Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:684/04.0BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:ATRASO NA JUSTIÇA
LIQUIDAÇÃO DE QUOTA SOCIAL
FALÊNCIA SOCIETÁRIA
Sumário:
1. A insusceptibilidade de o Recorrido se fazer pagar do valor da quota de sócio de saída da sociedade “XPTO” mediante execução do julgado no procº de liquidação do valor da quota de saída do Recorrido, iniciado em 24.02.82, decidido em 17.04.2007 e transitado em julgado em 03.05.2007 no Tribunal Judicial de Alcanena, tem como evento causal a declaração de falência da sociedade “XPTO” por sentença do Tribunal Judicial de Alcanena, de 13.03.2001.
2. Todavia, a falência da sociedade “XPTO” não é imputável ao deficiente funcionamento dos serviços de justiça por omissão de decisão em prazo razoável no procº de execução do julgado de liquidação do valor da quota de saída do Recorrido, iniciado em 24.02.82 e transitado em julgado em 03.05.2007, a título de responsabilidade civil extracontratual do Estado, matéria hoje expressamente prevista no artº 12º Lei 67/2007, 31.12.
3. E não é imputável, porque a entrada em falência da sociedade “XPTO” judicialmente declarada em 13.03.2001, constitui um facto de terceiro relativamente ao condicionalismo concreto do procº de execução do julgado de liquidação do valor da quota de saída do Recorrido, iniciado em 24.02.82 e transitado em 03.05.2007.
4. Sendo certo que a morosidade verificada neste processo conduziu à verificação do dano por omissão de decisão em prazo razoável, mas não conduziu à falência da sociedade “XPTO” onde o Recorrido tinha a mencionada quota.
5. Os danos pela falência da sociedade “XPTO” concretizados no não pagamento do valor da quota de saída do Recorrido são danos decorrentes de uma circunstância não previsível e anómala (a falência) relativamente ao caso concreto da omissão de decisão em prazo razoável no processo de execução do julgado de liquidação do valor da quota de saída do Recorrido, iniciado em 24.02.82 e transitado em 03.05.2007.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Digno M…….. P…………, em representação do Estado, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Sendo a causa de pedir o atraso por uma decisão judicial em prazo razoável e tendo em conta que apenas é de imputar ao Tribunal um atraso de 4 anos, entendemos ser de arbitrar um montante não superior a 4 000,00 Euros (1,000.00 Euros x 4 anos), a título de danos patrimoniais (cfr. jurisprudência do TEDH e do TCA Sul atrás citada),
2. O montante a arbitrar não pode ser o valor da quota do A. uma vez que esta já foi determinada no processo 14/C/1982, por decisão de 17 de Abril de 2007 do Tribunal Judicial de Alcanena, e que o A, deveria obter em sede de execução de sentença, não podendo através desta acção alcançar o que deve obter pelos meios processuais regulares, isto é, o valor que lhe seria devido por parte da sociedade.
3. Caso contrário haveria uma duplicação de montantes indemnizatórios, sendo inadmissível que se atribua ao E... P..... uma obrigação que pertence a terceiros, não podendo esta acção substituir o processo executivo, ou outros meios para obter os objectivos pretendidos pelo Autor quando intentou acção contra a referida sociedade.
4. Os prejuízos resultantes da falta de decisão em prazo razoável não se confundem com os prejuízos invocado na ação "atrasada", sendo completamente diferentes as causas de pedir nas respectivas acções.
5. É que a fixação do valor da quota não decorre do atraso na realização da justiça, antes o atraso na realização da justiça é que pode ser causal do facto de inexistirem bens para a satisfação do crédito do A. (Sobre matéria idêntica vide o esclarecedor Acórdão do TCAS, processo 09034/12, CA, 2.° Juízo, sendo Relatora a Desembargadora A........).
6. Considerando que já foi proferida decisão judicial de fixação do valor da quota, o facto de o Autor não o ter recebido não pode, em termos de causalidade adequada, aferida à morosidade processual, ser de considerar relevante para a satisfação do pedido do Autor, pelo que não deve ser considerado tal valor em causa, na decisão da presente acção, devendo a sentença ser revogada nesta parte. Mas quando assim não for entendido e sem conceder.
7. Entendeu o Tribunal "a quo" que se verificava, "in casu", um dano patrimonial no valor de € 856.480,45, reportado ao valor da quota do Autor a 31.05.1979", assim assacando ao Réu Estado a integralidade da responsabilidade pela demora na aplicação da justiça.
8. Sempre haveria que reduzir pelo menos o quantitativo indemnizatório em que o Réu foi condenado, por danos patrimoniais, o qual se revela indevido, desmesurado e excessivo, tendo em conta as circunstâncias do caso, a litigância aguerrida e empenhada das partes, e atendendo à prática jurisprudencial sobre a matéria.
9. Na verdade, à morosidade da justiça não é estranho o contributo do autor e da ré empresa que sempre utilizaram sucessivas diligências dilatórias, com inúmeros pedidos de aclaração, circunstâncias que imporão - se bem vemos - uma significativa redução do valor fixado, que cremos nunca inferior em dois terços, assim se reduzindo a, no mínimo, um terço do que foi fixado.
10. O E..... não pode ser responsabilizado por excessos temporais provocados; pelo comportamento das partes no decorrer do processo" (Neste sentido ac. STJ de 24/3/2011, proc. 88/2002, L.1S1).
11. Até à entrada em vigor da Lei n.° 67/2007, não existia norma legal que expressamente revisse a responsabilidade do Estado por funcionamento defeituoso do serviço público, que não se mostra incluída no citado DL n° 48.051. E só com recurso e conjugação daquele diploma com o art.° 22,° da CRP, entendeu o Tribunal Recorrido enquadrar a responsabilidade civil do Estado no caso sub judice. Cfr. pág. 25 da douta sentença.
12. No caso em apreço não se mostram preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil do Estado, dado que não ficou totalmente demonstrado um total nexo causal entre o facto e o dano ou prejuízo, designadamente, no que concerne ao montante excessivo arbitrado.
13. O E... P.... não pode, assim, ser condenado por atos decorrentes dos factos em apreciação, no montante patrimonial de € 856.480,45 pelo que, não deve o Autor ser indemnizado, por via dos fatos provados.
14. Em sede de danos não patrimoniais, em nome do princípio da proporcionalidade e da igualdade, não deverá ser atribuída indemnização superior a € 2.800,00 (700,00 Euros x 4 anos) a qual se poderia considerar a justa e adequada, atendendo às circunstâncias do caso concreto (cfr. jurisprudência e valores supra indicados).
15. Os danos apurados não vão além do que decorre do normal funcionamento das instituições e do que habitualmente acontece em casos semelhantes, não se verificando uma ofensa chocante e desrazoável dos direitos do Autor suscetível de ser considerada excecionalmente relevante.
16. Montante que tem em consideração o contributo do próprio Autor para a situação em que se colocou e que fundamentou (também) os danos morais (v a impugnação pauliana) devendo assim, o seu comportamento ser considerado na fixação do montante indemnizatório em termos de"sibi imputet" parcial. (Facto provado E da douta sentença).
17. Pois que, o dano considerado pelo douto Tribunal a quo e causado, uma simples angústia, para além do mais, decorrente também de haver transmitido património para as filhas, e portanto de um ato voluntário seu para o eximir ao passivo da referida Sociedade, como exposto, não se pode considerar que constituí um dano especial ou anormal de considerar na sua totalidade, não indo muito além dos limites do normalmente sofrido por quem se encontra nas mesmas circunstâncias.

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O Recorrido contra-alegou, concluindo como segue:

1. O STA em seu Acórdão de 06/11/2012» constante destes autos, depois de dar por assentes os elementos alegados na petição integradores da responsabilidade civil extracontratual do E. P. - o ilícito, o dano e a responsabilidade - mandou baixar o processo às Instâncias para se apurar, no alargamento ou ampliação da matéria de farto se o ilícito "excessiva duração global do processo foi ou não causa adequada dos danos sofridos pelo recorrido em sede de não recebimento de Indemnização correspondente ao valor da quota que fora do autor na sociedade A……… & Filhos Lda e que fora determinado e fixado pelo Tribunal da extinta Comarca de A..... por despacho transitado em julgado,
2. O dito Acórdão reconhece e como provados o ilícito, o dano e a responsabilidade eventual do Estado, mas considerou não ter competência para apurar a matéria de facto que desse suporte ao estabelecimento da relação de causalidade adequada entre o ilícito e os danos sofridos peio recorrido.
3. A presente acção foi configurada pelo autor, ora recorrido, como acção administrativa comum de responsabilidade civil extracontratual.
4. Esta acção tem por objecto e pedido a responsabilidade do E. P. e a sua condenação pela prática do ilícito consubstanciado na atitude comissiva de deixar arrastar o processo da extinta Comarca de A……. por mais; de 25 anos de duração global, e no comportamento omissivo de não ter legislado com oportunidade por forma a evitar o arrastamento daquele processo.
5. Mas a dita acção também tem G escopo de fixar a Indemnização a atribuir ao recorrido peto dano directo que lhe foi causado na base da determinação de um nexo de causalidade adequada entre o Ilícito e o dano, perspectivado este numa compensação pelo não recebimento pelo recorrido da indemnização fixada pelo Tribunal de A………. com fundamento em perícias efectuadas no âmbito do citado processo, ocorrido devido à morosidade global e excessiva do processo, ínviabílizadora da cobrança, em adequada acção executiva, do crédito do autor sobre a sociedade A……. & Filhos Lda,
6. É que, se a morosidade referida não tivesse ocorrido, o autor ora recorrido tinha podido executar com êxito e eficácia a citada sociedade comercial, já que à data da decisão com trânsito em julgado que houvesse de ter sido proferida nos seis/oíto anos subsequentes à propositura da acção em Fevereiro de 1982, conforme a norma do artigo 6º /l da CEDH e a Jurisprudência bem conhecida do TEDH, a sociedade A………… & Filhos Lda gozava de desafogo financeiro.
7. Qualquer acção que o recorrido tivesse intentado (e intentou) no TEDH, ainda que ancorada na morosidade excessiva e ilícita do processo (causa de pedir) tinha um pedido bem diferente do deduzido na acção de A……… e no presente processo, quer quanto à natureza de cada um dos pedidos, quer quanto à sua quantificação financeira. Na verdade, o pedido no TEDH é o do pagamento pelo Estado Português de uma indemnização devida pela referida morosidade» mas com exclusão da indemnização deduzida no processo de A……., em sede de sanção aplicada ao E. P., e não no patamar da restauração natural dos danos que a sociedade A……… & Filhos infligiu ao ora recorrido,
8. As acções são assim bem diferentes. Diferentes porque o TEDH não é uma Instância de recurso superior aos Tribunais Nacionais e não tem competência substitutiva relativamente aos Tribunais Nacionais para proferir decisão jurisdicional substitutiva da que devia ser proferida pelo Tribunal português competente. Diferentes porque na acção intentada no Tribuna! de A…….. o pedido consistia na condenação do E. P. a favor do recorrido numa indemnização correspondente ao valor da quota de que este foi titular e que foi fixado definitivamente peio Tribunal de A…….., Diferentes finalmente porque a acção intentada no TEDH tinha a finalidade limitada de obter a condenação do E. P. numa espécie de multa a favor do recorrido.
9. Desta sorte» nunca haveria, nem haverá duplicação de condenações permissiva do recebimento duplicado de indemnização pelo recorrido.
10. Pela mesma razão, não é legitimo tentar reduzir os parâmetros da indemnização impetrada na presente acção, recorrendo aos critérios da jurisprudência do TEDH, porquanto as duas acções têm natureza e pedidos bem diferentes. Daí a ilegitimidade da analogia estabelecida na alegação de recurso,
11. Tendo a 1a instância fixado o valor da quota como referência de quantificação do montante da indemnização, e dado como provado o nexo de causalidade adequada entre o ilícito e o dano ( os documentos carreados para os autos em conjugação com os depoimentos das testemunhas permitiram o juízo de convicção do julgador no sentido da capacidade financeira da sociedade comercial para pagar a indemnização ao recorrido na data em que a sentença definitiva corn trânsito em julgado deveria ter sido proferida no respeito da CBDH )» e não tendo o E. P. observado na sua alegação de recurso as disposições do CPC relativas a uma eventual alteração pela 2ª Instância da matéria de facto, e não tendo impugnado coro eficácia o ilícito do E... , a sua culpa comissiva e omissiva no tocante ao ilícito, tais elementos da responsabilidade civil do recorrente têm-se corno adquiridos para o processo,
12. De tudo isto resulta Incompreensível que o E. P. considere que o recorrido está tentando executar no Tribunal Administrativo a sentença de A……... A natureza diversa das duas acções não o consente,
13. Como Incompreensível é a tese, segundo a qual, e com referência à jurisprudência do TEDH, se tente reduzir a indemnização correspondente aos danos sofridos pelo recorrido, É que essa jurisprudência não se refere a acções que correm seus termos nos Tribunais Nacionais, Já que seu escopo é sancionar os Estados e não indemnizar os ofendidos em via principal compensatória integral.
14. Acrescente-se que é inaplicável o principio da exclusão de culpa do E... recorrente, ainda que parcial, porquanto no âmbito da acção de A………. actuação das partes foi lícita face às normas de processo então vigentes. E tal critério só na base de actuações ilícitas dos ofendidos deve ser aplicado,
15. O ilícito omissivo do Estado Português, ao não modificar a legislação com vista a ser garantido o prazo razoável a que se refere a CEDH, determina que actuação das partes ao utilizarem os mecanismos processuais em vigor, provocando uma excessiva duração do processo, é assim.de imputar ao E.P..


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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.


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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:



A. Em 9 de Fevereiro de 1982, o Autor e o seu cônjuge, propuseram, no Tribunal Judicial da Comarca de A……., acção declarativa pedindo a condenação da sociedade “A……… & Filhos, "a proceder ao balanço referido na Cláusula 10ª do pacto social e a pagar aos autores a quantia que for fixada em função de tal balanço", atribuindo à acção o valor de Esc.: 400.001 $00 (Doe. nº 1 anexo à P.I.);
B. Por sentença de 30 de Julho de 1982, foi a sociedade Ré condenada a "a proceder ao balanço referido na cláusula 10ª- do pacto social... e a pagar aos Autores ... a quantia que for fixada em função do dito balanço" (Doe. n° 2 anexo à P.I.);
C. Em 24 de Abril de 1984, os Autores intentam acção visando a execução da sentença referida nos pontos anteriores que obteve decisão final, com trânsito em julgado em 3 de Maio de 2007 (Ficha informatizada do histórico do processo, anexa ao requerimento do Autor, de 5/4/2005 e certidão anexa ao requerimento de 24 de Maio de 2007);
D. Por despacho de 9 de Abril de 1990 foi determinada a suspensão da execução, aguardando o pagamento das custas da responsabilidade dos exequentes no processo nº 40/88 (Doe. n.e 6 anexo à contestação);
E. Por Acórdão de 9 de Dezembro de 1993, o Tribunal da Relação de Lisboa, confirmou a sentença do 12º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa que julgou procedente a acção pauliana intentada pela sociedade contra o ora Autor (Doe. nº 8 anexo à contestação).
F. Em 16 de Março o Autor efectuou o depósito da quantia de Esc.: 9.450.252$00, valor da quantia exequenda nos autos do processo nº 36/A/82 do T.J. de A……. (Doe. nº 9 anexo à contestação);
G. Por decisão de 17 de Abril de 2007,do Tribunal Judicial de A…….., nos autos do processo de execução nº 14/C/1982, transitada em julgado em 3 de Maio seguinte, foi fixado no valor de € 2.253.836,82, reportado à data de 31/12/2006, o valor da quota do Autor (Doe. anexo ao req. do Autor, de 24/05/2007);
· - considero prestado o balanço de liquidação pelo valor de € 856.480,45 em 31.05.1979, o que corresponde a € 9.544,273,83 em 31.12.2006;
· - consequentemente, fixo o valor da quota do Exequente, reportada a 31.12..2006, em € 2.253.836,82.
H. Por sentença do Tribunal Judicial de A….., de 13/03/2001, foi decretada a falência da sociedade A…….. & Filhos, Lda. (acordo)






DO DIREITO


1. decisão singular de mérito do relator - reclamação para a conferência;

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705º e 700º nº 3 CPC, hoje, artºs. 656º ex vi 652º nº 1 c) e nº 3 CPC da revisão de 2013.
Deduzida reclamação para a conferência “(..) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (..)” – doutrina constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1.

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No citado Acórdão da Relação do Porto é feita referência expressa aos termos gerais de direito no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, o Recorrente restringir o abjecto do recurso, “(..) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trata-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artº 632º nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial. (..)” ( Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.)
O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.
A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. artºs. 635º nº 4, 637º nº 2 e 639º nºs 1 e 2 CPC, na medida em que “(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões. (..)
Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (..) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)”, cfr. artº 635º nº 4 CPC. ( Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85.)
No tocante à ampliação do objecto do recurso, o artº 636º nº 1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

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Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (artº 635º/4 CPC), nem para desistir do recurso (artº 632º º 5 CPC), posto que “(..) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso.
Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (..)” ( Abrantes Geraldes, Recursos do novo Código de Processo Civil, págs. 71/72.)
Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (artº 652º/1 c) ex vi 656º CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. artº 632º nº 5 CPC.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artº 635º nº 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artº 636º nº 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto acima citado, no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido nos termos do artº 635º nº 4 CPC.

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No caso concreto, o Recorrido pede a prolação de Acórdão pela Conferência.
O que significa que, conforme regime supra exposto, cabe conhecer do mérito do recurso tendo por objecto o fixado pelas conclusões do Recorrente e mantendo-se a posição processual do Recorrido no âmbito das respectivas contra-alegações.
Ou seja, cumpre em via da reclamação deduzida reapreciar as questões suscitadas em sede de conclusões de recurso, fazendo retroagir o conhecimento de mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator.


2. decisão judicial em prazo razoável - artº 6º § 1 da CEDH – artº 20º nº 4 CRP;

O direito a uma decisão em prazo razoável, como uma das valências do direito de acesso à justiça, garantido pelo artº 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no artº 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, significa que “Toda a pessoa tem direito que o seu caso seja decidido (..) em prazo razoável, por um tribunal (..) que decidirá (..) sobre os seus direitos e obrigações de natureza cível (..)”, pelo que, no quadro dos elementos constitutivos da obrigação de indemnização, cabe analisar o facto concreto donde, na tese do Recorrente deriva a violação do seu direito subjectivo a obter decisão em prazo razoável.
O conceito de “prazo razoável” pressupõe o reporte a um standard ou padrão médio de funcionamento tido como tal em cada época concreta, fundamentado em graus de eficiência do serviço público da administração da justiça.
Segundo a sentença proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem/1ª Secção, procº nº 30273/07 de 11.02.2010, caso Leonardo da Silva c. Luxemburgo, “(..) a razoabilidade da duração de um processo aprecia-se de acordo com as circunstâncias do caso concreto e segundo os critérios consagrados pela jurisprudência, particularmente a complexidade da causa, o comportamento do Autor e das autoridades competentes, bem como o desenrolar da litigância pelas partes interessadas (..)”.


3. parâmetros indemnizatórios em sede de jurisprudência nacional - Acórdão STA, Procº nº 1004/16, 11.05.2017;

No que concerne aos pressupostos materiais e parâmetros indemnizatórios seguidos pela jurisprudência nacional no tocante á responsabilidade por omissão de decisão judicial em prazo razoável, transcreve-se a fundamentação constante do Acórdão STA procº nº 1004/16, 11.05.2017, no segmento julgado relevante ao objecto do presente recurso, como segue:
“(..) II. Mostra-se adquirido e consensualizado nos autos que, no plano do ordenamento jurídico português à data vigente [nomeadamente, arts. 20.º, n.ºs 4 e 5 e 268.º, n.ºs 4 e 5 da «CRP», 06.º e 13.º da «CEDH» (aprovada por ratificação através da Lei n.º 65/78, de 13.10 (DR I Série, n.º 236) e aplicável na ordem jurídica interna desde 09.11.1978 (cfr. Aviso de depósito do instrumento de ratificação - Aviso do «MNE» publicado no DR, I Série, n.º 1/79, de 2.01) e DL n.º 48051, de 21.11.1967], o direito de acesso à justiça em prazo razoável constituía uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva extensível a qualquer tipo de processo [cível, penal, administrativo/tributário, laboral, etc.] e que a infracção a tal direito, ocorrida no caso, constituiu o E.P. em responsabilidade civil extracontratual [art. 22.º da «CRP», 06.º e 13.º do «CEDH» em conjugação/articulação com o regime legal ordinário interno decorrente do referido DL n.º 48051].
XXVII. (..) estamos, agora, habilitados a proceder à análise do outro segmento impugnatório e que se prende com a discussão em torno da adequação ou do acerto quanto ao que foi o quantum indemnizatório arbitrado a título de danos não patrimoniais ao A..
XXVIII. E neste contexto o A. ataca a decisão numa dupla vertente já que, por um lado, o valor fixado não considerou, como devia, aquilo que, nesta jurisdição, foi o próprio atraso na administração da justiça em prazo razoável ocorrido na presente ação indemnizatória e, por outro lado, que o montante concretamente arbitrado é “miserabilista” ou insuficiente, considerando aquilo que são os factos apurados e os padrões indemnizatórios a atender neste domínio decorrentes, mormente, da jurisprudência do «TEDH».
XXIX. Começando pelo primeiro fundamento o Recorrente insurge-se contra o segmento do acórdão recorrido no qual, em sede de apreciação da adequação do cômputo da indemnização fixado pelo «TAF/A» e que era devida pela demora excessiva havida na duração do processo judicial no TJ de Ovar, se sustentou “… que contrariamente ao que pretende o Recorrente, não havia que atender ou emitir qualquer pronúncia sobre a demora excessiva da presente ação de responsabilidade civil, que agora vem invocada, visto que a causa de pedir na presente ação assenta apenas na demora excessiva do processo identificado no probatório e, pela natureza das coisas, nunca poderia destinar-se à apreciação da sua própria demora, a qual só pode ser verificada uma vez terminada a ação …”.
XXX. Extrai-se de jurisprudência reiterada do «TEDH» [desenvolvida em sede de aferição, à luz, mormente, dos arts. 13.º e 34.º da «CEDH» e presentes os critérios definidos para esse efeito pelo próprio Tribunal, em especial, o da celeridade, quanto à existência ou não, no plano interno, de um “recurso” que permitisse ao demandante ter obtido a reparação dos danos decorrentes da duração excessiva dum processo judicial], que, perante a ausência de prazos específicos legalmente definidos para a duração/conclusão de um meio contencioso destinado a obter uma indemnização, “… a falta de celeridade dos tribunais internos para decidir um recurso de indemnização não torna este meio de recurso não efetivo, sobretudo se o tribunal competente dispuser da possibilidade de assumir o seu próprio atraso e de conceder ao interessado uma reparação suplementar a este título para não o penalizar uma segunda vez …” [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 29.03.2006 (GC) (c. «Cocchiarella v. Itália», § 97/98), de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 207), de 10.06.2008 (c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 53), de 24.09.2009 (c. «Sartory v. França», § 26), de 12.04.2011 (c. «Domingues Loureiro e outros v. Portugal», §§ 43, 45 e 61), e de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», § 93)].
XXXI. Mercê da necessidade daquela ação indemnizatória dever ser decidida de forma célere e rápida temos que, perante uma ausência de cumprimento garantístico de tais exigências da Convenção, entende o «TEDH» que os tribunais, internamente, no momento em que procedem ao julgamento da pretensão e a quando da enunciação, mormente, do juízo de avaliação e arbitramento dos danos deverão aferir e apurar, até aquele concreto momento, da existência de atraso naquela ação e, caso este ocorra, considerá-lo para efeitos do montante a fixar, arbitrando valor suplementar a esse título.
XXXII. E tal possibilidade, afirma-o aquele Tribunal, existe no nosso ordenamento [cfr. citado Ac. do «TEDH» de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», § 93 parte final - onde se refere “[o] Tribunal releva que esta possibilidade está aberta às jurisdições nacionais que julgam este tipo de casos, como expõe o Governo”], e que tal mostra-se comprovado e ocorre, aliás, como resulta do julgamento que havia sido feito, internamente, no quadro da ação indemnizatória em referência no âmbito da queixa apreciada pelo também citado acórdão do mesmo Tribunal de 12.04.2011 [c. «Domingues Loureiro e outros v. Portugal», §§ 29, 43, 45, 61 e 68].
XXXIII. De harmonia com este entendimento do «TEDH», quanto à interpretação que faz da «CEDH» e do modo e das exigências que devem ser observadas na e para a efetivação do direito à obtenção da justiça mediante uma decisão judicial proferida em prazo razoável e, bem assim, para a integral e cabal reparação da esfera jurídica do lesado naquele direito, ressalta ou deriva a existência, mesmo na ausência da dedução de articulado/pretensão por parte do lesado, dum dever de diligência e de conduta oficiosa que impende sobre cada tribunal, o qual, aferindo e constatando a existência de atraso desrazoável na prolação de decisão na própria ação indemnizatória deverá, no juízo de equidade a realizar, fixar um valor adequado à reparação dos danos não patrimoniais sofridos tomando ou levando em consideração também o atraso nesta ação, valor esse que, todavia, terá como limite sempre o valor que se mostre peticionado na ação.
XXXIV. De facto, perante constatação de situação de atraso nesta ação indemnizatória e ainda que o lesado não haja feito uso dos meios e mecanismos adjetivos que o processo lhe faculta e confere para promoção e defesa dos seus direitos, sempre caberá ao julgador, uma vez assegurado o devido contraditório, diligenciar pela adequação do montante indemnizatório aos danos havidos, fixando um montante [com o tal limite aludido caso não haja havido ampliação nos termos processualmente previstos] que permita realizar a plena reposição e reintegração da lesão sofrida pelo A. no seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável, reintegração plena essa que passa e só se concretiza, efetivamente, através do arbitramento duma indemnização que considere não apenas os danos derivados do atraso na resolução do litígio e que fundou a instauração da ação indemnizatória para efetivação da responsabilidade civil do Estado-Juiz, mas, também, os danos naquele mesmo direito do A. gerados ou agravados pelo atraso da própria ação indemnizatória.
XXXV. Só assim se logrará quebrar todo um ciclo vicioso de sucessivas ações de indemnização a instaurar para reparação dos atrasos havidos na ação antecedente em constante e permanente lesão da «CEDH» e do direito consagrado na mesma à administração da justiça em prazo razoável.
XXXVI. Um tal entendimento estriba-se no princípio da subsidiariedade e decorrente dever do juiz nacional de interpretar e aplicar o direito interno em conformidade com a «CEDH» [cfr., quanto ao referido princípio e suas consequências, nomeadamente, em sede interpretativa para o juiz nacional, os Acs. deste STA de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07 e de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08].
XXXVII. Com efeito, de harmonia com o princípio da subsidiariedade, nos termos interpretados e afirmados pelo «TEDH» e, bem assim, daquilo que é interpretação que aquele Tribunal faz da «CEDH», mormente, em matéria de aferição, fixação ou quantificação/computo do montante adequado à reparação do dano não patrimonial ou moral, impenderá sobre o juiz nacional um dever de conformação e de decisão que, na observância de tais interpretações, assegure e adeque no plano interno, nos termos do art. 13.º da «CEDH», a efetividade dos mecanismos existentes de modo a conferir proteção dos direitos e liberdades reconhecidos naquela Convenção, interpretando e aplicando o direito interno em conformidade com a mesma, cientes de que este outro atraso agrava a lesão e demonstra-se pela própria materialidade da ação e sem necessidade de alegação de factos novos.
XXXVIII. Nesse quadro, assegurado que se mostra in casuo devido contraditório quanto à discussão dos termos da questão por parte do R. em sede de contra-alegações, não poderá manter-se a linha fundamentadora em que se estribou o juízo de improcedência inserto no acórdão recorrido, impondo-se, assim, centrar agora nossa análise na segunda vertente do segmento impugnatório que se mostra dirigido ao acórdão recorrido e que se prende com a adequação ou acerto do montante indemnizatório que se mostra fixado a título de reparação pelo dano não patrimonial sofrido pelo A..
XXXIX. É certo que para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC].
XL. O dever de indemnizar compreende não só os danos patrimoniais, mas também os danos não patrimoniais, importando quanto a estes atender, no plano interno, também ao regime legal que decorre do art. 496.º do CC.
XLI. Decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos “danos não patrimoniais” que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3].
XLII. Resulta, assim, que o julgador nacional, para a decisão a proferir no que respeita à concreta valoração pecuniária dos “danos não patrimoniais” em questão, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar e de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei, interpretada nos termos e à luz do que se mostra a conformação dada no caso pelo «TEDH» como referido supra, e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
XLIII. Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofridos com a lesão do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
XLIV. A lei não enuncia ou enumera quais os “danos não patrimoniais” indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1, do CC.
XLV. E, no quadro da matéria aqui ora em discussão, este Supremo Tribunal tem jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os “… danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso …”, na certeza de que se “… a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu …” [cfr. jurisprudência iniciada pelo Ac. deste Supremo de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo seu Ac. de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e sucessivamente reiterada, nomeadamente, nos Acs. de 09.07.2009 - Proc. n.º 0365/09, de 01.03.2011 - Proc. n.º 0336/10, de 15.05.2013 - Proc. n.º 01229/12, e de 14.04.2016 - Proc. n.º 01635/15].
XLVI. Extrai-se da fundamentação expendida no referido Acórdão de 09.10.2008 [Proc. n.º 0319/08] e no âmbito daquilo que aqui ora releva que “… para que haja obrigação de indemnizar será necessário que se demonstre a existência da generalidade dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, inclusivamente o nexo de causalidade entre o atraso na tramitação do processo e os danos patrimoniais ou não patrimoniais invocados. (…) A possibilidade de a mera ofensa de um direito fundamental ser geradora da obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, é imposta pelo próprio artigo 22.º da CRP (…) admite a possibilidade de indemnização por tais violações independentemente de prejuízos (danos materiais) …”, sendo que “… não se trata de um «dano automático», decorrente da constatação de uma violação de um direito fundamental …” já que “… para haver obrigação de indemnizar por atraso indevido na administração da justiça é necessário demonstrar que existe ilicitude no atraso, dano reparável e nexo de causalidade adequada. (Podem encontrar-se na mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, casos em que, apesar de afirmar que ocorreu violação do art. 6.º, § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por ser excedido o «prazo razoável», entendeu que não haver lugar a indemnização por danos morais decorrentes dessa violação, por o prejuízo moral invocado ter outra causa, o que significa, assim, que a indemnização por danos morais decorrentes não é automática, dependendo da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se consideram provados. (…) A título de exemplo, podem ver-se os seguintes acórdãos: (…) - de 9.1.2007, proferido no caso Kříž contra República Checa, processo n.º 26634/03 (…) e de 9.1.2007, proferido no caso Mezl contra República Checa, processo n.º 27726/03 …”.
XLVII. Para, de seguida, afirmar que “… o TEDH vem entendendo que é de presumir - embora se admita prova em contrário - que da violação do direito à obtenção em prazo razoável da decisão judicial que regule definitivamente o caso que submeteu a juízo resulta um dano moral. (…) Esta jurisprudência do TEDH foi adotada pelo STA. Esta jurisprudência, foi reiterada no acórdão deste STA de 28.11.07, rec. P. 308/07, salientando-se a propósito da densificação do conceito de danos morais indemnizáveis para efeitos do art 6.º § 1.º da CEDH, o seguinte: (…) «… Reconhecida a importância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, devemos, então, porque interessa ao caso sujeito, ter em conta a posição dessa instância europeia quanto a danos morais, por falta de decisão em prazo razoável, que encontramos assim resumida no ponto 94 do acórdão n.º 62361, de 29 de março de 2006 (caso Riccardi Pizzati c. Itália): (…) (i) O Tribunal considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; (…) (ii) O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente. (…) Quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo. (…) Por vezes o Tribunal entende que a constatação da violação é bastante para reparar o dano moral …” e que a jurisprudência daquele Tribunal “… relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral …”, razão pela qual “… estando em causa uma violação do art. 6.º, § 1.º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496.º/1 do C. Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80 do acórdão de 29 de março de 2006, proferido no processo n.º 64890/01, no caso Apicella c. Itália) …”.
XLVIII. Este entendimento corresponde, aliás, ao que havia sido reafirmado pelo «TEDH» no seu acórdão de 10.06.2008 [c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 54], supra citado, quando refere que “… o ponto de partida do raciocínio das jurisdições nacionais na matéria deve ser a presunção sólida, ainda que elidível, nos termos da qual a duração excessiva de um processo ocasiona um dano moral. Bem entendido, em determinados casos, a duração de um processo não gera senão um dano moral mínimo, ou nem sequer qualquer dano moral. O juiz nacional deverá então justificar a sua decisão motivando-a suficientemente (Scordino c. Itália (n.º 1) [GC], supra, § 204) …”, constituindo jurisprudência uniforme e que vem sendo sucessivamente reiterada.
XLIX. A fixação do quantum debeatur relativo à indemnização a arbitrar pelos danos não patrimoniais mostra-se uma tarefa árdua e difícil, que envolve sempre margem de controvérsia, posto que o seu montante, como supra já aludimos, deve ser “fixado equitativamente” [cfr. n.º 3 do citado art. 496.º do CC].
L. Não se trata de uma atividade arbitrária já que convoca e impõe a emissão dum juízo que terá de levar em consideração na sua fundamentação a ponderação da gravidade dos danos, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e a prática jurisprudencial em situações similares.
LI. Assim, e desde já, quanto a este ponto socorrendo-nos nesta sede daquilo que tem sido a jurisprudência do «TEDH» firmada quanto aos fatores que importa atender e considerar no juízo de equidade definidor do valor a arbitrar pelos danos não patrimoniais extrai-se: i) consideração da duração do processo, que deve ser feita levando em conta os anos que o mesmo esteve pendente, apurando-se no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso; ii) a importância do litígio e seu impacto na esfera jurídica da parte [especial relevância para as ações laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas]; iii) o comportamento da parte durante o processo; iv) o levar em consideração o próprio nível de vida do país; v) e conduz à redução do montante a arbitrar o serem apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, o facto da participação no procedimento ter sido curta ou breve, o facto do litígio e sua decisão assumir pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte ou, ainda, o facto desta já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável [cfr., entre outros, Ac. do «TEDH» de 10.11.2004 (c. «Musci v. Itália», § 27)].
LII. E quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «……. &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade …… &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].
LIV. Munidos do enquadramento e dos considerandos acabados de desenvolver importa aferir, então, do acerto e adequação do juízo de equidade feito pelo «TCAN» no que tange ao montante arbitrado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., no montante de 3.200,00 € [valor esse a ser subtraído o montante de 1.500,00 € já arbitrado a esse título pelo «TEDH»], tendo presente aquilo que é o quadro situacional a atender no caso sub specie, na certeza de que, como afirmado por este Supremo no seu recente Acórdão de 30.03.2017 [Proc. n.º 0488/16 supra citado], tal “… juízo de equidade, como é sabido, parte sempre do direito positivo, como expressão histórica máxima da justiça, embora tenha muito particularmente em conta as circunstâncias do caso concreto, mediante a sua ponderação à luz de regras da boa prudência, da justa medida das coisas, e da criteriosa ponderação das realidades da vida …” e em que “… os respetivos critérios têm ainda uma origem intrajurídica, o que o aproxima mais do direito do que do plano factual”.
LV. Assim, ressalta da análise do quadro factual apurado, desde logo, que o dano não patrimonial a reparar não excede o comum destas situações já que o A. não logrou fazer prova de dano não patrimonial superior ou em concreto agravado, tanto mais que resulta apenas apurado que durante o período em que decorreu o processo o A. não pode prever a data em que terminaria gerando situação de incerteza [mormente, na planificação das decisões a tomar] e que sofreu ansiedade, depressão, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos, sentindo-se frustrado pela ineficácia do sistema, já que tinha a expectativa de receber o prédio e o dinheiro resultante da ocupação e aplicá-lo [cfr. n.º VII) dos factos provados].
LVI. Temos, por outro lado, que nos autos está em causa a análise da dilação excessiva havida na ação cível de reivindicação de propriedade que instaurada pelo aqui A. no então TJ de Ovar, em 28.01.1999, só veio a terminar em 05.06.2007, após percorrer três instâncias, e a que se seguiu execução de sentença deduzida em 07.09.2007 e concluída em 27.11.2007, com a entrega do imóvel reivindicado, sem que derive da tramitação ali havida um qualquer comportamento do A. conducente ou que haja contribuído para o fazer perdurar ou atrasar aquela acção [cfr., nomeadamente, n.ºs I), II), III), IV), V) e VI), dos factos apurados e análise dos documentos juntos autos e em apenso]. (..)”.

*
Feita a transcrição do Acórdão STA procº nº 1004/16, 11.05.2017 no segmento julgado pertinente ao caso em apreço, cumpre decidir.


4. Acórdão do STA, de 06.11.2012, constante de fls. 762/777 dos autos, proferido em via de recurso;

No caso concreto, pelo Supremo Tribunal Administrativo mediante acórdão de 06.11.2012 constante de fls. 762/777 dos autos, proferido em via de recurso do acórdão deste TCAS de 30.06.2011 a fls. 664/669 - que julgou improcedente o recurso interposto pelo ora Recorrido e confirmativo da sentença proferida em 1ª Instância - decidiu-se como segue:
“(..) Não restam, hoje, quaisquer dúvidas que o E. P. é civilmente responsável pelos danos decorrentes da violação do direito dos cidadãos a que os processos judiciais que instauraram sejam objecto de decisão em prazo razoável, direito consagrado nos citados art° 6°§ l ° da CEDH e art°20°, n°4 da CRP.
Essa responsabilidade civil decorre, desde logo, do art°22° da CRP, ao dispor que «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem».
Segundo a doutrina dominante, o citado art°22° da CRP consagra um princípio geral de responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício de qualquer das funções estaduais.
[3 Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP anotada, 4a edição, p. 168, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, p.289, Rui Medeiros, Ensaio..., p. 122-127, Maria Luísa Duarte, O art°22° da Constituição da República Portuguesa e a necessária concretização dos pressupostos da responsabilidade extracontratual do legislador, in Cadernos de Ciência de Legislação, n°17, p. 16.[
Tal preceito deve ser conjugado com o DL 48051 de 21,11.67, aqui ainda aplicável (mas já revogado pela Lei n° 67/2007, de 31.12, entrada, em. vigor em 30.01.2008), complementado com as disposições gerais em matéria de responsabilidade civil (art° 483° e segs do CC).
Assim, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dano (cf. art°483° do CC ex vi art°2° e art° 2°, 4° e 6° do DL 48051, de 21.11.67), os quais são de verificação cumulativa. [4 Cf. por todos, o citado acórdão do STA de 28.11.2007, P. 308/07]
Apreciemos então:
4. Quanto aos requisitos da ilicitude e da culpa, cabe dizer o seguinte:
Nos termos do art°6° do DL 48051, «Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.»
O saneador/sentença da 1a instância julgou a acção improcedente, não por considerar não ter havido violação do art° 6°, §1° da CEDH e do art°20°, n°4 da CRP, já que, pelo contrário, reconheceu que na duração global do processo, se verifica um excesso de tempo de cerca de três anos e meio imputável aos tribunais, mas porque, apreciando a seguir o requisito do nexo de causalidade, concluiu pela ausência de nexo de causalidade entre o reconhecido excesso de tempo de três anos e meio imputável aos tribunais e os prejuízos alegados pelo Autor. (cf. fls. 690/691 dos autos).
O acórdão recorrido, tal como consta da respectiva fundamentação transcrita no ponto l supra, não se pronunciou sobre os requisitos da ilicitude e da culpa, limitando-se a reproduzir a fundamentação da sentença da 1a Instância a esse respeito, passando, depois, a apreciar o requisito do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, por considerar ser essa a única questão ali sob recurso.
Portanto e contrariamente ao que parece pretender o recorrente, o acórdão recorrido deu por adquiridos ou verificados os requisitos da ilicitude e da culpa, no que respeita ao excesso de tempo de duração do processo imputável aos tribunais, requisitos já reconhecidos também pela 1a Instância.
Ou seja, as instâncias reconheceram, ainda que sem o afirmarem de um modo expresso e claro, que existiu violação dos art° 6° §1° da CEDH e do art°20°, n° 4 da CRP imputável aos tribunais, embora apenas relativamente a cerca de três anos e meio da duração global do processo.
Questão diferente é a de saber se o restante período de tempo que durou o processo, os tais 19 anos e meio, que o acórdão recorrido imputa exclusivamente à actuação das partes são, de facto, irrelevantes para efeitos dos citados preceitos legais.
E aqui entendemos assistir inteira razão ao Recorrente quando diz que a excessiva duração global do processo (por mais de 25 anos) é, só por si, violadora daqueles preceitos legais, não podendo censurar-se às partes o facto de terem utilizado os meios processuais que a lei lhes permite.
Efectivamente, segundo a jurisprudência deste STA e do TEDH [5 Cf. citados acórdãos do STA de 01.03.2011, rec. 336/10 e de 09.10.2008,: rec. 319/08 e jurisprudência do TEDH neles citada (Acórdãos Bucholz, A 42, p.21, §63, Zimmermann e Steines, A 66, p. 29§29 e caso Pulido Garcia, Queixa n° 11499/ 85, Déc. Rap, 68, p.5.), o facto de as partes utilizarem os meios processuais que a lei interna lhes permite, não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo.
É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna.
Por isso e segundo a mesma jurisprudência, só razões de ordem meramente conjuntural e, portanto, passageiras, sejam elas de natureza económica ou política, podem ser invocadas pelo Estado como causa justificativa da duração excessiva do processo e, mesmo assim, é necessário que o Estado adopte, com a prontidão adequada, medidas apropriadas para ultrapassar essas situações excepcionais; justificação que não tem sido aceite quando assuma carácter estrutural.
Ora, como o próprio acórdão recorrido reconhece, a enorme litigância gerada pela iniciativa processual das partes ao longo do processo em causa, atravessando sucessivos recursos, incidentes, aclarações, requerimentos, nulidades e até outras acções, foi uma actuação lícita.
Consequentemente, tem toda a razão de ser a aplicação, ao presente caso, da citada jurisprudência do STA e do TEDH, pelo que a duração global do processo em causa (declarativo e executivo), por mais de 25 anos, onde se incluem os cerca de três anos e meio imputáveis aos tribunais, traduz um anormal funcionamento da justiça e é violadora, pelo Estado, dos art°6° §1° e art°20°, n°4 da CRP, violação que se presume culposa, visto estarmos aqui rio âmbito do cumprimento de deveres do Estado, enquanto unidade, impostos por lei [6 Cf. acs. do STA de 21.03.1996, rec. 39020 e de 03.12.1996, rec. 35909 e p acórdão do TEDH, caso Martins Moreira, §§59 e segs.. Vide ainda, Gomes Canotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra, 1974, p.78].

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5. Passemos então ao nexo de causalidade entre o referido facto ilícito e culposo e os danos alegados pelo Autor (conclusões 16 a 22):
Nos termos do art°563° do CC, « A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.»
Entende-se que este preceito, ao fazer apelo à ideia de probabilidade do dano, consagra a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, segundo a qual é necessário não só que « o facto tenha sido, em concreto, condição sine qua non do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção.» [ Cf. Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, p.708].
«A problemática do nexo causal envolve, assim, por urn lado, uma vertente naturalística, que se contém no âmbito restrito da matéria factual e consiste em saber se o facto, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, o que o tribunal de revista só poderá conhecer nos termos limitados do art0150°, n°3 e 4 do CPTA e uma vertente jurídica, que constitui matéria de direito e, como tal, cabe nos poderes de cognição de um tribunal de revista e que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea desse dano» [8 Cf. entre outros, o Ac. STJ de 28.03.2007, Proc. 395/06].
O acórdão recorrido afastou qualquer nexo de causalidade, porquanto considerou que e voltamos a citar « ... no decurso dos 23 anos de tramitação cabem à responsabilidade dos Tribunais "três anos ...e meio de excesso de tempo na promoção de diligências processuais", sendo que tudo o mais, cerca de 19 anos e meio, cabem no cômputo dos incidentes e recurso interpostos pelas partes em litígio, expresso nas diversas acções em tramitação simultânea seja na Comarca de A......, no Palácio da Justiça de Lisboa e nas Relações de Lisboa e Coimbra e subida ao Supremo da Jurisdição Comum», e concluiu, em concordância com a sentença da 1a Instância, que « ... os três anos e meio de excesso de tempo na promoção de diligências processuais, no global dos 23 anos, se assumem totalmente indiferentes à produção do dano reclamado pelo Recorrente», porque « ... embora conjuntamente com o resto dos 18 anos da conta das partes até ao somatório dos 23, naturalmente que assumam a qualidade de condição do dano, só que não têm a qualidade jurídica de causa adequada, porque esta reside nos 19 anos e meio resultantes da iniciativa processual das partes - mas atenção, iniciativa licita - não nos 3 anos e meio - ilícitos, porque excedem prazos processuais - no tocante a actos processuais do Tribunal. É exactamente esta a formulação negativa da causa adequada do dano, da autoria de Enneccerus - Lehman, que a nossa doutrina refere.».
Ora, como vimos supra em 4, a responsabilidade do E... não se limita aos cerca de três anos e meio de atrasos imputáveis ao tribunal, antes para o efeito releva a duração global do processo, no caso, mais de 25 anos, não se podendo afirmar que uma tão longa duração é, em abstracto, totalmente indiferente à produção dos danos alegados pelo Autor.
E, assim sendo, o acórdão recorrido não se pode manter com o apontado fundamento.
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Quanto a saber se essa excessiva duração do processo foi, em concreto, a causa dos danos patrimoniais e morais peticionados pelo Autor, envolve juízos de facto, que este tribunal de revista não pode formular (cf. art°150°, n°4 do CPTA) e a matéria de facto fixada pelas instâncias, transcrita no probatório supra em II, não é suficiente para a decisão de direito, sendo certo que a matéria de facto alegada, pelo Autor, na petição, a respeito dos danos e do nexo de causalidade (cf. art° 47 e segs. da p.i., designadamente 60 a 62 e 123° e 124° da p.i), reiterada, agora, nas alegações de recurso (cf. conclusões 17a a 21a), mostra-se controvertida nos autos, uma vez que foi impugnada pelo Réu E... na contestação (cf. designadamente os art° 50° a 63° da contestação) e o Mmo. juiz da 1a Instância conheceu logo do pedido no despacho saneador.
Não constituindo o julgamento da matéria de facto base suficiente para a decisão de direito, devem os autos ser remetidos ao tribunal a quo, nos termos do art°729°, n°3 do CPC ex vi art°140° do CPTA, com vista à ampliação do julgamento da matéria de facto e posterior decisão em conformidade.
IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em:
a) conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, bem como o saneador sentença;
b) ordenar a baixa do processo ao tribunal a quo, nos termos e para os efeitos supra apontados. (..)”.

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Conforme julgado pelo Tribunal Superior mediante acórdão de 06.11.2012 constante de fls. 762/777 e acima transcrito, ficou pendente de decisão em via de alargamento da matéria de facto, o pressuposto relativo aonexo de causalidade entre o referido facto ilícito e culposo e os danos alegados pelo Autor”.


5. nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e os danos;

Efectivamente, fundamentou-se no Tribunal Superior que “as instâncias reconheceram, ainda que sem o afirmarem de um modo expresso e claro, que existiu violação dos art° 6° §1° da CEDH e do art°20°, n° 4 da CRP imputável aos tribunais, embora apenas relativamente a cerca de três anos e meio da duração global do processo.”
Ficando por “saber se o restante período de tempo que durou o processo, os tais 19 anos e meio, que o acórdão recorrido imputa exclusivamente à actuação das partes são, de facto, irrelevantes para efeitos dos citados preceitos legais.”.
Isto é, “saber se o restante período de tempo que durou o processo, os tais 19 anos e meio … se essa excessiva duração do processo foi, em concreto, a causa dos danos patrimoniais e morais peticionados pelo Autor”.
O processo em causa é uma acção executiva de liquidação societária expressa na determinação do activo e passivo societários para efeitos de pagamento do valor da quota do sócio de saída (o ora Recorrido), com subsistência da sociedade em causa, A……….. & Filhos, Lda., entrada em 24.02.82 e decidida com trânsito em julgado em 03.05.2007 – vd. alínea C do probatório.

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Cabe ter em consideração que a acção declarativa durou 5 (cinco meses) - entrou em 09.02.82 e foi decidida em 30.07.82 – vd. alíneas A e B do probatório.
Sendo que com estas acções, tanto a declarativa e executiva referidas nas alíneas B e C do probatório, em que foi autor e exequente o ora Recorrido, se cruzaram com uma acção de impugnação pauliana que correu termos no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, 12º Juízo.
Acção pauliana interposta pela dita sociedade A……… & Filhos, Lda contra, entre outros, o ora Recorrido e mulher referida na alínea E do probatório, na sequência de a dita sociedade ter interposto a execução referida na alínea F do probatório contra o ora Recorrido e mulher com base em sentença condenatória, sendo a impugnação pauliana destinada à anulação da doação de bens imóveis e de cessão de crédito, que assim regressaram à esfera jurídico dos executados – o ora Recorrido e mulher – para satisfação do crédito exequendo da sociedade exequente, a A…….. & Filhos, Lda.
Tudo conforme consta do probatório e fundamentação de direito da sentença do 12º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, junta como doc. 8 a fls. 399/403 destes autos e referida na alínea E do probatório.
Resumindo, nestes 19 anos e meio temos uma saída de sócio de uma sociedade por quotas com pedido de liquidação e pagamento do valor da quota de saída, acção declarativa de condenação julgada procedente e respectiva execução de sentença (alíneas A, B e C do probatório) que, entretanto se cruza com outra acção (alíneas E e F do probatório) a mencionada impugnação pauliana por subtracção de bens dos executados, sendo um deles o sócio de saída da sociedade por quotas, o ora Recorrido.

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Quanto a este pressuposto do nexo de causalidade entre o facto ilícito (excessiva duração do processo de balanço de liquidação e fixação do valor da quota societária de saída) e os danos patrimoniais e não patrimoniais, na sentença sob recurso decidiu-se afirmativamente, como segue:
“(..)
Sublinha o Tribunal o facto de a "L…", de acordo com informação prestada pela União de Bancos Portugueses, tinha apenas, em 31 de dezembro de 1987, responsabilidades comerciais no valor de 54.336.2 97$30, isto é € 271.028,307, num ano em que o resultado líquido declarado na Declaração da Contribuição Industrial - Grupo A - foi de € 472.74 8,24.
Tendo sido atribuído ao balanço de.liquidação, à data em que o autor decidiu sair da "L…..", o valor de € 856.480,45 (Facto Provado G.) e sabendo que a sociedade comercial em causa conheceu um período de ascensão crescente, pelo menos até 1988, face aos resultados líquidos declarados nas Declarações da Contribuição Industrial - Grupo A - respetivas, é permitido ao Tribunal entender que nesses anos [1986,1987 e 1988] a saúde financeira da empresa era boa, com elevados índices de rácios de rentabilidade (Facto Provado O.) e que o valor do seu balanço de liquidação em 1986 seria de € 3 071186,66, em 1987 de € 3 367249,051 em 1988 seria de € 3 707 341,20, de acordo com a aplicação dos fatores de correção monetária aplicáveis.
Portanto, se a ação executiva, relativa ã execução da sentença declarativa condenatória da "L….." a pagar ao autor a quantia do valor da sua quota, fixada em função do seu balanço de liquidação, tivesse demorado um prazo razoável, ou seja entre 2 a 4 anos (Facto Provado T.), o autor teria tido condições para exigir e receber, entre os anos de 1986 e 1988, o valor real da sua quota, mas isso tornou-se impossível porquanto a sentença transitada em julgado a determiná-lo apenas ocorreu em 3 de maio de 2007, ou seja, após a falência da "L……..:" (Facto Provado G). É que, em 13 de março de 2001 foi decretada a falência da sociedade comercial A….. & Filhos, Lda (Facto Provado H.).
Tal significa que está provado o requisito do nexo de causalidade entre a excessiva duração do processo e os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor.
O autor peticionou o pagamento do valor da liquidação da quota do autor marido em 31 de maio de 1979, corrigido pelo valor monetário aplicável à data do pagamento, acrescido de um valor indemnizatórío pelo dano moral sofrido, no valor de € 250.000,00.
Dá-se por provado o dano patrimonial do autor correspondente ao valor da quota do autor, marido, no valor de €. 856.480,45 a 31 de maio de 1979, corrigido pelo fator de correcção monetário aplicável, isto é, hoje no valor de € 2.660.407,22, de acordo com a Portaria nº 400/2015, de 6 de novembro.
(..)
Assim, o Tribunal entende como razoável conceder uma indemnização de € 6.000,00 por cada um dos 21 anos em que o processo judicial se arrastou além do prazo razoável [de 1986, data em que teria sido razoável a determinação do valor da quota, a 2007, data em que o foi efetivamente], num total, de € 126.000,00 considerando o Tribunal que, neste caso, está em causa não apenas um dano não patrimonial geral, mas um dano não patrimonial especial ou específico, isto é, aqueles que vão além do dano não patrimonial geral resultante da administração da justiça morosa, carecendo, em consequência de prova, ou seja, não beneficiando da supracitada presunção legal, o que foi feito, tendo sido provados os danos morais de natureza especial. (..)

4. DECISÃO

Tudo visto e ponderado, julga-se a presente ação parcialmente procedente, condenando-se o Estado Português a pagar ao autor:
i. O valor de € 856.480,45 reportado ao valor da quota do autor a 31 de maio de 1979, atualizado com o fator de correção monetária aprovado e aplicável à data do respetivo pagamento;
ii. O valor de € 126.000,00 a título de danos morais. (..)”

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Não se acompanha o julgado em primeira instância pelas razões que seguem.


6. danos patrimoniais – valor da quota de saída – falência de terceiro – nexo de causalidade adequada;

Quanto aos danos patrimoniais na questão de saber se “o restante período de tempo que durou o processo, os tais 19 anos e meio … se essa excessiva duração do processo foi, em concreto, a causa dos danos patrimoniais” não se acompanha o julgado de reportar a valoração desses danos patrimoniais ao valor da quota do Recorrido na sociedade A……… & Filhos, Lda.
Na presente acção a causa de pedir que substancia o pedido indemnizatório centra-se na excessiva duração da acção executiva de liquidação societária expressa na determinação do activo e passivo societários para efeitos de pagamento do valor da quota do sócio de saída (o ora Recorrido), com subsistência da sociedade em causa, A…….. & Filhos, Lda., entrada em 24.02.82 e decidida com trânsito em julgado em 03.05.2007 – vd. alínea C do probatório.
A insusceptibilidade de o Recorrido se fazer pagar do valor da quota de sócio de saída da sociedade mediante execução do julgado decidida em 17.04. 2007 no procº nº 14/C/1982 do Tribunal Judicial de A……., iniciada em 24.02.82 e transitada em julgado em 03.05.2007 tem como evento causal a declaração de falência da sociedade A…… & Filhos, Lda. por sentença do Tribunal Judicial de A…….., de 13.03.2001. – vd. alínea H do probatório.
Todavia, a falência da sociedade A…….. & Filhos, Lda. não é imputável ao deficiente funcionamento dos serviços de justiça por omissão de decisão em prazo razoável no procº nº 14/C/1982 – matéria hoje expressamente prevista no artº 12º Lei 67/2007, 31.12 a título de responsabilidade civil extracontratual do Estado.
E não é imputável porque a entrada em falência da sociedade A……… & Filhos, Lda. judicialmente declarada em 13.03.2001, constitui um facto de terceiro relativamente ao condicionalismo concreto do procº nº 14/C/1982 de liquidação do valor da quota de saída do ora Recorrido.
Sendo certo que a morosidade verificada neste processo conduziu à verificação do dano por omissão de decisão em prazo razoável mas não conduziu à falência da sociedade onde o Recorrido tinha a mencionada quota.
Evidentemente que a falência societária não é completamente indiferente, por ter sido a condição de insusceptibilidade de pagamento ao Recorrido do valor da quota de saída de sócio, mas não significa que essa falência (facto de terceiro) tenha sido a causa adequada na morosidade excessiva do processo de liquidação do valor da quota de saída do Recorrido.
O facto de terceiro, ou seja a falência societária, é inteiramente independente da omissão de decisão em prazo razoável no procº nº 14/C/1982 causal dos danos em causa nos presentes autos, imputáveis ao Estado na vertente dos serviços de justiça.
Em síntese, a falência societária é condição da insusceptibilidade de pagamento do valor da quota de saída, mas a morosidade do processo de liquidação do valor da mencionada quota não é causa adequada da falência societária, pelo que este facto de terceiro não pode ser considerado imputável ao Estado nem tido como efeito adequado do facto gerador de responsabilidade centrado na omissão de decisão em prazo razoável no processo de liquidação da quota do Recorrido, o procº nº 14/C/1982, levado à alínea C do probatório.

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Como nos diz a doutrina no tocante ao conceito de causalidade adequada perfilhado no artº 563º C. Civil, “(..) a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. E é esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o dano.(..)” o que significa que “(..) a doutrina da causalidade adequada não prescinde de que o facto tenha sido, efectivamente, no caso concreto, uma condição do resultado danoso [o que] pressupõe que a acção tenha sido condictio sine qua non do resultado; a adequação é um mais que acresce à pura condicionalidade (..)” ( Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, Almedina/1973, págs. 752 e 756.)
Na consideração de que o artº 563º C. Civil acolhe a formulação negativa da causalidade adequada, no entendimento sustentado por Enneccerus-Lehmann, “(..) A condição deixará de ser causa do dano, sempre que “segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para este dano”, ou seja] tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto (..) Os danos que o facto só provocou mercê de circunstâncias extraordinárias, não previsíveis de modo nenhum por um observador experiente na altura em que o facto se verificou, serão suportadas pela pessoa lesada (..)” ( Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, pág. 746.)
É o caso, os danos pela falência da sociedade concretizados no não pagamento do valor da quota de saída do Recorrido são danos decorrentes de uma circunstância não previsível e anómala (a falência) relativamente ao caso concreto da omissão de decisão em prazo razoável no processo de liquidação societária, o procº nº 14/C/1982, levado à alínea C do probatório.

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Como já referido, o nexo de causalidade exigível entre o facto e o dano para que este seja indemnizável, apela, nos termos do artº 563º C. Civil, para um juízo de prognose objectiva reportado ao tempo do facto lesivo, considerando os “danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, o que significa, que “(..) a indemnização só cobrirá aqueles danos cuja verificação era lícito nessa altura prever que não ocorressem, se não fosse a lesão. Ou, por outras palavras: o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido. (..)” (Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, págs.754/755; Carlos Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2ª ed. Coimbra Editora/2011, págs.179/241.)
Conforme acórdão do STA, de 13/10/2005 tirado no proc.º 61/05, “(..) Em matéria de nexo de causalidade, este STA tem vindo a entender que o artº 563º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada e que, na falta de opção legislativa explícita por qualquer das suas formulações, os Tribunais gozam de liberdade interpretativa, no exercício da qual se deve optar pela formulação negativa correspondente aos ensinamentos de Enneccerus Lehmann (v. entre muitos outros, ac. de 25-6-98, rec 43756, de 2-7-98, rec. 43. 136, de 13-10-98, rec.43. 138).
Nesta formulação, a condição deixará de ser causa do dano sempre que «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias, sendo portanto inadequada para este dano (..)”.

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Pelo que vem de ser dito, no caso trazido a recurso e no tocante ao arbitramento indemnizatório por danos patrimoniais referentes ao valor da quota de saída do Recorrido, não se verifica o pressuposto do nexo de causalidade.

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Consequentemente, nos termos expostos procede a questão trazida a recurso nos itens 1 a 13 das conclusões.


7. danos não patrimoniais - deficiente funcionamento dos serviços de justiça;

Aplicando a doutrina acima transcrita do Acórdão STA de 11.05.2017 tirado no Procº nº 1004/16 ao caso trazido a recurso, temos por verificada a omissão de decisão em prazo razoável no procº nº 14/C/1982, entrado em 24.02.82 e decidido com trânsito em julgado em 03.05.2007, período efectivamente excessivo e subsumível no quadro legal das “(..) situações de deficiente funcionamento da justiça que não resultam directamente de actos jurisdicionais em sentido próprio (..) [mas] diferentemente, de uma responsabilidade que, não podendo ser imputada a um concreto interveniente processual resulta do funcionamento anormal do serviço, considerado no seu conjunto, (..) [cujo] dever de indemnizar pressupõe, não apenas um comportamento antijurídico, traduzido na prática de um acto ilícito, como também um juízo de censura que, quando imputável ao serviço em si mesmo considerado, equivale ao conceito de culpa do serviço. (..)” ( Carlos Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2ª ed. Coimbra Editora/2011, págs.198/199.)
Como nos diz a doutrina “(..) é irrelevante saber se e em que medida os prazos processuais foram incumpridos (“não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais, à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso”)(..)
Se os prazos foram cumpridos e, apesar disso, o processo se alongou naqueles termos, é porque o Estado deveria ter providenciado os meios humanos e materiais e a configuração do processo e termos de permitir administrar a justiça em tempo razoável (cfr. Acórdão do STA – 1ª de 5/5/2010, Procº nº 122/10 e o Acórdão do STA – 2ª de 6/11/2012, Procº nº 976/11). (..) ( Luís Fábrica, Comentário ao Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Universidade Católica Editora/2013, págs.333/334.)

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Continuando e seguindo de perto o Autor citado, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem evoluindo no sentido de qualificar como prazo razoável a duração média do processo, apontando para 3 anos de duração média, na primeira instância, para a generalidade das matérias e para 4 a 6 anos de duração média global da lide, da mesma parecendo resultar uma via de solução articulada em três fases, a saber,
(i) apurar a duração média da categoria de processo,
(ii) apurar os casos de claro de afastamento inaceitável desse padrão médio, salvo culpa do próprio lesado e
(iii) em via de análise mais fina, apurar os restantes casos, com apoio nos critérios orientadores enunciados na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Consequentemente, assente que a ilicitude se refere sempre à duração global do processo e não decorre de uma consideração analítica dos actos de processo e respectivos prazos - que hoje tem como padrão normativo a situação descrita no artº 7º nº 4 Lei 67/2007 para o funcionamento anormal do serviço como aquela em que “atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultados, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos” - cabe concluir que se considera verificada a ilicitude por funcionamento anormal do serviço concretizada nos 25 anos de decurso global da instância no procº nº 14/C/1982 iniciada em 24.02.82 e terminada por decisão com trânsito em julgado em 03.05.2007, do Tribunal Judicial de A……...

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De acordo com a doutrina exposta no Acórdão STA 1004/16, 11.05.2017, no dever de indemnizar por “(..) danos não patrimoniais, importa atender ao regime legal do art. 496.º do C. Civil que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3] (..) Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais sofridos com a lesão do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável. (..)”, sendo que “(..) este Supremo Tribunal tem jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os “… danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso …”, na certeza de que se “… a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu …” [cfr. jurisprudência iniciada pelo Ac. deste Supremo de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo seu Ac. de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e sucessivamente reiterada, nomeadamente, nos Acs. de 09.07.2009 - Proc. n.º 0365/09, de 01.03.2011 - Proc. n.º 0336/10, de 15.05.2013 - Proc. n.º 01229/12 e de 14.04.2016 - Proc. n.º 01635/15]. (..)”.

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Pelo que vem de ser dito, do ponto de vista objectivo, considera-se adequado fixar o quantum no padrão referencial dos valores entre 15 mil e 20 mil euros fixados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, para as acções cíveis cuja duração se prolongou por 14/26 anos.
Do ponto de vista subjectivo, em favor da atribuição indemnizatória milita a circunstância de, no tocante ao procº nº 14/C/1982 do Tribunal Judicial de A………, iniciado em 24.02.82 e terminado por decisão com trânsito em julgado em 03.05.2007, não resultar da matéria de facto levada ao probatório que o ora Recorrido tenha assumido no decurso da causa, por acção ou omissão de acto processual, qualquer comportamento passível de provocar demoras abusivas, em ordem a fazer perdurar ou atrasar a prossecução da instância.

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Tudo visto, considera-se adequado, em juízo de equidade, arbitrar a favor do ora Recorrido a indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça, no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros).
Não se arbitram juros de mora desde a citação até efectivo pagamento no regime dos artºs. 805º nº 2 b) e 806º C. Civil, na medida em que o Autor ora Recorrido não formulou o pedido nesse sentido, conforme decorre da petição inicial (vd. acórdão do STJ de 23.05.2002, tirado no procº nº 000329/ITIJ/NET).

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Pelo exposto, procede parcialmente a questão trazida a recurso nos itens 14 a 17 das conclusões.


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Termos em que, acordam em conferência os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, na procedência parcial do recurso,
A. revogar a sentença recorrida no segmento decisório em que determinou o arbitramento indemnizatório por danos patrimoniais referentes ao valor da quota de saída do Recorrido em € 856.480,45;
B. condenar o Estado a indemnizar o Recorrido no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) por danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça relativamente ao procº nº 14/C/1982 do Tribunal Judicial de A….., iniciado em 24.02.82 e terminado por decisão com trânsito em julgado em 03.05.2007.

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Custas por ambas as partes, sendo 1/3 pelo Estado e 2/3 pelo Recorrido, levando-se em conta o disposto no artº 26º nº 6 do Reg. Custas Judiciais, o benefício de apoio judiciário do Recorrido e a dispensa do remanescente no tocante ao valor da causa ex vi artº 6º nº 7 do Reg. C.,Judiciais.


Lisboa, 14.JUN.2018

(Cristina dos Santos) ................................................................................

(Paulo Gouveia) ……………………………………………………....

(Nuno Coutinho) ……………………………………………………...