigo 2º, [ponto] 1, da Sexta Diretiva? […]”;
- O TJUE considera, no processo acima referido, não existir uma relação jurídica entre a emissora em causa e os devedores da taxa de radiodifusão, no âmbito da qual sejam efetuadas quaisquer prestações recíprocas, nem um nexo direto entre esse serviço de radiodifusão e essa taxa (cfr. ponto 23 do acórdão);
- Com efeito, no âmbito da prestação daqueles serviços, a Cesky rohzlas (emissora) e as referidas pessoas não estão vinculadas por nenhuma relação contratual ou transacção que implique a estipulação de um preço, nem por nenhum compromisso jurídico livremente consentido por uma delas para com a outra (cfr. ponto 24 do acórdão);
- Por outro lado, a obrigação de pagamento da taxa não resulta da prestação de um serviço que constitua uma contrapartida directa, uma vez que esta obrigação está ligada, não à utilização de serviço público de radiodifusão prestado pela Cesky rohzlas pelas pessoas sujeitas a essa obrigação mas apenas à posse de um receptor de rádio, qualquer que seja a utilização deste (cfr. ponto 25 do acórdão);
- Assim, as pessoas que possuam um receptor de rádio são obrigadas a pagar a referida taxa mesmo que utilizem o aparelho para ouvir programas emitidos por outros que não a Cesky rohzlas, assim como também o acesso ao serviço público de radiodifusão da Cesky rohzlas não está subordinado ao pagamento da taxa de radiodifusão (cfr. ponto 26 do acórdão).
- Conclui o TJUE que o serviço de radiodifusão como o que está em causa no processo principal não constitui uma prestação de serviços “a título oneroso” na aceção do artigo 2º, ponto 1, da Sexta Diretiva (cfr. ponto 28 do acórdão);
- Ora, o processo atrás referido, por força das semelhanças que apresenta com a questão controvertida, constitui um claro exemplo de jurisprudência em sentido contrário à decisão agora tomada pelo TCA Sul;
- Pelo que, entendendo o douto acórdão “sub judice” que  “só fará sentido avançar para a análise da eventual qualificação do sujeito que a presta como sujeito passivo de IVA se se verificarem os pressupostos de incidência objectiva”, e não tendo sido no mesmo aresto, no que concerne ao preenchimento do pressuposto da incidência objectiva, fundamentado a existência de jurisprudência uniforme que entende existir, existindo, como exposto, e pelo contrário, jurisprudência do TJUE em sentido inverso ao preconizado no acórdão , não podemos deixar de concluir pela existência da nulidade prevista na alínea b) do artigo 615º do CPC;
- O mesmo se poderá referir em relação à incidência subjectiva, nomeadamente no que concerne:

Ao conceito de “Autoridade Pública” uma vez que:
- Contrariando o entendimento do TCA Sul, no acórdão Comissão/Grécia de 12 de setembro de 2000, C-260/98, o TJUE, face à jurisprudência existente, comune di Carpaneto Piacentino, 231/87, 129/88 e C-4/89, Marktgemeinde Welden, C-247/95, refuta idêntica argumentação (da Comissão) segundo a qual um organismo atua “na qualidade de autoridade pública” unicamente no que se refere às atividades que se englobam no conceito de autoridade pública no sentido estrito, do qual não faz parte a atividade de colocação à disposição de uma infraestrutura rodoviária mediante o pagamento de uma portagem;

À existência de distorções de concorrência significativas, uma vez que:
- Nos acórdãos Comissão/Reino dos Países Baixos, C-408/97, Comissão/Grécia, C-260/98 e National Roads Authority, C-344/15, o TJUE emitiu já opinião no sentido de não considerar distorções de concorrência significativas as situações em que existem outras estradas portajadas no mesmo mercado em que atuam entidades públicas beneficiando do regime de não sujeição previsto no artigo 13º, nº 1 da Diretiva IVA;
- Em suma, nos presentes autos estão em causa, inter alia, os conceitos de “prestações de serviços efectuadas a título oneroso”, “organismos de direito público” que exerçam actividades ou operações “na qualidade de autoridades públicas” ou “distorções de concorrência significativas”, e ainda as normas que regulam o direito à dedução no âmbito da economia do sistema comum do IVA;
- Nesta medida, na fundamentação, impunha-se que o Tribunal invocasse a pertinente jurisprudência do TJUE sobre aqueles conceitos e aplicasse os respectivos critérios e interpretações ao caso “sub judice” ou, caso entendesse que a jurisprudência não era suficientemente esclarecedora para a resolução do caso concreto, deveria ter suscitado a questão perante o Tribunal de Justiça em processo de reenvio prejudicial;
- Com efeito, o artigo 267.º do TFUE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais a mais ampla faculdade de recorrer ao Tribunal de Justiça, se considerarem que um processo neles pendente suscita questões relativas à interpretação ou à apreciação da validade de disposições do direito da União necessárias para a resolução do litígio que lhes é submetido;
- Os órgãos jurisdicionais nacionais são livres de exercer esta faculdade em qualquer momento do processo que entendam adequado (v. acórdãos de 5 de outubro de 2010, Elchinov, C173/09, n.° 26 e jurisprudência referida, e de 11 de Setembro de 2014, A, C112/13, n.° 39 e jurisprudência referida), sendo da sua competência exclusiva a escolha do momento mais oportuno para colocar uma questão prejudicial (v. acórdãos de 15 de março de 2012, Sibilio, C157/11, não publicado, n.° 31 e jurisprudência referida, e de 7 de abril de 2016, Degano Trasporti, C546/14, n.° 16; de 5 de julho de 2016, Atanas Ognyanov, C614/14, n.° 17);
- A faculdade supra-referida transforma-se em obrigação para os órgãos jurisdicionais que se pronunciam em última instância, sob reserva das exceções reconhecidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão Cilfit, 283/81, n.° 21 e dispositivo), exceção essa que, apesar de referida no acórdão, conforme nulidade que vem invocada, não foi concretizada/fundamentada.

1.3. Verificação da nulidade prevista no artigo 615.º al. c) do Código de Processo Civil: ambiguidade ou obscuridade da fundamentação do acórdão
- A al.ª c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, prevê que a sentença é nula quando: Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”;
- Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo (que corresponde ao artigo 668.º do anterior CPC), tal nulidade só pode ser arguida:
“… perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, (…).”.
- Contudo, tendo em conta doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), nomeadamente a constante do acórdão de 2011JUL13, exarado no processo n.º 0370/11:
“Embora de natureza ordinária, o recurso de revista previsto no art. 150 do CPTA não pode ser utilizado, dado o seu carácter excepcional, como arguição de nulidades da sentença recorrida, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação no tribunal a quo, nos termos do art. 668, n.º 3 do CPC.”;
- Podendo, ainda, ler-se, no mesmo aresto:
Como acontece na hipótese semelhante de oposição de acórdãos.”.
- Nesta conformidade, vem a Fazenda Pública, perante o tribunal que proferiu o acórdão, arguir a nulidade fundamentada na existência de ambiguidade (consubstanciada na existência de mais do que um sentido possível para a decisão tornando-a ininteligível), nos termos a seguir expostos:
- Consta do douto acórdão no ponto 4.8.2, que se refere à questão do pagamento dos custos resultantes da prestação de garantia, que:
nos termos do artigo 53.º da LGT, é reconhecido ao sujeito passivo o direito a uma indemnização no caso de este ter prestado uma garantia no âmbito de processo de execução fiscal visando a sua suspensão (obstando à exigência de pagamento voluntário imediato ou à prossecução das diligências tendentes ao pagamento coercivo) no caso de se concluir que aquela foi indevidamente prestada.”
- E ainda que:
“(…) está provado que para obstar à cobrança coerciva dos valores alegadamente em dívida (emergentes das liquidações impugnadas), a Recorrente prestou garantias bancárias e tem, desde essa constituição, suportado os respectivos custos [cfr. alínea R) do probatório, ponto IV (4.3.1.3.) supra].
Assim, atentos os factos apurados, os preceitos já citados e que não podem subsistir dúvidas que na génese da nossa decisão de anular as liquidações está um erro imputável aos serviços é de concluir pela procedência do pedido indemnizatório formulado com os limites estabelecidos no n.º 3, do artigo 53.º da LGT.”;
- Sendo que, consequentemente, no segmento decisório do douto acórdão, foi a Fazenda Pública condenada “no pagamento à Recorrente dos custos por ela suportados com a constituição das garantias bancárias para suspender a cobrança coerciva dos valores inscritos nas liquidações anuladas até ao limite legalmente fixado”;
- Na citada alínea R) do probatório refere-se:
R) A EP, S.A, tendo em vista obstar ao pagamento coercivo das liquidações referidas em H), prestou garantias bancárias, tendo suportado os respectivos custos desde Maio de 2010 (garantia n.º ...) e 11 de Agosto de 2010 (garantia n.º ...) até, pelo menos, Setembro de 2016 (conforme documentos de fls. 373 do volume 4 do processo administrativo instrutor e fls. 1128 a 1145 do volume IV dos presentes autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, e depoimento da testemunha S...)”;
- Na alínea H) do probatório refere-se:
H) Na sequência das correcções efectuadas, foram emitidas as liquidações de IVA e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 65.269.915,31, cujo prazo-limite para pagamento voluntário terminou a 30/04/2010 para as liquidações adicionais dos períodos 2009/07 e 2009/98 e em 31/05/2010 para as liquidações adicionais relativas aos períodos 2009/09 e 2009/10 (cfr. art.º 2º da p.i.; e fls. 89 a 96 dos autos)”
- A ambiguidade a que alude o artigo 615º n.º 1 al. c) do CPC, que torna a decisão ininteligível, a este respeito, resulta do facto de, no caso dos autos, estarmos perante uma situação algo incomum em que foi apresentada pela impugnante uma garantia bancária destinada a caucionar a suspensão de dois processos de execução fiscal diferentes.
- Como refere a Recorrente/Impugnante, no seu requerimento de Fls. 1069 e ss dos autos (nomeadamente nos artigos 2, 3, 4 e 5), e resulta do documento de fls. 374 do volume IV do PAT referido no probatório (que explicita que a garantia bancária ... é destinada a caucionar a suspensão dos processos de execução fiscal  n.ºs ... e ...), a garantia ..., que tem, como consta da documentação junta pela recorrente a fls 1128 e seguintes, a si associados custos no valor de €14.081.446,45 (até Setembro de 2016), destinou-se a garantir os montantes em causa nos presentes autos (cujo valor da ação é de € 65.269.915,31) mas também os montantes relacionados com outra impugnação no valor de € 288.821.455,97 em que a Recorrente impugnou as liquidações adicionais de IVA respeitantes aos exercícios de janeiro de 2008 a junho de 2009;
- De facto, como a recorrente esclarece naquele requerimento de fls 1069, para a suspensão da execução no âmbito destes dois processos (de impugnação) a Recorrente viu-se obrigada a constituir garantias bancárias de cerca de 145 milhões de euros (valor que corresponde ao indicado na documentação), o que representa um encargo anual de cerca de 3 milhões de euros;
- Ou seja, a Recorrente constituiu a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 com custos associados de € 3.205.486,79 (até setembro de 2016), relativo a parte das liquidações em causa nos presentes autos, e constituiu a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50, com custos associados de € 14.081.446,45 (até setembro de 2016), que é relativo a outra parte das liquidações em causa nos presentes autos, mas também a outras liquidações que se encontram a ser discutidas no âmbito de outro processo;
- Assim, suscita-se a dúvida de saber se a indemnização cujo direito é reconhecido à impugnante respeita:
o Aos custos com a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 e à totalidade dos custos com a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50 ou
o Aos custos com a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 e à parte dos custos com a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50 na proporção em que sejam imputáveis ao processo de execução fiscal relacionado com a presente impugnação, ou seja, com exclusão da proporção dos custos imputáveis ao outro processo de execução para o qual a garantia também foi prestada mas que não se relaciona com valores “emergentes das liquidações impugnadas” na presente impugnação;
- Na realidade, em sede de decisão refere-se que a indemnização, cujo direito é reconhecido à impugnante, respeita a custos por ela suportados com a constituição das garantias bancárias para suspender a cobrança coerciva dos valores inscritos nas liquidações anuladas”;
- Sendo que, no caso da garantia ... no valor de € 120.637.793,50, os custos suportados pela impugnante estão também relacionados com a suspensão da cobrança coerciva de um outro processo de execução fiscal, e no que concerne a este último processo de execução fiscal, instaurado para cobrança de valores de liquidações que são objecto de uma outra impugnação e não os “valores inscritos nas liquidações anuladas”, não está demonstrado que a garantia prestada o tenha sido indevidamente;
- Verificando-se, em face daqueles dois sentidos possíveis para a decisão, a nulidade do acórdão em tal segmento, a qual se argui com todas as consequências legais;
- Solicitando-se desde já que, na eventualidade de no douto acórdão, ora notificado à Fazenda Pública, ter sido (ou vir ser) decidido que a indemnização atribuída à impugnante é relativa a todos os custos associados à garantia ..., incluindo a parte respeitante a liquidações que se encontram a ser discutidas no âmbito de outro processo judicial, a reforma do acórdão nos termos previstos no artigo 616º n.º 2, alínea b) do CPC, em face dos documentos acima referidos que já constam dos autos, de forma a restringir a indemnização atribuída à impugnante apenas aos custos com as garantias por esta suportados na proporção em que respeitem às liquidações impugnadas e objecto de anulação;

1.4. Verificação da nulidade de acórdão prevista no artigo 615 n.º1 d) do CPC: omissão de pronúncia
- A al. d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, prevê que a sentença é nula quando: O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”;
- Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo artigo (que corresponde ao artigo 668.º do anterior CPC), tal nulidade só pode ser arguida:
… perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, (…).”;
- Contudo, tendo em conta doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), nomeadamente a constante do acórdão de 2011JUL13, exarado no processo n.º 0370/11:
“Embora de natureza ordinária, o recurso de revista previsto no art. 150 do CPTA não pode ser utilizado, dado o seu carácter excepcional, como arguição de nulidades da sentença recorrida, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação no tribunal a quo, nos termos do art. 668, n.º 3 do CPC.”;
- Podendo, ainda, ler-se, no mesmo aresto:
“Como acontece na hipótese semelhante de oposição de acórdãos.”;
- Nesta conformidade, vem a Fazenda Pública, perante o tribunal que proferiu o acórdão, arguir a nulidade consubstanciada em omissão de pronúncia nos termos a seguir expostos:
- Nas alegações de recurso, a fls. 766v dos autos afirma a impugnante que junta 5 (cinco) documentos - Dois pareceres e cópias de três contratos - ao abrigo dos artigos 524.º e 693º-B ambos do CPC (e correspondentes aos actuais artigos 425.º e 651.º respectivamente);
- A junção de tais documentos foi analisada no acórdão “sub judice”, concluindo-se, no mesmo, que :
o Em relação aos pareceres A sua admissibilidade é, pois liquida”;
o Em relação aos contratos “não se trata de documentos novos, mas da sua materialização, só apresentados com as alegações de recurso, a título de exemplo, numa tentativa de ser ultrapassada a inércia do Tribunal a quo em consultar o site indicado pela ora Recorrente”;
- Em 29 de Novembro de 2016, após a realização da “nova inquirição de testemunhas” veio a parte juntar, a fls. 1127 e seguintes, documentos atinentes aos custos associados à garantia bancária e um parecer (relativo ao enquadramento da CSR em sede de IVA);
- No que concerne à junção de tais documentos, não foi emitida qualquer pronúncia/decisão por esse douto tribunal, nem no sentido da sua admissão, nem do seu “desentranhamento”;
- Estabelece o artigo 443.º do CPC (anterior artigo 543º), sob a epígrafe “Documentos indevidamente recebidos ou tardiamente apresentados” o seguinte:
“1 - Juntos os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no artigo 427.º, o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, condenando este ao pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
2 - Caso seja aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 423.º, a parte é condenada no pagamento de uma única multa.”;
- Ora, analisados os autos, verifica-se que, após notificação à Fazenda Pública da apresentação dos referidos documentos (a fls. 1127 e ss), nos termos do disposto no artigo 427º do CPC, nada foi decidido por esse Douto Tribunal em relação aos mesmos, não tendo sido verificada/decidida a sua eventual pertinência ou necessidade, não tendo, pois, sido dado cumprimento ao disposto na supra citada disposição legal (artigo 443.º do CPC), o que desde já se invoca;
- Acresce, que tais documentos foram relevados e tomados em consideração, na factualidade dada como provada (alteração/aditamento, já supra referido e realizada pelo TCA Sul), assumindo pois relevância na decisão final, senão vejamos:
- Da alínea R) aditada ao probatório consta “R) A EP, S.A, tendo em vista obstar ao pagamento coercivo das liquidações referidas em H), prestou garantias bancárias, tendo suportado os respectivos custos desde Maio de 2010 (garantia n.º ...) e 11 de Agosto de 2010 (garantia n.º ...) até, pelo menos, Setembro de 2016 (conforme documentos de fls. 373 do volume 4 do processo administrativo instrutor e fls. 1128 a 1145 do volume IV dos presentes autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, e depoimento da testemunha S...);
- Ora, ainda que se entendesse que a apreciação de tais documentos e a sua utilização para a decisão da causa consubstanciasse “renovação de prova” em 2ª instância (cfr. despacho a fls. 1107 dos autos), - o que sempre consubstanciaria violação do princípio do contraditório nos termos expostos infra por não notificação da Fazenda Pública para alegações nos termos do artigo 120º do CPPT, e que mais uma vez se invoca - não prevê o artigo 662.º do CPC que tal renovação se possa efectuar por meio de documentos, estando apenas prevista para depoimentos (testemunhas, partes, peritos);
- Como tal, padece o presente acórdão de nulidade por omissão de pronúncia em relação à junção/admissão de tais documentos (nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC (ex vi artigo 666.º do CPC);

2. Pedido de Reforma de Acórdão
- Nos autos de Impugnação Judicial à margem referenciados, o Tribunal Tributário de Lisboa em 1.ª instância (processo n.º 622/11.4BEALM), julgou a acção improcedente -não condenando a Fazenda Pública em custas;
- Em sede de recurso, a 2.ª Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, concedeu provimento ao recurso interposto pela Impugnante, (e consequentemente, condenou em custas a Fazenda Pública, em ambas as instâncias);
- Ora, tendo em conta o valor da causa (€ 65.269.915,31), impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respectivo remanescente, em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do citado diploma legal;
- Segundo o acórdão do TCA Sul, no processo n.º 07140/14, o pagamento do remanescente é considerado na conta a final do processo, salvo casos específicos em que o juiz poderá, atendendo à especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento;
- In casu, o Juiz nunca se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (nos termos da 2.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP), quando, claramente – atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes –, a especificidade da situação o justificava;
- No que diz respeito à complexidade da causa, é necessário analisar os pressupostos previstos no n.º 7 do artigo 530.º do CPC, para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso;
- Quanto à conduta processual das partes, ter-se-á em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no artigo 8.º do CPC;
- Para averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (artigo 530.º n.º 7) antecipou três grupos de requisitos, a saber:
o A existência ou não de articulados ou alegações prolixas – vide al. a);
o A questão da causa ser, ou não, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, ou importarem questões de âmbito muito diverso – vide al. b);
o O terceiro e último grupo prende-se com a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas – vide al. c);
- A Fazenda Pública entende que adoptou, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa-fé;
- Resulta claro que, no decurso deste processo, a Fazenda Pública apenas apresentou as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material, não recorrendo à utilização de quaisquer articulados ou alegações prolixas, nem solicitando quaisquer meios de prova adicionais;
- Relativamente à especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, decorre, do douto acórdão do TCA Sul, não ser, a questão da causa, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, considerando que decorre do douto acórdão que no caso concreto se verifica a exigida existência de jurisprudência uniforme e sedimentada do TJUE sobre o sentido interpretativo a atribuir à norma em causa, não sendo, igualmente, as questões aqui em crise, de âmbito muito diverso, susceptíveis de justificar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente a uma acção no valor de € 65.269.915,31;
- Por essa razão, não deve a Fazenda Pública ser penalizada, em sede de custas judiciais, mas, antes, o seu comportamento incentivado, apreciado e, positivamente valorado;
- Assim, solicita a Fazenda Pública que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, por forma a dispensar a mesma do pagamento do remanescente das taxas de justiça, reformando-se, nessa parte, o acórdão quanto a custas, ao abrigo do n.º 1 do artigo 616.º do CPC;
- Até porque, caberá a parte vencida suportar não só a taxa de justiça referente à contestação e correspondente remanescente, como também reembolsar à parte vencedora, a título de custas de parte, as taxas de justiça devidas em 1ª instância e em sede de recurso e correspondentes remanescentes e bem assim os valores referentes a despesas com honorários do mandatário;
- Ou seja, a parte vencida teria, no fim, que suportar o montante de cerca de € 1.993.080,00, apenas relativamente a taxas de justiça e remanescente por ambas as partes;
- Sem conceder invoca, a Fazenda Pública, a inconstitucionalidade da norma constante dos n.ºs 1, 2 e 7 do artigo 6.º do RCP, bem como, da al.ª c) do n.º 3 do artigo 26.º e da al.ª d) do n.º 2 do artigo 25.º, ambos do RCP, na parte em que delas resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, bem como, quando prevêem, sem mais, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado;
- Desde já, em função do exposto, resulta manifesto que a fixação de custas em valor superior por referência ao valor do processo de € 65.269915,31 viola, em absoluto, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, e o da proporcionalidade entre a correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais – vide artigos 2.º e 20.º n.º 1, ambos da Constituição da Republica Portuguesa (CRP);
- Do disposto no n.º 1 do artigo 20.º da CRP, resulta que os montantes das custas não podem ser fixadas de modo a impedir ou dissuadir o acesso aos tribunais;
- O princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso (nos subprincípios do principio da proporcionalidade), há um limite absoluto para a restrição de ”direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito do “conteúdo essencial” dos respectivos preceitos.” [J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4.ª edição 1.º volume, Coimbra Editora, 2007, pág. 392 e ss, bem como, Ac. do TCA Sul – 2.ª Secção, Proc. 6579/13 de 07-05-2013; Ac. do TCA Sul – 2.ª Secção, Proc. 7104/13 de 12-12-2013];
- O n.º 7 do artigo 6.º do RCP não deve ser interpretado – de forma alguma – como permitindo o cálculo das custas judiciais tendo em conta o valor do processo, sem atender ao limite máximo de € 275.000,00, por violar o direito de acesso aos Tribunais e o princípio da proporcionalidade. Desta forma, na interpretação assim conducente, deve tal norma ser desaplicada por padecer de inconstitucionalidade material;
- Até porque, o custo do serviço de justiça não aumenta proporcionalmente ao valor da causa, nem ilimitadamente em função deste;
- Assim, deverá ser julgada inconstitucional a norma constante dos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do RCP, quando interpretada no sentido que leve à aplicação do cálculo das custas judiciais sem ter em atenção o limite máximo estipulado no mesmo RCP (€ 275.000,00), por violação do artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º n.º 2 segunda parte, da referida lei fundamental;
- Da mesma forma, deve ser julgada inconstitucional a norma constante do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, quando prevê a aplicação de remanescente, por violação do artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º n.º 2 segunda parte, da referida lei fundamental;
- Deve, ainda, ser julgada inconstitucional a norma constante da al.ª c) do n.º 3 do artigo 26.º e a 2.ª parte da al.ª d) do n.º 2 do artigo 25.º, ambos do RCP, quando prevêem, sem mais, o pagamento de honorários no montante de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, sem prever que a parte vencedora faça prova de que, efectivamente, pagou tal montante a título de honorários, por violação do artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º n.º 2 segunda parte, da referida lei fundamental;
- Na verdade, parece-nos, como já referido, manifestamente desproporcionado face às características do serviço público concretamente prestado o pagamento de custas nos presentes autos por referência ao valor da causa de € 65.269.915,31;
- Exagero, esse, que resulta directamente do elevado valor da acção, sem qualquer tradução na complexidade do processo, sendo, por isso, claríssima a desproporção entre o serviço público envolvido e o valor total cobrado, violando, dessa forma, não só o princípio estruturante constitucional da proibição do excesso, como também o direito de acesso aos tribunais previsto no n.º 1 do artigo 20.º da CRP;
- Refira-se, que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no aludido normativo constitucional consubstancia, ele mesmo, um direito fundamental, constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais e sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito;
- Assim, deverá ser julgada inconstitucional – por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso e o principio da proporcionalidade – a norma que se extrai da conjugação do disposto no artigo 6.º n.ºs 1, 2 e 7 e TABELA I A e B anexa do RCP, bem como, da al.ª c) do n.º 3 do artigo 26.º e da 2.ª parte da al.ª d) do n.º 2 do artigo 25.º, também do RCP, na parte em que delas resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, bem como, quando prevêem, sem mais, o pagamento de honorários sem que esse valor tenha que ser justificado.
- Nos termos supra expostos pronunciou-se já o TCA Sul, no acórdão n.º 07373/14 de 13/03/2014, cujo teor acompanhamos e que, no n.º 8 do sumário, estipula:
“O direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa. Em hipótese deste tipo, sustentada a elaboração da conta em disposições da lei ordinária que conduzam a esse inadequado resultado, devem tais normas ser desaplicadas, por, na interpretação assim conducente, padecerem de inconstitucionalidade material. Ainda na mesma hipótese, a conformidade constitucional da interpretação normativa dessas disposições há-de passar por uma intervenção moderadora do juiz, atribuindo-lhe um sentido que permita ajustá-las a aceitáveis e adequados limites. Essa intervenção moderadora pode encontrar-se no princípio segundo o qual, dadas as particularidades do procedimento tributado, se não justifica o pagamento do remanescente que supere o valor de € 275.000,00, antes se legitimando a interpretação moderadora das normas (conforme à Constituição) e o seu ajustamento àquele mencionado limite, também ao abrigo do examinado princípio da proporcionalidade. É o caso da norma do artº.6, nº.7, do R.C.P., por referência à Tabela I, anexa ao mesmo diploma, na interpretação segundo a qual num processo tributário de impugnação que somente teve tramitação em 1.ª instância e no qual não se realizou qualquer diligência de prova, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas ao valor total de € 192.270,00), a qual deve declarar-se materialmente inconstitucional.”;
- Concluindo, poderemos afirmar que a inexistência de um tecto máximo a atender para efeitos de fixação da taxa de justiça e, consequentemente, a inexistência de um limite máximo para as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade: Exigência de pagamento de taxa versus serviço de administração da justiça;
- Sendo certo que a taxa de justiça é fixada em função do valor da causa, não é menos certo que o valor da taxa de justiça (e consequentemente o das custas a pagar a final) fixado em função desse valor, sem qualquer tecto máximo, possibilita a obtenção de valores, como é o caso dos autos, que saem completamente fora dos parâmetros aceitáveis dentro daquela “justa medida” a equacionar entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço (de administração da justiça) prestado.
- Por outro lado, os montantes assim calculados mostram-se incomportáveis para a capacidade contributiva do utilizador médio dos serviços;
- Dito de outra forma, resulta claro que montantes desta natureza dissuadem, ou, até, impedem, o acesso aos tribunais de quem procura a realização da justiça;
- Em suma, ao não estabelecerem um limite máximo para as custas a pagar, nomeadamente por não estabelecerem um limite máximo para o valor da acção a considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça, os artigos 6.º n.ºs 1, 2 e 7, 26.º n.º 3 al.ª c) e 25.º n.º 2 al.ª d) do RCP, por referência à tabela 1 anexa ao mesmo RCP, violam os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais;
- Não carece de mais justificações a verificação de que ocorre uma situação em que a taxa calculada é de montante manifestamente excessivo, ou seja, em que há uma desproporção intolerável entre o montante do tributo e o custo do serviço prestado. E, justamente por ser manifestamente exorbitante o valor calculado, ocorre, também, uma violação evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais;
- Desta forma, deverá ordenar-se a reforma quanto a custas, tendo em conta o máximo de € 275,000,00 fixado na TABELA I do RCP, desconsiderando-se o remanescente aí previsto.
Conclui, a final, pedindo que no que no que concerne às nulidades do acórdão supra invocadas, seja:
- declarada procedente a arguição de nulidade decorrente da omissão da notificação para os efeitos previstos no artigo120.º do CPPT, por provada e fundada, com a consequente anulação do acórdão  recorrido, e ordenada a prossecução dos autos com o suprimento da nulidade, e com a fixação de prazo para alegações e a notificação do Representante da Fazenda Pública e da impugnante para esse efeito, seguindo-se os ulteriores termos processuais; ou, subsidiariamente,
- declarada procedente a arguição da nulidade prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, por provada e fundada, e em consequência, não sendo a jurisprudência suficientemente esclarecedora para a resolução do caso concreto, ser suscitada a questão perante o Tribunal de Justiça em processo de reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267º do TFUE;
- declarada procedente a arguição da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por provada e fundada, e em consequência seja esclarecida a ambiguidade invocada, ou em alternativa seja o acórdão reformado nos termos do artigo 616.º n.º 2 alínea b) do CPC;
- declarada procedente a arguição da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por provada e fundada, e em consequência emitida pronuncia sobre a junção dos documentos de fls. 1127 e seguintes;
- no que respeita ao pedido de reforma quanto a custas, que seja concedido provimento quanto ao mesmo, determinando-se, consequentemente, a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida nos autos.

II - Notificada da arguição de nulidade e do pedido de reforma do acórdão veio a “Estradas de Portugal, SA”, (doravante designada apenas por “EP-S.A.” - nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 e n.º 4 do artigo 3.º, n.º 1 do artigo 149.º e n.º 6 do artigo 617.º todos Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) – pronunciar-se sobre os mesmos nos seguintes termos:

2.1. Arguição de nulidade por falta de notificação para alegações
- No seu articulado começam os ilustres representantes da Fazenda Pública por invocar que o Acórdão padece de nulidade por preterição de notificação para alegações após renovação da produção de prova;
- Na sua óptica, a omissão de notificação traduz uma violação do princípio do contraditório, do princípio da igualdade e do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva;
- Vejamos:
- A Recorrente apresentou recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios relativas aos períodos de Julho a Outubro de 2009:
- Nesse recurso jurisdicional a Recorrente procedeu, como lhe competia, à concreta identificação dos factos que considerou incorrectamente julgados especificando, bem assim, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da adoptada;
- Invocou manifesto défice instrutório na medida em que a sentença não havia levado ao probatório todos os factos relevantes para a decisão da causa, em especial, no que se refere à verificação dos pressupostos de incidência objectiva e subjectiva do IVA na situação em concreto;
- Ao mesmo tempo, invocou insuficiente apreciação do probatório, sobretudo, quanto ao conjunto de documentos juntos pela Recorrente;
- Concluiu nas alegações de recurso pela absoluta necessidade de serem acrescentados ao probatório determinados factos relativos à qualificação da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e das portagens como uma contraprestação dos serviços prestados pela EP aos utentes das vias rodoviárias e ao Estado;
- E, bem assim, determinados factos relativos à exclusão da EP do âmbito de incidência da delimitação negativa constante do n.º 2 do artigo 2.º Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), bem como toda a factualidade relativa à existência de distorções da concorrência, a qual sempre determinaria a desaplicação da excepção à regra de sujeição a IVA;
- Conforme resulta do douto despacho proferido pela Meritíssima Juíza relatora a fls. 1106 e seguintes, a Recorrente, ao impugnar o julgamento de facto vertido na sentença recorrida, “fê-lo, como claramente resulta das peças já mencionadas, com total observância das regras imperativamente impostas no, então vigente, artigo 685º-B, do Código de Processo Civil, isto é, indicando expressamente as deficiências de que o julgado padecia, a factualidade que deveria passar a integrar o probatório e os elementos de prova que, em seu entender, considerados e devidamente valorados, impunham a nova fixação da matéria apurada”;
- Referindo, ainda, relativamente aos elementos de prova a relevar que “são indicados pela Recorrente documentos que constam dos autos - e já constavam na data em que o julgamento foi realizado - e as declarações prestadas pelas testemunhas admitidas enquanto meio de prova pelo Tribunal e ouvidas relativamente às matérias (factos) impugnadas”.
- Sublinha-se, aliás, mais à frente no douto Acórdão, “[...] que a Recorrente cumpriu integralmente o ónus que sobre  si  recaía  nos  termos  do  artigo  685.º-B,  do  Código  de  Processo  Civil  já que indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (…) e identificou os meios probatórios constantes do processo  que, em seu entender, imporiam que sobre a matéria de facto tivesse sido proferida decisão distinta da recorrida (…), incluindo a transcrição expressa das passagens da gravação de cada um dos depoimentos em que funda a sua pretensão.” (fls. 37);
- Ou seja, a Recorrente, como se salienta no douto Acórdão, procedeu à especificação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, mas também dos concretos meios probatórios constantes quer da gravação da prova quer dos documentos que impunham decisão diversa, indicando, em especial, os depoimentos e as exactas passagens da gravação da prova em que se funda a impugnação;
- A primeira conclusão a retirar do que vem dito é que não está, portanto, em causa a apreciação de novos factos ou novos meios de prova, mas apenas o reexame de questões submetidas à apreciação do Tribunal “a quo”;
- Os recursos são, como sabido, meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição;
- Tal não significa, porém, que o Tribunal “ad quem” não possa e não deva diligenciar no sentido de convocar uma nova audiência para inquirir novamente as testemunhas, procedendo ao reexame das questões já apreciadas;
- E nesse âmbito não possa i) ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; ii) ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
- Foi o que sucedeu com a renovação da produção de prova testemunhal;
- De facto, se o reexame da documentação junta e eventual alteração da matéria de facto com base nesses documentos não suscitava qualquer questão, o mesmo não se passava em relação aos depoimentos prestados no Tribunal “a quo”;
- Como se sublinha no aludido despacho a fls. 1106 e seguintes, “Na verdade, como já assumido por este Tribunal em vários Acórdãos, designadamente em Acórdãos relatados pela subscritora, o Tribunal Central pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas atribuído ao julgador em 1ª instância e dentro do restrito papel que em sede de reapreciação da matéria de facto lhe está atribuído, isto é, em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal recorrido sobre matéria de facto.”;
- Na realidade, o Tribunal “a quo” não obstante ter afirmado de forma genérica que concorreram para a formação da sua convicção os “depoimentos das testemunhas”, não concretizou os depoimentos que contribuíram para a formação da sua convicção relativamente a cada um dos factos que deu como provados e como não provados “ficando, assim, sem se saber de forma inteiramente segura de que forma as declarações prestadas pelas testemunhas foram decisivas para o julgamento de facto que realizou.”;
- O que determinou numa primeira fase a audição da prova produzida em 1.ª Instância e, numa segunda fase, a nova inquirição das testemunhas ouvidas pelo Tribunal “a quo”;
- O Tribunal “ad quem” teve dúvidas quanto ao sentido da decisão de facto e quanto à sua compatibilidade com o teor dos documentos juntos aos autos, bem como quanto a uma eventual necessidade de proceder à ampliação da matéria de facto;
- Refere-se no aludido despacho que “se é certo que este Tribunal não pode, seguramente, pôr em questão de ânimo leve a convicção que aquele livremente formou - considerando, para além do mais, que aquele dispôs de outros elementos ou mecanismos de ponderação da prova global que este Tribunal de recurso não detém - o certo é que também não pode desconsiderar que as alegações e conclusões formuladas traduzem, claramente, uma invocação de erro ostensivo na apreciação da prova”;
- Nessa sequência, o Tribunal “ad quem” decidiu notificar as partes para a realização de nova inquirição das testemunhas “cujos depoimentos foram convocados em sede de impugnação da matéria de facto, e exclusivamente quanto aos concretos pontos de factos impugnados (…)” (fls. 17);
- A nova inquirição das mesmas testemunhas teve lugar no dia 22 de Novembro de 2016;
- Concluído o reexame da matéria de facto, o Tribunal “ad quem” concluiu pela verificação de erro de julgamento de facto tendo procedido à alteração do probatório nos seguintes termos:
i) alteração do probatório por aditamento de factos à factualidade dada por provada;
ii) alteração do probatório por dele constar matéria absolutamente contrária à natureza do facto que o probatório em exclusivo deve acolher;
iii) alteração do probatório oficiosamente determinada nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil;
iv) alteração do probatório nos termos do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
- Neste contexto, a Fazenda Pública vem invocar que deveria ter sido conferida a hipótese de se pronunciar sobre a “nova produção de prova” em sede de notificação para alegações;
- E que a falta de notificação para alegações, nos termos do disposto no artigo 120.º do CPPT, consubstancia uma violação do princípio do contraditório, do princípio da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva;
- Por se tratar de preterição de formalidade que, - na sua óptica, - pode influir na decisão da causa;
- Ora, antes de mais é importante sublinhar que no caso sub judice procedeu-se, no essencial, à renovação da produção da prova e não à produção de novos meios de prova;
- E que, com a nova inquirição, o Tribunal ad quem pretendeu obter esclarecimentos relativamente a pontos muitos concretos;
- Razão pela qual, aliás, quem conduziu a inquirição das testemunhas foi a Meritíssima Juíza Relatora e não os advogados das partes;
- Todas as testemunhas ouvidas em 2.ª Instância já haviam sido inquiridas em 1.ª Instância, não tendo sido juntos aos autos documentos propriamente novos;
- Como se refere, aliás, no douto Acórdão, relativamente à admissão aos autos dos documentos apresentados conjuntamente com as alegações de recurso “justifica-se a sua admissão, no caso concreto, porquanto a Recorrente na petição inicial expressamente invocara a sua existência, remetendo o Tribunal a quo, atenta a sua natureza pública, para um site oficial de onde constavam (como muitos outros). Ou seja, não se trata de documentos novos, mas da sua materialização, e que, de resto, só apresentados com as alegações de recurso, a título de exemplo, numa tentativa de ser ultrapassada a inércia do Tribunal a quo em consultar o site indicado pela ora Recorrente”;
- Ademais, relativamente aos documentos juntos após a realização da inquirição de testemunhas em 2.ª Instância (actualização dos custos associados à prestação e garantia e parecer sobre o enquadramento da CSR), os mesmos não consubstanciam qualquer facto novo;
- Na realidade, o documento relativo à actualização dos custos suportados com a garantia é apenas isso - uma actualização – a Setembro de 2016 – dos custos despendidos com a manutenção da garantia bancária;
- Já anteriormente a Recorrente tinha invocado que havia prestado garantia bancária estando a suportar os respectivos custos desde Maio de 2010 (garantia n.º ...) e de 11 de Agosto de 2010 (garantia n.º ...), maxime, no âmbito do processo administrativo;
- Depois, em sede de Impugnação Judicial voltou a peticionar o ressarcimento dos prejuízos causados, incluindo os custos relacionados com a prestação das garantias bancárias (vd., em especial, o pedido da Recorrente);
- Nas alegações de recurso, a Recorrente volta pronunciar-se sobre os prejuízos sofridos com a prestação de garantia salientando a necessidade de aditamento do probatório da factualidade relativa aos prejuízos sofridos;
- Portanto, toda a factualidade aditada ou alterada teve por fundamento os mesmos depoimentos prestados em 1.ª Instância e a mesma documentação;
- Por outro lado, o parecer sobre o enquadramento da CSR junto após a inquirição em 2.ª Instância consubstancia matéria invocada anteriormente e especificamente relatada no depoimento da testemunha M... não tendo qualquer relevância autónoma;
- Razão pela qual, aliás, não lhe foi conferida qualquer relevância probatória no Acórdão em sede de alteração da matéria de facto e de direito;
- Ademais, sempre é de sublinhar que a Fazenda Pública foi, – oportunamente – notificada da junção dos documentos juntos com as alegações de recurso e nem se opôs à sua junção, nem sequer contra-alegou;
- De igual forma, foi notificada da junção de documentos efectuada após a inquirição em 2.ª Instância não se tendo, de igual forma, pronunciado sobre os mesmos;
- Portanto, a Fazenda Pública teve oportunidade de se pronunciar sobre o teor dos documentos não o tendo feito apenas porque não quis;
- Tal como optou por não exercer o contraditório que lhe assistia após o interrogatório realizado a cada uma das testemunhas, i.e., após a Meritíssima Juíza obter os esclarecimentos pretendidos de cada uma das testemunhas;
- A Fazenda Pública remeteu-se ao silêncio no decurso de todo processo. Repare-se que a Fazenda Pública não interrogou qualquer testemunha nem em 1.ª nem em 2.ª Instância, nem sequer pediu qualquer esclarecimento;
- Vir agora aos autos invocar que não teve oportunidade de proceder à apreciação crítica da prova produzida não deixa de ser caricato, consubstanciando venire contra factum proprium na medida em que a posição jurídica agora assumida está em plena contradição com o comportamento anteriormente assumido;
- Paralelamente, sempre seria necessário averiguar se a nulidade assacada ao Acórdão, consubstanciada na falta de notificação para alegações, seria susceptível de influir no exame da causa, isto é, na decisão proferida, determinando a anulação dos pertinentes termos do processo, o que não é;
- Desde logo, por não estarmos em presença de novos meios probatórios;
- É certo que na sequência da reapreciação da matéria de facto se procedeu à alteração do probatório por aditamento de factos, contudo, esse aditamento consubstancia um reexame da prova produzida admissível apenas por ser evidente o erro cometido em 1.ª Instância;
- Como se lê no douto Acórdão “(…) estando a impugnação da matéria de facto, no caso concreto, não só suportada em documentos mas também sustentada em depoimentos prestados por diversas testemunhas, há que ter presente o entendimento  jurisprudencial uniforme  de que o  Tribunal  de recurso só pode alterar o probatório fixado dentro do respeito pelo principio da livre apreciação das provas atribuído ao julgador em 1.ª instância (…), o que significa que, apenas  nos  casos excepcionais  de manifesto  erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal recorrido sobre matéria de facto, é que a peticionada alteração poderá merecer acolhimento” (fls. 37);
- Os fundamentos para se proceder à alteração do probatório estão relacionados com a valoração da prova anteriormente produzida, não existindo fundamento para essa alteração se o Tribunal “a quo” “(…) tiver feito uma valoração da prova produzida com apresentação da respectiva motivação de facto, da qual conste não só os vários meios de prova que concorreram para a formação  da  sua convicção (depoimentos testemunhais, relatórios periciais, outros documentos ou meios de prova), mas também os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado  sentido e não noutro”;
- O que não sucedeu;
- Não se procedeu a um novo julgamento;
- Toda a prova produzida já era do conhecimento da Fazenda Pública;
- Da renovação da prova não foram juntos ao processo documentos e informações com potencial relevo probatório com relevância para a decisão final;
- Logo, também não se justificaria a concessão de prazo para as partes se pronunciarem sobre as consequentes ilações jurídicas;
- Por outro lado, a nulidade de processo é a invalidade resultante da omissão de um acto de processo prescrito na lei;
- Ora, nenhuma norma constante do CPPT ou do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ou sequer do CPC impõe a notificação das partes para alegações após ter sido ordenada a renovação da prova;
- A norma constante do artigo 120.º do CPPT não tem paralelo quando se procede à modificação da decisão de facto nos termos do disposto no artigo 662.º do CPC;
- Refere-se nessa norma que “Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª Instância”;
- Ora, a ressalva com as necessárias adaptações não pode ter outro significado que não seja a sujeição da renovação/produção de nova prova ao conjunto mínimo das regras relativas à instrução, discussão e julgamento em 1.ª Instância uma vez que não estamos em presença de um novo julgamento;
- Apenas a realização de um novo julgamento (ou, no limite, a introdução de prova inovadora) poderia justificar a notificação para alegações;
- Em qualquer caso, a preterição de notificação para alegações sempre teria de constituir uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa;
- Ora as alíneas R), T) e V) aditadas ao probatório não constituem matéria nova sobre a qual a Fazenda Pública não tenha tido oportunidade de se pronunciar. Pelo contrário, trata-se de matéria constante do processo administrativo, da impugnação judicial e das alegações de recurso, tendo o Tribunal “ad quem” apenas procedido a uma valoração da prova diferente da realizada em pelo Tribunal “a quo”;
- Tanto a factualidade constante da alínea R), como a factualidade constante das alíneas T) e V) constava já do processo administrativo apenso e da documentação junta anteriormente. Tendo, aliás, os depoimentos prestados em 1.ª Instância também se pronunciado sobre esta factualidade;
- Factualidade esta, contudo, erradamente valorada e selecionada pelo tribunal “a quo”;
- Por isso, não podemos concluir que se tivesse sido concedida a possibilidade de a Fazenda Pública alegar a decisão da causa seria distinta ;
- Nesse seguimento, também nos parece evidente que não se coloca aqui a questão da violação do princípio do contraditório ;
- Este princípio, que respeita à igualdade dos meios processuais ao dispor das partes, foi integralmente respeitado. Não apenas em relação à Recorrente (uma vez que também não foi notificada para alegar) como em relação a terceiros aos quais em igualdade de circunstâncias também não teriam tido a possibilidade de alegar ;
- Neste circunstancialismo, não tinha cabimento, não havia lugar a notificação para alegações ;
- A omissão da notificação para alegações também não consubstancia qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva ;
- Estes princípios aqui entendidos por referência à igualdade de meios processuais e de acesso à justiça apenas seriam subvertidos se o caso sub judice constituísse uma excepção à regra ;
- Não constitui. Não há lugar a notificação para alegações quando se procede à renovação da prova em 2.ª Instância (nas circunstâncias em causa) uma vez que não se trata de um novo julgamento ;
- Ademais, sempre se diga que a Fazenda Pública invoca a susceptibilidade de a omissão influir na decisão, mas não aponta os fundamentos ;
- Ficando sérias dúvidas sobre as reais hipóteses de a supressão em causa alterar o sentido da decisão ;
- Por fim, deve ser sublinhado que no final da audiência de inquirição de testemunhas, ocorrida a 22 de Novembro de 2016, foi proferido despacho pela Meritíssima Juíza Relatora no sentido de não proceder à notificação das partes para alegações por entender que essa notificação não se justificava face à ausência de enquadramento ou fundamento legal.
- Nesse momento, a Fazenda Pública tomou conhecimento de que não iria ser notificada para produzir alegações, isto é, de que não iria ter oportunidade de discutir a “nova” factualidade, pelo que, podia, nesse momento, ou nos 10 dias subsequentes, ter arguido a nulidade que vem agora imputar ao Acórdão ;
- Ou seja, não é verdade que a Fazenda Pública apenas tomou conhecimento da omissão de notificação para alegações no momento em que foi notificada do Acórdão ;
- Tomou conhecimento muito antes, em concreto, no final da inquirição efetuada em 2.ª Instância que ocorreu no dia 22 de novembro de 2016, pelo que, o pedido agora efectuado além de não ter qualquer fundamento sempre seria manifestamente extemporâneo;
- Face ao que não poderá proceder a nulidade arguida por inexistência de notificação para alegações após a renovação da produção de prova;

2.2. Arguição de nulidade por a condenação no pagamento dos custos associados à prestação de garantia não distinguir os custos
- Vem também a Fazenda Pública arguir a nulidade fundamentada na existência de alegada ambiguidade (consubstanciada na alegada existência de mais do que um sentido possível para a decisão tornando-a ininteligível);
- Alega a Fazenda Pública que a ambiguidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, al. e) do CPC, que torna a decisão ininteligível, a este respeito, resulta do facto de, no caso dos autos, estarmos perante uma situação algo incomum, em que foi apresentada pela Impugnante/Recorrente uma garantia bancária destinada a caucionar a suspensão de dois processos de execução fiscal diferentes;
- Refere a Fazenda Pública que a Recorrente constituiu a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 com custos associados de € 3.205.486,79 (até Setembro de 2016), relativo a parte das liquidações em causa nos presentes autos, e constituiu a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50, com custos associados de € 14.081.446,45 (até Setembro de 2016), que é relativo a outra parte das liquidações em causa nos presentes autos, mas também a outras liquidações que se encontram a ser discutidas no âmbito de outro processo no valor de € 288.821.455,97 em que a Recorrente impugnou as liquidações adicionais de IVA respeitantes aos exercícios de janeiro de 2008 a junho de 2009;
- Assim, alega a Fazenda Pública que se suscita a dúvida de saber se a indemnização cujo direito é reconhecido à Recorrente respeita:

a) aos custos com a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 e à totalidade dos custos com a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50

Ou,

b) aos custos com a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 e à parte dos custos com a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50 na proporção em que sejam imputáveis ao processo de execução fiscal relacionado com a presente impugnação, ou seja, com exclusão da proporção dos custos imputáveis ao outro processo de execução para o qual a garantia também foi prestada mas que não se relaciona com valores “emergentes das liquidações impugnadas” na presente impugnação.
- Para a Fazenda Pública, verifica-se, em face daqueles dois sentidos que considera possíveis para a decisão, a nulidade do acórdão em tal segmento;
- Todavia, este seu entendimento está destituído de razão;
- Com efeito, contrariamente ao que pretende a Fazenda Pública, não se vislumbra a existência de qualquer ambiguidade ou obscuridade por o douto Acórdão não ter especificado os custos das garantias relacionados com as liquidações anuladas nesta acção;
- Não há dois sentidos possíveis para a decisão pois ficou bem explícito no douto Acórdão que a indemnização, cujo direito é reconhecido à impugnante, respeita a “custos por ela suportados com a constituição das garantias bancárias para suspender a cobrança coerciva dos valores inscritos nas liquidações anuladas”;
- Portanto, ficou claro que se visam apenas os custos suportados com garantias bancárias no âmbito dos processos de execução fiscal relativos às liquidações anuladas na presente acção, e não a quaisquer outras discutidas noutra sede;
- O único sentido possível é, pois, o segundo sentido de que fala a AT: o de que a Recorrente/Impugnante tem direito a uma indemnização correspondente aos custos com a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 e à parte dos custos com a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50 na proporção em que sejam imputáveis ao processo de execução fiscal relacionado com a presente impugnação, ou seja, com exclusão da proporção dos custos imputáveis ao outro processo de execução para o qual a garantia também foi prestada mas que não se relaciona com valores “emergentes das liquidações impugnadas” na presente impugnação;
- Ficou claro, no Acórdão do TCA Sul, que os custos com a garantia visados são os suportados para a suspensão do processo de execução fiscal relativo às liquidações adicionais discutidas apenas na presente acção;
- A questão da especificação e quantificação dos custos suportados pela Recorrente no seio daquela garantia constituída para suspender os dois processos de execução fiscal é questão a ser discutida a posteriori;
- Não dispondo o Tribunal de elementos para o cálculo da indemnização devida a mesma deverá ser solicitada e calculada junto da entidade impugnada (AT), sendo que tal também poderá ser feito em sede de execução de sentença se a AT não proceder voluntariamente ao seu pagamento;
- O que não pode inferir-se é que, pelo facto de o Tribunal não dispor de meios para calcular ou não ter distinguido qual a parte da garantia que está associada a um processo e a parte associada a outro dos processos, que tal determina a obscuridade ou ambiguidade da decisão;
- Pelo que, atenta a inexistência de quaisquer ambiguidades ou obscuridades, deverá improceder a arguição da nulidade da sentença também nesta parte;

2.3. Arguição de nulidade por não ter sido questionado o TJUE em sede de reenvio prejudicial
- Entende a AT que o Tribunal deveria ter feito um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE;
- No tocante ao pedido de reenvio para o TJUE são suscitadas questões relativas quer aos pressupostos de incidência objectiva quer em relação aos pressupostos de incidência subjectiva da delimitação negativa de incidência das entidades públicas constante, entre nós, do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA;
- Está essencialmente em causa a análise jurídica, na perspectiva das regras do Direito da União Europeia e das regras nacionais que regem o IVA, das seguintes questões reiteradamente invocadas pela AT neste caso: (i) Configuração da Contribuição de Serviço Rodoviário e das portagens como contraprestações de prestações de serviços aos utentes, incluindo o Estado; (ii) Aplicação à EP SA da delimitação negativa de incidência prevista no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA;
- Vejamos então o que se nos oferece dizer sobre ambas as situações separadamente:
- Da verificação dos pressupostos de incidência objectiva - Existem ou não prestações de serviços para efeitos de IVA?
- Vem novamente a AT insistir que quer a Contribuição de Serviço Rodoviário, quer as portagens não se configuram como contraprestações de prestações de serviços para efeitos deste imposto;
- Ora, conforme temos vindo a demonstrar ao longo de todo este processo, a CSR e as portagens são contraprestações de prestações de serviços realizadas pela EP aos utentes, seja na perspectiva da nossa ordem jurídica interna seja na óptica do Direito da União Europeia;
- Neste contexto, como iremos salientar, bem andou o douto Acórdão do TCA Sul ao considerar que não existiam dúvidas nesta matéria, sendo claras a doutrina e a jurisprudência na qual esta se firma, não se afigurando, consequentemente, necessário proceder a qualquer reenvio prejudicial para o TJUE;
- Como a Meretíssima Juíza concluiu, “Há, pois, inequivocamente um serviço - concepção, projecto, planeamento, conservação e disponibilização em condições previamente fixadas em termos de qualidade - que é prestado em território português aos utentes das vias rodoviárias nacionais, o qual consubstancia a obrigação primeira que contratualmente ficou estabelecida [em especial, Base 2 e 2-A, e artigo 6.1 a 6.4. do Contrato de Concessão].
(…)
Por outro lado, nos termos do mesmo contrato de concessão, ficou estabelecido que pelo referido serviço, isto é, como contrapartida do serviço prestado, a concessionária tem direito a receber o valor das taxas de portagem cobradas nas vias portajadas (única contrapartida devida à Concessionária pela  totalidade dos serviços compreendidos no objecto do presente Contrato com referência a tais ,,ias), o produto da Contribuição de Serviço Rodoviário, os rendimentos de exploração do Estabelecimento da Concessão e do Empreendimento  Concessionado,  outros  rendimentos  que  tenham  sido  obtidos âmbito da Concessão (presume-se que, ainda pelo serviço prestado, sob pena de não fazer sentido  a sua previsão contratual), bem como outros montantes previstos na lei (presume-se, mais uma vez, montantes que por força da actividade que desenvolve lhe devam ser reconhecidos por a lei ou a norma que os prevejam não excluir expressamente à Recorrente do direito a  recebê-los);
A cobrança de portagens reais nas vias portajadas constitui a única contrapartida devida à concessionária, pelo concedente, pela totalidade dos serviços compreendidos no objecto de concessão com referência a tais vias», exigibilidade e pagamento (portagens) que não ficam prejudicados pela existência e exigibilidade da CSR [em especial, Bases  2  e 58, artigo 3.º ,   n.º   3, da Lei n.º 55/2007,  de 31 de  Agosto,  artigo  7.º    a) e 62.1. do Contrato de Concessão]’’;
- Termos em que esclarecedoramente conclui que “Fica, pois, ostensivamente evidenciada a existência de uma contraprestação económica, o que significa que a "relação sinalagmática" e a característica de "onerosidade" se têm igualmente por verificadas.”;
- Senão vejamos:
- No nosso entendimento as regras existentes não suscitam dúvidas existindo jurisprudência do TJUE firmada, não sendo o novo Caso decidido por este Tribunal agora invocado pela AT susceptível de causar quaisquer dúvidas, não se tratando sequer de um caso comparável à situação controvertida, tendo a AT, uma vez mais, procedido a uma incorrecta análise e ponderação factual;
- É sabido que impende sobre o legislador, como criador das normas, mas também sobre o intérprete e sobre o julgador, enquanto fiscalizadores da boa aplicação do Direito, a responsabilidade de escrutinar minuciosamente a admissibilidade das normas nacionais, e, entre elas, as fiscais, por forma a que os Estados membros prossigam os objectivos elencados no TFUE.

- Com efeito, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais podem questionar o TJUE através da figura do reenvio prejudicial. Trata-se do reenvio para interpretação de uma norma do Direito da União Europeia: o juiz nacional solicita ao Tribunal de Justiça que especifique um ponto de interpretação do Direito Europeu para o poder aplicar correctamente;
- Contudo, quando a interpretação do Direito da União Europeia resulta já do chamado acquis jurisprudencial, como é o caso, torna-se desnecessário proceder a essa consulta;
- Assim, no Caso CILFIT, o TJUE concluiu que não há que fazer o reenvio prejudicial quando a questão for impertinente, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia (Acórdão de 6 de Outubro de 1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81, Colect., p. 3415);
- De facto, os tribunais nacionais podem decidir a questão sem reenviar para o TJUE quando decisões anteriores deste Tribunal já tenham tratado do aspecto jurídico em causa, independentemente dos procedimentos que conduziram a tais decisões;
- Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia (doutrina do acto claro);
- Ou seja, como bem se notou o douto Acórdão do TCA Sul, sobre a densificação deste poder-dever de reeenvio prejudicial, sobre o quadro jurídico em que este dever de reenvio deve actuar, já se pronunciou muitas vezes o TJUE, afirmando que o pedido de reenvio prejudicial não tem que ser formulado se o Tribunal já se tiver pronunciado sobre a questão a reenviar de forma firme, isto é, se já existir jurisprudência consolidada sobre a mesma “[para além, com menos interesse para a nossa decisão, de também poder ser dispensado se a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal ou se o Juiz do Tribunal nacional não tiver dúvidas quanto à solução a dar por o sentido da norma cuja interpretação se coloca ser absolutamente claro («teoria do acto claro»)”;
- Isto é, aquele poder-dever - imposto em nome da uniformização da interpretação jurídica e com a finalidade de ser respeitado o princípio da igualdade no tratamento das mesmas questões no espaço jurídico comum europeu e, concomitantemente, protegidos de forma igual todos os cidadãos e agentes económicos europeus - só existe nas situações em que não há decisões anteriores do mesmo Tribunal ou quando os sentidos acolhidos nas que existem não são inteiramente uniformes. O que significa que se já tiver havido pronúncia reiterada e uniforme do TJUE sobre o sentido interpretativo a atribuir à norma (que a decisão da questão colocada no processo nacional exige) esse pedido de reenvio não tem justificação à luz da própria regra do Tratado que o prevê e da jurisprudência do Tribunal que tem o dever de o admitir (ou não) e de o apreciar;
- Importa em especial salientar que, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (cf., neste sentido, v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 25-10-2000, Proc. 25128, de 7-11-2001, Proc. 26432, e de 7-11-2001, Proc. 26404),
- Ora, na situação controvertida está em causa a interpretação de uma norma do Direito da União Europeia sobre a qual a entendemos, tal como o douto Acórdão do TCA Sul, não existirem fundadas dúvidas interpretativas;
- Isto é, estando nós perante um acto claro, não se encontram preenchidas, contrariamente ao que pretende a AT, as condições para a formulação de reenvio interpretativo prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia;
- Como bem se nota no douto Acórdão do TCA Sul, “No caso concreto verifica-se a exigida existência de jurisprudência uniforme e sedimentada, como se demonstrará na apreciação das diversas questões através dos Acórdãos a citar, tendo mesmo relativamente a elas sido atingido, se nos é permitido, quase o limite máximo de intervenção do TJUE, atenta a fortíssima densificação dos conceitos usados nas normas em discussão e as sucessivas pronúncias quanto ao sentido que a esses conceitos e normativos devem ser dados.”;
- Neste contexto, entendeu adequadamente o TCA Sul que, no tocante às prestações de serviços em que está em causa a CSR, estamos perante uma prestação de serviços enquadrada para efeitos dos artigos 1.° e 4.° do CIVA que não se trata de uma "transferência da CSR" “…mas sim de uma contraprestação pela conservação e disponibilização das vias aos utentes da Rede Rodoviária Nacional (RRN) em determinadas condições e em cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pela EP enquanto concessionária, estando nós perante um serviço perfeitamente individualizável, quer ao nível da prestação quer ao nível dos seus beneficiários directos (utentes) encontrando-se mesmo legal e contratualmente definido”;
- Entendeu o TCA Sul defender a existência de uma prestação de serviços - para efeitos do IVA seja no caso da CSR seja no caso das vias portajadas, ao referir, citando alguma doutrina, "uma atribuição patrimonial qualquer que seja, terá, em princípio subjacente uma prestação de serviço se não for contrapartida de uma entrega de bens, mesmo que tal prestação de serviço haja de qualificar-se (como faz a administração francesa) de inominada (inomée) por ser desconhecido ou de difícil identificação o seu conteúdo".
- Acrescentando que "se nos é permitido e ainda que a identificação do seu efectivo beneficiário seja realizada de forma indirecta, como é o caso das situações em que a contribuição é a «compensação de uma prestação» que aproveita  de forma  segura um «determinado grupo» embora seja de aproveitamento apenas provável «quando referido ao indivíduo» que dela, integrando-se na relação da prestação, acaba por efectivamente beneficiar".
- Refuta a AT que tal entendimento firmado no douto Acórdão do TCA Sul não assenta, nem refere, qualquer Acórdão do TJUE no mesmo sentido. Todavia, é certo que se refere à jurisprudência assente e clara do TJUE nesta matéria e à mais relevante doutrina estribada na aludida jurisprudência clara do TJUE;
- De facto, no que respeita ao conceito de prestações de serviços, como a jurisprudência do TJUE tem frisado em várias ocasiões e temos vindo sucessivamente a invocar, a propósito da interpretação do então n.º 1 do artigo 6.º da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977), a noção genérica de prestação de serviços para efeitos do IVA implica que os montantes pagos constituam uma contrapartida efectiva de um serviço individualizável, fornecido no âmbito de uma relação jurídica em que sejam trocadas prestações recíprocas;
- De acordo com a jurisprudência do TJUE, não é necessário, em primeiro lugar, que exista um nexo identificável entre a operação (a operação cambial) e a contrapartida exigida em troca da mesma;
- Em segundo lugar, de acordo com o Tribunal, a possibilidade de tributar uma transacção também não requer o conhecimento, nem pelo sujeito passivo que entrega os bens ou executa o serviço nem pela outra parte na transacção, do montante exacto da contrapartida que constitui a matéria colectável;
- Por outro lado, o facto de uma entidade ser legalmente obrigada a pagar uma determinada quantia, não retira a tal quantia a natureza de contrapartida de uma prestação de serviços tributável para efeitos de IVA;
- Com efeito, em conformidade com as regras da Directiva IVA sobre a determinação do valor tributável das operações (cf. artigo 86.º da Directiva IVA), o Código do IVA, na alínea a) do n.º 5 do seu artigo 16.º, determina que o valor tributável das operações incide sobre taxas, direitos e impostos, à excepção do próprio IVA, determinando-se assim que uma “prestação impositiva” pode e deve legitimamente consubstanciar a contraprestação de uma prestação de serviços;
- Pelo que se pode concluir claramente que, para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º1, da Sexta Directiva, actual artigo 24.º, n.º1, da Directiva IVA, se devem qualificar como prestações de serviços as operações realizadas por uma concessionária geral da rede rodoviária nacional, conforme contrato de concessão celebrado com o Estado, sendo de sua exclusiva competência a cobrança de receitas provenientes da sua actividade ou que lhe sejam facultadas nos termos dos estatutos ou da lei, bem como a realização das despesas inerentes à prossecução do seu objecto, assentando a sua contraprestação, fundamentalmente, no produto da Contribuição de Serviço Rodoviário, receita própria que, nos termos da lei, lhe é consignada e constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e pela cobrança de portagens, consubstanciando estas a contrapartida de um serviço individualizável que presta aos utentes da rede rodoviária nacional, incluindo o Estado, verificando-se a existência de uma actividade económica de prestação de serviços para efeitos de IVA;
- Tal conclusão resulta da análise cuidada aos princípios que regem o IVA, mormente o princípio da neutralidade e das normas do Direito da União Europeia e nacionais, bem como da doutrina assente na jurisprudência clara do TJUE, como bem se salienta no douto Acórdão do TCA Sul;
- Vejamos:
- O IVA caracteriza-se fundamentalmente por ser um imposto indirecto de matriz comunitária plurifásico, que atinge tendencialmente todo o acto de consumo (cf. Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional, Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 39-73 e Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, 6.ª edição, Almedina, Setembro de 2014, pp. 19-55);
- A característica da máxima generalidade deste tributo tem relevantes consequências. Uma delas, para os efeitos que nos ocupam, consiste no facto de o conceito de actividade económica para efeitos de IVA dever ser interpretado de forma ampla;
- Interessa salientar, sobretudo, que estamos perante um imposto geral sobre o consumo com uma matriz comunitária que pretende respeitar um princípio fundamental: o da neutralidade;
- Por outro lado, importa mais uma vez relembrar que a matriz comunitária deste tributo tem efeitos limitativos da actuação dos diversos Estados membros neste domínio. Por este motivo, os Estados membros não são livres de adoptar qualquer medida em sede deste imposto para além daquelas que vêem previstas no Direito da União Europeia, dado que têm de actuar dentro dos limites da respectiva legislação, limitando-se assim as pretensões dos contribuintes e a actuação da Administração Fiscal ao permitido pelas regras do Direito da União. Por este motivo, a correcta aplicação deste tributo implica o conhecimento não só da legislação, doutrina e jurisprudência nacionais, como igualmente da legislação, doutrina e jurisprudência da União Europeia;
- O princípio da neutralidade do imposto:
- A técnica do método subtractivo indirecto em que assenta este imposto permite atingir em simultâneo vários objectivos, nomeadamente, tributar apenas o valor acrescentado em cada uma das fases do circuito económico, repartindo o encargo fiscal pelos sujeitos passivos, instituindo um controlo cruzado entre os sujeitos passivos (dado que só se pode deduzir o IVA suportado com base numa factura passada na forma prevista no artigo 36.º, n.º 5, do CIVA) e assegurando-se a neutralidade do imposto, evitando efeitos cumulativos ou em cascata de IVA sobre IVA;
- Mas, como referimos, interessa-nos, essencialmente, atender à característica da neutralidade do imposto, característica esta que é alcançada, fundamentalmente, através do correcto funcionamento do referido mecanismo da liquidação e da dedução (cf. Clotilde Celorico Palma, As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade, Almedina, 2010);
- É reconhecido de forma unânime pela jurisprudência do TJUE que o mecanismo do direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do IVA tal como foi desenhado nas Directivas IVA, assumindo um papel fundamental de garantia da neutralidade do imposto e da igualdade de tratamento fiscal;
- Este princípio encontra-se vertido nas Directivas IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras do Direito da União Europeia, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes dos diversos Estados membros, tendo sido, inúmeras vezes, aplicado pelo TJUE (cf. Francis Lefebre (auteur Francisco Xavier Sanchéz Galhardo) - Memento Experto, IVA: Jurisprudencia Comunitaria, Directiva 2006/112/CE, Actualizado a 31 de Diciembre de 2007, Ediciones Francis Lefebre, 2008, p. 68);
- Em termos gerais, de acordo com o princípio da neutralidade, a tributação não deverá interferir nas decisões económicas nem na formação dos preços, implicando a extensão do âmbito de aplicação deste imposto a todas as fases da produção e da distribuição e ao sector das prestações de serviços;
- Como salienta Teresa Lemos, a neutralidade pode ser encarada sob vários aspectos: neutralidade em relação aos circuitos de produção – a carga fiscal não depende da maior ou menor integração dos circuitos económicos, neutralidade face à incidência do imposto sobre os diferentes produtos e sectores, na medida em que a taxa seja uniforme, neutralidade no que se reporta à escolha dos factores de produção-capital e trabalho, e neutralidade face às preferências dos consumidores – igualdade de tributação dos diferentes produtos (cf. Maria Teresa Graça de Lemos, “Algumas observações sobre a eventual introdução de um sistema de Imposto sobre o Valor Acrescentado em Portugal”, CTF n.º 156, Dezembro 1971, p. 10);
- É habitual distinguir-se a neutralidade dos impostos de transacções relativamente aos efeitos sobre o consumo e sobre a produção (cf. Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a internacional, Lições sobre harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, op. cit., pp. 29-61);
- Existirá neutralidade relativamente ao consumo, quando o imposto não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores. Um imposto será neutro na perspectiva da produção, se não induz os produtores a alterações na forma de organização do seu processo produtivo;
- Em conformidade com o princípio da neutralidade do IVA, pretende-se, nomeadamente, que este tributo não interfira nas opções estratégias dos agentes económicos, atendendo a que o respectivo objectivo último é tributar os actos de consumo e não a actividade económica realizada pelos sujeitos passivos do imposto, que mais não são que uma componente da sua técnica de cobrança;
- Em consequência, a neutralidade do imposto impõe que a carga fiscal deva ser exclusiva e efectivamente suportada pelos consumidores finais. Assim sendo, o imposto será tanto mais neutral quanto mais abrangente for a concessão do direito à dedução. Consequentemente, se o direito à dedução do imposto é um exclusivo dos sujeitos passivos e se uma das condições para a atribuição desta qualidade é o exercício de uma actividade económica, quanto mais abrangente for esta noção mais amplo será o universo dos sujeitos passivos, logo, mais neutro será o imposto;
- É à luz deste princípio basilar que o imposto deverá ser interpretado e aplicado, de forma a se assegurar um sistema uniforme que garanta uma sã concorrência na EU;
- Destarte, tal facto implica, ab initio, que o conceito de actividade económica seja interpretado da forma mais ampla possível, ao passo que as isenções concedidas às actividades económicas deverão ser interpretadas de forma estrita, tal como o TJUE, uniforme e constantemente, tem vindo a salientar;
- A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida deste tributo, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução. Poderemos afirmar que este tem sido o princípio mais invocado pelo Tribunal para fundamentar os seus arestos, aparecendo-nos muitas vezes aliado ao princípio da igualdade de tratamento, da uniformidade e da eliminação das distorções de concorrência;
- Assim, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados - que, como salienta, se consegue através do mecanismo das deduções que liberta o empresário da carga do IVA que pagou nas suas aquisições - cf., nomeadamente, Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Caso Rompelman, Proc. 268/83, Colect., p. 655, n.º 19, de 22 de Junho de 1993, Caso Sofitam, Proc. C-333/91, Colect., p. I-3513, n.º 10, e de 6 de Abril de 1995, Caso BPL Group, Proc.C-4/94, Colect., p. I-983, n.º 26);
- Tem-se também preocupado em assegurar aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação (cf. Ramírez Gómez, in Jurisprudencia del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas en Materia de IVA, Editorial Aranzadi, Pamplona, 1997, pp. 232 e ss);
- O princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira (cf. Acórdão de 20 de Junho de 1996, Caso Wellcome Trust, Proc.C‑155/94, Colect., p. I‑3013, n.º 38);
- O mesmo sucede quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações (cf. Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, Colect., p. I-4947, n.º 20);
- Prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, não devem ser tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (cf. Acórdãos de 12 de Junho de 1979, Caso Nederlandse Spoorwegen, Proc. 126/78, Colect., p. 2041, de 11 de Outubro de 2001, Caso Adam, Proc. C‑267/99, Colect., p. I‑7467, n.º 36, de 23 de Outubro de 2003, Caso Comissão/Alemanha, Proc. C‑109/02, Colect., p. I‑12691, n.º 20, e de 26 de Maio de 2005, Caso Kingscrest Associates e Montecello, Proc. C‑498/03, Colect., p. I‑4427, n.º 41);
- Como nota a Advogada-geral Juliane Kokott nas suas conclusões apresentadas no Caso TNT, o princípio da neutralidade fiscal opõe‑se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado. Neste contexto, nota que “O princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do imposto (…), não permite que operadores económicos que efectuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado. (...) Nele se inclui o princípio da eliminação das distorções da concorrência resultantes de um tratamento diferenciado do ponto de vista do imposto sobre o valor acrescentado (...) (cf. Acórdão de 23 de Abril de 2009, Proc. C-357/07, Colect., p. I-5189, n.º 59);

As operações tributáveis – O caso das prestações de serviços
- Como vimos, o IVA, dadas as suas características de imposto geral sobre o consumo definidas a nível da União Europeia, incide, tendencialmente, sobre todo o acto de consumo;
- Ora, as respectivas regras de incidência pressupõem, regra geral, o exercício de uma actividade económica enquanto tal, na qualidade de sujeito passivo;
- A Directiva IVA abrange duas categorias de factos susceptíveis de tributação: as “entregas de bens” e as “prestações de serviços”;
- Estas operações estão sujeitas a IVA quando forem efectuadas no território de um Estado membro por quem exerça de modo independente actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços e desempenhe profissões liberais ou equiparadas;
- Isto é, a incidência do IVA é definida, quanto às transacções internas, pela prática de “operações tributáveis”, que são as “entregas de bens” e as “prestações de serviços”, por sujeitos passivo agindo como tais. Só a conjunção dos elementos objectivo e subjectivo da incidência qualifica estas operações como tributáveis;
- Como operações tributáveis em sede deste imposto encontramos as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as operações intracomunitárias. À excepção das prestações de serviços, todas as operações tributáveis se encontram definidas positivamente. De acordo com esta definição constante do n.º 1 do artigo 24.º da Directiva IVA, será prestação de serviços qualquer operação efectuada a título oneroso que não se qualifique como transmissão de bens, aquisição intracomunitária de bens ou importação;
- Note-se que, como determina o artigo 25.º da Directiva do IVA, o conceito de prestação de serviços, deverá ser interpretado no sentido de incluir a execução de serviços em virtude de acto das autoridades públicas, ou em seu nome ou por força da lei;
- Com efeito, tal como se determina nesta disposição legal:
“Uma prestação de serviços pode consistir, designadamente, uma das seguintes operações:
a) […]
b) […]
c) A execução de um serviço em virtude de acto das autoridades públicas ou em seu nome, ou por força da lei”;
- Assim sendo, o artigo 4.º do Código do IVA deve ser obrigatoriamente interpretado tendo em vista o disposto neste preceito, oriundo de uma norma do Direito da União Europeia que, como é sabido, prevalece hierarquicamente sobre as regras internas;
- Conforme nota Xavier de Basto, de acordo com a Sexta Directiva, “Uma atribuição patrimonial, qualquer que seja, terá, em princípio, subjacente uma prestação de serviço, se não for contrapartida de uma entrega de bens, mesmo que tal prestação de serviços haja de qualificar-se (como faz a administração francesa) de inominada (inomée), por ser desconhecido ou de difícil identificação o seu conteúdo. Há que, todavia, ter o cuidado de não levar longe demais o significado e as implicações da renúncia da directiva em definir, de modo positivo, as prestações de serviços e em identificar o seu conteúdo. Parece ser necessário que, de qualquer modo, exista um serviço. Uma atribuição patrimonial feita por um sujeito passivo não pode ser considerada, sem mais, como contrapartida de um serviço » (cf. A tributação do consumo e a sua coordenação a internacional, Lições sobre harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, op. cit., pp. 172 e 173; veja-se, também neste sentido, Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, op. cit., p. 68);
- Em suma, a operação em causa tem que ter substância económica para que possamos tributá-la em IVA;
- O CIVA, na esteira da então Sexta Directiva, recortou o conceito de actividade económica, distinguindo, para o efeito, actividades de produção, comércio ou prestações de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres (alínea a) do n.º 1 do respectivo artigo 2.º);
- O nosso Código do IVA prevê, em conformidade com o estatuído na Directiva IVA, as operações tributáveis em IVA;
- Assim, para os efeitos que ora nos ocupam, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualificam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens. Note-se, contudo, que o conceito de prestação de serviços acolhido no Código do IVA não corresponde ao civilístico, de acordo com o qual o contrato de prestação de serviços é aquele mediante o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição;
- Com efeito, importa em primeiro lugar sublinhar-se que o conceito de prestação de serviços para efeitos deste imposto é um conceito funcional e não ontológico. Visa não tanto adequar-se à realidade existente, mas resolver problemas de aplicação do modelo do IVA aos Estados membros que necessariamente deverão transpor as directivas que criaram ou desenvolveram este imposto. Essa sua função (evitar que a pluralidade de conceitos de prestação de serviços eventualmente presente nos ordenamentos dos Estados membros ponha em causa os objectivos de harmonização fiscal do IVA), dá ao conceito um estatuto de conceito jurídico-comunitário;
- A exemplo do que ocorre com o conceito de “entrega de bens” (também ele um conceito do Direito da União Europeia), o conceito de prestação de serviços é um conceito jurídico, não um conceito de Direito Civil, mas um conceito de Direito Fiscal ou, eventualmente, de Direito Económico. Este conceito é simultaneamente mais vasto e mais restrito que o conceito de Direito Civil português: mais vasto porque engloba realidades que o Direito Civil deixaria de fora, mais restrito porque não abrange, ao contrário do conceito civilista, as prestações gratuitas;
- Quando se refere que o conceito de prestação de serviços é meramente residual, tal não significa que se tenha abandonado qualquer preocupação de juridicidade na construção do conceito, mormente prescindindo de verificar se as operações que caem sob a alçada do conceito fiscal de “prestação de serviços” respondem ou não a certas características estruturais deste conceito;
- Há que verificar se as operações em análise respondem ou não a características de natureza jurídica, genéricas ou específicas, que permitem delimitar com maior precisão os contornos do conceito de prestação de serviços como operação sob a qual o IVA incide;
- São genéricas as que são comuns às restantes operações tributárias internas. São específicas as que apenas dizem respeito às prestações de serviços;
- Quanto às primeiras, a operação, para ser sujeita a IVA, deve: 1) Ocorrer no território nacional; 2) Ser, regra geral, onerosa; 3) Ser efectuada por um sujeito passivo agindo nessa qualidade (e não na qualidade de mero consumidor final, de “particular”) e 4) Ser realizada no âmbito do exercício de uma actividade económica;
- A primeira característica aponta para a definição do elemento espacial da incidência. As restantes apontam para o facto de o IVA incidir, em princípio, sobre actividades económicas;
- Quanto às características específicas, uma prestação de serviços é sempre, do ponto de vista jurídico, um contrato bilateral e, em princípio, para efeitos de IVA, oneroso. Significa isto que, tal como preconiza o TJUE, para que se possa falar de uma prestação de serviços a título oneroso (e, como tal, tributável) deve “existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário” (cf. Acórdão de 3 de Março de 1994, Caso Tolsma, Proc. C-16/93, Colect., p. I-00743);
- Ou, noutra formulação, significa que esta noção há-de pressupor “a existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido” (cf. Acórdão de 8 de Março de 1988, Caso Apple and Pear, Proc. 102/86, Colect., p. I-01443);
- Decorre daqui que não existe prestação de serviços tributável em IVA se não existir bilateralidade ou sinalagma (prestação e contraprestação) ou se houver mera correspectividade indirecta;
- Ou, de novo, como diz o TJUE, como iremos ver mais adiante, não estão preenchidas as condições de uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, se não existir “contrapartida que tenha valor subjectivo e nexo directo com o serviço prestado” (vide Acórdão de 16 de Outubro de 1997, Caso Julius F. Sohne, Proc. C-258/95, n. 17, Colect., p. I-5577);

A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia
- De acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia e em conformidade com as características básicas deste tributo, o conceito de actividade económica para efeitos de IVA é, antes do mais, um conceito amplo e tal facto deverá reflectir-se na interpretação dos elementos que o compõem;
- É certo que o TJUE tem vindo sucessivamente a reiterar que o conceito de actividade económica para efeitos de IVA deverá ser interpretado de forma a atribuir um âmbito de aplicação muito abrangente a este tributo (vide, nomeadamente, os Acórdãos de 26 de Março de 1987, Caso Comissão/Países Baixos, Proc. 235/85, Colect., p. 1471, de 4 de Dezembro de 1990, Caso Van Tiem, Proc. C-186/89, Colect., p. I-4363 e de 20 de Junho de 1991, Caso  Polysar Investiments, Proc. C-60/1990, Colect., p. I-3111);
- Contudo, tem vindo igualmente a salientar que, embora as regras comunitárias confiram um âmbito de aplicação muito lato ao IVA, apenas são abrangidas por esta disposição as actividades que tenham carácter económico (vide, neste sentido, Acórdãos de 11 de Julho de 1996, Caso Régie dauphinoise, Proc. C‑306/94, Colect., p. I‑3695, n.° 15, de 29 de Abril de 2004, Caso EDM, Proc. C‑77/01, Colect., p. I‑4295, n.° 47, e de 26 de Maio de 2005, Caso Kretztechnik,  Proc. C‑465/03, Colect., p. I‑4357, n.° 18);
- Tal como o TJUE tem vindo a enfatizar, o conceito de “actividades económicas” engloba “todas” as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo todos os estádios da produção, da distribuição e da prestação de serviços (veja-se, designadamente, Acórdãos de 4 de Dezembro de 1990, Caso Van Tiem, Proc. C-186/89, já cit., n.º 17, Caso MGK‑Kraftfahrzeuge‑Factoring, Proc. C-305/01, Colect., p. I-6729, n.º 42, e de 21 de Fevereiro de 2006, Caso Halifax, Proc. C-255/02, Colect., p. I-1609, n.º 54);
- Por outro lado, este Tribunal tem vindo a relevar o carácter objectivo do conceito de actividade económica, salientando que a actividade se define por si mesma, independentemente dos fins ou resultados. Como afirmou o Advogado Geral no Caso Comissão/Países Baixos, importará para o efeito atender à natureza da operação, não sendo necessário que tenha por objecto, exclusiva ou essencialmente, o exercício de actividades de produção, comércio ou prestações de serviços (cf. Acórdão de 26 de Março de 1987, Caso Comissão/Países Baixos, já cit.);
- Ou seja, deverá aferir-se casuisticamente se existe ou não uma operação com substância económica que possamos tributar a título de prestação de serviços;
- O conceito de “actividades económicas” é definido na Directiva IVA como englobando “todas” as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços e, segundo a jurisprudência, abrange todos os estádios da produção, da distribuição e da prestação de serviços (veja-se, nomeadamente, os Acórdãos de 4 de Dezembro de 1990, Caso Van Tiem, já cit., n.º 17, e Caso MGK‑Kraftfahrzeuge‑Factoring, já cit., n.º 42);
- Como o TJUE concluiu no Caso Comissão/Grécia (Acórdão de 12 de Setembro de 2000, Proc. C‑260/98, Colect., p. I‑6537, n.º 26), a análise dos conceitos de sujeito passivo e de actividades económicas põe em evidência a extensão do âmbito de aplicação abrangido pelo conceito de actividades económicas e o seu carácter objectivo, no sentido de que a actividade é considerada em si mesma, independentemente dos seus objectivos e dos seus resultados (vide, igualmente, Acórdão de 26 de Março de 1987, Caso Comissão/Países Baixos, já cit., n.º 8, bem como, neste sentido, designadamente, Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Caso Rompelman, já cit., n.º 19, e de 27 de Novembro de 2003, Caso Zita Modes, Proc. C‑497/01, Colect., p. I‑14393, n.º 38);
- Como salientou o TJUE no Caso FCE Bank, resulta da jurisprudência comunitária que uma prestação de serviços só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica em cuja vigência são trocadas prestações e contraprestações, recordando a denominada “jurisprudência das prestações recíprocas” (cf. Acórdão de 23 de Marco de 2006, Proc. C-210/04, Colect., p. I-2803);
- Em conformidade com a jurisprudência das prestações recíprocas, uma operação só é tributável se houver um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido, um sinalagma individualizável, isto é, se houver uma relação jurídica determinável entre prestador e beneficiário. São célebres neste contexto os Casos Apple and Pear Development Council, Proc. C-102/86, de 8 de Março de 1988, Colect., p. 1443, Caso Tolsma, já cit., Caso Kennemer Golf, Proc. C-174/00, de 21 de Março de 2002, Colect., p. I-3293., Caso Sparekassernes Datacenter – SDC, Proc. C-2/95, de 5 de Junho de 1997, Colect., p. I-3017, e o Caso Société Thermale d'Eugénie-les-Bains, Proc. C-277/05, de 18 de Julho de 2007, Colect., p. I-6415;
- Com efeito, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, “uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida”. Neste contexto, o Caso Tolsma é um clássico citado por todos como exemplo da interpretação que o Tribunal faz da noção de “nexo directo”;
- Neste caso, o Tribunal vem concluir que, quando um músico que toca na via pública recebe contribuições dos transeuntes, estas receitas não podem ser consideradas como constituindo a contrapartida de um serviço que lhes seja prestado. Como observa, não há qualquer contrato entre as partes, nem nexo necessário entre a operação e o pagamento. O pagamento é, de facto, autónomo relativamente ao prazer proporcionado pela prestação musical (vide, também, Acórdão de 1 de Abril de 1982, Caso Hong‑Kong Trade Development Council, Proc. 89/81, Colect., p. 1277, n.ºs 9 e 10 e, ainda, relativamente às aplicações mais recentes dessa jurisprudência, os Acórdãos de 14 de Julho de 1998, Caso First National Bank of Chicago, Proc. C-172/96, Colect., p. I-3017, n.º 26, de 14 de Julho de 2005, Caso British American Tobacco International e Newman Shipping, Proc. C-435/03, Colect., p. I‑7077, n.º 32, de 23 de Março de 2006, Caso FCE Bank, já cit., n.º 34, e de 18 de Julho de 2007, Caso Société Thermale d’Eugénie-les-Bains, já cit.);
- Isto é, como temos vindo a salientar, tal como a jurisprudência do TJUE tem frisado em várias ocasiões a propósito da interpretação do então n.º 1 do artigo 6.º da Sexta Directiva, a noção genérica de prestação de serviços, para efeitos do IVA, implica que os montantes pagos constituam uma contrapartida efectiva de um serviço individualizável, fornecido no âmbito de uma relação jurídica em que sejam trocadas prestações recíprocas;
- Em linhas gerais, poderemos concluir que para que exista uma contraprestação para efeitos de IVA é necessário que, em simultâneo, exista um nexo de ligação ou vínculo directo entre o bem entregue ou o serviço prestado e a contrapartida recebida, isto é, deve verificar-se uma dependência das prestações e estas não devem ser, necessariamente, autónomas, devendo a contraprestação ser avaliável em dinheiro e ter um valor subjectivo, dado que o IVA deverá incidir sobre a remuneração efectivamente recebida, e não num valor apurado com base em critérios objectivos (sobre este requisito e o Acórdão de 8 de Março de 1988, Caso Apple and Pear, Proc. 102/86, já cit., vide, nomeadamente, Amand, “When is a link direct?”, VAT Monitor, 1996, vol. 7, n.º 1, pp. 3 e ss);
- Assim, nos Casos Cooeperatieve Aardappelenbewaarplaats (Acórdão de 5 de Fevereiro de 1981, Proc. 154/80, Colect., p. 445, nº. 12), Apple and Pear Development Council,  já cit., n.º 11, e Naturally Yours Cosmetics (Proc. 230/87, Colect., p. 6365, n.ºs 11 e 12), o Tribunal de Justiça teceu os seguintes critérios:
i. deve existir um nexo directo entre a entrega de um bem e a contrapartida recebida;
ii. o contravalor deve poder ser expresso em dinheiro (Caso Cooeperatieve Aardappelenbewaarplaats, já cit., n.º 12 e Caso Naturally Yours Cosmetics, já cit., n.º 16); e
iii. esse contravalor deve ter um valor subjectivo, uma vez que a matéria colectável é a contrapartida realmente recebida e não um valor calculado segundo critérios objectivos (Ibidem );
- Nestes termos, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável, não estando, portanto, essas prestações sujeitas ao IVA (vide Acórdãos de 3 de Março de 1994, Caso Tolsma, já cit., n.° 12; de 29 de Outubro de 2009, Caso Comissão/Finlândia, Proc. C‑246/08, Colect., p. I-10605, n.° 43; e de 27 de Outubro de 2011, Caso GFKL Financial Services, Proc. C‑93/10, Colect., I-10791, n.° 17);
- Veja-se ainda, nomeadamente, o Acórdão de 2 de Junho de 2016, Caso Lajvér (Proc. C-263/15, ECLI:EU:C:2016:392) no qual o TJUE vem concluir que:

“41 Na apreciação do caráter oneroso da atividade em causa no processo principal não pode ser relevante a circunstância de, no âmbito dessa atividade, a manutenção da via pública para permitir o livre escoamento das águas corresponder a uma obrigação legal, não podendo essa circunstância pôr em causa nem a qualificação dessa atividade de «prestação de serviços» nem a relação direta entre essa prestação e a contraprestação.

42 Com efeito, foi decidido que o facto de a atividade em causa consistir no exercício de funções conferidas e regulamentadas por lei, com um fim de interesse geral, é irrelevante para a apreciação da questão de saber se essa atividade consubstancia uma prestação de serviços a título oneroso (v., neste sentido, acórdãos de 12 de setembro de 2000, Comissão/França, C‑276/97, EU:C:2000:424, n.° 33, e de 29 de outubro de 2009, Comissão/Finlândia, C‑246/08, EU:C:2009:671, n.° 40). Além disso, foi também decidido que a relação direta existente entre a prestação de serviços efetuada e a contraprestação recebida não pode ser posta em causa pelo facto de a atividade visada ter por objeto a execução de uma obrigação constitucional que incumbe, exclusiva e diretamente, ao Estado‑Membro em questão (v., neste sentido, acórdão de 29 de outubro de 2015, Saudaçor, C‑174/14, EU:C:2015:733, n.° 39).” ;
- Compulsada e analisada a jurisprudência do TJUE sobre a matéria que por ora nos ocupa, pode verificar-se que a orientação supra referida se mantém;
- Impõe-se, consequentemente, afirmar-se que, no que concerne à temática que por ora nos ocupa, existe acto claro e não, como pretende a AT, dúvidas, muito menos dúvidas fundamentadas;
- O que poderemos concluir é que existem casos distintos em que, naturalmente, o enquadramento factual conduz a distintas conclusões, mas a jurisprudência do TJUE mantém-se inalterada, incumbindo sempre ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os montantes recebidos ou a receber são susceptíveis de caracterizar, enquanto contraprestação, a existência de uma relação directa entre as prestações de serviços efectuadas ou a efectuar e as referidas contraprestações;
O Caso Cesky rohzlas
- Vem agora a AT invocar que, contrariamente às conclusões do Acórdão do douto TCA Sul, “existe diversa jurisprudência do TJUE sobre a matéria em questão, susceptível de sustentar posição contrária”, incorrendo desta feita a AT precisamente na falha de se limitar a citar a clássica e clara jurisprudência genérica de enquadramento que profusamente temos vindo a referir e a analisar, apenas citando um caso que erroneamente julga como similar para o efeito;
- Assim, vem a AT primeiramente citar as claras considerações gerais sobre  interpretação desta matéria tecidas nos clássicos Acórdãos relativos aos Casos CPP, Proc. C- 349/96, e Skandia, Proc. C-240/99, Régie dauphinoise, Proc. C-306/94,  MKG-Kraftfahrzeuge-Factoring, Proc. C-305/01, Hutchinson 3G e o., Proc. C-369/04, Comissão/Países Baixos, Proc. C-235/85, Comissão/Grécia, Proc. C-260/98 e Isle of White Council e o., Proc. C-288/07, Tolsma, Proc. C-16/93, SDC, Proc. C-2/95 e Comissão/República da Finlândia, Proc. C-246/08, Apple and Pear Development Council, Proc. 102/86, Fillibeck, Proc. C-258/95 e Comissão/Grécia, Proc. C-260/98 e Isle of White Council e o., Proc. C-288/07;
- Considerações estas, saliente-se, que, como vimos, têm vindo sucessivamente a ser reiteradas nos mesmos termos na demais jurisprudência do TJUE, nomeadamente nos Casos mais recentes supra citados, e que levam a doutrina mais reputada a afirmar que existe jurisprudência clara no TJUE nesta sede, tal como o douto Acórdão do TCA Sul conclui adequadamente;
- Até aqui nada de novo - A AT limita-se a reproduzir o enquadramento claro em IVA do que o TJUE entende ser uma prestação de serviços em sede deste imposto e quais os requisitos para o efeito, considerações estas que, saliente-se uma vez mais, têm vindo, sucessivamente, a ser invocadas por nós e que foram devidamente analisadas pelo douto Acórdão do TCA Sul;
- O que sucede é que, após tais considerações gerais, fazendo novamente uma interpretação inadequada da realidade factual subjacente à situação controvertida, conclui erroneamente a AT que, “Relativamente às operações controvertidas, e tendo por base a jurisprudência do TJUE, terá necessariamente de se entender, contrariamente à opinião do TCAS, que não existe qualquer prestação de serviços a título oneroso, existindo outrossim duas relações jurídicas distintas de natureza unilateral:

- A primeira, entre o Estado e os sujeitos passivos da CSR, e

- A segunda entre a EP e os beneficiários diretos da RRN (utilizadores efectivos).”;
- Como defende a AT, no primeiro caso, os sujeitos passivos da CSR (sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos), não obtêm qualquer contrapartida directa do Estado nem da EP pelo seu pagamento, sendo a taxa fixada tomando por referência indicadores com base nos litros de combustível transacionados, não conferindo àqueles sujeitos passivos o direito a qualquer contrapartida, seja qual for o destino dado a este combustível (n.º 44.º);
- Num segundo caso, os utilizadores da vias (beneficiários directos) não estão obrigados a qualquer contrapartida direta à EP, nem sequer estão obrigados ao pagamento de CSR, pela actividade prestada pela EP de financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento das vias que integram a RRN, bem como a própria concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento das vias que integram a Rede Rodoviária futura, constituindo ainda sua obrigação manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança das mesmas (n.º 45.º);
- Ora, neste contexto, importa notar que uma coisa é a jurisprudência emanada do TJUE que, a este propósito, repita-se, é clara, realidade diversa é a respectiva aplicação nos casos distintos que são levados à apreciação do TJUE. A AT vem confundir estas duas realidades e pretender aplicar no caso controvertido uma conclusão a que o TJUE chegou noutro caso distinto, o que não pode manifestamente fazer;
- Na realidade a AT, após referir, como dissémos, que “existe diversa jurisprudência do TJUE sobre a matéria em questão, susceptível de sustentar posição contrária”, não consegue chamar à colação tal jurisprudência (por inexistente), invocando tão apenas e tão somente um caso para estribar as aludidas conclusões, alegando existir similitude com o da EP, apontando-o como “.... um claro exemplo de jurisprudência em sentido contrário à decisão agora tomada pelo TCA Sul” -  o Acórdão de 22 de Junho de 2016, Caso Cesky rohzlas, Proc. C-11/15, - em que os pressupostos factuais são manifestamente distintos da situação sub judice;
- Incorreu assim a AT, uma vez mais, em erro na apreciação da matéria de facto e de direito;
- Com efeito, no invocado Caso Cesky rohzlas aferiu-se se a actividade de serviço público de radiodifusão, financiada por meio de taxas legais obrigatórias, cujo montante é fixado por lei e que se  baseiam na propriedade, posse ou disponibilidade a qualquer outro título de um aparelho receptor de rádio, pode ser considerada uma "prestação de serviços a título oneroso" para efeitos de IVA;
- Estava em causa na situação concreta a actuação da Cesky rohzlas, um organismo público de radiodifusão checo criado por lei e financiado, nomeadamente, pela taxa de radiodifusão estabelecida nos termos da lei;
- Refere a AT que no aludido Processo o TJUE considera “... não existir uma relação jurídica entre a emissora em causa e os devedores da taxa de radiodifusão, no âmbito da qual sejam efetuadas quaisquer prestações recíprocas, nem um nexo direto entre esse serviço de radiodifusão e essa taxa” (cf. n. 23 do Acórdão), concluindo que o serviço de radiodifusão em causa não constitui uma prestação de serviços "a título oneroso" na acepção do artigo 2º, ponto 1, da Sexta Directiva (cf. n. 28 do Acórdão);
- E que “Com efeito, no âmbito da prestação daqueles serviços, a Cesky rohzlas (emissora) e as referidas pessoas não estão vinculadas por nenhuma relação contratual ou transação que implique a estipulação de um preço, nem por nenhum compromisso jurídico livremente consentido por uma delas para com a outra (cfr. ponto 24 do Acórdão).”;
- Mas importa salientar que ressalta desde logo que tal caso é substancialmente distinto do caso da EP. Com efeito, tal como nota a AT, “Por outro lado, a obrigação de pagamento da taxa não resulta da prestação de um serviço que constitua uma contrapartida direta, uma vez que esta obrigação está ligada, não à utilização de serviço público de radiodifusão prestado pela Cesky rohzlas pelas pessoas sujeitas a essa obrigação mas apenas à posse de um recetor de rádio, qualquer que seja a utilização deste (cfr.  ponto  25 do Acórdão).”;
Assim, as pessoas que possuam um recetor de rádio são obrigadas a pagar a referida taxa mesmo que utilizem o aparelho para ouvir programas emitidos por outros que não a Cesky rohzlas, assim como também o acesso ao serviço público de radiodifusão da Cesky rohzlas não está subordinado ao pagamento da taxa de radiodifusão (cfr. ponto 26 do Acórdão)”;

- Como vimos, neste Caso, o TJUE concluiu que no que se refere ao serviço público de radiodifusão, havia que constatar que não existe uma relação jurídica entre a Český rozhlas e os devedores da taxa de radiodifusão, no âmbito da qual sejam efectuadas prestações recíprocas, nem um nexo direto entre esse serviço público de radiodifusão e essa taxa com base nos argumentos que passamos a reproduzir:

24 Com efeito, no âmbito da prestação daquele serviço, a Český rozhlas e as referidas pessoas não estão vinculadas por nenhuma relação contratual ou transação que implique a estipulação de um preço, nem por nenhum compromisso jurídico livremente consentido por uma delas para com a outra.

25 Por outro lado, a obrigação de pagamento da taxa de radiodifusão não resulta da prestação de um serviço de que constitua uma contrapartida direta, uma vez que esta obrigação está ligada, não à utilização do serviço público de radiodifusão prestado pela Český rozhlas pelas pessoas sujeitas a essa obrigação mas apenas à posse de um recetor de rádio, qualquer que seja a utilização deste.

26 Assim, as pessoas que possuam um aparelho recetor de rádio são obrigadas a pagar a referida taxa, incluindo se apenas o utilizarem para ouvir programas radiofónicos emitidos por serviços de radiodifusão diferentes da Český rozhlas, tais como programas radiofónicos comerciais financiados por fontes diversas dessa taxa, para a leitura de discos compactos ou de outros suportes digitais ou ainda para outras funções normalmente disponíveis nos equipamentos que permitem receber e reproduzir emissões radiodifundidas.

27 Além disso, há que salientar que o acesso ao serviço público de radiodifusão prestado pela Český rozhlas é livre e não está, de modo nenhum, subordinado ao pagamento da taxa de radiodifusão.

28 Daqui resulta que a prestação de um serviço público de radiodifusão com as características daquele que está em causa no processo principal não constitui uma prestação de serviços «a título oneroso», na aceção do artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Diretiva.”
- Note-se ainda que, tal como o Advogado Geral Maciej Sazpunar observou nas suas Conclusões apresentadas em 17 de Março de 2016 no aludido Caso, “34. Entre os argumentos suscitados no âmbito do presente processo, a taxa em causa no processo principal foi apresentada como uma forma de imposto destinado a financiar um determinado tipo de atividade pública. Eu diria antes que essa taxa — o que é especialmente válido quando as suas modalidades são as da taxa de radiodifusão checa, a saber uma taxa paga pelos devedores diretamente ao organismo de radiodifusão beneficiário — parece uma subvenção sob forma específica de recurso próprio atribuído pelo Estado a esse organismo. Ora, a atividade pela qual o sujeito passivo não recebe nenhuma contrapartida por parte dos destinatários e que é financiada por uma subvenção destinada a financiar de maneira geral a atividade desse sujeito passivo, não pode seguramente ser qualificada de atividade a título oneroso. 35. Consequentemente, mesmo que seja analisada sob o ponto de vista da relação entre a Český rozhlas e o Estado checo, a taxa de radiodifusão não pode ser considerada uma contrapartida pelo serviço público de radiodifusão, não constituindo a atividade da Český rozhlas, financiada através dessa taxa, uma atividade a título oneroso na aceção da Sexta Diretiva.”;
- Para a AT pretender aplicar esta jurisprudência no Caso da EP deveria existir similitude factual. Não existe. A relação jurídica existente é completamente distinta. Senão vejamos.
- O que existe no caso concreto da EP é precisamente uma obrigação ligada à utilização de um serviço público efectivamente prestado por si relativamente ao qual estão legal e contratualmente previstas contraprestações – a CSR e as portagens - só podendo tal serviço ser prestado caso tais contraprestações sejam realmente pagas. No Caso Cesky rohzlas estamos perante um serviço público que não é prestado pela referida entidade e o valor em causa é pago independentemente da prestação de tal serviço, pelo simples facto de os potenciais utentes serem possuidores de um aparelho receptor de rádio, acrescendo que o acesso ao serviço público de radiodifusão prestado pela Český rozhlas é livre e não está, de modo nenhum, subordinado ao pagamento da taxa de radiodifusão, podendo, consequentemente, afirmar-se, de acordo com a jurisprudência clara do TJUE, que não existe uma prestação de serviços para efeitos de IVA, em conformidade com a teoria das prestações recíprocas;
- Ora, no caso em análise não existe qualquer similitude desde logo porque, contrariamente ao invocado pela AT e em conformidade com as conclusões do douto Acórdão do TCA Sul, ficou demonstrado que a EP presta um serviço individualizável aos utentes, incluindo o Estado, representando os montantes transferidos para a EP respeitantes à receita da CSR e às portagens, para efeitos do IVA, a contrapartida de tal serviço, como resulta expressa e claramente da lei e dos factos;
- A CSR e as portagens representam contraprestações pela actividade desenvolvida pela EP;
- A CSR foi criada através da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto. Como se determina no respectivo artigo 2.º, o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP, tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável. Ora, a CSR, em conformidade com o estatuído no respectivo artigo 3.º, n.º 1, “…constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”, sendo que a EP SA, como vimos, tem a seu cargo a exploração;
- Isto é, existe claramente na situação em apreço uma prestação de serviços sinalagmática, no sentido da jurisprudência do TJUE em sede de IVA, entre a EP e os utilizadores das estradas, e não uma subvenção, representando a CSR uma contraprestação pela conservação e disponibilização das vias aos utentes da Rede Rodoviária Nacional em determinadas condições e em cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pela EP enquanto concessionária, estando nós perante um serviço perfeitamente individualizável, quer ao nível da prestação quer ao nível dos seus beneficiários directos (utentes) encontrando-se legal e contratualmente definido;
- A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e dele não isentos, sendo devida pelos sujeitos passivos deste imposto;
- Nestes termos, a CSR configura-se como uma contribuição a suportar pelos utilizadores da RRN, aquando da aquisição de gasolina ou gasóleo para utilização nas viaturas;
- De acordo com o previsto na aludida Resolução do Conselho de Ministros n.º 89/2007, esta contribuição incidirá sobre os utilizadores das infra-estruturas rodoviárias, tendo por referência os quilómetros percorridos com base numa unidade de consumo de combustível, garantindo uma discriminação positiva dos utilizadores de veículos mais eficientes em termos ambientais, ou movidos a fontes de energia menos poluentes. O consumo dos combustíveis surge, assim, como um indicador plausível do número de quilómetros percorridos, uma vez que seria praticamente impossível estabelecer um controlo por utilizador. Este indicador satisfaz o princípio da equivalência na sua faceta de benefício para o utente;
- A situação em nada se altera pelo facto de termos em causa um mecanismo de substituição no tocante à liquidação e pagamento do IVA sobre a CSR;
- Como é sabido, a liquidação e pagamento ao Estado do IVA sobre a CSR são levadas a cabo pelas distribuidoras de combustível em substituição da EP, sendo necessário o recurso a tal mecanismo em virtude do sistema de tributação dos combustíveis em Portugal;
- É certo que em situações normais incumbe ao sujeito passivo prestador de serviços proceder à liquidação do IVA nas facturas ou documentos equivalentes. Todavia, de acordo com o modelo de financiamento previsto para a EP, a aplicação de tal procedimento seria inviável, implicando a prática de operações para as quais esta empresa não dispõe de meios, tais como a medição dos percursos dos veículos e a identificação das vias transitadas, pelo que, de forma a permitir a operacionalização do modelo de financiamento da então EP SA, se optou por fazer acrescer a CSR ao valor pago pelos utentes aquando do abastecimento de combustível;
- As distribuidoras de combustíveis (e não os utilizadores/beneficiários dos serviços, como usualmente), no caso da CSR, é que adiantam esta contribuição ao Estado por conta dos utilizadores da RRN que a irão pagar no combustível abastecido;
- O montante da CSR é posteriormente transferido pela actual AT, à data DGAIEC, para a EP, deduzidos os encargos com a liquidação e cobrança incorridos pela AT, estes compensados através da retenção de 2% do produto da CSR (em conformidade com o disposto no artigo 5.º da Lei 55/2007, alterado pelo artigo 153.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro);
- Isto é, resulta claro que esta transferência constitui um simples movimento financeiro, sem qualquer relevância para efeitos de IVA;
- Sendo a CSR receita própria da EP, as distribuidoras, ao entregarem à AT o IVA que incide sobre esta contribuição, mais não estão, na realidade, do que a actuar por conta e por ordem da EP. Isto é, estamos, em boa verdade, perante uma situação de substituição tributária, em que uma entidade se substitui a outra na liquidação do IVA que devia a esta, arrecadando o Estado, por esta via, a receita correspondente ao IVA da CSR que em condições normais lhe seria entregue pela EP;
- Resulta assim, claramente, que o IVA entregue não é o imposto resultante da actividade das distribuidoras, não se relacionando com o valor acrescentado por estas nesta fase do circuito económico;
- As distribuidoras surgem-nos neste processo apenas e tão-somente como entidades que, atenta a sua dimensão, têm capacidade para adiantar ao Estado o pagamento da CSR e respectivo IVA que virão a receber dos utilizadores das infra-estruturas rodoviárias, por intermédio dos revendedores de combustível;
- Trata-se de um procedimento de substituição tributária utilizável noutras circunstâncias em sede de IVA, como é, nomeadamente, o caso das aquisições de imóveis em que tenha havido renúncia à isenção de IVA, nas aquisições de bens ou serviços localizadas em Portugal a fornecedores aqui não estabelecidos ou registados (artigo 2.º, n,º1, alínea g), do CIVA, nas entregas de desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis (artigo 2.º, n,º1, alínea i), do CIVA), nos serviços de construção (artigo 2.º, n,º1, alínea j), do CIVA), e nas vendas por particulares no sistema habitualmente designado por vendas “porta a porta” ou “tupperware” (Despacho n.º 19081, de 16 de Julho de 1986, da Direcção de Serviços do IVA);
- Ora, em todos estes casos, desde que os fornecedores dos bens ou serviços sejam sujeitos passivos de IVA em Portugal, mantém-se em relação a eles o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições apesar de não liquidarem IVA nos seus outputs, dado que um terceiro o faz por sua conta;
- Todos estes argumentos são absolutamente válidos, por maioria de razão, no caso das vias portajadas, tal como adequadamente concluiu o douto Acórdão do TCA Sul;
- Conforme já se explicou e demonstrou, a EP está autorizada a cobrar portagens nas vias em que foi definido por lei que serão vias portajadas nos termos do seu Contrato de Concessão em cuja Base 58 se determina que constitui a única contrapartida devida à concessionária pelo concedente pela totalidade dos serviços compreendidos no objecto da concessão relativamente a tais vias;
- Os valores das taxas de portagem resultam do cumprimento do disposto nos respectivos contratos de concessão, no que respeita à sua actualização pelas concessionárias, com a correspondente validação pelo InIR (actualmente o IMT, I.P, que sucedeu nas atribuições do InIR, por via do Decreto-Lei n.º 236/2012, de 31 de Outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 77/2014, de 14 de Maio);
- A totalidade das portagens cobradas é receita da EP, pelo que compete à EP, a gestão e a implementação do sistema de cobrança de taxas de portagem, sendo responsável pela operação de cobrança e facturando aos utentes, quer directamente quer através de entidades de cobrança (Via Verde), como é prática do mercado;

           Da verificação dos pressupostos de incidência subjectiva
- Tal como temos vindo a demonstrar neste contexto e o douto Acórdão do TCA Sul concluiu estribado em jurisprudência clara, a E.P., S.A., actua no caso concreto como sujeito passivo de IVA, não lhe podendo ser aplicada a delimitação negativa de incidência constante do artigo 2.º ,   n.º 2, do CIVA, uma vez que não é uma entidade de natureza  pública, não é dotada de poderes de autoridade para a actividade  económica  que desenvolve  e a sua não sujeição a IVA conduz a distorções de concorrência, pelo que sempre  se teria de concluir  pela não aplicação  do quadro legal em referência ;
- Com efeito, como concluiu a Meretíssima Juíza a este propósito, « Ou seja, parece, pelo menos assim o entendemos, que a consagração destes poderes ou prerrogativas não teve em vista facultar à Recorrente uma situação privilegiada   no   desenvolvimento   da   sua   actividade   económica   global ou genericamente considerada (tal como a mesma se encontra amplamente definida no seu objecto social - alínea A) do probatório), facilitar o quadro em que essa actividade económica é desenvolvida ou o serviço é prestado, enfim,  colocá-la  numa  situação  que  origine para si um conjunto de mais-valias económicas, mas salvaguardar as condições que possam ser necessárias à realização do interesse público que também presidiu à sua constituição, sem prejuízo de a sujeitar, na sua actuação concreta, aos mesmos deveres e obrigações das demais entidades que desempenham  a mesma actividade económica  no mercado.
(…)
No que respeita ao elemento "concorrencial'' isto é, à questão de saber  se essa actividade económica (e a prestação de serviços que encerra) está a ser realizada ou pode vir a ser concretizada simultaneamente por entidades de distinta natureza (pública ou privada), também o direito e os factos respondem afirmativamente.» ;
- No que se reporta à questão das distorções de concorrência, existe jurisprudência clara firmada, concretamente no Acórdão Salix (Acórdão de 4 de Junho de 2009, Caso Salix, Proc. C-102/08, Colect., p. I-4629), pelo que, não se nos afigura que existam dúvidas sobre as normas de Direito da União Europeia em causa, concretamente o artigo 4.º, n.º 5, da Sexta Directiva, actual artigo 13.º, n.º 1, da Directiva IVA;
- Como se concluiu claramente no referido Acórdão, pode igualmente haver "distorções de concorrência significativas", se, como no caso em apreço, a não sujeição ao imposto de um organismo de direito público conduzir a distorções de concorrência significativas em seu próprio prejuízo (n.ºs 67 a 76);
- Poderemos concluir, para efeitos do disposto no artigo 4. °, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, actual artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA, que existe uma distorção de concorrência significativa se um organismo de direito público não sujeito a imposto concorrer com entidades privadas, sendo penalizado em relação a estas pela impossibilidade de deduzir o IVA suportado?
- Poder-se-á invocar a existência de distorções de concorrência significativas para efeitos da não aplicação da referida delimitação negativa de incidência a um concessionário alegadamente público quando existem concorrentes concessionários privados que liquidam e podem deduzir o IVA nos termos gerais no exercício de uma actividade económica igual?
- Uma vez mais a AT, no que concerne aos pressupostos de incidência subjectiva, pretende aplicar no caso concreto as conclusões de casos específicos não confundíveis pretendendo-as generalizar, quando, igualmente, estamos perante jurisprudência clara que importa subsumir na realidade factual de cada uma das situações apreciadas;
- Assim, e nomeadamente no que concerne ao conceito de "Autoridade Pública" vem referir que “Contrariando o entendimento do TCA Sul, no Acórdão Comissão/Grécia de 12 de setembro de 2000,  C-260/98, o TJUE, face à jurisprudência existente, comune di carpaneto Piacentino, 231/87, 129/88  e C-4/89, Marktgemeinde Welden, C-247/95, refuta idêntica argumentação (da Comissão) segundo a qual um organismo atua "na qualidade de autoridade pública" unicamente no que se refere às atividades que se englobam no conceito de autoridade pública no sentido estrito, do qual não faz parte a atividade de colocação à disposição de uma infraestrutura rodoviária mediante o pagamento de uma portagem.”;
- No tocante, por sua vez, ao conceito de existência de distorções de concorrência significativas, vem referir que, “Nos Acórdãos Comissão/Reino dos Países Baixos, C-408/97, Comissão/Grécia, C-260/98 e National Roads Authority, C-344/15, o TJUE emitiu já opinião no sentido de não considerar distorções de concorrência significativas as situações em que existem outras estradas portajadas no mesmo mercado em que atuam entidades públicas beneficiando do regime de não sujeição previsto no artigo  13º, n° 1 da Diretiva IVA.”;
- Ora, também estes Casos são completamente diferentes do da EP, fundando-se em realidade factual distinta;
- Vejamos as diferenças relativamente ao Caso National Roads Authority invocado pela AT:
- O Caso National Roads Authority teve por objecto um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito de um litígio que opõe a National Roads Authority (Autoridade Nacional das Estradas, Irlanda, a seguir «NRA») aos Revenue Commissioners (Administração Fiscal da Irlanda) a propósito da sujeição da NRA a IVA no contexto da sua actividade de disponibilização de infra-estruturas rodoviárias mediante o pagamento de uma portagem;
- A NRA é um organismo de direito público irlandês criado pelo Roads Act de 1993 (Lei das estradas de 1993, a seguir «lei das estradas»), encarregada da gestão da rede rodoviária pública nacional;
- De acordo com o disposto na legislação aplicável, a principal missão da NRA é garantir a disponibilidade de uma rede de estradas nacionais segura e eficiente. Neste contexto, tem a responsabilidade geral de planear e supervisionar a construção e a manutenção das estradas nacionais;
- Para o efeito, prevê-se na lei que a NRA pode elaborar um projecto para estabelecer um sistema de portagens associado ao acesso a uma estrada nacional;
- Prevê-se igualmente que a NRA pode, como contrapartida pelo acesso às estradas portajadas, liquidar e cobrar portagens cujos valores são especificados nos regulamentos por ela aprovados;
- Nos termos do artigo 61.º desta mesma lei, a NRA tem a responsabilidade de aprovar os regulamentos que considerar necessários à exploração e à manutenção da estrada portajada;
- Em conformidade com o artigo 63.º da lei das estradas, a NRA tem também o poder legal de celebrar acordos com terceiros, através dos quais os autoriza a cobrar portagens numa estrada portajada;
- O montante máximo das portagens que pode ser cobrado como contrapartida pelo acesso a uma estrada portajada, quer seja explorada pela NRA ou por um terceiro, é fixado num regulamento que a NRA aprova para esse efeito;
- Além disso, qualquer acordo celebrado entre a NRA e um terceiro com base no artigo 63.º desta lei deve satisfazer várias exigências enunciadas nesse artigo. Assim, o terceiro deve comprometer-se a cumprir uma, várias ou todas as seguintes obrigações: i) pagar uma parte ou a totalidade dos custos de construção e/ou de manutenção da estrada; ii) construir e/ou manter (ou associar-se à construção e/ou na manutenção ou contribuir para as mesmas) da estrada e iii) explorar e manter a estrada por conta da NRA (designadamente fornecer, supervisionar e manter em funcionamento um sistema de portagens associado ao acesso à estrada e cobrar as portagens);
- A maioria das estradas portajadas existentes no território irlandês foram construídas e são exploradas por operadores privados no quadro de acordos de parceria público-privada celebrados com a NRA;
- O órgão jurisdicional de reenvio refere que actualmente existem na Irlanda oito estradas portajadas exploradas por esses operadores privados e cujas portagens estão sujeitas a IVA. Para cada uma dessas estradas portajadas, a NRA elaborou, por um lado, um projecto de portagem e, por outro, regulamentos que fixam o montante máximo que pode ser cobrado como contrapartida pelo acesso a essas estradas portajadas. A própria NRA explora duas estradas portajadas, a saber, a autoestrada Westlink e o túnel de Dublim;
- No que diz respeito, mais em especial, à autoestrada de Westlink, resulta do pedido de decisão prejudicial que esta auto-estrada era anteriormente explorada por um operador privado com base num acordo celebrado entre este e a NRA. Uma vez que eram necessários investimentos adicionais para a modernizar a fim de garantir a fluidez da circulação, mas que esse operador privado não queria proceder a esses investimentos sem compromissos adicionais por parte da NRA, esta negociou a resolução do contrato em causa, retomou a exploração da referida auto-estrada e instalou um sistema de portagem electrónica;
- Interessa em particular salientar que, a partir de Julho de 2010, a Administração Fiscal sujeitou a NRA a IVA no que respeita à sua actividade de disponibilização de duas estradas portajadas por esta exploradas, com o fundamento de que a sua não sujeição a IVA conduziria a distorções de concorrência significativas, na acepção do artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA;
- A NRA pagou o IVA a que foi assim considerada sujeita e tratou o montante cobrado a título de portagens como se o IVA nele estivesse incluído. Uma vez que contestava a procedência dessa sujeição a IVA e considerava que devia, em virtude do artigo 13.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Directiva IVA, estar isenta desse imposto, a NRA recorreu perante os Appeal Commissioners (Comissão de Recursos, Irlanda);
- No órgão jurisdicional de reenvio, a Administração Fiscal alega que, à luz do Acórdão de 16 de Setembro de 2008, Caso Isle of Wight Council e o. (Proc. C288/07), há que interpretar o artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA no sentido de que se presume existir uma distorção de concorrência mesmo quando as actividades em causa não estão em concorrência umas com as outras. Esta autoridade alega que, a partir do momento em que duas actividades têm a mesma natureza, existe, na prática, uma presunção inilidível segundo a qual o facto de se considerar que uma delas está sujeita a imposto e a outra não está sujeita a esse imposto viola o princípio da neutralidade fiscal e conduz a distorções de concorrência significativas;
- O órgão jurisdicional de reenvio observa que, uma vez que é facto assente que a NRA é um organismo de direito público que actua como autoridade pública no que se refere à disponibilização de infra-estruturas rodoviárias mediante o pagamento de uma portagem, à primeira vista não há que considerá-la sujeito passivo. A NRA não deve, pois, ser obrigada a aplicar IVA a essa actividade;
- Por outro lado, esse órgão jurisdicional esclarece, em primeiro lugar, que, na medida em que as diferentes estradas portajadas da Irlanda sejam suficientemente distantes umas das outras, dão resposta a necessidades diferentes do ponto de vista dos consumidores e, por conseguinte, não estão em concorrência entre si. Daqui resulta que o montante da portagem cobrada por um operador de portagens, quer se trate da NRA ou de um operador privado, não tem nenhuma influência na decisão do consumidor médio de utilizar essa estrada portajada e não outra;
- Em segundo lugar, esclarece que não existe nenhuma possibilidade realista de um operador privado entrar no mercado para prestar serviços de acesso a estradas portajadas através da construção de uma estrada portajada que entre em concorrência com a Westlink ou o túnel de Dublim.
- Com efeito, um operador privado só pode entrar nesse mercado se a NRA elaborar um projecto de portagem associado a uma estrada pública com vista a transformá-la em estrada portajada, elaborar regulamentos relativos a essa estrada e depois celebrar um acordo com o operador privado através do qual o autorize a cobrar as portagens;
- Além disso, provou-se nesse processo que, na prática, um operador privado que pretenda construir uma estrada portajada encontraria dificuldades quase insuperáveis. Com efeito, por um lado, ao passo que uma construção desse tipo requer terrenos muito vastos, o operador privado, que, ao contrário da NRA, não dispõe do poder de expropriar, não tem a possibilidade de obrigar os proprietários a vender-lhes terrenos privados para construir a referida estrada. Por outro lado, tendo em conta o investimento que uma construção deste tipo pode implicar, entendeu-se resultar de forma alguma provado que um operador privado esteja disposto a efectuar esse investimento para entrar em concorrência com uma estrada portajada já existente;
- Por último, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a Administração Fiscal também não demonstrou que exista uma possibilidade realista de um operador privado entrar nesse mercado;
- Todavia, atendendo às alegações da Administração Fiscal, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se sobre a questão de saber se a actividade de cobrança de portagens desempenhada pela NRA e a levada a cabo pelos operadores privados devem ser consideradas actividades da mesma natureza e, portanto, em concorrência uma com a outra, de tal forma que haveria que considerar que o facto de não se qualificar a NRA de sujeito passivo conduziria a distorções de concorrência significativas na acepção do artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA;
- Nestas condições, os Appeal Commissioners (Comissão de Recursos) decidiram suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

“1) Se um organismo de direito público exerce uma atividade como a que consiste em conceder acesso a uma estrada mediante o pagamento de uma portagem e se no Estado Membro existem entidades privadas que cobram portagens nas diferentes estradas portajadas, nos termos de um acordo celebrado com o organismo público acima referido ao abrigo das disposições nacionais, deve o artigo 13.º, [n.º 1,] segundo parágrafo, da [diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que o organismo público em causa está em concorrência com aqueles operadores privados, pelo que o facto de não sujeitar a imposto o organismo público pode conduzir a uma distorção significativa [de] concorrência, não obstante o facto a) de que não existe nem poderá existir concorrência real entre o organismo público e os operadores privados em causa e b) de que não existe nenhuma prova de que há uma possibilidade realista de um qualquer operador privado entrar no mercado para construir e explorar uma estrada portajada que iria concorrer com a estrada portajada explorada pelo organismo público? [nosso destaque];

2) No caso de não existir nenhuma presunção, que critério deve ser adotado para determinar se existe uma distorção significativa [de] concorrência na aceção do artigo 13.º, [n.º 1], segundo parágrafo, da [diretiva IVA]?”;


- Note-se que, mesmo antes da análise do requisito relacionado com as questões de concorrência, a Comissão Europeia refere não poder determinar com certeza se, no âmbito da exploração das duas estradas portajadas em causa no processo principal e da cobrança de portagens, se deve considerar que a NRA actuou na qualidade de autoridade pública, apesar da declaração do órgão jurisdicional de reenvio a este respeito;
- A este respeito, reafirma o TJUE, importa recordar, por um lado, que cabe ao juiz nacional definir o quadro regulamentar e factual do litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, Acórdão de 21 de Setembro de 2016, Caso Radgen, Proc. C478/15, n.os 27, 32);
- No caso vertente, resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio considera, inequivocamente, que, no litígio do processo principal, a NRA actua na qualidade de autoridade pública ao exercer a actividade de disponibilização da infra-estrutura rodoviária mediante o pagamento de uma portagem;
- Nestas condições, o Tribunal de Justiça baseou-se na premissa de que a NRA, que é um organismo de direito público, actua na qualidade de autoridade pública no âmbito da sua actividade de disponibilização da infra-estrutura rodoviária em causa mediante o pagamento de uma portagem e que, por conseguinte, essa actividade deve ser considerada abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 13.º, n.º 1, da Directiva IVA;
- Quanto às questões prejudiciais propriamente ditas, pretendia o órgão jurisdicional de reenvio, em substância, saber se o artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que estava em causa nesse processo, se deverá considerar que um organismo de direito público que exerce uma actividade que consiste em disponibilizar o acesso a uma estrada mediante o pagamento de uma portagem está em concorrência com os operadores privados que cobram portagens noutras estradas portajadas em aplicação de um acordo com o organismo de direito público em causa ao abrigo de disposições legislativas nacionais;
- O TJUE começa por salientar, na linha da jurisprudência constante, nomeadamente, citando o Caso Salix, que importa recordar que o artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da referida Directiva prevê uma limitação à regra da não sujeição a IVA dos organismos de direito público relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, enunciada no artigo 13.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da referida Directiva. Assim, conforme afirma, essa primeira disposição visa repor a regra geral, que figura no artigo 2.º, n.º 1, e no artigo 9.º dessa mesma Directiva, segundo a qual toda a actividade de natureza económica está, em princípio, sujeita a IVA e não pode, por conseguinte, ser objecto de interpretação restritiva;
- No entanto, e também em conformidade com a jurisprudência constante, recorda que isto não pode significar que o artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA, deva ser interpretado de tal forma que a derrogação da sujeição a IVA prevista no artigo 13.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da referida Directiva em benefício dos organismos de direito público que actuam na qualidade de autoridades públicas seja privada do seu efeito útil;
- Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da referida Directiva, estes organismos devem ser considerados sujeitos passivos relativamente a actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas;
- Na interpretação do alcance interpretativo desta norma, o TJUE volta a reafirmar, citando, nomeadamente, a jurisprudência anterior, que:

a) Visa-se assim o caso em que os referidos organismos exercem actividades que podem também ser exercidas, concorrentemente, por operadores económicos privados e que o objectivo é garantir que estes últimos não estejam em desvantagem pelo facto de serem tributados, ao passo que os referidos organismos não o são (cf. Acórdão do TJUE de 25 de Março de 2010, Caso Comissão/Países Baixos, Proc. C-79/09, Colect., p. I-00040);

b) Esta limitação à regra da não sujeição a IVA dos organismos de direito público que actuam na qualidade de autoridades públicas tem apenas natureza eventual, na medida em que a sua aplicação comporta uma apreciação de circunstâncias económicas (v., neste sentido, Acórdão de 17 de Outubro de 1989, Caso Comune di Carpaneto Piacentino e o., Procs. 231/87 e 129/88, Colect., p. 3233);

c) As distorções de concorrência significativas a que conduz a não sujeição dos organismos de direito público que actuam enquanto autoridades públicas devem ser avaliadas por referência à actividade em causa, enquanto tal, e não a um mercado local em particular, bem como por referência não só à concorrência actual mas também à concorrência potencial, desde que a possibilidade de um operador privado entrar no mercado relevante seja real e não puramente teórica (cf. Acórdãos de 25 de Março de 2010, Caso Comissão/Países Baixos, já cit., e Acórdão de 29 de Outubro de 2015, Caso Saudaçor, Proc. C-174/14);

d) Não pode ser equiparada à existência de uma concorrência potencial a possibilidade puramente teórica de um operador privado entrar no mercado relevante, que não seja apoiada por nenhum elemento de facto, por nenhum indício objectivo e por nenhuma análise do mercado (cf. Acórdão de 16 de Setembro de 2008, Caso Isle of Wight Council e o., Proc. C-288/07, Colect., p. I-07203);
- Em suma, e coligindo todos estes critérios, decorre da redacção do artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA e da jurisprudência relativa a essa disposição que a sua aplicação pressupõe, por um lado, que a actividade em causa seja exercida em concorrência, actual ou potencial, com a desempenhada pelos operadores privados e, por outro, que a diferença de tratamento entre essas duas actividades em matéria de IVA conduza a distorções de concorrência significativas, que devem ser avaliadas tendo em consideração circunstâncias económicas;
- Pelo que, conforme nota o TJUE, a simples presença de operadores privados num mercado, sem ter em conta os elementos de facto, os indícios objectivos e a análise desse mercado, não pode demonstrar a existência de uma concorrência actual ou potencial nem a de uma distorção de concorrência significativa;
- Foi precisamente pela ausência de indícios objectivos e de elementos de facto concretos que o TJUE veio a considerar, no caso da NRA, não se poder demonstrar a existência de uma concorrência actual ou potencial nem a de uma distorção de concorrência significativa, atendendo, concretamente, aos seguintes elementos constantes dos autos:

a) No caso da NRA, a sua principal missão é garantir a disponibilidade de uma rede de estradas nacionais segura e eficiente. Para este efeito, tem a responsabilidade geral do planeamento, da construção de todas as estradas nacionais e da supervisão das obras de construção e de manutenção dessas estradas. A este título, só ela pode elaborar um projecto com vista a estabelecer um sistema de portagem associado ao acesso às referidas estradas, bem como aprovar os regulamentos que considerar necessários à sua exploração e à sua manutenção, regulamentos que fixam o montante máximo das portagens que pode ser cobrado em contrapartida pelo acesso a uma estrada portajada, quer esta seja explorada pela NRA ou por um operador privado;

b) Os operadores privados só podem entrar no mercado de disponibilização de infra-estruturas rodoviárias mediante o pagamento de uma portagem se a NRA a tal os autorizar. Além disso, a circunstância de a gestão de uma estrada nacional ter sido confiada a um operador privado em nada altera o facto de a NRA conservar sempre a responsabilidade última em matéria de estradas nacionais, pelo que, se o operador privado não quiser ou não puder mais assegurar os seus compromissos, a primeira está obrigada a assegurar o bom funcionamento dessas estradas;

c) A este respeito, sucede que, no que diz respeito à auto-estrada Westlink, o contrato entre a NRA e o operador privado previa que este último cobrava as portagens através de um sistema de portagem convencional com barreira. No entanto, a passagem de uma praça de portagem com barreira para um sistema electrónico de portagem sem barreira, que se tornou necessária para assegurar uma melhor fluidez da circulação nessa auto-estrada, requeria um importante investimento e implicava a assunção de um risco inerente à adopção de um sistema de portagem sem barreira. Uma vez que o operador privado não queria realizar tal investimento sem compromissos adicionais por parte da NRA, esta negociou a resolução do contrato, retomou a exploração da auto-estrada Westlink em Agosto de 2008 e instalou um sistema de portagem electrónica no interesse público de garantir a fluidez da circulação;
- O TJUE considerou assim que a actividade de disponibilização de infra-estruturas rodoviárias mediante o pagamento de uma portagem, que não se limita, portanto, à cobrança das portagens, é desempenhada exclusivamente pela NRA em condições susceptíveis de garantir, em quaisquer circunstâncias, a disponibilidade de uma rede de estradas nacionais segura e eficiente e que, ao fazê-lo, este organismo assume, por sua própria iniciativa ou em caso de retirada do operador privado, no respeito das obrigações legais especiais que apenas a esta se impõem, as funções de exploração e de manutenção dessa rede;
- Considerou também o TJUE, com base nos elementos de facto dados como assentes pelo órgão nacional de reenvio, não existir uma possibilidade real de um operador privado entrar no mercado em causa, construindo uma estrada que possa entrar em concorrência com as estradas nacionais já existentes, concluindo não existir uma concorrência potencial na medida em que a possibilidade de operadores privados exercerem a actividade em causa nas mesmas condições da NRA é puramente teórica;
- Foi nestas circunstâncias que o TJUE considerou que a NRA desempenha a sua actividade de disponibilização de infra-estruturas rodoviárias mediante o pagamento de uma portagem no quadro de um regime jurídico que lhe é próprio e que, portanto, o artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA, não é aplicável a uma situação como a da NRA em que não existe concorrência real, actual ou potencial, entre o organismo de direito público em causa e os operadores privados;
- Por todo o exposto, o TJUE respondeu às questões submetidas concluindo o seguinte:

O artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, não se deve considerar que um organismo de direito público que exerce uma atividade que consiste em disponibilizar o acesso a uma estrada mediante o pagamento de uma portagem está em concorrência com os operadores privados que cobram portagens noutras estradas portajadas em aplicação de um acordo com o organismo de direito público em causa ao abrigo de disposições legislativas nacionais.

Ora,
- A situação da EP não é equiparável à da NRA, pelo que este Acórdão do TJUE por forma alguma compromete a posição que a EP sempre tem defendido;
- A concorrência não é sequer meramente potencial no caso da EP, como bastaria que fosse. Ela é real, actual, tratando-se de um facto público e notório!
- Além disso, como se viu, foi dado como assente que a NRA é um organismo de direito público e que actua ao abrigo de poderes de autoridade, o que não é o caso da EP, como se demonstrou;
- Não obstante a EP deter os poderes de autoridade previstos no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 374/2007, os mesmos em nada se comparam com os detidos pela NRA;
- Desde logo, só a NRA pode elaborar um projecto para estabelecer um sistema de portagens associado ao acesso a uma estrada nacional;
- Ao invés, não assiste à EP qualquer poder de idêntica natureza. Com efeito, e conforme já se explicou e demonstrou em sede de Reclamação Graciosa, a EP está autorizada a cobrar portagens nas vias em que foi definido por lei que serão vias portajadas nos termos do seu Contrato de Concessão. Não é a EP, assim como não o é qualquer outra concessionária, que define quais as vias portajadas mas não portajadas mas sim o Concedente/Estado;
- Por outro lado, só a NRA pode aprovar os regulamentos que considerar necessários à exploração e à manutenção da estrada portajada e tem também o poder legal de celebrar acordos com terceiros, através dos quais os autoriza a cobrar portagens numa estrada portajada, sendo o montante máximo das portagens que pode ser cobrado como contrapartida pelo acesso a uma estrada portajada, quer seja explorada pela NRA ou por um terceiro, fixado num regulamento que a NRA aprova para esse efeito;
- Ora, no caso da EP, diferentemente, como resulta desde logo das Bases 59 e 60 do Contrato de Concessão, as taxas de portagem real deverão obedecer a determinados critérios fixados no contrato e estão sujeitas a fiscalização por parte do InIR, competindo à EP comunicar-lhe, em cada ano, o valor das taxas de portagem que deseja que vigorem no ano seguinte, bem como os cálculos que o justifiquem, sendo que, caso as taxas de portagem comunicadas não traduzam uma correcta aplicação da fórmula indicada, o InIR informa a EP desse facto, indicando os valores máximos das taxas de portagem que podem ser aplicados;
- I.e., na Irlanda, a NRA controla os valores máximos de portagens que podem ser praticados, ao passo que em Portugal a EP não tem esse poder, mas sim o InIR, que, como sempre temos vindo a relembrar, é a entidade a quem foram atribuídas funções de autoridade rodoviária, tendo por missão a regulação e fiscalização do sector das infra-estruturas rodoviárias, bem como a supervisão e regulamentação da sua execução, de forma a permitir a concentração de funções de gestão e administração rodoviária numa sociedade anónima (a futura EP SA) desprovida de funções de autoridade rodoviária, a ser criada a partir da transformação da empresa pública Estradas de Portugal, EPE, como se referiu supra;
- Os valores das taxas de portagem resultam, assim, do cumprimento do disposto nos respectivos contratos de concessão, no que respeita à sua actualização pelas concessionárias, com a correspondente validação pelo InIR (actualmente o IMT, I.P, que sucedeu nas atribuições do InIR, por via do Decreto-Lei n.º 236/2012, de 31 de Outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 77/2014, de 14 de Maio);
- Por outro lado, decorre da Base 35, n.º 5, do Contrato de Concessão, que o estado de conservação e as condições de exploração das vias são verificados pelo InIR (Instituto de Infraestruturas Rodoviárias IP);
- Associado a este dever de fiscalização, é também perante o InIR que a EP tem específicos deveres de informação, como decorre, desde logo, da Base 12 do Contrato de Concessão;
- Ora, no Caso NRA não se faz qualquer menção a uma entidade como o InIR, com estes poderes de fiscalização na qualidade de autoridade rodoviária. É, pois, a própria NRA que assume esse papel, daí que se perceba que o TJUE tenha vindo a entender que a mesma actua num quadro jurídico que lhe é próprio em condições diferentes dos operadores privados;
- Também diferentemente do caso da EP, a NRA não celebrou qualquer contrato de concessão com o Estado para prosseguir a sua actividade de gestão da rede rodoviária pública nacional. É, antes, a lei das estradas a base normativa para o desenvolvimento da sua actividade e ao abrigo da qual a mesma depois aprova os seus regulamentos para lhe dar execução;
- Não existe, assim, na Irlanda, nenhum esquema de concessões e subconcessões como no caso da EP;
- Ao invés, os terceiros celebram directamente os contratos com a NRA (e não com o Estado como sucedeu com a EP), que não é concessionária;
- Percebe-se, assim, que as condições de exploração, manutenção e construção das vias sejam diferentes entre a NRA e os terceiros a quem esta conceda autorização para explorar as vias e que, diferentemente da EP, a NRA actue ao abrigo de um regime de direito que lhe é próprio, diferente dos operadores privados;
- Isto porque, no caso da NRA, os poderes de autoridade não são secundários relativamente ao desenvolvimento da sua actividade, ao contrário do que sucede com a EP;
- Ora, no caso da EP a concorrência não é uma hipótese teórica ou académica. Existem dados de facto, objectivos, que comprovam a existência de situações de concorrência entre a EP e as demais concessionárias/subconcessionárias, conforme ficou demonstrado ao longo de todo este processo, nomeadamente no Acórdão do TCASul e nos pareceres juntos pela Recorrente e para os quais remete, onde são apresentados exemplos concretos de situações de concorrência;
- Como vimos, o princípio da neutralidade fiscal implica que todas as actividades económicas devam ser tratadas da mesma maneira (Acórdão de 20 de Junho de 1996, Caso Wellcome Trust, Proc.C‑155/94, Colect., p. I‑3013, n.° 38);
- O mesmo sucede quanto aos operadores económicos que efectuem as mesmas operações (Acórdão de 7 de Setembro de 1999, Caso Gregg, Proc. C-216/97, Colect., p. I-4947, n.° 20);
- Assim, como temos vindo igualmente a salientar, o TJUE tem-se preocupado, nomeadamente, quanto à concretização dos objectivos do sistema comum, em garantir a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas, sejam quais forem os seus objectivos ou resultados que, como salienta, se consegue através do mecanismo das deduções em assegurar aos agentes económicos uma igualdade de tratamento, conseguir uma definição uniforme de determinados elementos do imposto e garantir a segurança jurídica e facilitar as actuações tendentes à sua aplicação (cf., nomeadamente, Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Caso Rompelman, Proc. 268/83, Colect., p. 655, n.º 19, de 22 de Junho de 1993, Caso Sofitam, Proc. C-333/91, Colect., p. I-3513, n.º 10, e de 6 de Abril de 1995, Caso BPL Group, Proc.C-4/94, Colect., p. I-983, n.º 26);
- Quanto maior for o âmbito da excepção da delimitação negativa de incidência do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, maior será o risco de os sectores público e privado concorrerem entre si relativamente às mesmas actividades, permitindo-se a oferta de um preço mais baixo aos consumidores e, eventualmente, a obtenção de uma vantagem competitiva sobre o sector privado;
- Mas o efeito concorrencial poderá ocorrer no sentido inverso, dada a penalização que a não dedução do imposto implica para as entidades públicas abrangidas pela delimitação negativa de incidência;
- No que se reporta à delimitação negativa de incidência das entidades públicas, o Tribunal tem vindo a entender que, representando uma excepção à regra geral de sujeição, deverá ser interpretada em termos restritos;
- Em geral, a jurisprudência tem vindo a salientar que a Directiva tem em vista a harmonização das legislações em matéria de IVA e de não onerar os organismos de direito público com o IVA, sem razão que o justifique, por actividades que se inscrevam no âmbito dos poderes públicos, bem como garantir a neutralidade do imposto (vide, neste sentido, o Acórdão de 17 de Outubro de 1989, Caso Comune di Carpaneto I, Procs. apensos C-231/87 e C-129/88, Colect., p. 3233, n.º 22, e as conclusões do Advogado Geral Alber apresentadas a 29 de Junho de 2000, no Caso Fazenda Pública/Município do Porto, em que foi proferido o Acórdão de 4 de Dezembro de 2000, Proc. C-446/98, Colect., p. I-11435, n.º 54);
- Com efeito, é essencialmente ao objectivo das distorções de concorrência que se deve ir buscar o fundamento e os limites da sujeição ou da exclusão das entidades públicas a IVA (cf. Clotilde Celorico Palma, As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade, Almedina, Dezembro de 2010, pp. 245-250, e Casado Ollero, “El IVA y las operaciones de los entes públicos”, Impuestos, II/1986, pp. 207 e 208);
- Poderemos então afirmar que existe uma distorção de concorrência se um organismo público não sujeito ao imposto concorrer com entidades privadas relativamente às mesmas actividades e possa, consequentemente, oferecer bens ou serviços mais baratos devido à não sujeição;
- Mas, consistindo o principal problema da delimitação negativa de incidência na impossibilidade de dedução do imposto suportado e dos respectivos efeitos de distorção de concorrência, deveremos igualmente afirmar que existe uma distorção de concorrência se um organismo de direito público não sujeito a imposto concorrer com entidades privadas, sendo penalizado em relação a estas pela impossibilidade de deduzir o IVA suportado (cf. Clotilde Celorico Palma, As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade, op. cit., p. 445 e “O IVA e as entidades públicas A revolução do Caso Salix”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º2, Ano IV, Julho 2011);
- O requisito das distorções de concorrência deverá especificamente ser analisado para efeitos da norma em causa e do seu enquadramento na ratio do sistema comum do IVA na qual se insere, tendo em conta, designadamente, os efeitos do exercício do direito à dedução;
- Neste contexto, no Caso Halle o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), reconhece que a cláusula da Directiva também tem por objectivo proteger os concorrentes privados, na medida em que a não sujeição dos operadores públicos possa distorcer gravemente a concorrência (Acórdão de 8 de Junho de 2006, Proc. C-430/04, Colect., p. I-4999);
- Mas importa em particular salientar que no Caso Salix, numa situação em tudo similar nas suas linhas essenciais à que ora nos ocupa, o TJUE concluiu que pode igualmente haver "distorções de concorrência significativas", se a não sujeição ao imposto de um organismo de direito público conduzir a distorções de concorrência significativas em seu próprio prejuízo (Acórdão de 4 de Junho de 2009, Caso Salix, Proc. C-102/08, Colect., p. I-4629, n.ºs 67 a 76);
- Importará em particular sublinhar que no Caso Salix o Tribunal vem reconhecer expressamente que o artigo 4.º, n.º 5, segundo parágrafo, da Sexta Directiva, deve ser interpretado no sentido de que os organismos de direito público devem ser qualificados como sujeitos passivos relativamente às actividades ou às operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas não apenas quando a sua não sujeição ao imposto, por força do primeiro ou do quarto parágrafo da referida disposição, conduzir a distorções de concorrência significativas em detrimento dos seus concorrentes privados, mas também quando conduzir a tais distorções em seu próprio prejuízo;
- Isto é, de acordo com a jurisprudência do TJUE, os Estados membros estão obrigados a garantir a tributação dos organismos de direito público quando a respectiva não tributação possa produzir distorções de concorrência graves, quer contra operadores privados quer contra si próprios (neste sentido veja-se Clotilde Celorico Palma, “O IVA e as entidades públicas – A revolução do Caso Salix”, op. cit.);
- E note-se que as distorções de concorrência significativas a que conduz a não sujeição dos organismos de direito público que actuam enquanto autoridades públicas devem ser avaliadas por referência à actividade em causa, enquanto tal, e não a um mercado local em particular, bem como por referência não só à concorrência actual mas também à concorrência potencial, desde que a possibilidade de um operador privado entrar no mercado relevante seja real e não puramente teórica (cf. Acórdãos de 25 de Março de 2010, Caso Comissão/Países Baixos, já cit., e Acórdão de 29 de Outubro de 2015, Caso Saudaçor, já cit.);
- Não pode ser equiparada à existência de uma concorrência potencial a possibilidade puramente teórica de um operador privado entrar no mercado relevante, que não seja apoiada por nenhum elemento de facto, por nenhum indício objectivo e por nenhuma análise do mercado (cf. Acórdão de 16 de Setembro de 2008, Caso Isle of Wight Council e o., já cit.);
- Em suma, e coligindo todos estes critérios, decorre da redacção do artigo 13.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva IVA e da jurisprudência relativa a essa disposição que a sua aplicação pressupõe, por um lado, que a actividade em causa seja exercida em concorrência, actual ou potencial, com a desempenhada pelos operadores privados e, por outro, que a diferença de tratamento entre essas duas actividades em matéria de IVA conduza a distorções de concorrência significativas, que devem ser avaliadas tendo em consideração circunstâncias económicas;
- Ora, no caso concreto ficou por demais provado, de acordo com a jurisprudência clara do TJUE a que adere a doutrina, que a a EP não actua como “Autoridade Pública” como pretende a AT e que, por outro lado, existem efectivas distorções de concorrência;
- Alega a AT que “impunha-se que o Tribunal invocasse a pertinente jurisprudência do TJUE sobre aqueles conceitos e aplicasse os respectivos critérios e interpretações ao caso "sub judice" ou, caso entendesse que a jurisprudência não era suficientemente esclarecedora para a resolução do caso concreto, deveria ter suscitado a questão perante o Tribunal de Justiça em processo de reenvio prejudicial.”;
- Ora, sucede que, como vimos, o douto Acórdão do TCA Sul, em primeiro lugar, estriba-se na doutrina e na jurisprudência do TJUE e, em segundo lugar, considera adequadamente que tal jurisprudência é clara, pelo que não se encontram reunidos os pressupostos necessários para o reenvio prejudicial, termos em que o pedido da AT não poderá proceder;
- Na realidade em causa no processo sub judice está a análise de factos e a sua subsunção a um quadro jurídico claro definido pelo TJUE, tarefa da qual se deverá, naturalmente, incumbir sempre o órgão jurisdicional nacional e não aquele Tribunal;
- Pelo que deverá também improceder a arguição de nulidade por falta de fundamentação por o TCA Sul não ter procedido ao reenvio prejudicial.

2.5. Arguição de nulidade por omissão de pronúncia relativamente à junção de documentos efectuada após a inquirição das testemunhas em 2ª instância

- Após a realização da inquirição de testemunhas em 2.ª Instância, a Recorrente procedeu à junção de dois documentos aos autos, um respeitante à actualização dos custos suportados (até Setembro de 2016) com a prestação da garantia bancária a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira e outro relativo ao enquadramento da CSR;
- O estudo sobre o enquadramento da CSR foi junto aos autos na sequência dos esclarecimentos prestados pela testemunha M... ao colectivo de juízes em audiência realizada no dia 22 de Novembro de 2016, não constituindo matéria nova (em 1.ª Instância a mesma testemunha já tinha apelado ao estudo e explicado o seu conteúdo);
- Talvez por isso, isto é, por não ter qualquer relevância autónoma, não lhe foi conferida qualquer força probatória pelo tribunal “ad quem” (e bem);
- O douto Acórdão em momento nenhum cita ou refere o estudo sobre a CSR, não tendo o mesmo constituído fundamento para alteração do probatório;
- Por isso mesmo, qualquer eventual omissão de pronúncia sobre a sua admissibilidade ou desentranhamento não é susceptível de constituir nulidade capaz de influenciar o sentido da decisão final, uma vez que o mesmo nem sequer foi considerado no Acórdão;
- Nem tão pouco pode constituir omissão de pronúncia susceptível de gerar a nulidade do Acórdão nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ou, mais propriamente, nos termos do disposto no penúltimo segmento do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT;
- Ora, a nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento por parte do juiz do dever prescrito no n.º 2 do artigo 608.º do CPC e que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, com excepção daquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras;
- A admissibilidade ou rejeição de documentos não constitui uma questão que deva ser resolvida pelo juiz na resolução do mérito da causa. É uma questão acessória não relacionada com o pedido ou com a causa de pedir;
- No caso sub judice o tribunal “ad quem” não deixou de se pronunciar sobre qualquer questão que lhe tivesse sido submetida. Pelo contrário, e contrariamente ao que sucedeu em 1.ª Instância, o tribunal “ad quem” pronunciou-se sobre todas as questões submetidas;
- O probatório foi, aliás, complementado e aditado com elevadíssimo rigor e sapiência tendo por referência as alegações de recurso da Recorrente (mas não exclusivamente);
- Constituindo o Acórdão proferido um exemplo e uma referência insusceptível de qualquer censura;
- Quanto ao documento relativo à actualização dos custos suportados com a garantia bancária prestada a favor da AT, como se invocou anteriormente, trata-se apenas de uma actualização dos custos a Setembro de 2016;
- A Recorrente já anteriormente tinha pedido para ser ressarcida dos custos relacionados com a prestação da garantia;
- A factualidade aditada [constante da alínea R)] não estava dependente da apreciação desse documento nem tão pouco da sua quantificação;
- A qual, aliás, não ocorre no âmbito do processo judicial;
- A factualidade dada como provada na alínea R) do probatório teve por principal fundamento – como claramente resulta da respectiva fundamentação – o “documento de fls. 373 do volume 4 do processo administrativo instrutor”;
- Ou seja, mesmo que o documento a fls. 1128 a 1145 tivesse sido erradamente valorado, o resultado final, isto é, a decisão sobre a condenação no pagamento dos custos não seria alterada pois sempre teria por fundamento o documento de fls. 373;
- Ademais, a Fazenda Pública foi notificada dos referidos documentos (a fls.1127) não tenho manifestado qualquer oposição à sua junção;
- Pelo que carece de total fundamento o vício de omissão de pronúncia imputado ao douto Acórdão;

2.4. Do pedido de reforma do Acórdão quanto a custas
- Vem ainda a Fazenda Pública, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 616.º e n.º 1 do artigo 666.º, ambos do CPC, ex vi al. e) do artigo 2.º do CPPT, requerer a reforma do Acórdão quanto a custas;
- Argumenta a Fazenda Pública que, tendo em conta o valor da causa (€ 65.269.915,31), não pode aplicar-se a previsão normativa relativa ao pagamento do respectivo remanescente que decorre do disposto na anotação à Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do citado diploma legal;
- Alega que, in casu, o Tribunal nunca se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos da 2.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, quando, atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes, a especificidade da situação o justificaria, no seu entendimento;
- Argumenta, em primeiro lugar, no que diz respeito à complexidade da causa, que é necessário analisar os pressupostos previstos no n.º 7 do artigo 530.º do CPC, para a averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso;
- Neste particular, conclui a Fazenda Pública que, relativamente à especificidade técnica e ao assunto em discussão, a questão da causa não é de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica considerando que decorre do Acórdão que no caso concreto se verifica a exigida existência de jurisprudência uniforme e sedimentada do TJUE sobre o sentido interpretativo a atribuir à norma em causa;
- Em suma: a AT entende que, não obstante o elevado valor da acção, o mesmo não transparece qualquer complexidade do processo e, assim, que o objecto da presente acção não é susceptível de justificar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente a uma acção no valor de € 65.269.915,31;
- Solicita, assim, a Fazenda Pública que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, por forma a dispensar a mesma do pagamento do remanescente da taxa de justiça, reformando-se, nessa parte, o Acórdão quanto a custas, ao abrigo do n.º 1 do artigo 616.º do CPC;
- Não pode, no entanto a Recorrente concordar com tal entendimento;
- De acordo com o artigo 530.º, n.º 7, do CPC, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:

a) contenham articulados ou alegações prolixas;

b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas
- Em primeiro lugar, o caso em discussão na presente acção é, indubitavelmente, um caso que convoca a análise de questões de elevada especialização jurídica e especificidade técnica, e, bem assim, da análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, tal como previsto na al. b) do supra citado preceito;
- Disso não pode duvidar-se.
- Prova disso é, aliás, o facto de a Recorrente ter solicitado vários pareceres jurídicos sobre esta temática, sobre diversas questões. Uma leitura atenta, cuidada e rigorosa desses pareceres transparece sem margem para dúvidas a complexidade das questões neles apreciadas;
- Complexidade essa que também está bem patente nas peças processuais que compõem o processo;
- Concretamente, a Recorrente, neste processo, procedeu à junção de quatro pareceres jurídicos que convocam a apreciação de várias matérias de diversos ramos do direito, e, ainda, a um Estudo da Consultora Deloitte, a saber:

a) Parecer dos Professores Doutores Eduardo Paz Ferreira e Clotilde Celorico Palma sobre as seguintes questões:
i. Se deverá incidir IVA sobre a CSR, verificando-se a existência de uma actividade económica de prestação de serviços para efeitos daquele imposto, estando em causa a contrapartida de um serviço individualizável que a EP presta aos utentes da rede rodoviária nacional;
ii. Se no contexto descrito actua como sujeito passivo em sede de IVA;
iii. Se pode exercer o direito à dedução do IVA suportado nas actividades relacionadas com a CSR;
iv. Se pode exercer o direito à dedução do IVA suportado na actividade de exploração da rede rodoviária portajada.

b) Parecer do Professor Doutor António Carlos dos Santos, sobre a “Sujeição a Imposto sobre o Valor Acrecentado da Actividade da Empresa Estradas de Portugal, S.A. e Direito à Dedução”;

c) Parecer do Professor Doutor Luís Silva Morais, sobre a “Sujeição a IVA e Dedução de IVA por parte da Empresa Estradas de Portugal e Distorções de Concorrência”;

d) Estudo da Deloitte intitulado “Estudo de avaliação dos eventuais efeitos de distorção da concorrência no Setor Rodoviário, decorrentes da não dedução de IVA”;

e) Parecer sobre o “Enquadramento da contribuição de serviço rodoviário em sede de IVA”, que se juntou na sequência do depoimento do Dr. M...;
- Concretamente, a matéria discutida neste processo convoca, desde logo, a análise da norma relativa à incidência subjectiva do IVA, em particular a parte que procede à delimitação negativa da incidência;
- Ora, esta norma não é de fácil alcance interpretativo e implica uma profunda aferição casuística;
- De acordo com o artigo 2.º, n.º 2, do CIVA “O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência”;
- A análise da situação concreta implicou, assim, a averiguação de todos os requisitos (cumulativos) presentes nesta norma e seu devido enquadramento no caso concreto, a saber:
i. A natureza pública ou privada da pessoa colectiva em causa, para efeitos de preenchimento ou não preenchimento da primeira parte do preceito;
ii. A actuação ou não actuação no âmbito de poderes de autoridade;
iii. A existência ou não existência de distorções de concorrência;
- Além disso, para além da controvérsia gerada entre a Recorrente e a AT em torno da norma de delimitação negativa de incidência do IVA, gerou também controvérsia a norma da incidência objectiva, dado que a AT contestou o facto de existir uma contrapartida efectiva pela prestação de um serviço prestado pela EP aos utentes da via e ao Estado no que respeita à CSR e às portagens;
- Foi, neste particular, necessário também ao Tribunal analisar o mecanismo de funcionamento da CSR para chegar à conclusão a que, e bem, se chegou;
- Portanto, o preceito chama à colação matéria de direito alusiva a vários ramos de direito, tais como:
i. o direito administrativo, para saber se estamos perante uma pessoa colectiva de direito público e se, sendo uma pessoa colectiva de direito público, a mesma actua, no caso concreto, ao abrigo de poderes de autoridade;
ii. o direito fiscal, por estarmos perante um imposto (IVA) e por ser necessário atender em especial às características e aos princípios que regem este imposto e, também, para compreender o mecanismo de funcionamento da CSR;
iii. o direito da economia, em particular o direito da concorrência, para aferir da existência de distorções de concorrência significativas;
iv. o direito da União Europeia, atento o facto de o IVA ser um imposto harmonizado, de natureza comunitária, e a vasta jurisprudência do TJUE existente;
- Todas estas matérias tiveram de ser aprofundadamente estudadas e correlacionadas entre si para se chegar às devidas conclusões no caso sub judice;
- Por outro lado, este processo implicou a audição de várias testemunhas arroladas pela Recorrente, cujos depoimentos foram, na sua esmagadora maioria, de natureza eminentemente técnica, o que implicou um esforço de valoração destes depoimentos também particularmente exigente;
- Tal complexidade dos depoimentos das testemunhas é, aliás, patente atento o facto de o Tribunal “ad quem” ter tido a necessidade de ouvir novamente as mesmas testemunhas, com vista ao esclarecimento de alguns factos que lhe suscitaram dúvidas, conforme supra enunciado;
- Também a prova documental não se mostra simples de analisar;
- A título de exemplo, citem-se os contratos de concessão e de subconcessão juntos pela Recorrente que tiveram também de ser devidamente analisados e comparados entre si, o que convocou também a análise de normas jurídicas de índole diversa;
- Assim, também no que respeita à produção de prova, a mesma obrigou o Tribunal à análise de meios de prova complexos, quer de natureza documental quer em sede de valoração dos depoimentos prestados, e, bem assim, à realização de várias diligências de produção de prova que se revelaram morosas, atentas as dúvidas fundadas que se suscitaram na 2ª Instância;
- O facto de, como refere a AT, se ter entendido e bem! que existe jurisprudência uniforme do TJUE sobre esta matéria, não pode levar a concluir, sem mais, pela não complexidade e especialização técnica destas questões;
- Tal apenas permite concluir pela desnecessidade de reenvio prejudicial, como já por diversas vezes demonstrado;
- Aliás, o facto de se estar perante uma matéria que convoca a apreciação de jurisprudência do TJUE só demonstra, pelo contrário, que a questão é complexa. Não fossem as questões apreciadas nesta jurisprudência complexas e nem sequer teriam sido suscitadas as questões prejudiciais ao TJUE nesses casos;
- Atento o exposto, vejamos então a base legal invocada pela AT que permite dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida;
- Decorre do artigo 6.º, n.º 7, do RCP que, nas causas de valor superior a 275.000, 00 €, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento;
- Como afirmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 27-04-2017, Proc. 399/15.4T8VIS.C2, “Em matéria de custas judiciais, a regra geral é a de que a taxa de justiça é fixada «em função do valor e complexidade da causa» (artigos 6.º, n.º 1 e 11º, do RCP e 529º do atual CPC).”;
- Neste sentido, a possibilidade de dispensa do remanescente assume natureza excepcional face a esta regra geral;
- De facto, após as alterações introduzidas pela Lei nº 7/12, de 13 de Fevereiro, o RCP passou a permitir que, em ações de valor superior a 275.000,00 €, o Juiz possa dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, desde que a especificidade da situação o justifique. Mas esta esta possibilidade está pensada, precisamente, para situações excepcionais;
- Como prossegue aquele douto Acórdão do TRC “Estando plenamente assegurada (perante a inquestionada aplicação do RCP, na versão actual, emergente da Lei 7/2012) a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça remanescente e tendo presente no descrito contexto processual, pode afigurar-se desproporcionado o montante da taxa de justiça remanescente, a pagar, por aplicação do critério normativo previsto no art.º 6.º, nº1 e na respectiva Tabela I-A, impondo-se assim o uso do mecanismo previsto no n.º 7 do art.º 6º, com a função de adequar o custo da ação à menor complexidade do processado”;
- Precisamente, como bem se refere nesse Acórdão, poderá ser necessário fazer uso deste mecanismo com a função de adequar o custo da acção à menor complexidade do processado;
- Ora, não é o que se verifica in casu, como vimos, em que o valor da acção é elevado e o processado também é particularmente complexo;
- Veja-se, também neste sentido, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) de 06-07-2017, Proc. 1582/07.1TTLSB-4, onde se afirma que o n.º 7 do artigo 6º do RCP, introduzido em 2012 pela Lei n.º 7/2012 de 13 de Fevereiro, constitui uma norma excepcional que visa atenuar a obrigação de pagamento da taxa de justiça, nas acções de maior valor, face ao disposto na Tabela I que prevê que, para além dos 275 000 € ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25 000 ou fracção, 3 UC, no caso da col. A, 1,5 UC, no caso da col. B, e 4,5 UC, no caso da col. C.;
- Naquele processo, o TRL considerou que não é de dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente numa acção com o valor de 610 923,67 €, que implicou um labor judicial de cerca de 10 anos, mediante a análise de vários e complexos articulados, que foi decidida em última instância pelo Supremo Tribunal de Justiça, e na qual o trabalhador, jornalista, peticionava fosse declarada procedente a justa causa para a resolução do seu contrato de trabalho, desde logo por falta de pagamento de trabalho suplementar, cujo pagamento também peticionou, para além de outros factores como a alteração da estrutura hierárquica e diminuição e competências atribuídas pela Ré, obrigando também à discussão e apuramento das prestações que compunham a sua retribuição, com base numa causa de pedir complexa, que envolveu a apreciação, para além da retribuição base, de prestações como a viatura automóvel, o seguro de saúde, prémios e bónus, PPR, stock option, e parceria com outra agência noticiosa;
- I.e., atendendo à complexidade da causa e a mais uma série de factos, conforme supra explanado, o TRL considerou que, naquele caso, não se verificavam razões para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça;
- Tal como, no presente caso, não se verificam razões para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelas razões supra expostas atinentes à complexidade do processo quer em virtude da matéria de direito quer em virtude dos meios de prova produzidos;
- Invoca ainda a Fazenda Pública a inconstitucionalidade da norma constante dos n.º s 1, 2 e 7 do artigo 6.º do RCP, bem como, da al. c) do n.º 3 do artigo 26.º e da al. d) do n.º 2 do artigo 25.º, ambos do RCP, na parte em que delas resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, bem como, quando prevêem, sem mais, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado;
- No seu entendimento, o n.º 7 do artigo 6.º do RCP não deve ser como permitindo o cálculo das custas judiciais tendo em conta o valor do processo, sem atender ao limite máximo de € 275.000,00, por violar o direito de acesso aos Tribunais e o princípio da proporcionalidade, devendo tal norma ser desaplicada por padecer de inconstitucionalidade material;
- Para a Fazenda Pública, na linha deste seu entendimento, deverá ser julgada inconstitucional a norma constante dos n.º s 1 e 2 do artigo 6.º do RCP, quando interpretada no sentido que leve à aplicação do cálculo das custas judiciais sem ter em atenção o limite máximo estipulado no mesmo RCP (€ 275.000,00), por violação do artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º n.º 2, segunda parte, da referida lei fundamental;
- Da mesma forma, entende que deve ser julgada inconstitucional a norma constante do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, quando prevê a aplicação de remanescente, por violação do artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º  n.º 2, segunda parte, da referida lei fundamental;
- Este entendimento não pode, no entanto, proceder;
- Com efeito, o citado artigo 6.º, n.º 7, do RCP permite fazer uma aferição casuística e permite ao juiz, se as especificidades do processo assim o determinarem, dispensar o remanescente ou parte do remanescente, não comprometendo por isso aqueles princípios, pois está sempre assegurada esta possibilidade se a natureza do processo assim o determinar;
- Cabe, neste contexto, ter presente que a norma constante do n.º 7 do artigo 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de 275.000 €, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade;
- A Fazenda Pública apenas equaciona duas hipóteses possíveis na interpretação desta norma: ou há dispensa do remanescente (a única interpretação que, no seu entender, é admissível) ou não há dispensa do remanescente (sendo que, neste último caso, a solução é inconstitucional na tese por si perfilhada);
- Esquece-se, porém, que existe ainda a possibilidade de se dispensar o pagamento apenas de parte do remanescente;
- Claramente, na situação concreta, pelos motivos supra expostos, nunca poderá ser dispensado na sua totalidade o remanescente como pretende a Fazenda Pública;
- Donde, não deverá proceder o pedido de reforma quanto a custas da Fazenda Pública ao pretender que se aplique o limite máximo de € 275,000,00 fixado na Tabela I do RCP desconsiderando-se o remanescente aí previsto.

Conclui, assim, pugnando pela improcedência das nulidades e da reforma peticionadas.
Colhidos os «vistos »das Meritíssimas Juizas Adjuntas, cumpre, agora, decidir.
III – Considerando que a Fazenda Pública, para além de ter arguido a nulidade do acórdão, interpôs recurso de revista do mesmo acórdão, a questão que se pode colocar, a título prévio, é a de saber se este incidente é o meio próprio  para arguir as nulidades imputadas ao acórdão e se é este Tribunal Central, que proferiu o acórdão e perante quem foram arguidas as invocadas nulidades, o competente para as apreciar e decidir.
A Fazenda Pública no seu requerimento, alude por diversas vezes a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que convoca no sentido de enquadramento/justificação da arguição e do seu pedido de apreciação perante este Tribunal Central.
Será assim ?
A resposta parece hoje ser pacífica, não por força da clareza do regime instituído, mas, seguramente, na sequência do labor jurisprudencial que à volta da questão foi sendo desenvolvido.

Efectivamente, embora a lei determine que proferida a sentença fica esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa, também determina que aquele permanece obrigado a pronunciar-se sobre as nulidades que lhe sejam imputadas, uma vez que está legalmente assegurado às partes “o direito de arguir a nulidade da sentença, direito esse que tem correspondência directa na obrigação do Juiz que a proferiu em pronunciar-se sobre essa arguição (art.º 613.º/1 e 2 do CPC)”.

A questão que pode colocar-se - como subtilmente e à cautela avança a recorrente - é a de saber qual o meio e/ou o Tribunal em que essa nulidade deve, respectivamente, ser arguida e decidida. Ou seja, pode colocar-se a questão de saber se essa nulidade deve ser arguida sempre perante o Tribunal que proferiu o acórdão ou se situações há em que assim não deve ser, bem como, se a parte pode arguir a nulidade perante o Tribunal que proferiu o acórdão e simultaneamente erigir a mesma em fundamento de um recurso de revista.
Como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8-1-2014 - proferido no processo n.º 376/13, na sequência de acórdão admitindo a revista interposta com fundamento na relevância da questão da identificação do meio e sede próprias para arguir a nulidade do acórdão, se o requerimento autónomo a apresentar perante o Tribunal da decisão se o Tribunal Superior, sendo susceptível de recurso de revista nos termos do artigo 150.º do CPTA, integralmente disponível em www.dgsi.pt - só aparentemente, a resposta a essa questão é simples «visto parecer que a mesma decorre directamente da lei e isto porque se a sentença não for passível de recurso a arguição da sua nulidade deve ser feita perante o Juiz que a proferiu, que conhecerá dessa arguição de forma definitiva, de contrário, isto é, cabendo recurso da sentença, aquela arguição terá ser feita na respectiva minuta devendo o Juiz conhecer dessa arguição no despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso já que, não o fazendo, o Relator poderá mandar baixar o processo ao Tribunal recorrido para que essa pronúncia tenha lugar. – vd. art.ºs 613.º, n.ºs 1 e 2, 615.º n.ºs 1 e 4, e 617.º, n.ºs 1, 5 e 6 do CPC.

Todavia, a linearidade e simplicidade desta resposta é abalada quando se enfrentam os casos em que a sentença, não podendo ser objecto dos recursos ordinários clássicos - a apelação e a revista (art.º 627.º/1 e 2 do CPC) - pode, no entanto, ser atacada através de um recurso recentemente introduzido na ordem jurídica recurso esse que, apesar inserido no capítulo dos recursos de revista, não é um vulgar recurso de revista visto ter tratamento processual próprio e ter características que o diferenciam em aspectos substanciais das restantes revistas. Foi, certamente, por causa disso que o legislador o autonomizou, apelidando-o de revista excepcional, e lhe atribuiu características que o afastam claramente do tradicional recurso de revista. Desde logo, as relativas aos fundamentos da sua interposição e aos pressupostos da sua admissibilidade (vd. art.ºs 672.º do CPC e 150.º do CPTA), daí decorrendo que esse recurso não pode ser assimilado tout court ao tradicional recurso de revista e ser tratado exactamente da mesma forma.».

No aresto em citação, a questão identificada como relevante pelo acórdão que decidira admitir a revista[2] não chegou a ser analisada na “amplitude” anteriormente avançada por se ter concluído pela desnecessidade dessa apreciação atenta a não interposição do recurso de revista. E ser, consequentemente, indiscutível no caso então em apreço que competia ao Tribunal Central a apreciação do requerimento de arguição de nulidade aí apresentado e que lhe fora directamente dirigido.

Porém, no nosso caso a situação é distinta, isto é, abrange precisamente a situação de facto e direito avançada pelo primitivo acórdão (que admitiu a revista), uma vez que, como deixámos já evidenciado no relatório (ponto I supra), e resulta evidente dos autos, perante este Tribunal Central foram arguidas nulidades do acórdão por omissão de pronúncia e também interposto recurso de revista, nos termos do artigo 150.º do CPTA.

De todo o modo, não cremos, porém, mesmo assim, que hoje se suscitem dúvidas quanto à solução a adoptar, sendo que, embora por razões distintas, e tal como no acórdão de revista a que supra aludimos, a questão nestes autos até se apresente de mais fácil solução.

Não suscita dúvidas a solução uma vez que, pese embora o reconhecimento consagrado no acórdão que admitiu o referido recurso de revista - ser evidente que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vinha adoptando distintas posições, designadamente, nuns casos, ordenando a baixa dos autos em sede de apreciação da admissibilidade do recurso de revista para que o Tribunal Central se pronunciasse sobre a arguição de nulidade nele realizada (o que, pelo menos implicitamente, traduzia o entendimento de que a arguição era admissível nessa sede recursiva) e noutros, especialmente na Secção de Contencioso Tributário do mesmo Superior Tribunal, se decidindo de forma uniforme que a arguição de nulidade de Acórdão dos Tribunais Centrais devia ter lugar em reclamação para o tribunal recorrido e não na alegação do recurso de revista, com fundamento no carácter excepcional que este assumia[3] - hoje essa dualidade de posições já não existe, sendo absolutamente pacífico o entendimento de que «atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14)».[4]

Ou seja, resulta da jurisprudência emanada dos acórdãos que vimos referindo que a determinação legal de arguição de nulidade do acórdão em recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que em abstracto é admissível, deve ceder no caso do recurso de revista interposto ao abrigo do preceituado no artigo 150.º do CPTA, atento o seu carácter excepcional, os especiais fundamentos que necessariamente o conformam e a finalidade visada com a sua consagração (“Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito preceito legal a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso»), todos insusceptíveis de se coadunar com a apreciação de concretas ou particulares nulidades de um acórdão.

Aliás, e como também adiantamos, no caso a solução até se encontra facilitada quer na admissibilidade da sua apreciação quer quanto aos impactos da decisão, uma vez que as “nulidades do acórdão” que foram suscitadas, se bem vemos e nos é permitido para este efeito apreciar, não constituem objecto do recurso de revista.

Temos, pois, por seguro - independentemente de estarmos cientes de que pode e foi interposto recurso de revista excepcional - que é a nós, Tribunal Central, que cumpre apreciar as nulidades arguidas ou, se preferirmos, que o facto de ser legalmente admissível interposição de recurso da nossa decisão e esse ter sido efectivamente interposto não legitima um julgamento de impropriedade do meio processual ou de incompetência para as decidir.

IV – Face ao teor do articulado onde se encontram substanciadas as nulidades imputadas ao acórdão e a reforma pretendida, importa, assim, decidir se o acórdão :
4.1. É nulo, por violação do princípio do contraditório, nos termos em que o mesmo se encontra consagrado nos artigos 3.º e 95.º do CPC e 98.º do CPPT, por ter sido proferido sem ter sido ordenado o cumprimento do preceituado no artigo 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ;
4.2. É nulo por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por ter decidido no sentido do não reenvio prejudicial com fundamento na existência de jurisprudência uniforme sem ter citado nessa decisão acórdãos demonstrativos dessa asserção, especialmente, por não ter citado nenhum acórdão do TJUE aquando da apreciação da questão concernente à verificação dos pressupostos de incidência objectiva susceptível de confirmar a existência da invocada uniformidade de jurisprudência;
4.3. É nulo por ambiguidade e obscuridade da sua fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, por não ser claro do mesmo se a condenação que foi dirigida à Fazenda Pública no que respeita aos custos decorrentes da prestação de garantia prestada respeita apenas às relativas ao processo executivo onde estava a ser exigido o pagamento coercivo dos valores liquidados ou também aos demais processos cujo pagamento também visava garantir, o que importa esclarecer;
4.4. É nulo por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, por o Tribunal Central se não ter pronunciado sobre a pertinência e admissibilidade de um documento junto aos autos após a repetição da inquirição das testemunhas;
4.5. Deve ser reformado em matéria de custas, impondo-se a dispensa do remanescente devido por força do preceituado no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais na única interpretação constitucionalmente conforme que o mesmo admite.

V. O Direito
Como se consta dos pontos antecedentes, notificada do acórdão proferido nos autos veio a recorrente Fazenda Pública imputar ao acórdão diversas nulidades e requerer a sua reforma.

5.1. Importa, agora, proceder à sua apreciação, desde já consignando que a mesma não seguirá a ordem pela qual foram suscitadas e supra identificadas, antes será realizada por referência à tramitação processual dos autos e ao momento em que alegadamente ficaram verificadas.
Esta opção traduz já, ainda que implicitamente, o nosso entendimento de que apenas algumas das nulidades imputadas ao acórdão constituem efectivamente “nulidade do acórdão”, sem prejuízo de, aquelas que a esta última qualificação se não subsumem, serem por nós apreciadas enquanto nulidades processuais de cuja verificação pode resultar a anulação do processado subsequente e, consequentemente, do próprio acórdão prolatado.
Para que bem se compreenda a opção e entendimento avançados, é essencial introduzir de imediato o enquadramento legal das nulidades das sentenças/acórdãos e das nulidades processuais, sobretudo, na parte em que a sua regulamentação se afasta do regime geral das nulidades de sentença (ou das outras decisões judiciais) uma vez que, só por referência a esse específico regime se logrará encontrar o bem fundado da decisão a proferir, enquadramento este que, no caso, se mostra ainda mais pertinente já que a recorrente no seu requerimento umas vezes alude àquele especifico regime (regime das nulidades processuais) e noutras não deixa de reconduzir essa nulidade a «nulidade do acórdão.».
Nesse sentido, começamos por salientar que, como é sabido, as nulidades processuais se distinguem do regime das nulidades das sentenças que se encontram taxativamente enunciadas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, as quais, em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, devem ser arguidas umas vezes no Tribunal a quo e outras vezes no Tribunal ad quem (cfr., ainda, designadamente, os artigos 615.º, n.º 1, 613.º, 666.º, 679.º, todos do CPC).
Distintamente, as nulidades processuais, enquanto “desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais.”[5], assumem uma regulamentação própria consoante a sua natureza:
- as nulidades principais, típicas ou nominadas, obedecem, na sua arguição e apreciação, ao regime dos arts. 186.º a 194.ºe 196º a 198.º do CPC.;
- as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas, têm a sua regulamentação genérica no artigo 195.º, nº 1, do mesmo CPC, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto nos artigos 196.º, 2ª parte e 199º do mesmo Código.
Ora, como resulta das alegações vertidas no requerimento de arguição e contrariamente ao que se mostra sugerido nos títulos com que foram identificadas, é manifesto que, com excepção da alegada « ambiguidade ou obscuridade da decisão », não está em causa qualquer vício intrínseco da sentença a que alude o artigo 615º, n.º 1 do Código de Processo Civil, mas, sim, a confirmar-se o alegado, perante nulidades processuais.
Note-se que o que vimos dizendo vale para a questão da violação do princípio do contraditório por alegadamente não ter sido dada às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a nova prova produzida e vale igualmente, para a alegada questão da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão relativa à questão do reenvio prejudicial, para a questão da decisão de admissibilidade dos documentos juntos com as alegações do recurso (não afrontada directamente) e para a omissão de despacho quanto à admissibilidade dos documentos juntos aos autos após a inquirição das testemunhas  e antes da prolação do acórdão.
Quanto à primeira - a questão da violação do princípio do contraditório por alegadamente não ter sido dada às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre a nova prova produzida – a própria recorrente, pese embora a tenha invocado sob o título de nulidade do acórdão, também não tem dúvidas, como resulta quer do cuidado posto na invocação das circunstâncias de facto e de direito que, julgando observadas,  sustentam a sua tempestividade, quer do pedido que formulou nessa parte : « declarada procedente a arguição de nulidade decorrente da omissão da notificação para os efeitos previstos no art.120.º do CPPT, por provada e fundada, com a consequente anulação do acórdão  recorrido, e ordenada a prossecução dos autos com o suprimento da nulidade, e com a fixação de prazo para alegações e a notificação do Representante da Fazenda Pública e da impugnante para esse efeito, seguindo-se os ulteriores termos processuais ».
Quanto às demais, também a sua apreciação e decisão à luz do regime das nulidades processuais se impõe, uma vez que traduzem, todas elas, decisões ou omissão de decisões prévias à prolação do acórdão a que as nulidades plasmadas no artigo 615.º são directa e exclusivamente dirigidas.
É certo que - o que imediatamente assumimos para que o recorte legal que vimos fazendo fique claro – o facto de o Tribunal Central ter optado por conhecer das questões prévias (apreciação da questão do reenvio e da admissibilidade dos documentos) na mesma peça processual em que apreciou do mérito e em formação de colectivo, ao invés de o ter feito autonomamente e pela pena singular da sua relatora [como o determina o artigo 652.º, n.º 1, al. b) e 269.º do CPC (no que respeita à questão do reenvio prejudicial) e al. e), do mesmo artigo 652.º (no que se reporta à admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso ou posteriormente a estas), prática que tem vindo a ser acolhida por dessa decisão haver sempre reclamação] para a conferência e em ordem a lhe atribuir uma maior autoridade, poderá ter contribuído para o lapso de qualificação. Porém, essa opção em nada contende com a natureza de questão prévia nem com a garantia das partes a quem é sempre reconhecido o direito de questionar essa decisão, como foi feito, e de a ver apreciada, como será, com total respeito e com a total amplitude dos fundamentos de facto e de direito invocados por si invocados.
Finda essa apreciação - e não sendo caso de julgar verificada qualquer nulidade processual com a anulação do processado posterior, incluindo o acórdão proferido - proceder-se-á, então, à apreciação da nulidade do acórdão e da sua  eventual reforma quanto a custas.

5.2. DAS NULIDADES PROCESSUAIS
5.2.1. Neste contexto, o que se impõe é, antes de mais, averiguar do concreto regime jurídico que lhe é aplicável, nos termos supra distinguidos, isto é, decidir se tais nulidades constituem nulidades principais ou secundárias, o que passa, antes de mais, por aferir se, no caso concreto, e por referência a cada uma das nulidades invocadas, foram ou não desrespeitados os comandos legais invocados pela recorrente. E, em caso afirmativo, se o reconhecimento da sua não observância implica, sem mais, a anulação do processado subsequente, incluindo o acórdão proferido ou, pelo contrário, se essa anulação e do processado subsequente será apenas determinada se se concluir que a mesma é susceptível de ter influído no exame e decisão da causa.
Ora, considerando que nenhuma das nulidades processuais arguidas é suscetível de ser subsumida às que o legislador erigiu em principais ou típicas [ineptidão da petição inicial (artigos 186.º e 187.º), falta e nulidade da citação (artigos 188.º, 189.º, 190.º, 191.º e 192.º), erro na forma de processo (artigo 193.º) e falta de vista ou exame ao Ministério Público como parte acessória (artigo 194.º)], fácil é concluir, pois, que as nulidades arguidas, nos termos em que as delimitámos, só poderão ser qualificadas como nulidades secundárias.
Neste contexto, importa recuperar um dos preceitos a que já aludimos, mais concretamente, o artigo 195.º do CPC, nos termos do qual :

«Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa

Como repetidamente a jurisprudência e a doutrina vêm afirmando, detecta-se, assim, neste normativo, directamente dirigido às nulidades processuais, uma preocupação do legislador em restringir os efeitos do vício que inquina o acto por forma a que apenas nas situações em que seja patente a existência de (ou possibilidade de vir a existir) prejuízo para a relação jurídica litigiosa se deva reconhecer aquele efeito invalidante.

Daí que, como ensina Alberto dos Reis, seja importante ter em especial atenção a distinção que neste normativo é realizada entre infracções relevantes e infracções irrelevantes: «Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:

a) Quando a lei expressamente a decreta;

b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

(…) O 2º caso em que a infracção formal tem relevância deixa ao juiz um largo poder de apreciação. É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa.

(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.

É neste sentido que deve entender-se o passo “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa.».[6]
Em conclusão : a relevância do alegado pela arguente está dependente, antes de mais, da tempestividade da sua arguição e, julgada verificada esta, do preenchimento de dois pressupostos : ter sido a irregularidade efectivamente cometida e ter influído no exame e decisão do mérito da causa.
a) Vejamos, então, por partes, começando pela primeira das nulidades identificadas: violação do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º e 195.º do CPC e 98.º, n.º 3, do CPPT., por não observância do disposto no artigo 120.º do CPPT.
Sem prejuízo de termos presente tudo o que ficou transcrito no ponto I no que respeita à substanciação desta nulidade, os argumentos fulcrais da referida arguição são, se bem os entendemos, os seguintes:
- O Tribunal Central decidiu, por despacho da relatora do processo, notificar as partes para a «realização de nova inquirição das testemunhas cujos depoimentos foi convocado em sede de impugnação da matéria de facto, e exclusivamente quanto aos concretos pontos de facto impugnados»;
- Por força do preceituado no artigo 662.º do CPC, o Tribunal Central pode ordenar «a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;»;
- Na referida situação (renovação da prova produzida), deve ser observado, por força do preceituado no n.º 3, do mesmo artigo e diploma, “com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;”;
- Em 1ª instância ficou a constar, em sede de fundamentação da matéria de facto que “Quanto aos factos provados a convicção do tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso, e no depoimento testemunhal. A não consideração dos demais factos resultou da ausência de prova. Para suporte das suas alegações, a impugnante trouxe aos autos prova documental e prova testemunhal. Ora, do depoimento das testemunhas resulta que prestaram esclarecimentos sobre matéria que se mostra provada por documentos, designadamente, quanto ao regime jurídico da impugnante, objecto social, receitas, natureza da CSR e contrato de concessão, e, ainda, teceram considerações sobre existência ou não de distorções na concorrência. (…)”;
- No acórdão proferido pelo TCA Sul consta que “(…)porque o Tribunal a quo, não obstante ter afirmado de forma genérica que concorreram para a formação da sua convicção os “depoimentos testemunhais”, não concretizou os depoimentos que contribuíram para a formação da sua convicção relativamente a cada um dos factos que deu como provados e como não provados, ficando, assim, sem se saber de forma inteiramente segura de que forma as declarações prestadas pelas testemunhas foram decisivas para o julgamento de facto que realizou (fazendo, aliás, recair sobre a Recorrente, por causa desta deficiente fundamentação, um ónus de concretização da impugnação da matéria de facto que não lhe era exigido, por não ser, seguramente, essa a repartição do ónus da prova e os deveres que legalmente se encontravam consagrados, à data, em especial nos artigos 653.º, 659.º e 685-B, todos do Código de Processo Civil, hoje consagrados nos artigos 607.º e 640.º, do mesmo Código). Cabe, pois, agora ao Tribunal ad quem valorar as declarações prestadas pelas testemunhas em 1ª instância (que se encontram gravadas), respeitando o juízo fundamentador que foi exteriorizado na sentença recorrida e as declarações das testemunhas que prestaram depoimento neste Tribunal de recurso”;
- Na sequência dessa renovação da prova o TCASul determinou
a) A alteração do probatório por aditamento de factos à factualidade dada por provada;
b) A alteração do probatório por dele constar matéria absolutamente contrária à natureza do facto que o probatório em exclusivo deve acolher;
c) A alteração do probatório oficiosamente determinada nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662º do Código de Processo Civil; e
d)A alteração ao probatório nos termos do preceituado no artigo 662º n.º 1 do Código de Processo Civil;
- Deve concluir-se, assim, que ocorreu no TCASul em sede de recurso, uma “nova produção de prova”, quer pela nova inquirição das testemunhas, quer pela consideração de documentos juntos com as alegações, quer com os documentos juntos após aquelas, que sustentaram a alteração do probatório, de que é exemplo marcante a matéria constante da alínea R) - fixado com base nos documentos de fls.373 do volume 4 do processo administrativo instrutor e fls. 1128 a 1145 do volume IV dos presentes autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos e depoimento da testemunha S..., sendo certo que esta testemunha não tinha sido ouvida sobre essa matéria em 1ª instância – e os factos vertidos, ainda, nas alíneas T) e V) - igualmente aditados no acórdão e cuja do probatório aditado ou alterado nesta sede de Acórdão, são mencionados os depoimentos das testemunhas como suporte à factualidade aditada ou alterada, sendo certo que, como justificação para a renovação da prova testemunhal, refere-se no Acórdão que após a audição dos depoimentos já prestados “nasceram dúvidas para este Tribunal Central quanto ao sentido da decisão de facto e quanto à sua compatibilidade com o teor dos documentos juntos aos autos, bem como, ainda, quanto a uma eventual necessidade de proceder à sua ampliação”;
- Ou seja, as alterações ao probatório efectuadas pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, que se sustentam nos depoimentos das testemunhas, terão decorrido da nova produção de prova realizada nesta sede de recurso, e não da prova já constante nos autos, dado que da prova testemunhal já constante dos autos resultavam dúvidas para o Tribunal Central Administrativo do Sul, aliás esta conclusão decorre também do teor da própria factualidade alterada ou aditada, quando confrontada com a transcrição dos depoimentos prestados em 1ª instância junta aos autos pela impugnante a que acima se alude;
- Como consta da alínea a) do n.º 3 do supra citado artigo 662º do CPC  “Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância”;
- O que necessariamente acarretaria, nos termos do disposto no artigo 120ºCPPT, a notificação das partes para alegações finda a produção de prova, isto é, conferindo-se-lhe a possibilidade de se pronunciarem sobre a apreciação crítica das provas, com vista ao julgamento da matéria de facto, e sobre as questões jurídicas que são objecto do processo, constituindo as alegações o encerramento da fase da discussão da causa.
Em suma, para a Fazenda Pública, tendo havido “nova” inquirição de testemunhas e tendo havido junção ao processo de documentos, que relevaram, como já ficou exposto, para a especificação da matéria de facto julgada provada nesta sede, e que originaram quer a alteração quer o aditamento quer ainda a alteração oficiosa de factos à factualidade provada impunha-se, atento o disposto no artigo 3º n.º 3 do CPC, a audição da recorrida, não só no que concerne à matéria objecto de renovação de prova testemunhal, como relativamente à documentação junta aos autos após as alegações de recurso.
Não tendo ocorrido essa notificação, do que a recorrente apenas veio a ter conhecimento com a prolação do acórdão, deve este Tribunal Central julgar verificada “uma irregularidade susceptível de influir na decisão da causa, pelo que constitui nulidade, à face do preceituado no art. 201.º, n.º 1,” do CPC, (…) pelo que o acórdão padece de nulidade nos termos do artigo 195.º do CPC e artigo 98.º, n.º 3, do CPPT, por violação do princípio do contraditório, violando ainda o princípio da igualdade (plasmado no artigo 13º da CRP) e o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º da CRP)”.
Sem razão.
Para o demonstrarmos, importa deixar devidamente clarificada a tramitação dos autos até à prolação da sentença pelo Tribunal a quo partindo, desde logo, de uma base inquestionável:
- Em 1ª instância a Fazenda Pública foi sempre devidamente notificada de todos os articulados/peças processuais juntos pela Impugnante;
- Em 1ª instância a Fazenda Pública foi sendo sempre notificada de todos os documentos juntos pela Impugnante;
- Em 1ª instância a Fazenda Pública foi notificada para estar presente na inquirição de testemunhas e usou desse direito, isto é, esteve devidamente representada nessa inquirição;
- Em 1ª instância a Fazenda Pública foi notificada para, querendo, formular alegações finais nos termos do artigo 120.º do CPPT.
Em suma: independentemente de nunca se ter oposto à junção dos documentos juntos em 1ª instância, nem ter tido qualquer intervenção activa durante a produção de prova testemunhal, a Fazenda Pública teve efectivo e integral conhecimento da prova documental e testemunhal e teve a possibilidade de extrair dela as ilações de facto e de direito que bem entendesse, nas alegações finais, o que fez, manteve inalterada a posição vertida na sua contestação, em que remetia praticamente em exclusivo para as informações prestadas no âmbito da reclamação graciosa e recurso hierárquico, processos dos quais constava, releve-se, a maior parte dos documentos que constituem a prova documental destes autos até essa data (alegações finais) já tinham, de resto, sido juntos.

Esclarecido o que se passou do ponto de vista processual em 1ª instância, curemos agora de apurar o que se passou a partir do momento em que foi proferida a sentença do Tribunal a quo julgando improcedente a impugnação:
- A Impugnante interpôs recurso jurisdicional suscitando, para o que ora releva, o erro de julgamento sobre a matéria de facto, peticionando a sua ampliação por aquele ter omitido múltipla factualidade que julgava ter ficado provada por força dos documentos juntos e das declarações prestadas por diversas testemunhas e o erro de julgamento de direito, pugnando pela inversão total do decidido tendo por base os factos apurados em 1ª instância, aqueles cujo aditamento requerera e o mais alegado em sede de alegações finais e em recurso jurisdicional;
- Com as suas alegações, juntou ainda um conjunto de documentos;
- Notificada da interposição de recurso e dos documentos juntos com ele, a Fazenda Pública optou pelo silêncio, isto é, não contra-alegou, nem se opôs à junção dos referidos documentos;
- Neste Tribunal Central, após estudo dos autos, em especial, atenta a impugnação de facto realizada e a forma processualmente conforme que revestia, procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas no recurso jurisdicional como sendo as prestadoras dos depoimentos relevantes para a decisão do recurso quanto a um eventual erro de julgamento e apreciaram-se criticamente os documentos que em recurso também haviam sido convocados e os juntos com as alegações;
- Na sequência da referida apreciação, foi proferido o despacho de 6 de Outubro de 2016 a que se reporta a ora arguente esclarecendo que :
- “(…) No caso concreto, os depoimentos testemunhais, que a recorrente pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pelo Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo Tribunal (artigos 396º do Código Civil e 607º n.º 5 do Código de Processo Civil) e foram, como ostensivamente resulta do julgado, valorados em sentido absolutamente distinto do que agora vem proposto pela recorrente.
- “este Tribunal não pode, seguramente, pôr em questão de ânimo leve a convicção que aquele livremente formou – considerando, para além do mais, que aquele dispôs de outros elementos ou mecanismos de ponderação da prova global que este Tribunal de recurso não detém – o certo é que também não pode desconsiderar que as alegações e conclusões formuladas traduzem, claramente, uma invocação de erro ostensivo na apreciação da prova.»;
- Assim, e porque se impunha averiguar se o tribunal a quo incorreu efectivamente nesse erro manifesto, decidiu este Tribunal proceder à audição da prova produzida, isto é, à audição dos depoimentos prestados a fim de realizar o seu próprio julgamento de sindicância do julgamento pela 1ª instância realizado;”
- “Tudo, sempre, tendo presente a matéria de facto dada como apurada, a que foi julgada como não provada e, até, os fundamentos de direito da decisão na parte em que se louva na factualidade “não alegada” e “não provada”.”;
- “De toda esta actividade, nasceram dúvidas para este Tribunal Central quanto ao sentido da decisão de facto e quanto à sua compatibilidade com o teor dos documentos juntos aos autos, bem como, ainda, quanto a uma eventual necessidade de proceder à sua ampliação”;
- Assim, face a todo o exposto, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662º n.ºs 1, 2 als. a) e b) e 3, als. a), o Tribunal decide notificar as partes para realização de nova inquirição das testemunhas cujos depoimentos foi convocado em sede de impugnação da matéria de facto, e exclusivamente quanto aos concretos pontos de facto impugnados;
- A Fazenda Pública esteve presente na referida inquirição ;
- A inquirição das testemunhas foi conduzida pela Juiz Presidente do Colectivo e relatora do acórdão, tendo sido, após essa inquirição dada, sucessivamente a palavra, para esclarecimentos, às Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas, à Ilustre mandatária da recorrente – que as realizou - e aos Ilustres Mandatários da ora arguente e recorrida, que optaram por o não fazer ;
- Finda a inquirição das testemunhas, o Tribunal declarou estar esclarecido, sem prejuízo de a recorrente juntar aos autos oportunamente a documentação que avançara ir juntar;
- A mesma Mandatária, finda a inquirição das testemunhas, e na sequência de um pedido relativo a uma eventual junção de documentos nessa diligência ou posteriormente, colocou a questão de eventualmente haver lugar a alegações, tendo o Tribunal respondido negativamente: “esta diligência é exclusivamente para decidir a sua impugnação. A Sra. Dra. impugnou a matéria de facto, e o Tribunal achou em consciência que não devia decidi-la sem…porque muitas vezes há incongruências, inconsistências, e o Tribunal sentiu que em consciência, que era o dever do Tribunal. Está esclarecido», declarando, após, encerrada a diligência;
- Posteriormente, a recorrente juntou aos autos dois documentos, um documento relativo à actualização dos custos suportados com a garantia bancária que prestara conforme documentos por si anteriormente juntos aquando da instauração da reclamação graciosa, novamente juntos com o recurso hierárquico e já invocados na petição inicial onde peticionara o seu pagamento e um outro relativo a um outro que consubstancia um «parecer relativo ao enquadramento da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) em sede de IVA»;
- Dessa junção foi a Fazenda Pública notificada para, querendo, se pronunciar, não tendo aquela emitido qualquer pronúncia;
- A 13 de Outubro de 2017 foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul o acórdão cuja anulação subsequente e/ou nulidade ora se peticiona, aí se alterando o probatório com quatro fundamentos:
o alteração do probatório com aditamento à factualidade provada de um conjunto de factos em consequência da procedência parcial do recurso na parte relativa à impugnação do julgamento de facto;
o eliminação de um conjunto de pontos da matéria vertida no probatório, por a sua integração se revelar absolutamente contrária à natureza de facto que o probatório deve em exclusivo acolher;
o aditamento oficioso ao probatório nos termos do artigo 662.º do CPC;
o rectificação na redacção do probatório na sequência de terem sido detectados manifestos lapsos de escrita quando confrontada a sua redacção com os documentos para que remetia.

Definido o quadro em que se desenvolveu a actividade processual a sindicar, quid iuris? É ou não tempestiva a arguição que curamos de apreciar? E foi ou não violado o princípio do contraditório tal como o mesmo se mostra plasmado no artigo 3.º do CPC? Foi ou não violado o artigo 120.º do CPPT?
Vejamos, por partes.
Relativamente à tempestividade da arguição, ainda que a decisão possa ser discutível, este Tribunal Central decide reconhecer a mesma contando o prazo de 10 dias, a que está sujeita a arguição em causa, a partir da data de notificação do acórdão.
A discutibilidade do acerto da decisão provém do facto de não ser absolutamente seguro que tenha sido apenas nessa data (notificação do acórdão) que esse conhecimento foi adquirido pela Fazenda Pública, que teve o cuidado de adiantar no seu articulado que “ a mesma surgiu com a prolação do acórdão “sub judice”, só aí tomando a recorrida conhecimento da mesma, pelo que o prazo para a respectiva arguição não se tinha iniciado antes desse momento.”.
A questão coloca-se porquanto, e como deixámos consignado, antes de o Tribunal Central dar por finda a inquirição, e a propósito de um pedido de junção de um documento pela Ilustre Mandatária da então recorrente e depois de o Tribunal ter mais uma vez vincado àquela que o objectivo da diligência era exclusivamente para ouvir as testemunhas e para se esclarecer sobre o sentido do seu depoimento prestado em 1ª instância e não para produzir prova acrescida e que se entendia juntar mais documentos o deveria fazer por requerimento autónomo dirigido aos autos, declarou, a instâncias da recorrente, que não havia lugar a alegações.
É esta a razão pela qual, de resto, a recorrente afirma na sua pronúncia que houve um “despacho” do Tribunal Central nessa altura a afirmar que não haveria lugar a alegações.
Acontece porém que, embora seja certo que aquela declaração foi feita – como o revela fielmente a gravação – o certo é que o foi já após o encerramento da inquirição e num contexto directamente relacionado com a pertinência de junção naquela concreta diligência de documentos e não como uma decisão directamente dirigida a um pedido de formulação de alegações, expressamente vertida num despacho escrito para a acta. E ainda que seja indiscutível que os Ilustres representantes da ora arguente ainda estavam presentes, podem não ter tido a integral percepção do seu teor ou sentido.
Daí que, neste contexto, isto é, na dúvida, se nos afigure mais justo aceitar a bondade das declarações vertidas nas alegações de arguição.
E, nessa medida, como começamos por adiantar, reconhecemos a tempestividade da arguição.
O mesmo não ocorre, contudo, quanto ao mérito da pretensão, concorrendo para a posição que entendemos assumir várias razões de facto e de direito.
Centremo–nos, por ora, nas razões de direito, dando especial atenção no enquadramento jurídico a realizar, face ao conjunto de alegações da Fazenda Pública no âmbito da nulidade em apreço, à conformação legal dos poderes dos Tribunais Centrais Administrativos quando actuam nas suas vestes de instância de recurso e em matéria de intervenção na decisão de facto, a qual se haverá de extrair da conjugação do preceituado nos artigos 640.º (“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”) e 662.º (“Modificabilidade da decisão de facto»), nos termos em que os mesmos se encontram consagrados no artigo 662.º do CPC.(ambos aplicáveis, ex vi artigo 2.º do CPPT).
Dispõe, assim, o primeiro daqueles preceitos que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
E o segundo:

«1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:

a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;

(…)

4 - Das decisões da Relação previstas nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».
A propósito deste desenho legal, que constitui o modelo acabado de um novo paradigma iniciado de forma mais contundente com o DL n.º 39/95, de 15-2, tem vindo a doutrina a afirmar que os tribunais de segunda instância foram «efectivamente transformados em “tribunal de instância que também julga a matéria de facto”, como resulta do confronto “ entre a primitiva redacção do art. 712.º do anterior CPC e o actual 662.º”, bem reveladores de que a alteração da matéria de facto passou a constituir “uma função normal da relação, verificados os requisitos que a lei consagra”.[7] E que esta evolução do sistema se revela desde logo compreensível se tivermos presente que o julgamento da matéria de facto constitui “o principal objectivo do processo civil declaratório, tendo em conta que dele depende o resultado da acção e que, adiantámos nós, só um preciso e precioso apuramento da verdade dos factos permitirá a realização daquele que é o principal objectivo da própria existência dos tribunais num Estado de Direito Democrático, isto é, a realização da justiça.
É certo, não o podemos olvidar, que aquela pretendida realização da justiça será tanto mais legítima (ou só ficará legitimada) se na instrução da causa, nessa actividade processual conducente ao apuramento dos factos, forem respeitados os princípios fundamentais das partes. E, para o que ora releva, se forem respeitados os princípios estruturais do processo civil, assumindo aqui importância fulcral o princípio do contraditório, que é exactamente aquele que a Fazenda Pública invoca ter sido violado por não lhe ter sido dada a possibilidade de produzir alegações finais nos termos do artigo 120.º do CPPT, quer porque foram ouvidas de novo testemunhas ouvidas em 1ª instância, quer porque foram juntos documentos com as alegações de recurso e depois destes, todos atendidos no julgamento de facto sem que a Fazenda Pública sobre eles tivesse tido oportunidade de se pronunciar devidamente, e na peça própria, as mencionada alegações finais previstas no artigo 120.º do CPPT, tal como o determina o n.º 3, do artigo 662.º do CPC.

Ora, conjugando o que supra deixámos consignado quanto àquela que foi a tramitação processual observada em 1ª e 2ª instâncias e à densificação dos poderes consagrados em CPC que a doutrina e a jurisprudência mais recentes vêm tecendo, é para nós líquido que não lhe deve ser reconhecida razão por várias ordens de razões.

Desde logo, porque o artigo 120.º do CPPT, nos termos do qual «Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias», deve ser entendido como directamente dirigido ao rito processual em 1ª instância e não a eventuais ocorrências processuais que ocorram em 2ª instância quando actua nas suas vestes de instância de recurso e no âmbito da renovação/repetição da prova, porque assim o exige a ponderação conjunta do regime excepcional de admissibilidade de prova documental em recurso (651.º do CPC), as limitações impostas às partes e ao julgador na reapreciação da matéria de facto e na alteração do probatório (artigos 640.º e 662.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), sendo neste contexto que se deve compreender o comando que determina que, sendo ordenada a renovação (repetição) da prova, se seguirá, com as necessárias adaptações o que está previsto em 1ª instância em sede de instrução e julgamento da causa (662.º, n.º 3, al. a), do CPC).

Tudo, salvo o devido respeito por quem professa entendimento diametralmente distinto, integralmente observado, quer ao nível da designação da repetição dos depoimentos, definição precisa do âmbito ou objecto dessa renovação dos depoimentos e respectiva fundamentação de facto e de direito, notificação das partes desse despacho (de que, de resto, nem é admissível recurso – artigo 662.º n.º 4 do CPC), inquirição das testemunhas com respeito pela exigida gravação dos depoimentos, concessão às partes da faculdade de as questionar directamente - desde que os mesmos se conformassem com o âmbito ou objecto da impugnação de facto realizada, como bem o revela as diversas vezes que esse objecto e propósito teve que reafirmado no decorrer da audiência e as diversas vezes em que impediu a Ilustre mandatária da recorrente de obter um conjunto de esclarecimentos que o Tribunal Central julgou extravasar esse objecto – e só após deu por terminada a renovação dos depoimentos.

Mais. De seguida, e como o revela a gravação realizada, foi perguntado às partes se pretendiam requerer algo mais, tendo por ambos os Ilustres mandatários e legais representantes sido afirmado nada mais pretenderem.

Mais. Já após ter sido declara finda a inquirição colocou a Ilustre Mandatária da Recorrente a possibilidade de juntar um documento, tendo o Tribunal (e uma vez que era óbvio que se não destinava a confrontar as testemunhas com o mesmo – a inquirição tinha terminado – deixado claro oralmente que, se pretendia juntar documentos ao processo que o fizesse com apresentação de requerimento uma vez que a diligência se tinha destinado exclusivamente a esclarecer o Tribunal quanto ao integral sentido das suas declarações prestadas em 1ª instância.

E, por fim, foi proferido acórdão, deixando-se devidamente especificados por alíneas os factos que o Tribunal Central julgou dever aditar ao probatório, bem como as razões de facto e de direito que conduziram a essa alteração.
Não há, pois, salvo o devido respeito, qualquer fundamento para que se julgue ser de aplicar o preceituado no artigo 120.º do CPPT nas situações de mera repetição da prova testemunhal dirigida a esclarecer dúvidas quanto aos depoimentos prestados em 1ª instância, sobretudo quando dirigida a concretos pontos da matéria de facto impugnada, única que no caso em apreço verdadeiramente seria suscetível, em abstracto, de sustentar a sua pretensão a « novas alegações finais », sendo que, quanto às demais - a alteração do probatório decorrente da correcção do lapso de escrita da Merítissima Juiz de 1ª instância, bem como o aditamento oficioso deste ao abrigo do preceituado no artigo 662.º n.º 1 do CPC, é evidente aquele normativo não lhe ser aplicável.
[Note-se que, in casu, o Tribunal Central sentiu efectivamente a necessidade, em prol de uma decisão conscienciosa quanto à censura que lhe era pedida do julgamento de facto realizado em 1ª instância, de ir além da mera audição dos depoimentos que, apesar de constituírem hoje um elemento de reprodução muito fiel daqueles,  não assumem, nem são susceptíveis de assumir, porque de mera gravação audio se trata, o meio de captação do sentido pleno das declarações, facto, de resto, por demais reconhecido. Porém, em múltiplas situações, senão em todas os demais julgamentos realizados nesta instância e jurisdição enquanto instância de recurso, essa sindicância do julgamento da matéria de facto é feita exclusivamente por recurso aos depoimentos gravados, conjugados ou não com outros elementos de prova constantes do processo, sendo inquestionável que nessa situação não se coloca a aplicabilidade da regra ínsita no artigo 120.º do CPPT.].
De resto, mesmo que todo o juízo fundamentador que expusemos não fosse de acolher, um outro fundamento, só por si, conduziria ao mesmo resultado de improcedência de verificação da nulidade arguida, qual seja, o da irrelevância da alegada nulidade no caso concreto.
Na verdade, a deverem ser produzidas alegações finais, as mesmas, naturalmente sempre teriam de se cingir ou restringir às inquirições das testemunhas, uma vez que, quanto aos documentos juntos com as alegações e posteriormente a estas e relevados no probatório (actualização dos custos) foi observado o que legalmente nesta matéria se encontra imposto, ou seja, notificada a parte dessa junção e para querendo se pronunciar, sendo que no Código de Processo Civil não se encontra previsto em qualquer preceito o direito a alegações ocorrendo essa situação, consubstanciando essa possibilidade de pronúncia « as alegações » devidas.
Ora, quanto aos depoimentos, repete-se, os mesmos foram uma mera repetição do depoimento de 1ª instância não correspondendo à verdade que tenham prestado depoimentos distintos, ainda que o tenham feito, naturalmente, por outras palavras ou com acrescido pormenor perante a forma como foram questionadas tendo em vista os pretendidos esclarecimentos. E se na fundamentação de facto do acórdão se afirma que determinados factos cujo aditamento havia sido requerido o era com base nesses depoimentos, conjugando o depoimento prestado em 1ª instância com o prestado em 2ª instância, é porque assim foi e assim devia ser, sob pena de não ter qualquer utilidade ouvir de novo as testemunhas. O julgamento sobre o erro do julgamento de facto alegadamente cometido em 1ª instância, realizado pela 2ª instância, tem mesmo que traduzir-se num julgamento conformador e congregador do todo da prova produzida, tem que personificar um « juízo autónomo » legitimador da alteração da matéria de facto determinada.
Ora, quer relativamente aos documentos – todos juntos, com excepção dos apresentados com as alegações e o que respeita à actualização de custos suportados com a prestação e manutenção das garantias, único que veio a ser relevado no probatório -,  quer relativamente aos depoimentos – prestados em 1ª instância e de que as declarações em 2ª instância são mera repetição – teve a parte oportunidade de se pronunciar, quer durante as duas inquirições, quer nas alegações finais para que foi notificada nos termos do artigo 120.º do CPPT, o que fez, pugnando pela sua desvalorização pelas razões que aduziu.
Note-se que o artigo 120.º do CPPT mais não é, como bem viu a própria arguente, um comando especial de concretização do princípio do contraditório consagrado genericamente no artigo 3.º do CPC também convocado pela recorrente.

Como tem vindo a ser salientado em vários Acórdãos dos nossos Tribunais Superiores, a questão do sentido e alcance do princípio do contraditório no âmbito do processo civil tem vindo a ser objecto de sucessivas pronúncias pelo Tribunal Constitucional, podendo aí colher-se os critérios fundamentais orientadores da nossa apreciação: «O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deva chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras.[8] É que “o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.[9] Aliás, esta ideia de que no Estado de direito a resolução judicial dos litígios tem de fazer-se sempre com observância de um due process of law, é uma ideia que o Tribunal Constitucional vinha já, de resto, ainda que de forma não tão incisiva, pondo em relevo ou deixado indiciada em anteriores acórdãos.[10]

Por força deste princípio do contraditório, expressamente consagrado no artigo 3º do Código de Processo Civil (e, para o que ora releva, no seu n.º 3, aplicável aos nossos autos por força do disposto no artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o Juiz não deve (“ não é lícito”), excepto nos casos em que se mostre inequivocamente irrelevante uma eventual pronúncia (“salvo caso de manifesta desnecessidade”) decidir questões de facto ou direito, ainda que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sem ouvir as partes (“decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”).

Este princípio, que constitui um princípio basilar, fundamental do nosso ordenamento jurídico, assume ao nível do direito processual probatório uma importância fulcral, como, desde logo, o evidencia a expressa consagração no Código de Processo Civil de um preceito directamente dirigido à sua observância: «Salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas” (artigo 517º n.º 1 do Código de Processo Civil) e a concretização desse mesmo princípio em diversos preceitos integrados noutros Códigos reguladores de “processos especiais”, como é o caso, no processo tributário, a imposição de notificação do teor das informações oficiais logo que juntas ao processo judicial (artigo 115º, n.º 3 do C.P.P.T.), a obrigatoriedade de notificação da apensação do processo administrativo ou do processo de execução fiscal [por força do disposto no artigo 84º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (CPTA) aplicável ao processo tributário, ex vi artigo 2º al. c) do CPPT] e a notificação para alegações finais tendo havido produção de prova (artigo 120.º do CPPT).

Acontece porém que no caso esse contraditório existiu sempre, como supra claramente deixámos demonstrado, sendo evidente, salvo o devido respeito, que o objectivo da Fazenda Pública ao arguir esta nulidade não é o de alcançar o direito a uma pronúncia de facto e de direito sobre a prova produzida nos autos – esse já o teve com as sucessivas notificações que lhe foram realizadas em 1ª instância e o direito a alegar nos termos do artigo 120.º do CPPT (instância a que são dirigidos todos os acórdãos citados pela recorrente) e com todas a notificações que lhe foram dirigidas, nessa instância a na presente, bem como com o direito a estar presente no esclarecimento que o Tribunal buscou com a nova inquirição das testemunhas e com a notificação dos documentos juntos com as alegações e posteriormente - mas o de, por esta via, tentar inverter o julgamento de facto realizado pelo Tribunal de recurso.

E se é certo que a posição menos activa que entendeu adoptar, designadamente não contra-alegando no recurso constitui um direito seu, já o não é o invocar o direito a alegações finais previstas para a 1ª instância ou a violação do princípio do contraditório quando de toda a prova teve conhecimento e sobre toda a prova teve oportunidade de se pronunciar.
Finalizando : salvo o devido respeito, com o que a ora arguente se não conforma é que, em resultado da conjugação da prova testemunhal produzida em 1ª instância, com a sua repetição/esclarecimentos produzidos em 2ª instância, conjugados com os documentos constantes dos autos e os apresentados com as alegações de recurso, este Tribunal Central tenha formulado um juízo ou julgamento de facto distinto, um julgamento autónomo, do que havia sido realizado pelo Tribunal a quo.
Porém, o que esse inconformismo revela claramente é que a Fazenda Pública partilha uma interpretação dos preceitos legais que suscita, em especial dos poderes do Tribunal de recurso consagrados nos artigos 662.º do CPC e do que se espera do seu efectivo exercício, bem distinta da que efectivamente resulta daqueles comandos legais e como pacificamente vem sendo interpretada pela doutrina e pela jurisprudência, como se vê do que supra deixámos exposto e do que ora citamos :
« Com a nova redacção do art.º 662.º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art.º 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação do Tribunal, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que no  juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos (…) complementados ou não pelas regras da experiência.
Tal como no sistema anterior, mantém-se a possibilidade de impugnar a decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas (…)», mantendo-se, «agora com mais vigor e clareza a possibilidade de sindicar a decisão quando assente em prova que foi oralmente produzida e tenha ficado gravada, afastando definitivamente o argumento de que a modificação da matéria de facto deveria ser reservada para « casos de erro manifesto » ou de que não é permitido à Relação contradiar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação », ou seja, é hoje inequívoco que a « Relação tem autonomia decisória », competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou aqueles que se mostrem acessíveis. ». Outrossim, «é consagrada a possibilidade de renovação da produção de certos meios de prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de algum depoente ou sobre o sentido do depoimento que não sejam ultrapassadas por outras vias.».[11]
É esta a doutrina que de forma ampla o Supremo Tribunal de Justiça foi acolhendo, e que de forma muito firme fixou recentemente : « a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa (…) No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.».[12]
Temos, pois, por seguro que, in casu, face à tramitação imprimida aos autos em 1ª e 2ª instâncias, ao direito e aos deveres conferidos às partes consagrados no artigo 640.ºdo CPC e aos poderes reconhecidos ao Tribunal de recurso no artigo 662.º do CPC e pela forma como por este foram exercidos, que não existia o dever do Tribunal ordenar a produção de alegações finais e que não houve lugar a qualquer violação do princípio do contraditório, nos termos em que o mesmo está consagrado no artigo 3.º do CPPT.

Improcede, pois, a nulidade processual invocada e, consequentemente, não se anula o processado nem o acórdão que com a mesma directamente se visava atingir.

b) Nulidade do despacho que julgou ser de indeferir a promoção do Magistrado do Ministério no sentido de ser formulado pedido de reenvio prejudicial por violação do preceituado no artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC: não especificação dos fundamentos de facto e direito da decisão

Segundo a Fazenda Pública o acórdão é ainda nulo porque a decisão relativa ao reenvio prejudicial padece de falta de fundamentação de facto e de direito.

Tendo já deixado expostas as razões de facto e de direito que nos predeterminaram a qualificar esta arguição como nulidade processual e não nulidade do acórdão, importa, agora, proceder à sua apreciação.

Como se vê claramente do acórdão, esta questão foi suscitada pelo Ministério Público na sua promoção final e apreciada como questão prévia ao objecto do mérito do recurso.

Transcrevamos, atentos os fundamentos da arguição, a nossa decisão:

«A Exma. Magistrada do Ministério Público neste Tribunal defendeu, no seu parecer, o reenvio ao TJUE, alegando que a decisão dos autos está dependente da natureza a atribuir à Contribuição de Serviço Rodoviário e às portagens à luz das regras vigentes na ordem jurídica interna e do Direito Comunitário e que, atenta a importância dessas questões, a instância deve ser suspensa até que o TJUE se pronuncie sobre elas.

Não cremos que esta promoção seja de acolher.

Concordamos integralmente com a douta promoção na parte em que identifica algumas das questões postas em recurso, a posição das partes quanto a elas e quanto à importância que atribui à matéria em apreço. E não temos dúvidas que sendo suscitada questão de aplicação e interpretação do Direito Europeu ou de normas contidas em diplomas nacionais que o visam transpor, aos Tribunais nacionais está reconhecido o direito e o dever (artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia), de questionar o TJUE sobre o sentido interpretativo da (s) norma (s), utilizando, para tanto, o mecanismo (processual) do reenvio prejudicial.

Sobre a densificação deste poder-dever e sobre o quadro jurídico em que este dever de reenvio deve actuar já se pronunciou muitas vezes o TJUE, afirmando que o pedido de reenvio prejudicial não tem que ser formulado se o Tribunal já se tiver pronunciado sobre a questão a reenviar de forma firme, isto é, se já existir jurisprudência consolidada sobre a mesma [para além, com menos interesse para a nossa decisão, de também poder ser dispensado se a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal ou se o Juiz do Tribunal nacional não tiver dúvidas quanto à solução a dar por o sentido da norma cuja interpretação se coloca ser absolutamente claro («teoria do acto claro»)].[1]

Em suma, aquele poder-dever – imposto em nome da uniformização da interpretação jurídica e com a finalidade de ser respeitado o princípio da igualdade no tratamento das mesmas questões no espaço jurídico comum europeu e, concomitantemente, protegidos de forma igual todos os cidadãos e agentes económicos europeus – só existe (para que ora nos releva) nas situações em que não há decisões anteriores do mesmo Tribunal ou quando os sentidos acolhidos nas que existem não são inteiramente uniformes. O que significa que se já tiver havido pronuncia reiterada e uniforme do TJUE sobre o sentido interpretativo a atribuir à norma (que a decisão da questão colocada no processo nacional exige) esse pedido de reenvio não tem justificação à luz da própria regra do Tratado que o prevê e da jurisprudência do Tribunal que tem o dever de o admitir (ou não) e de o apreciar.

No caso concreto verifica-se a exigida existência de jurisprudência uniforme e sedimentada, como se demonstrará na apreciação das diversas questões através dos acórdãos a citar, tendo mesmo relativamente a elas sido atingido, se nos é permitido, quase o limite máximo de intervenção do TJUE, atenta a fortíssima densificação dos conceitos usados nas normas em discussão e as sucessivas pronuncias quanto ao sentido que a esses conceitos e normativos devem ser dados.[2]

Não há, pois, em nosso entender, justificação para aplicar, in casu, o mecanismo de reenvio prejudicial, razão pela qual não se ordena, como promovido, a suspensão da instância.».

Exposta a decisão, analisemos agora as razões de facto e direito convocadas na decisão e o direito aplicável na apreciação da nulidade.

Dispõe o artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia que «Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie” e que «Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.».

É verdade que as decisões judiciais - sejam elas sentenças ou simples despachos - carecem de ser fundamentadas, por imperativo constitucional (art. 205.º da CRP) e porque tal se mostra exigido pelo legislador ordinário, ao nível adjectivo (artigo 154.º do CPC).

Porém, para se considerar que um despacho ou uma uma sentença carecem de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta ou não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» [13]

É essa a razão pela qual uma incompleta ou deficiente fundamentação não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal do despacho ou da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso».[14] Ou seja, é preciso que o juiz omita completamente a fundamentação em que suporta a sua decisão.

Ora - como se extrai da decisão ora arguida de nula por falta de fundamentação, isto é, a decisão da questão prévia que supra transcrevemos, o Tribunal apreciou a promoção formulada pelo Ministério Público, tendo presentes a pronúncia da Impugnante/recorrente – a Fazenda Pública, expressamente notificada para esse efeito quedou-se pelo silêncio – as questões jurídicas que se suscitavam, a densificação feita pelo TJUE a propósito daquele poder-dever e o estudo que fez da jurisprudência do TJUE.

Da conjugação de todos esses factores concluiu o Tribunal que havia já uma jurisprudência reiterada e uniforme quanto ao sentido interpretativo das normas em questão, tendo, inclusive, como bem diz a ora arguente, adiantado que tal viria a ficar demonstrado através dos acórdãos a citar a propósito das várias questões, concluindo pela desnecessidade do reenvio e, consequentemente, da suspensão da instância.

Em suma, o despacho está fundamentado, sendo irrelevante que a propósito de uma ou outra questão tenha citado directamente mais ou menos acórdãos ou nenhuns e independentemente do acerto que lhe possa ou deva ser reconhecido ou da censura que lhe seja dirigida ou de que seja merecedor.

Acresce que não é verdade que na apreciação dessa questão – incidência objectiva – não tenha, de todo, sido citada jurisprudência do TJUE.

Efectivamente, ao estruturar o acórdão pela forma que entendeu mais correcta para integral percepção das razões de facto e de direito em que as decisões a tomar o deviam ser, incluindo nessa matéria, o Tribunal cuidou de delimitar previamente o condicionalismo jurídico em que elas se deviam mover, isto é, o quadro jurídico pacífico em que os factos se deveria mover e sustentar a decisão final a tomar, como decorre claramente do ponto 4.7., do qual ressalta o quadro doutrinal e jurisprudencial atendido [fls. 1210 do processo e 51 do acórdão, especialmente fls. 54,§ 3 e seguintes e nota de rodapé n.º 6].

Diga-se, de todo o modo, que embora não exista nenhuma norma que obrigue o Tribunal a citar, questão a questão, jurisprudência nacional ou estrangeira em ordem a sustentar qualquer decisão - nem mesmo no artigo 267.º do TFUE que apenas exigir que se juiz considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa realize o pedido de reenvio -, a sua sistemática invocação e a doutrina e, sobretudo, o respeito pelos juízes que elaboraram os acórdãos e pelos doutrinadores conduziu a que fosse elaborada a nota de rodapé n.º 6, onde consta de forma ampla a referência aos mesmos.

E porque todo o mais alegado pela arguente se reporta directamente à bondade da decisão e não à sua falta de fundamentação – reportamo-nos, naturalmente, às alegações vertidas no articulado que ora se aprecia na parte em que discorre longamente sobre acórdãos do TJUE que cita proficuamente e que em seu entender decidiram perante a mesma factualidade de forma de direito distinta da que veio a ser acolhida no acórdão – sobre as mesmas não nos pronunciaremos por extravasarem do objecto da nulidade processual.

Donde, sem que algo mais se nos ofereça dizer, julgamos que a nossa decisão de julgar impertinente o reenvio, repita-se, bem ou mal, está fundamentada, carecendo, por essa razão, de fundamento a nulidade arguida que por essa razão se julga improcedente.

c) Nulidade do acórdão por violação do preceituado no artigo 615.º, n.º 1 d) do CPC: omissão de pronúncia.

Para a recorrente o acórdão é ainda nulo por o Tribunal Central não ter proferido qualquer despacho admitindo ou não admitindo os documentos juntos a 29 de Novembro já após a inquirição das testemunhas, relativos aos custos das garantias bancárias e um parecer relativo ao enquadramento da CRS em sede de IVA, o que viola o preceituado no artigo 443.º do CPC, para além de que tais documentos foram relevados no apuramento da matéria de facto, mais concretamente na alínea R) do probatório.

Voltámos a dar aqui por reproduzido o enquadramento que ab initio realizámos quanto ao tipo de nulidade que enfrentamos: eventual verificação de nulidade processual traduzida numa omissão de formalidade prescrita por lei anterior ao acórdão e susceptível de conduzir, por arrastamento (efeito subsequente) à anulação do acórdão.

Posto isto, deixemos já firmado que é verdade que os documentos foram juntos e nas datas indicadas pela arguente – são precisamente os documentos que o Tribunal entendeu que não deviam ser juntos em sede de esclarecimentos às testemunhas e a que supra fizemos referência.

E que é também verdade que o Tribunal não se pronunciou expressa e formalmente sobre a sua admissibilidade ou não e que um desses documentos foi utilizado na fundamentação da matéria de facto.

Não é, porém, minimamente sustentável que essa omissão – nos termos em que a vamos delimitar – deva ser julgada relevante porque, como seguramente a arguente não pode desconhecer, não teve qualquer relevância na decisão do mérito da causa.

Justifiquemos, começando pela verificação da omissão de despacho.

Como é sabido, a junção de documentos com as alegações de recurso assume na nossa Lei processual natureza verdadeiramente excepcional, conforme decorre do preceituado nos artigos 423.º, 425.º e 651.º, todos do Código de Processo Civil, dos quais, conjugadamente, se colhe a disciplina relativa à oportunidade/admissibilidade dessa junção.

Estruturando aquela que nos parece ser a regulamentação nesta matéria, elegemos a primeira regra: «Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» - artigo 423.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável aos nossos autos por força do disposto no artigo 2.º, al. e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) - que, aplicada ao tipo de processo em que nos movemos (sem agora dissecar, o que infra faremos, a pertinência e tempestividade dessa), significa que os documentos devem ser juntos com a petição (artigo 108.º, n.º 3, do CPPT).

A esta regra, basilar, admite, porém, o próprio legislador algumas excepções, que julgamos deverem ser agrupadas em dois grupos.

O primeiro grupo, dirigido aos incidentes que nesta matéria podem ocorrer em 1ª instância, encontra-se previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 423.º já citado:
- Os documentos - que se destinem a fazer prova dos factos alegados como fundamento da acção ou da defesa – que não tenham sido juntos com o articulado em que foram invocados, podem ainda sê-lo até 20 dias antes da audiência final, ficando neste caso a parte, a menos que prove que não pôde fazer a apresentação no momento oportuno (com o articulado), sujeita a condenação e pagamento de multa pela apresentação tardia;
- Após o decurso daquele prazo só pode ser admitida a junção aos autos de documentos necessários à prova dos factos alegados cuja apresentação não tenha sido comprovadamente possível realizar até àquele momento ou cuja junção só se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

O segundo grupo de excepções reporta-se directamente à junção de documentos apenas em sede de recurso jurisdicional, situação incidental regulada no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, do qual resulta que as partes podem juntar documentos com as alegações:
- Nas situações em que a apresentação desses documentos só nessa data - após encerramento de discussão e julgamento - se revelou comprovadamente possível;
- Nas situações em que essa junção apenas se revelou necessária mercê do julgamento proferido em 1ª instância.

O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão proferido em recurso de revista,[15] julgou que «são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância». (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 15 ao art. 279.º, págs. 341 a 344.).

Em suma, sendo juntos aos autos documentos não solicitados pelo Tribunal, seja em 1ªinstância, seja em recurso, é ao Tribunal que cabe, após audição da parte, decidir da sua pertinência ou admissibilidade, juízo que deve sempre efectuar em conformidade com o momento da sua apresentação e do regime que lhe seja directamente aplicável.

O que, como frisamos, este Tribunal Central formalmente não fez, e devia ter feito independentemente de alguma das partes, no caso a Fazenda Pública, notificada, não se ter oposto à referida junção nem ter impugnado o seu conteúdo ou efeitos probatórios.

Acontece porém que, contrariamente ao que a arguente deixou indiciado, esses documentos não tiveram qualquer influência na decisão de mérito.

Efectivamente, quanto ao documento/parecer junto e relativo ao enquadramento da CSR em sede de IVA, é manifesto que a ele não é feita a mínima referência ao longo de todo o acórdão, o que revela bem que implicitamente o Tribunal Central o não considerou admissível e, sobretudo a sua irrelevância para a formação da decisão. Relativamente ao documento que convocou para fundamentar a alínea R) do probatório, é inequívoco que ele foi relevado, mas fê-lo por esse documento ser mera repetição de outros anteriormente juntos – como claramente se vê dos demais documentos convocados na mesma alínea para fundamentar a decisão e que constavam nos autos – sendo que a sua pertinência se prendeu tão só com o facto de nele estarem mais actualizados os custos bancários que a Impugnante incorrera com a prestação da garantia tendo em vista a suspensão da execução no que respeita, para o que nos importa, às liquidações dos autos.

Aliás, o que ficou provado na alínea R) foi que «A EP, S.A, tendo em vista obstar ao pagamento coercivo das liquidações referidas em H), prestou garantias bancárias, tendo suportado os respectivos custos desde Maio de 2010 (garantia n.º ...) e 11 de Agosto de 2010 (garantia n.º ...) até, pelo menos, Setembro de 2016 (conforme documentos de fls. 373 do volume 4 do processo administrativo instrutor e fls. 1128 a 1145 do volume IV dos presentes autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, e depoimento da testemunha S...).

Ou seja, a prestação da garantia e, naturalmente, a exigência de custos por essa prestação era um dado adquirido e indesmentível, porque documentalmente comprovado bem antes da fixação da matéria de facto - isto é, bem antes e por força da junção do referido documento ou do depoimento da testemunha (afirmando que as garantias tinham sido prestadas), o qual, de resto, atenta a natureza do facto e a prova exigível, nunca reuniria só por si força para esse efeito - constituindo a sua constituição e prova perante a administração tributária a condição de suspensão das execuções que a Adminstração Tributária determinou.

Sendo que, também se realce, esse valor nem sequer foi considerado para liquidação do pedido de condenaçãoDecisão: (…) Condenar a Recorrida, Fazenda Pública, no pagamento à Recorrente dos custos por ela suportados com a constituição das garantias bancárias para suspender a cobrança coerciva dos valores inscritos nas liquidações anuladas até ao limite legalmente fixado;- uma vez que, como a arguente noutra sede já explicou, os termos em que as garantias prestadas no que concerne a estas liquidações foram prestadas assumira, no mínimo porque a Administração aceitou – contornos especiais, isto é, foram constituídas para garantir a não execução de processos executivos instaurados para pagamento coercivo de um conjunto de liquidações e não apenas deste processo.

Em conclusão, porque os documentos juntos aos autos após a inquirição das testemunhas não foram relevados e/ou não tiveram qualquer influência no mérito da causa, é de julgar improcedente a arguição de nulidade invocada.

d) Verificação da nulidade prevista no artigo 615.º, al. c) do CPC: ambiguidade ou obscuridade da fundamentação do acórdão.

Enfrentemos, agora a última das nulidades imputadas ao acórdão e a única susceptível de ser efectivamente qualificada como nulidade do acórdão, confessando que este Tribunal teve particulares dificuldades em a compreender.

Efectivamente, nos termos do preceituado no artigo 615.º n.º 1 al. c) do CPC, a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, acrescentando o legislador no seu n.º 4, que tal nulidade só pode ser arguida “perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário,”.

Tal como fizemos a propósito do enquadramento das nulidades processuais que apreciámos, também aqui remetemos para o que supra ficou exposto quanto à propriedade do articulado de arguição e competência deste Tribunal para apreciar da mesma, atenta a natureza excepcional do recurso de revista.

Importa, pois, decidir, salientando que a previsão deste fundamento – ambiguidade ou obscuridade - enquanto nulidade do acórdão constitui uma “novidade” do Novo Código de Processo Civil (NCPC): o legislador optou por eliminar a ambiguidade ou obscuridade do conjunto de fundamentos susceptíveis de suportar o pedido de reforma (anterior artigo 669.º, que corresponde, com a alteração mencionada ao actual artigo 616.º do NCPC) e erigi-lo em fundamento de nulidade do acórdão.

Subjacente a esta opção estão, como é comum afirmar-se, duas razões fulcrais: a primeira, assente na ideia de que “se a ambiguidade ou obscuridade tornam a decisão imprestável (ininteligível) é ela nula”, caso contrário, “o pedido de esclarecimento carece de propósito sério, pelo que deixa de ser admissível”; outra, apontada como a verdadeira razão da alteração, prende-se com o objectivo de “eliminar os pedidos de esclarecimento meramente dilatórios e infundados”.

Neste contexto, que vai bem além da mera interpretação da letra da lei, e revertendo ao caso concreto, haverá de concluir-se que subjacente à invocação pela Fazenda Pública da nulidade do acórdão por ambiguidade ou obscuridade está um juízo de ininteligibilidade da decisão que o acórdão encerra quanto à sua condenação ao pagamento dos custos que a recorrente suporta desde a constituição da garantia e por força desta.

Em suma: a Fazenda Pública afirma não entender a decisão do Tribunal Central nessa parte por ser possível da mesma extrair dois sentidos distintos.

Diga-se, antes de mais, que constitui pressuposto incontornável do pedido de nulidade do acórdão ao abrigo da alínea d) do artigo 615.º do CPC, que o mesmo contenha alguma obscuridade ou ambiguidade, sendo que «A obscuridade da sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade; a ambiguidade verifica-se quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes», e que «não é apenas a parte decisória que é susceptível de padecer destes vícios, que podem afectar, por igual, os fundamentos do julgado».  [16] 

Ora, no caso sub judice, a nulidade que se assaca ao acórdão na parte que respeita à condenação no pagamento de uma indemnização pelos custos suportados pela Impugnante com a prestação das garantias bancárias para suspensão da execução fiscal instaurada para pagamento das quantias relativas às liquidações impugnadas não contém nenhuma obscuridade e/ou ambiguidade.

Não se antolha, efectivamente, naquela decisão, tanto nos seus fundamentos como na parte decisória, qualquer passagem ininteligível ou passível de lhe serem atribuídos diversos sentidos. De resto, a simples leitura do requerimento de nulidade nesta parte apresentado pela arguente evidencia que este apreendeu perfeitamente quer o conteúdo decisório, quer os fundamentos da decisão aclaranda, como se vê do que alegou:
- No acórdão é mencionado que nos termos do artigo 53.º da LGT, é reconhecido ao sujeito passivo o direito a uma indemnização no caso de este ter prestado uma garantia no âmbito de processo de execução fiscal visando a sua suspensão (obstando à exigência de pagamento voluntário imediato ou à prossecução das diligências tendentes ao pagamento coercivo) no caso de se concluir que aquela foi indevidamente prestada.”
- No acórdão está dado como provado que para obstar à cobrança coerciva dos valores alegadamente em dívida (emergentes das liquidações impugnadas), a Recorrente prestou garantias bancárias e tem, desde essa constituição, suportado os respectivos custos;
- Atentos os factos apurados, os preceitos já citados e que não podem subsistir dúvidas que na génese da nossa decisão de anular as liquidações está um erro imputável aos serviços é de concluir pela procedência do pedido indemnizatório formulado com os limites estabelecidos no n.º 3, do artigo 53.º da LGT.”;
- “Sendo que, consequentemente, no segmento decisório do douto acórdão, foi a Fazenda Pública condenada “no pagamento à Recorrente dos custos por ela suportados com a constituição das garantias bancárias para suspender a cobrança coerciva dos valores inscritos nas liquidações anuladas até ao limite legalmente fixado” ;
- Na citada alínea R) do probatório refere-se:
R) A EP, S.A, tendo em vista obstar ao pagamento coercivo das liquidações referidas em H), prestou garantias bancárias, tendo suportado os respectivos custos desde Maio de 2010 (garantia n.º ...) e 11 de Agosto de 2010 (garantia n.º ...) até, pelo menos, Setembro de 2016 (conforme documentos de fls. 373 do volume 4 do processo administrativo instrutor e fls. 1128 a 1145 do volume IV dos presentes autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, e depoimento da testemunha S...)”;
- A ambiguidade a que alude o artigo 615º n.º 1 al. c) do CPC, que torna a decisão ininteligível, a este respeito, resulta do facto de, no caso dos autos, estarmos perante uma situação algo incomum em que foi apresentada pela impugnante uma garantia bancária destinada a caucionar a suspensão de dois processos de execução fiscal diferentes.
- Como refere a Recorrente/Impugnante, no seu requerimento de Fls. 1069 e ss dos autos (nomeadamente nos artigos 2, 3, 4 e 5), e resulta do documento de fls. 374 do volume IV do PAT referido no probatório (que explicita que a garantia bancária ... é destinada a caucionar a suspensão dos processos de execução fiscal  n.ºs ... e ...), a garantia ..., que tem, como consta da documentação junta pela recorrente a fls 1128 e seguintes, a si associados custos no valor de €14.081.446,45 (até Setembro de 2016), destinou-se a garantir os montantes em causa nos presentes autos (cujo valor da ação é de € 65.269.915,31) mas também os montantes relacionados com outra impugnação no valor de € 288.821.455,97 em que a Recorrente impugnou as liquidações adicionais de IVA respeitantes aos exercícios de janeiro de 2008 a junho de 2009;
- De facto, como a recorrente esclarece naquele requerimento de fls 1069, para a suspensão da execução no âmbito destes dois processos (de impugnação) a Recorrente viu-se obrigada a constituir garantias bancárias de cerca de 145 milhões de euros (valor que corresponde ao indicado na documentação), o que representa um encargo anual de cerca de 3 milhões de euros;”
- Ou seja, a Recorrente constituiu a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 com custos associados de € 3.205.486,79 (até setembro de 2016), relativo a parte das liquidações em causa nos presentes autos, e constituiu a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50, com custos associados de € 14.081.446,45 (até setembro de 2016), que é relativo a outra parte das liquidações em causa nos presentes autos, mas também a outras liquidações que se encontram a ser discutidas no âmbito de outro processo;
- Assim, suscita-se a dúvida de saber se a indemnização cujo direito é reconhecido à impugnante respeita:
o aos custos com a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 e à totalidade dos custos com a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50 ou
o aos custos com a garantia bancária ... no valor de € 27.955.233,01 e à parte dos custos com a garantia bancária ... no valor de € 120.637.793,50 na proporção em que sejam imputáveis ao processo de execução fiscal relacionado com a presente impugnação, ou seja, com exclusão da proporção dos custos imputáveis ao outro processo de execução para o qual a garantia também foi prestada mas que não se relaciona com valores “emergentes das liquidações impugnadas” na presente impugnação;
- Na realidade, em sede de decisão refere-se que a indemnização, cujo direito é reconhecido à impugnante, respeita a custos por ela suportados com a constituição das garantias bancárias para suspender a cobrança coerciva dos valores inscritos nas liquidações anuladas”;
- Sendo que, no caso da garantia ... no valor de € 120.637.793,50, os custos suportados pela impugnante estão também relacionados com a suspensão da cobrança coerciva de um outro processo de execução fiscal, e no que concerne a este último processo de execução fiscal, instaurado para cobrança de valores de liquidações que são objecto de uma outra impugnação e não os “valores inscritos nas liquidações anuladas”, não está demonstrado que a garantia prestada o tenha sido indevidamente;
- Verificando-se, em face daqueles dois sentidos possíveis para a decisão, a nulidade do acórdão em tal segmento, a qual se argui com todas as consequências legais;”.
Em resumo, e suportados nas alegações da arguente, podemos concluir que: o Tribunal deu como provada a constituição das garantias bancárias (que como afirma, atenta a particularidade como foram prestadas, se reportam numa parte às liquidações destes autos e noutra a liquidações impugnadas noutro processo) e, após ter ter anulado as liquidações impugnadas nestes autos, por erro imputável aos serviços, condenou a Fazenda Pública a pagar à recorrente uma indemnização equivalente ao valor dos custos dessas garantias na parte que respeite às liquidações anuladas (até ao limite que também identificou).
Não só, se nos é permitido, o acórdão é perfeitamente claro na sua fundamentação como na decisão “consequente” (usando a terminologia da própria arguente), atenta a forma como está expressa, como, se também nos é permitido, nem sequer se consegue compreender como pode colocar-se a hipótese de considerar como um dos sentidos possíveis dessa condenação o pagamento de uma indemnização pelos custos incorridos pela recorrente relativamente a liquidações não impugnadas nestes autos, sobretudo quando no segmento decisório expressamente se consagra que essa indemnização é relativa aos custos das garantias no que respeita às “liquidações anuladas”.
Improcede, pelo exposto, a nulidade do acórdão por alegada ambiguidade da sua fundamentação.

6. DO PEDIDO DE REFORMA DO ACÓRDÃO QUANTO A CUSTAS

Veio ainda a Fazenda Pública requerer a reforma quanto a custas alegando, em resumo nosso, que:
- Nos autos de Impugnação Judicial à margem referenciados, o Tribunal Tributário de Lisboa em 1.ª instância (processo n.º 622/11.4BEALM), julgou a acção improcedente -não condenando a Fazenda Pública em custas;
- Em sede de recurso, a 2.ª Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, concedeu provimento ao recurso interposto pela Impugnante, (e consequentemente, condenou em custas a Fazenda Pública, em ambas as instâncias);
- Ora, tendo em conta o valor da causa (€ 65.269.915,31), impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respectivo remanescente, em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do citado diploma legal;
- O juiz pode, atendendo à especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento, o que, in casu, não foi feito quando, claramente – atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes –, a especificidade da situação o justificava. 
- No que diz respeito à complexidade da causa, é necessário analisar os pressupostos previstos no n.º 7 do artigo 530.º do CPC, para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso.
- Quanto à conduta processual das partes, ter-se-á em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no artigo 8.º do CPC.
- Para averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (artigo 530.º n.º 7) antecipou três grupos de requisitos, a saber:
o A existência ou não de articulados ou alegações prolixas – vide al. a);
o A questão da causa ser, ou não, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, ou importarem questões de âmbito muito diverso – vide al. b);
o O terceiro e último grupo prende-se com a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas – vide al. c);
- A Fazenda Pública entende que adoptou, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa-fé;
- Resulta claro que, no decurso deste processo, a Fazenda Pública apenas apresentou as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material, não recorrendo à utilização de quaisquer articulados ou alegações prolixas, nem solicitando quaisquer meios de prova adicionais;
- Relativamente à especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, decorre, do douto acórdão do TCA Sul, não ser, a questão da causa, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, considerando que decorre do douto acórdão que no caso concreto se verifica a exigida existência de jurisprudência uniforme e sedimentada do TJUE sobre o sentido interpretativo a atribuir à norma em causa, não sendo, igualmente, as questões aqui em crise, de âmbito muito diverso, susceptíveis de justificar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente a uma acção no valor de € 65.269.915,31;
- Por essa razão, não deve a Fazenda Pública ser penalizada, em sede de custas judiciais, mas, antes, o seu comportamento incentivado, apreciado e, positivamente valorado;
- Assim, solicita a Fazenda Pública que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, por forma a dispensar a mesma do pagamento do remanescente das taxas de justiça, reformando-se, nessa parte, o acórdão quanto a custas, ao abrigo do n.º 1 do artigo 616.º do CPC;
- Até porque, caberá a parte vencida suportar não só a taxa de justiça referente à contestação e correspondente remanescente, como também reembolsar à parte vencedora, a título de custas de parte, as taxas de justiça devidas em 1ª instância e em sede de recurso e correspondentes remanescentes e bem assim os valores referentes a despesas com honorários do mandatário;
- Ou seja, a parte vencida teria, no fim, que suportar o montante de cerca de € 1.993.080,00, apenas relativamente a taxas de justiça e remanescente por ambas as partes;
- Sem conceder invoca, a Fazenda Pública, a inconstitucionalidade da norma constante dos n.ºs 1, 2 e 7 do artigo 6.º do RCP, bem como, da al.ª c) do n.º 3 do artigo 26.º e da al.ª d) do n.º 2 do artigo 25.º, ambos do RCP, na parte em que delas resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, bem como, quando prevêem, sem mais, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado;
- Desde já, em função do exposto, resulta manifesto que a fixação de custas em valor superior por referência ao valor do processo de € 65.269915,31, viola, em absoluto, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, e o da proporcionalidade entre a correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais – vide artigos 2.º e 20.º n.º 1, ambos da Constituição da Republica Portuguesa (CRP);
- Deve, ainda, ser julgada inconstitucional a norma constante da al.ª c) do n.º 3 do artigo 26.º e a 2.ª parte da al.ª d) do n.º 2 do artigo 25.º, ambos do RCP, quando prevêem, sem mais, o pagamento de honorários no montante de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, sem prever que a parte vencedora faça prova de que, efectivamente, pagou tal montante a título de honorários, por violação do artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º n.º 2 segunda parte, da referida lei fundamental;
- Assim, deverá ser julgada inconstitucional – por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso e o principio da proporcionalidade – a norma que se extrai da conjugação do disposto no artigo 6.º n.ºs 1, 2 e 7 e TABELA I A e B anexa do RCP, bem como, da al.ª c) do n.º 3 do artigo 26.º e da 2.ª parte da al.ª d) do n.º 2 do artigo 25.º, também do RCP, na parte em que delas resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, bem como, quando prevêem, sem mais, o pagamento de honorários sem que esse valor tenha que ser justificado.
- Desta forma, deverá ordenar-se a reforma quanto a custas, tendo em conta o máximo de € 275,000,00 fixado na TABELA I do RCP, desconsiderando-se o remanescente aí previsto.
A recorrente, que pugnou ao longo de toda a sua pronúncia pela improcedência das alegadas nulidades processuais e da sentença, adoptou nesta matéria uma posição menos radical: sem deixar de defender a aturada instrução do processo, as múltiplas diligências de prova realizadas, a elevada complexidade das questões de facto e direito apreciadas e decididas no processo, a constitucionalidade da normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada e de refutar em absoluto a existência de circunstâncias capazes de sustentar uma decisão de dispensa total do remanescente, deixa, se bem interpretamos a sua exposição, ao critério do Tribunal a decisão nesta matéria, designadamente quanto a uma eventual redução, que admite, pelo menos hipoteticamente, como possível, do valor legalmente imposto a título de remanescente de taxa de justiça.

Quid iuris?

Comecemos por realçar que a questão da conformidade constitucional do preceituado no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) foi, desde a sua redacção inicial, objecto de múltipla controvérsia e de sucessivas pronúncias pelos Tribunais em sentidos não uniformes, sendo hoje, no entanto, pacífico o entendimento que veio a ser fixado e que é no sentido da sua não inconstitucionalidade.

Em recente acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça,[17] a questão da inconstitucionalidade invocada pela Fazenda Pública é revisitada, traçando-se aí – e ainda que a propósito da questão do momento próprio de formulação do pedido de dispensa do remanescente - uma síntese impar quanto aos contornos da questão e quanto às respostas que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, bem como o Tribunal Constitucional e o legislador, vieram dando até hoje.

É, pois, acompanhando esse acórdão, nesta concreta parte, que enquadramos juridicamente a nossa questão e decidiremos:

«2.2.1. Para apreciação desta questão de inconstitucionalidade, tenha-se presente a redação do preceito legal (n.º 7 do artigo 6.º do RCP), que foi introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro:

Artigo 6.º

Regras gerais

         […]

7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

A norma em causa permite, assim, que seja desconsiderado o valor do remanescente da taxa de justiça que, nas ações de valor superior a €275.000,00, não foi objeto de liquidação prévia pela parte.

O enquadramento geral da evolução legislativa que conduziu à norma sub judicio foi já descrito no Acórdão n.º 361/2015:

“[…]

A tabela I […] corresponde à primeira das quatro tabelas anexas ao Regulamento das Custas Processuais, e nela encontram previsão, no eixo horizontal, treze escalões de valor da ação, e, no eixo vertical, três colunas de montantes específicos de taxa de justiça, designadas pelas letras A, B e C.

[…]

[O]s treze escalões previstos na tabela I prevêem os valores da ação até ao montante de €275.000,00, a que acresce, para além desse limiar, ‘a final, por cada €25.00 ou fração, 3 UC, no caso da coluna A, 1,5 UC, no caso da coluna B, e 4,5 UC, no caso da coluna C’.

7. O contexto normativo em que se situa tal normação decorre do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (e posteriormente alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27 de agosto, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de agosto, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de agosto, e Lei n.º 72/2014, de 2 de setembro), o qual introduziu uma nova disciplina para as custas processuais, revogando, entre várias normas e diplomas que versavam sobre a matéria de custas, o Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro.

Uma das vertentes da alteração trazida pelo RCP radicou precisamente nos mecanismos de fixação do valor do tributo a pagar. Pode ler-se no preâmbulo do diploma em apreço:

‘De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores.

De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.’

Refletindo essa mudança, o artigo 6.º, n.º 1, do RCP, enuncia, como regra geral, que a taxa de justiça é fixada ‘em função do valor e complexidade da causa’, por referência a uma tabela, como já acontecia no regime anterior. Mas, inovatoriamente, a fixação da taxa de justiça passou a ter como fator de majoração do montante da taxa de justiça a complexidade da causa, podendo o juiz ‘determinar, a final, a aplicação dos valores [agravados] de taxa de justiça constantes da tabela I-C (…) às ações e recursos que revelem especial complexidade’, por conterem ‘articulados ou alegações prolixas’, dizerem respeito a ‘questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso’ ou implicarem ‘a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas’ (artigos 6.º, n.º 5, do RCP, e 530.º, n.º 7, do CPC). Com o RCP, o legislador consagrou, assim, um ‘sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correção em casos de processos especial e particularmente complexos’ (cfr. SALVADOR da COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2012, 4.ª edição, p. 231).

A par deste mecanismo corretivo, no sentido ascendente, do valor da taxa de justiça a pagar, em função da materialidade da lide, não foi editado qualquer outro que, agora no sentido inverso, permita genericamente ao julgador intervir no domínio da taxa de justiça, reduzindo-a para valores inferiores aos correspondentes à taxa normal, mormente para aqueles constantes da tabela I-B. O que não significa que a intervenção judicial moderadora no domínio das custas judiciais esteja ausente por completo: persiste nas causas de valor mais elevado, ainda que limitada ao que respeita ao remanescente a pagar a final.

Com efeito, na redação originária do RCP, a tabela I estatuiu vários escalões de valor da causa até ao montante de €600.00,00 e, a partir daí, uma taxa de justiça variável, entre os limites estabelecidos, devendo a parte liquidá-la no seu valor mínimo e pagar o excesso, se o houvesse, a final (artigo 6.º, n.º 6, do RCP).

O Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quadro normativo aqui aplicável, veio, inter alia, alterar as tabelas anexas ao RCP, o que decorreu, como resulta do respetivo preâmbulo, da consideração de ‘que a taxa de justiça nalguns casos não estava adequada à complexidade da causa, pelo que se prevê um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela, embora os valores se mantenham muito inferiores aos do regime anterior ao do Regulamento’. Passou, assim, a prever-se, na tabela I, uma taxa de justiça fixa, graduada por escalões em função do valor da causa, até ao limite de €275.000,00, sendo, a partir daí, calculado o mesmo valor de acréscimo por cada unidade ou fração no montante de €25.000, mantendo-se a sua exigibilidade apenas no final da lide. E, desse modo, reintroduziu-se um mecanismo de aumento automático e ilimitado do montante da taxa de justiça em função do valor da causa, já antes consagrado pela tabela I anexa ao CCJ, embora diminuído na sua expressão, idóneo a gerar um remanescente a pagar a final.

Importa neste ponto notar que, na vigência do CCJ, o funcionamento desta regra foi atenuado com a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, que passou a prever a possibilidade do intervenção corretiva do juiz, circunscrita aos processos de valor superior a € 250.000,00, quanto ao remanescente a pagar a final. Dizia o n.º 3 do artigo 27.º do CCJ, na redação introduzida pelo referido Decreto-Lei n.º 324/2003 que ‘se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente’. No RCP, solução normativa homóloga só veio a ser consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, com o aditamento de um novo número ao artigo 6.º, com a seguinte redação: ‘7- Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento’.

[…]” (sublinhado acrescentado).

A discussão que se encontra na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a incidência da taxa de justiça tem passado, essencialmente, pelos critérios de fixação do respetivo montante (assim, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 352/91, 1182/96, 521/99, 349/2002, 708/2005, 227/2007, 255/2007, 471/2007 e 301/2009). Sobre esta matéria, o Tribunal considerou que (ainda nas palavras do Acórdão n.º 361/2015):

“[…]

[N]ão impondo a Constituição a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, o legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação, competindo-lhe repartir os pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado. Sem postergar, porém, a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incompatível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais.

Assim, e sempre que se pronunciou sobre o domínio de regulação em apreço, o Tribunal não afastou a solvabilidade constitucional, em geral, de critério normativo de fixação do montante da taxa de justiça radicado no valor da causa, enquanto padrão de aferição da correspetividade do tributo. Daí que não tenham merecido censura soluções legais de tributação que, mesmo que determinadas em exclusivo por critérios de valor da ação, não conduziram, nos concretos casos em apreço, à fixação de taxa de justiça evidentemente desproporcionada (cfr. Acórdãos n.ºs 349/2001, 151/2009, 301/2009 e 534/2011). Mas, por outro lado, sempre que o funcionamento do critério tributário assente no valor da ação - maxime a ausência de um teto máximo ou de mecanismos moderadores do seu crescimento linear em ações de maior valor – levou a uma manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado no serviço de justiça, o Tribunal considerou as normas que a tal conduziram merecedoras de censura constitucional (cfr. Acórdãos n.ºs 227/2007, 471/2007, 116/2008, 301/2009, 266/2010, 421/2013, 604/2013, 179/2014 e 844/2014).

Na síntese do Acórdão n.º 421/2013, […], ‘o que determinou tais julgamentos, incluindo estas últimas decisões de não inconstitucionalidade, foi a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe»’.

[…]”.»

         Em suma, os mecanismos de correcção introduzidos pelo legislador ao critério geral de apuramento da taxa de justiça consagrados nos artigos 6.º, n.º 1, e 11º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e 529º do atual CPC) – “valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correção em casos de processos especialmente complexos»[18], podendo o juiz determinar, a final, a aplicação de valores agravados de taxa de justiça às ações e recursos que revelem especial complexidade (cf. art. 6.º, n.º 5, do RCP), se as mesmas contiverem articulados ou alegações prolixas, tiverem por objecto a decidir e decididas questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso ou implicarem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas (cfr. citado artigo 530º, nº7, do atual CPC) -  e a consagração no artigo 7.º, n.º 6 do RCP da possibilidade de o juiz “dispensar o pagamento” do remanescente da taxa de justiça se a especificidade da situação o justificar, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, constituem factores determinantes do juízo de constitucionalidade da norma por serem capazes, pelo menos em abstracto, de adequar a exigência legal de tributação em custas com a salvaguarda do direito de acesso aos Tribunais e à Justiça constitucionalmente consagrados.

É precisamente aquela dispensa, aquele “desagravamento” do valor devido a título de taxa de justiça que a Fazenda Pública vem clamar através desta reforma sustentando a dispensa total do pagamento do remanescente em duas linhas argumentativas:
- A Fazenda Pública deve ser dispensada do valor integral que se encontra devido a título de remanescente da taxa de justiça porquanto teve um comportamento processual irrepreensível como resulta manifesto da postura que assumiu ao longo do processo e as questões não revestiram complexidade, resultando do acórdão proferido que o próprio Tribunal as não julgou complexas e passiveis de serem resolvidas a jurisprudência uniforme do TJUE;
- Assim não se entendendo, este Tribunal deve determinar que o valor da acção a atender para efeitos de custas é € 275,000,000 porquanto a norma em apreço, ao não fixar um tecto máximo, isto é, ao não estabelecer um limite máximo para as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem que existir entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade: exigência de pagamento de taxa versus serviço de administração da justiça.

Relativamente a esta última linha argumentativa, é óbvio que a mesma nunca poderá obter o nosso acolhimento pelas razões que o próprio Tribunal Constitucional repetidamente adiantou e que o acórdão supra citado do Supremo Tribunal de Justiça relatou e aqui acolhemos. Isto é, do facto de não estar estabelecido um tecto máximo não resulta, per se, a insconstitucionalidade da norma.

Questão distinta é a de saber se, face ao circunstancialismo dos autos, isto é, relevando-se os três factores mencionados no artigo 530.ºdo CPC, deve ou não este Tribunal Central lançar mão do mecanismo de dispensa do remanescente prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP e, em caso afirmativo, se essa dispensa deve ser total ou parcial.

Para efeito de apreciação da questão, para além do preceituado no artigo 6.º, n.º 7 do RCP – que, como vimos já, estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento – importa ainda considerar que nos termos do artigo 529, nº.2, do CPC, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do RCP pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do mesmo diploma legal citado (artigo 6.º e Tabela I, anexa ao RCP). E que “a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso” .[19]

Daí que, seja líquido concluir que o mencionado remanescente está directamente conexionado com o que se mostra prescrito na Tabela I, anexa ao RCP, isto é, com o comando na parte em que determina que, para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, que o juiz deverá ter presente como sendo aquele que, em caso de não haver dispensa, corresponderá ao valor a pagar, por ser aquele que será atendido na elaboração da conta final.

Acresce que, como é sabido, a decisão de dispensa, nos termos excepcionais em que se mostra consagrada, está dependente, por força da lei, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. Ou seja, a decisão judicial de dispensar o pagamento do remanescente em dívida haverá necessariamente que fundar-se num juízo a formular quanto à verificação de uma complexidade não relevante ou mesmo na manifesta simplicidade da causa associadas ainda a um comportamento irrepreensível das partes na forma como actuaram no processo na defesa legítima dos seus interesses.

Sobre estes critérios norteadores da decisão tem vindo a jurisprudência a pronunciar-se repetidamente, afirmando que:
- A maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.530, nº.7, do C.P.Civil, o qual estabelece que “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”;
- As questões de “elevada especialização jurídica ou especificidade técnica” são as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir;
- As questões jurídicas de “âmbito muito diverso” são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados [20];
- A conduta processual a destacar para efeitos de uma decisão positiva quanto à questão de dispensa do pagamento será a que for reveladora do dever de boa-fé processual estatuído no actual artigo 8.º do CPC, isto é, a conduta da parte reveladora de que actuou no processo num sentido construtivo e sempre dirigido, sem prejuízo do direito de defesa dos seus interesses legítimos, para a descoberta da verdade material.

Revertendo ao caso concreto, adiantamos que não temos dúvida alguma quanto a ser irrepreensível a conduta das partes, especialmente da Fazenda Pública, sendo manifesto que nunca assumiu no processo qualquer conduta capaz de ser qualificada como obstativa da sua normal tramitação, dilatória e muito menos de má-fé.

Efectivamente, para além da contestação apresentada, em que se limitou a remeter para as informações vertidas em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico e de ter estado presente na inquirição realizada em 1ª instância e na sua repetição realizada em 2ª instância, a intervenção da Fazenda Pública limitou-se a apresentar alegações finais no Tribunal a quo, nem sequer produzindo contra-alegações.

Em síntese: a Fazenda Pública teve do ponto de vista da sua conduta processual um comportamento irrepreensível.

Não podemos, porém, no mais, subscrever a sua apreciação, designadamente no que respeita à complexidade do processo.

Efectivamente, a conclusão da Fazenda Pública de inexistência comprovada de complexidade assente na imputação ao Tribunal dessa afirmação por referência ao que ficou decidido aquando da fundamentação da decisão de não acolher a promoção da Exma. Magistrada do Ministério Público quanto a ser formulado um pedido de reenvio prejudicial está - embora se admita que o não tenha compreendido e consequentemente se não releve para além do que fica decidido nesta matéria – descontextualizada.

O que este Tribunal Central afirmou foi que, tendo em conta os pressupostos de que está dependente o exercício do poder-dever consagrado no artigo 267.º do TFUE e as competências do TJUE e ponderadas as questões jurídicas a tratar se não justificava o pedido de reenvio prejudicial. E não que as questões jurídicas a apreciar não fossem complexas no sentido em que as mesmas vêm definidas no artigo 530.º, quer no que respeita à vertente do direito - articulados ou alegações prolixas, questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso – quer no que respeita à vertente de facto – que não tenham implicado a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

Ora, que essa elevada complexidade existiu revelam-no bem os autos, quer as peças processuais apresentadas, quer os meios de prova documentais oferecidos (incluindo-se aqui a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, para além dos vários pareceres e estudos apresentados), quer as diligências requeridas ou que foram julgadas como sendo pertinentes, quer o teor da sentença de 1ª instância e deste Tribunal Central, onde é claramente revelado que a decisão de todas as questões – de facto e de direito – exigiram que se convocassem e articulassem um conjunto de institutos e de ordenamentos distintos - constitucional, comercial, financeiro, fiscal, processual – geral, tributário e administrativo -, bem como o estudo de numerosa jurisprudência - incluindo para decidir a questão do reenvio prejudicial -, tudo a impossibilitar, porque incompatível, a qualificação desta causa como de “manifesta simplicidade” ou de “ complexidade reduzida”.

Todavia, no caso concreto, salvo o devido respeito pela posição vertida pela EP- S.A. - e sem prejuízo de termos consciência de toda a jurisprudência convocada no sentido de que perante situações semelhantes a decisão regra é a da não dispensa integral, isto é, a aplicação do regime regra – a situação assume contornos muito específicos, uma vez que o valor da causa - € 65-269.915,31 – só por si, conduz a um valor de taxa de justiça a pagar pela parte vencida no valor de € 1.993.080,00.

Ora, independentemente de mantermos integralmente todo o juízo valorativo da causa no que respeita à complexidade da mesma, julgamos que tal valor, repita-se, que apenas respeita à taxa de justiça, é, pelo menos no caso concreto assim o entende este Tribunal, violador do princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado.

Na verdade, e como recorrentemente o Tribunal Constitucional vem reafirmando, “O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

   A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exacto a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coactiva decorrente da medida adoptada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».

       A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstracto perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia. Quer isto dizer, exactamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstracto e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno.

       É este um exame mais «fino» ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência - ou inexistência - , na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu - o que é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis - , fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade.

       A terceira precisão a acrescentar relaciona-se com a particular dimensão que não pode deixar de ter o juízo de proporcionalidade (na sua acepção ampla), quando aplicado às decisões do legislador. Afirmou-se atrás que o princípio em causa vale, em Estado de direito, para as acções de todos os poderes públicos. Quer isto dizer que ele se aplicará tanto aos actos da função administrativa quanto aos actos da função legislativa, pois que, em qualquer caso, não pode o Estado (actuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem inadequados, desnecessários ou não «proporcionais» face aos fins que pretende prosseguir. Certo é, porém, que o poder legislativo se distingue do poder administrativo precisamente pela liberdade que tem para, no quadro da Constituição, eleger as finalidades que hão-de orientar as suas escolhas: disto mesmo aliás se fala, quando se fala em liberdade de conformação do legislador. Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservância de qualquer um dos testes que compõem a proporcionalidade, se há-de estribar sempre - como se disse no Acórdão n.º 187/2001 - em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do excesso.». [21]

Ou seja, e revertendo e aplicando aquele princípio da proporcionalidade à questão concreta, a “ideia ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivoe de que, não obstante não estar “nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxasnão afasta a ideia, também ela nuclear, de que é, em todo o caso,necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» [22]

E é essa desproporcionalidade que detectamos no caso concreto, ou seja, para nós, o “custo atribuído ao serviço prestado” - € 1.993.080,00 - não se mostra integralmente justificado do ponto de vista material, o que vale para dizer que, no caso concreto, se justifica a intervenção do Tribunal procedendo à sua adequação, isto é, à dispensa parcial do valor que seria devido nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, conjugado com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A questão que se coloca, definido que está o sentido positivo de dispensabilidade por verificação dos pressupostos que a legítima, é a de decidir se essa dispensa de pagamento do remanescente deve ser total ou parcial, o que nos remete para tudo o que supra já deixámos exposto quanto à própria constitucionalidade da norma ao não prever um limite ou tecto máximo. Isto é, sendo a regra a de que «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento», sendo tal normativo conforme a constituição e tendo nós concluído que a complexidade da causa é elevada o juízo de proporcionalidade deverá operar apenas no sentido de adequar, isto é, de no sentido de eliminar o excesso detectado.

E, nessa medida, ponderado todo o circunstancialismo fáctico e jurídico já salientado, que aqui damos por reproduzido, afigura-se-nos ser de fixar essa dispensa em 50%, isto é, determinar que para efeitos de custas no que respeita ao valor devido a título de taxa de justiça seja relevado apenas 50% do valor da causa.

6.2. Por fim, enfrentemos a segunda questão colocada nesta reforma: declaração de inconstitucionalidade do artigo 26.º n.º 3 al. c) do RCP
Veio ainda a Fazenda Pública invocar que o estabelecimento de uma obrigatoriedade de pagamento de honorários no montante de 50% do somatório da taxa de justiça efectivamente paga por ambas partes, sem se prever que a parte vencedora tem que fazer prova de que, efectivamente, pagou tal montante a tiítulo de honorários, como ocorre no artigo 26.º, n.º 3, al. c) do RCP, viola o artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º n.º 2 segunda parte, da referida lei fundamental.

Para além do que ficou exposto - e contrariamente ao que sucedeu com o disposto ao remanescente da taxa de justiça em que discorre proficuamente sobre a questão, expondo de forma muito concretizada as razões de facto e de direito que entende justificarem a sua pretensão – a Fazenda Pública nada mais acrescenta e nem sequer aduz, a final, nesta matéria, qualquer pedido.

Bem se compreende que assim seja.

Efectivamente, se a sua pretensão é, como aparentemente parece decorrer da alegação que supra transcrevemos, que este Tribunal “julgue inconstitucional” norma ínsita no preceito citado, afigura-se-nos que para tal seremos incompetentes.

Efectivamente, em traços gerais, pode dizer-se que vigora hoje no nosso ordenamento jurídico um sistema misto-complexo de controlo de constitucionalidade que se desenvolve, essencialmente, em três dimensões: (i) um controlo difuso, concreto e incidental dos actos normativos: a todos os tribunais é reconhecida competência para fiscalizar a constitucionalidade de normas jurídicas, quer essa fiscalização seja suscitada pelas partes, pelo Ministério Público nos processos em que tenha intervenção ou oficiosamente pelo juiz titular do processo (artigos 204º e 277º da C.R.P.)[23]; (ii) um controlo abstracto de normas, traduzido num processo constitucional directamente dirigido à fiscalização e decisão, com força obrigatória geral, do desvalor formal ou material de uma norma, que poderá ser desencadeado antes da publicação e entrada em vigor da norma cuja constitucionalidade é questionada (controlo preventivo – artigos 278º e 279º) ou já depois da sua entrada em vigor, ou seja, em momento em que a validade e eficácia da norma no ordenamento jurídico se apresenta aparentemente como indiscutível (controlo sucessivo). O Tribunal Constitucional, enquanto, por excelência, defensor da Constituição relativamente ao legislador e último órgão de garantia da hierarquia normativa da ordem constitucional, decide, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade, pela eliminação da norma do ordenamento jurídico, sendo o único órgão com competência para declarar a inconstitucionalidade de normas com força obrigatória geral; (iii) um controlo da constitucionalidade por acção e por omissão: na primeira vertente, traduzido num controlo dos actos normativos violadores das normas e princípios constitucionais, efectuado ou exercido pelos Tribunais (artigos 227º e 282º). Na segunda (artigo 283.º), que, do ponto de vista do direito comparado, é de rara consagração no plano constitucional, consubstanciada no reconhecimento do não cumprimento da Constituição pelo órgão legislativo, decorrente do silêncio normativo que, sendo juridicamente relevante, é constitucionalmente inadmissível.

Em suma, numa primeira análise, a competência para conhecer a questão colocada, nos termos em que o foi, pertencerá ao Tribunal Constitucional.

Todavia, parece ainda ser possível concluir-se que não obstante essa genérica formulação o que a Fazenda Pública pretende é que a questão seja já apreciada atentos os efeitos que da sua condenação em custas decorrem, incluindo a já fixada taxa de justiça devida.

E, nessa medida, passamos à sua apreciação, acolhendo, aqui, a fundamentação e decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre essa questão precisamente em sede de reforma de acórdão:

«Passemos, então a analisar a suscitada inconstitucionalidade dos preceitos supra referenciados – artº 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais -.

A Representante da Fazenda Pública considera que tais preceitos são inconstitucionais porque prevêem, sem mais, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado, o que seria violador dos princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais, e da proporcionalidade.

Se lermos as duas alíneas reputadas de inconstitucionais dos artº 25º e 26º não poderemos atingir a interpretação conjugada deles a que chegou a Representante da Fazenda Pública.

d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;

c) 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;

De acordo com a alínea d) do artº 25, a parte indicará, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução. Não se trata de um valor aleatório, pré-fixado, ou sem justificação, trata-se do valor pago a título de honorários, naturalmente documentado, com a liquidação dos impostos devidos. Mas não pode incluir na nota discriminativa e justificativa qualquer valor pago a título de honorários, mesmo que efectivamente pago. Como refere a parte final dessa alínea d) - salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º; - só poderão constar de tal nota discriminativa e justificativa os honorários pagos aos mandatários, pela parte vencedora, que não excedam 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora. Isto é, como se refere na alínea c) do artº 26º, 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, é o valor que a lei impõe como limite para compensação da parte vencedora das despesas que haja suportado com honorários do mandatário judicial, evidentemente se tiver tido despesas e elas atingirem tal montante.

Assim, os referenciados artigos não prevêem, de modo nenhum, o pagamento (pela parte vencida) de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário, sem que esse valor tenha que ser justificado. O que os referidos artigos prevêem é que esse é o limite imposto por lei para compensar a parte vencedora, naturalmente se tiver suportado despesas com honorários de mandatário judicial desse valor, ou superior, recebendo, o que tiver efectivamente pago, na totalidade quando o valor dos honorários se contenha dentro dos 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes.

Não enfermam, pois, os citados preceitos da apontada inconstitucionalidade. A interpretação que deles fez a Representante da Fazenda Pública, por desconforme com o texto da lei não pode fundamentar qualquer declaração de inconstitucionalidade.».[24]

Improcede, pois, nesta parte, o pedido de reforma.

VII – Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, em:

- Julgar totalmente improcedentes as nulidades arguidas;

- Julgar parcialmente procedente o pedido de reforma do acórdão em matéria de custas e, em conformidade, reformar aquele, do qual ficará a constar, no segmento decisório, o seguinte:

«Condenar a Recorrida pelas custas devidas em ambas as instâncias, dispensando ambas as partes de 50% do valor que seria devido a título de remanescente de taxa de justiça”.

Custas pela Fazenda Pública, fixando-se no mínimo a taxa de justiça devida.

Registe, notifique.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2018

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[Anabela Russo]

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                                                                                              [Lurdes Toscano)

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[Ana Pinhol]


[1] As alterações realizadas cingiram-se à alteração do modo de citação dos preceitos legais - em vez de “art.”, “artig.” ou “artigs”, adoptou-se a formulação única de “artigo” ou “artigos” -, evidenciaram-se a “bold” as “nulidades” que foram arguidas, procedendo-se à sua autonomização subordinada a uma numeração sequencial e corrigiram-se oficiosamente manifestos lapsos de escrita cometidos pelas partes.
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4-4-2013, proferido no processo n.º 376/2013, integralmente disponível em www.dgsi.pt .
[3] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, de 13-7-2011 (processo n.º 370/11), 13-4-2010 (processo n.º. 257/11),12-1-2012 (processo n.º  899/11), 26 -4 -2012 (processo n.º  237/12) e 23 -5 -2012 (processo n.º 356/12), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, de 11-5-2016 (processo n.º 831/15), bem como os demais arestos aí citados, todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt
[5] 1- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175.
[6] Vide, autor citado, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487.
[7] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pp. 123-124 (anotação artigo 640.º).
[8] Cfr. o Acórdão nº 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11. °, pp. 741 e segs.
[9] Cfr. Acórdão n.° 358/98, publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n° 249/97, publicado no Diário da República 2ª série, de 17 de Maio de 1997.
[10] Cfr. Acórdão n.° 404/87, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.°, pp. 391 e segs e Acórdão n.º 259/2000, publicado no Diário da República 2ª série, de 7 de Novembro de 2000.
[11] [11] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pp. 24-225, (anotação artigo 662º).
[12] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-9-2017, proferido no processo n.º 759/09.2TVLSB.L1.S1, integralmente disponível em www.dgsi.pt
[13] Neste sentido, ANTUNES VARELA Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, pág. 687; LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.°, 2001, pág. 669, e jurisprudência aí referida e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Abril de 2003, p. 48.
[14] FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Abril de 2003, p. 48.
[15] Crf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt.

[16]   JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, Lisboa, 1972, p. 249.
[17] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-7-2017, proferido no processo n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, inteiramente disponível em www.dgsi.pt.
[18] SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, pág. 181.

[19] Cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-4-20159 (processo n.º 8416/15), de 16-1-2014 (processo n.º.7140/13) e de 13/3/2014 (proc.7373/14). No mesmo sentido SALVADOR DA COSTA, “Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado”, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.

[20] Veja-se, neste sentido, a jurisprudência e a doutrina citadas na nota anterior, bem como os acórdãos e autores para que aí somos remetidos.
[21] Cfr. Acórdão n-º 638/08 do Tribunal Constitucional de 23 de Dezembro de 2008, integralmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[22] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 22 de Março de 2017, proferido no processo n.º 155/2012, integralmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.

[23] Este tipo de fiscalização não se limita, como grosso modo acontece nos sistemas alemão e italiano, a uma tramitação incidental, isto é, de mera admissão da inconstitucionalidade suscitada nos termos supra expostos e de remessa para o Tribunal Constitucional da sua apreciação, antes consubstanciando o dever de todos os Tribunais apreciarem e decidirem, eles próprios, da (in) constitucionalidade arguida, afastando, se necessário ou assim o julgarem, a aplicação de uma determinada norma ao caso concreto, ou porque a mesma se lhes afigure inconstitucional ou porque a sua interpretação, no sentido em que foi efectuada e/ou seria aplicada, resulta inconstitucional.

[24] Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-9-2015, proferido no processo n.º 1443/13, integralmente disponível em www.dgsi.pt