Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:322/16.9BEFUN
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/15/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
ASSINATURA ELECTRÓNICA
PDF
Sumário:I - A lei atual (nº 1 e 5 do artigo 54º da Lei nº 96/2015), tal como a anterior, exige a assinatura individual de cada documento (que não de cada página), de cada documento autónomo, normalmente correspondente a um ficheiro informático.

II - Mas, como se sabe, um ficheiro informático, zip ou mesmo pdf, pode conter vários documentos diferentes ou autónomos, como se passa no caso presente.

III - Também o formato pdf, permite agregar e desagregar páginas e documentos ou ficheiros/arquivos diferentes (vd., por ex., o programa Adobe Acrobat XI: em “ferramentas”, “combinar arquivos em pdf”).

IV - Pelo que, tendo a contra-interessada apresentado vários documentos agregados num só ficheiro pdf, tinha o dever legal de previamente assinar digitalmente cada um dos documentos autónomos.
V - Não o tendo feito, a sua proposta tinha de ser excluída, ao abrigo dos artigos 62º/4 e 146º/2-l) do CCP.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

- B................ C.............. Portugal Unipessoal, Ld.ª, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de FUNCHAL ação administrativa pré-contratual contra

- REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA (Governo Regional) e

- SERVIÇO DE SAÚDE DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA (SESARAM).

São Contra-Interessadas:

- R........ Sistemas de …………………., Ld.ª;

- B............ – Químicos …………………., Ld.ª.

A pretensão formulada foi a seguinte:

- Anulação do ato de adjudicação do contrato às Contrainteressadas R........ e B............, praticado pelos Demandados, Exmo. Senhor Secretário Regional de Saúde (“SRS”) e SESARAM, para o Lote 1 do contrato de “Aquisição de Reagentes para o Serviço de Patologia Clínica do Hospital Dr. ………………., para as Áreas de Bioquímica e Imunoquímica”, no âmbito do Concurso Público com Publicação no JOUE n.º ICP20150010 (“CP ICP20150010”), conforme notificado às Autoras, em 30/11/2016,

- Caso o contrato já tenha sido celebrado, anulação do contrato celebrado entre os Demandados e as Contrainteressadas R........ e B............;

- Condenação dos Demandados em admitir a proposta das Autoras e a consequente adjudicação do contrato às Autoras.

Por sentença de 19-09-2017, o referido tribunal veio a prolatar a decisão ora recorrida, julgando procedentes os pedidos.

*

Inconformado com tal decisão, as CONTRA-INTERESSADAS interpuseram o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

« Texto no original»

*

As recorridas particulares contra-alegaram, concluindo assim:

A. Nas suas alegações, as Recorrentes juntaram 9 documentos novos aos autos e duas transcrições de depoimento de duas testemunhas em audiência de julgamento, não tendo, para esse efeito, invocado qualquer norma legal, quer do CPTA quer do Código do Processo Civil, que permita fundamentar a junção de documentos novos em sede de recurso.

B. Nos termos do disposto nos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, é permitida, excecionalmente, a apresentação de documentos com as alegações de recurso nos seguintes casos: (i) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados; (ii) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.

C. Porque os nove documentos destinam-se a fazer prova que a assinatura no ficheiro PDF que aglutina vários documentos da proposta é suficiente para dar cumprimento às exigências legais aplicáveis à necessidade de utilização de assinatura digital qualificada em todos os documentos da proposta, conclui-se com facilidade que em causa não está qualquer das situações que justificam a sua junção aos autos nos termos do disposto nos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA. Com efeito, os documentos em causa não se destinam a provar factos posteriores aos articulados, a necessidade deste elemento de prova estava expressamente identificada na petição inicial das ora recorridas, podendo, consequentemente, as Recorrentes ter feito a sua junção aquando da apresentação da sua contestação, pelo que não se pode, em caso algum afirmar que a respetiva apresentação apenas se revelou necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.

D. O recurso de apelação, assegurando um duplo grau de jurisdição, não serve para rejulgar o litígio, com novos meios de prova a apresentar pelas partes. O objeto do recurso é a Sentença recorrida, visando este unicamente a apreciação da decisão recorrida em face dos elementos de que o tribunal a quo dispunha para o julgamento da causa.

E. Devem, assim, os nove documentos apresentados pelas Recorrentes nas suas alegações de recurso ser rejeitados, por extemporâneos, nos termos do disposto nos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA.

F. As Recorrentes agregaram num ficheiro pdf. vários documentos autónomos, tendo aposto no ficheiro uma única assinatura digital. Nesse ficheiro pdf encontram-se digitalizadas (i) a proposta técnica que as Recorrentes apresentaram a Concurso, bem como (ii) a Declaração correspondente ao Anexo I do CCP, (iii) a declaração de agrupamento, (iv) a nota justificativa do preço, e (v) outras declarações, procurações, etc.

G. Não merece qualquer reparo a Sentença recorrida ao ter considerado que as Recorrentes não asseguraram o cumprimento do disposto no artigo 54º, n.º 1 da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, norma que determina que “os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n. 2 a 6”.

H. Com efeito, não só o citado n.º 1 do artigo 54º da Lei 96/2015 determina de forma expressa a necessidade de ser aposta a assinatura individualizada em cada documento da proposta, como o n.º 1 do artigo 69º do mesmo diploma especifica de forma clara que os documentos que constituem a proposta, a candidatura ou a solução são encriptados, sendo-lhes aposta assinatura eletrónica qualificada”. Neste sentido é a letra da lei que impõe que as assinaturas dos concorrentes sejam colocadas em cada documento.

I. Apenas uma leitura truncada e descontextualizada da Lei n.º 96/2015 permite a interpretação de que a substituição da expressão “todos os documentos carregados nas plataformas eletrónicas deverão ser assinados eletronicamente” constante do artigo 27º da Portaria n.º 701-G/2008 pela expressão “os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada” (artigo 54º, n.º1 da Lei 96/2015) visou simplificar as exigências aplicáveis relativamente à assinatura digital qualificada dos documentos das propostas, no sentido de apenas ser exigida a assinatura individualizada dos documentos quando os mesmos sejam apresentados num ficheiro de compressão, comumente designado por ficheiro ZIP.

J. Com o devido respeito, esta interpretação não tem qualquer suporte literal na lei, dado que as expressões “todos os documentos” e “os documentos” são manifestamente equivalentes, não podendo esta última significar qualquer dispensa do dever de ser individualmente assinados.

K. Pelo contrário, o que resulta da leitura conjunta do n.º 1 com o n.º 5 do artigo 54º da Lei n.º 96/2015 - que determina que “Nos documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita, incluindo os que exijam processamento informático para serem convertidos em representação como declaração escrita, designadamente, processos de compressão, descompressão, agregação e desagregação, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada deve ocorrer em cada um dos documentos eletrónicos que os constituem, assegurando-lhes dessa forma a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil e do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de abril, sob pena de causa de exclusão da proposta nos termos do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos” - é precisamente a necessidade de ser assegurada a assinatura individual dos documentos mesmo quando agrupados num único ficheiro, tendo plena aplicação a cada documento o regime constante do n.º 1 desse artigo, não se confundindo portanto o ficheiro com o documento.

L. Nem se compreenderia, por que razão os documentos apresentados num ficheiro zipado teriam obrigatoriamente de ser individualmente assinados sob pena de exclusão e os documentos apresentados noutro tipo de ficheiro não. Seria, evidentemente, uma solução ilógica e desprovida de qualquer sentido teleológico.

M. Conforme considerou de Luís Verde de Sousa a propósito do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.01.2013, proferido nos autos com o n.º 01123/12 este “aresto sustenta, depois, algo que nos parece acertado: a circunstância de os documentos terem sido apresentados em pastas compactadas (em formato zip. ou em qualquer outro formato) é absolutamente irrelevante para a análise a compreender. Com efeito, o problema jurídico não teria contornos diferentes se, em lugar de pastas compactadas (que servem apenas para «reduzir» o tamanho eletrónico dos ficheiros e facilitar o respetivo armazenamento), o concorrente tivesse «arrumado» os documentos em pastas não compactadas” (in “Alguns Problemas Colocados Pela Assinatura Eletrónica das Propostas”, Revista de Contratos Públicos, n.º 9, 2013, pág. 81).

N. O artigo 7º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, ao estabelecer que “a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel” apenas pode significar que se exige de uma assinatura por documento, não sendo evidentemente possível considerar-se que um ficheiro assinado contendo um conjunto de documentos individuais, equivale à assinatura autógrafa dos documentos em suporte de papel, porquanto nestes teríamos necessariamente que observar uma assinatura em cada um.

O. Conforme tem sido unanimemente entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a única forma de assegurar a força probatória atribuída à assinatura digital de documentos eletrónico é a que resulta da sua utilização de forma individualizada por documento. “Todos os documentos carregados nas Plataformas devem ser assinados eletronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica a qual por força, do art.º 7.º/1 do DL 290- D/99 “equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que: A pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva titular da assinatura eletrónica qualificada; A assinatura eletrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico; O documento eletrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada.” (Cfr. Acórdão de 08.03.2012, Processo n.º 01056/12, in www.dgsi.pt,).

P. A força probatória conferida a cada documento individualmente assinado resulta ainda do facto de, por cada assinatura eletrónica, ser utilizado o respetivo selo temporal.

Q. Com efeito, o n.º 1 do artigo 55º da Lei n.º 96/2015 determina de forma expressa que “Todos os documentos submetidos nas plataformas eletrónicas, bem como todos os atos que, nos termos do CCP, devem ser praticados dentro de um determinado prazo, são sujeitos à aposição de selos temporais emitidos por uma entidade certificadora credenciada para a prestação de serviços de validação cronológica” (sublinhado nosso), o que implica que, por cada documento e em cada assinatura digital é necessário a utilização dos respetivos selos temporais, sendo este o mecanismo informático que atesta “a data e hora de criação, envio ou receção de um documento, sendo um requisito legal no âmbito da Contratação Pública” (in http://campaigns.saphety.com/selos-temporais-interoperaveis.html). Com efeito, “os selos temporais garantem não só a data e hora em que a ação foi realizada mas também a integridade dos seus dados” in http://campaigns.saphety.com/selos- temporais-interoperaveis.html).

R. Neste sentido, ao colocar-se uma única assinatura num ficheiro que agrega vários documentos, frustra-se por completo os objetivos de segurança e fiabilidade resultantes da aposição da assinatura individual acompanhada pelo respetivo selo temporal, violando diretamente os artigos 54º e 55º da Lei n.º 96/2015, não podendo evidentemente considerar que uma tal assinatura no ficheiro e com um único selo temporal oferece as mesmas garantias de segurança, fiabilidade e vinculação que uma assinatura individualizada.

S. Conforme tem entendido unanimemente o Supremo Tribunal Administrativo, “Decorre da letra da lei, sem margem para dúvidas, que é exigida uma assinatura eletrónica individualizada das propostas (isto é, uma assinatura eletrónica para cada documento relativo a uma determinada proposta carregado na plataforma eletrónica) e que o incumprimento deste requisito legal implica a exclusão das propostas incumpridoras” – o sublinhado é nosso (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.12.2015, Proc. 01028/15, in www.dgsi.pt).

T. Note-se que, nesse específico processo do Acórdão citado (e invocado na Sentença recorrida), estava em causa uma proposta “constituída por três ficheiros, apresentados pela mesma na plataforma eletrónica da seguinte forma:

Um, contendo o "Anexo 1", assinado eletronicamente, através de certificado digital emitido por entidade certificadora, no caso a DigitalSign;

Outro ficheiro, contendo o mapa de quantidades e os respetivos preços unitários; e

Um terceiro ficheiro, contendo uma compilação dos demais documentos da proposta, em formato PDF, assinado eletronicamente, através de certificado digital emitido pela mencionada entidade certificadora.

U. Referindo ainda esse Acórdão que “A proposta apresentada pela contra interessada B……………., Lda., ao concurso em causa não foi individualmente assinada pela mesma digitalmente e nem quaisquer e cada um dos documentos que a integram ou integravam e/acompanhavam, tendo no entanto a mesma proposta e todos os documentos que a acompanhavam inseridos em 3 ficheiros, tendo estes sido assinados digitalmente pela mesma contra interessada por entidade certificadora dessa assinatura digital, no caso a DigitalSign” – o sublinhado é nosso. Ou seja, nesses autos estava exatamente em causa a mesma questão de direito dos presentes. A proposta apresentada em concurso continha num único ficheiro PDF uma compilação de vários documentos da proposta, tal como a proposta das ora recorrentes, encontrando-se unicamente assinado os ficheiros que continham os documentos e não os próprios documentos que os compunham.

V. É assim manifesto – e resultava dos próprios termos da Sentença recorrida – que a decisão tomada não foi, por qualquer forma, inovadora, encontrando-se, na verdade em total sintonia com as decisões proferidas pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo.

W. É a lei que determina a necessidade da exclusão das propostas cujos documentos não se encontrem individualmente assinados. Com efeito, o artigo 146º, n.º 2 al. l) do CCP, estabelece que é causa de exclusão a apresentação de proposta que não observe as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º do CCP.

X. Conforme é orientação uniforme da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, “Essa causa de exclusão integra-se na «larguíssima maioria das causas de exclusão» que «são de aplicação vinculada e obrigatória» "Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública", Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Almedina, 2011, p. 954. (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.01.2013, in dgsi.pt).

Y. Nesse sentido, e sendo as causas de exclusão imperativas, não faz qualquer sentido convolar esta norma imperativa num poder discricionário do júri ou dos tribunais, permitindo-se uma análise casuística em cada concurso com potenciais decisões contraditórias numa matéria que o legislador intencionalmente quis regular e sancionar com a exclusão.

Z. Na verdade, “a lei (entenda-se, no termo final das remissões, o regulamento que o legislador considerou meio de melhor adequação à permanente evolução e desenvolvimento das tecnologias nesta área – art.º 11.º do Dec. Lei n.º 143-A/2008) optou por um modo de assinatura eletrónica dos documentos constituintes das propostas que lhe pareceu mais idóneo para eliminar divergências e disputas a propósito da sua apresentação, autoria e integridade de conteúdo. É uma opção legislativa clara (enfatizada pela expressão “todos os documentos”), motivada por compreensíveis razões de certeza e segurança num procedimento altamente formalizado e propenso a elevado grau de litigiosidade, como é o procedimento pré-contratual. A desconsideração da exigência legal frustraria esse objetivo, introduzindo margem de incerteza ou de alastramento da controvérsia num aspeto do procedimento onde o legislador privilegiou uma solução ordenada a eliminá-las. Daí que tenha de ser considerada de caracter imperativo, sob risco de introduzir a dúvida, procedimento a procedimento. Por isso tem sido decidido por este Supremo Tribunal que o modo de assinatura estabelecido no referido art.º 27.º, n. º1, da Portaria 701-G/2008, é formalidade essencial, seja quanto ao seu tipo, seja quanto à aposição individualizada (cf., além do acórdão já referido, os acórdãos de 8/3/2012-Proc. 01056/11 e de 20/6/2012-Proc. 0330/12) (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.12.2015, Processo n.º 01028/15) – o sublinhado é nosso.

AA. Aliás, sobre este tema a Lei n.º 96/2015, com vista a clarificar posições contraditórias dos nossos Tribunais, veio consagrar de forma expressa o dever de se proceder à assinatura individualizada dos documentos da proposta “sob pena de causa de exclusão da proposta nos termos do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos” (cfr. artigo 54º, n.º 5 da Lei n.º 96/2015), afastando, portanto, de forma expressa, qualquer poder discricionário de avaliação da essencialidade ou não do incumprimento.

BB. Nestes termos, a Sentença recorrida não padece de qualquer nulidade ou obscuridade, nos seus termos, não merece qualquer reparo ou censura, encontrando- se corretamente formulada e devidamente suportada na jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria.

CC. Por último, sobre o tema da falta de assinaturas eletrónicas, é manifesto que a questão colocada não respeita à necessidade de ser aposta assinatura individualizada em todas as folhas dos documentos, como invocam as Recorrentes. A questão respeita tão-só à necessidade de se proceder à assinatura individualizada por documento – que poderá ter uma ou várias folhas – sendo manifesto que no caso dos autos se tratam de vários documentos com autonomia entre sim agrupados num único ficheiro - (i) a proposta técnica que as Recorrentes apresentaram a Concurso, bem como (ii) a Declaração correspondente ao Anexo I do CCP, (iii) a declaração de agrupamento, (iv) a nota justificativa de preços, e (v) outras declarações, procurações, etc. – documentos (e não folhas) que deveriam, nos termos legais, sido objeto de assinatura individualizada.

DD. A Sentença recorrida não merece também qualquer reparo na parte decisória respeitante que julgou procedente a invocação feita pelas ora Recorridas de que o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos não especificaram a necessidade de as propostas apresentarem a lista dos laboratórios onde se encontra instalada a “solução global”, mas antes e unicamente a “lista dos laboratórios onde os sistemas propostos estejam instalados (nos mesmos modelos que os propostos no procedimento)”.

EE. Com efeito, o Tribunal recorrido, tendo analisado detalhadamente as peças do concurso, concluiu que em parte alguma é se quer utilizada a expressão “solução global”. Pelo contrário, “as cláusulas falam em «sistemas». Sendo que ao longo das pelas do procedimento são referidos «sistemas» indistintamente [como por exemplo: Equipamentos de Bioquímica (…) Possibilidade de colocar quando necessário amostras (ex: pediátricas) diretamente nos sistemas analíticos ligados ao sistema de automação (…) Equipamentos de Imunoquímica (…) Possibilidade de colocar, quando necessário, amostras (ex: pediátricas) diretamente nos sistemas analíticos ligados ao sistema de automação”].” (cfr. página 58 da Sentença Recorrida).

FF. Acresce que, não só ao longo do Programa do Procedimento encontramos coerentemente a referência a “sistemas” no plural, como resulta do Anexo IV do PP que a avaliação técnica das propostas é realizada de forma individualizada por sistemas, não existindo qualquer fator ou subfactor de avaliação que respeita a uma suposta “solução global” ou a um funcionamento unitário de todos os sistemas.

GG. Neste sentido, para além do elemento literal, também o elemento teleológico da norma – no sentido de identificar-se a utilidade prática da lista de laboratórios solicitada - impõe também a conclusão de que o que era pretendido era a lista de laboratórios onde estivessem instalados os sistemas, com os mesmos modelos propostos – que naturalmente se reportam aos equipamentos - , de modo a poder confirmar-se a verificação das especificações técnicas estabelecidas para cada sistema de forma individualizada nas peças do concurso. Recorde-se que a cláusulaª 21ª do CE estabelece que “A comprovação das caraterísticas técnicas das soluções propostas deverá ser feita através de fornecimento de lista de laboratórios onde os sistemas propostos estejam instalados (nos mesmos modelos que os propostos no presente procedimento)”, pelo que sendo a avaliação técnica das propostas efetuada por sistemas, a pretendida comprovação das características técnicas dos sistemas por referência à lista de laboratórios apresentada nas propostas induz indubitavelmente o entendimento de que o que foi pretendido foi por sistemas e não por solução global esta última que não é sequer objeto de avaliação.

HH. Num programa de procedimento e respetivo caderno de encargos que não refiram em parte alguma que o objetivo da lista é avaliar a «solução global», e estabelecendo um critério de avaliação das propostas que se processa de forma individual por cada sistema, não é possível estabelecer-se qualquer ligação mínima entre o teor literal das exigências do concurso e a tese que apenas surgiu depois da análise do relatório preliminar de que a final o objetivo pretendido era o da obtenção da lista dos laboratórios onde esteve instalada a “solução global”, conceito que não só não consta dos documentos concursais como não constitui qualquer elemento de avaliação das propostas.

II. Na verdade, caso de facto o Júri do Concurso tivesse interpretado esta exigência do Programa do Procedimento no sentido de ser a solução global então certamente não teria deixado de assim ter notado na primeira avaliação que fez das propostas apresentadas. Com efeito, no Relatório Preliminar constante dos autos o Júri admitiu e avaliou a proposta das Recorridas, não tendo levantado qualquer questão sobre a inexistente exigência de a lista dos laboratórios apresentada não especificar a posteriormente denominada “solução global”. É que a chamada “solução global” só surge neste procedimento pela mão das Recorrentes na sua pronúncia em sede de audiência prévia do Relatório Preliminar. Até então, não só as peças do concurso não fazem qualquer referência à solução global como o próprio Júri do Concurso considerou no Relatório Preliminar que estavam “reunidas as condições e requisitos exigidos nas peças do procedimento” (cfr. Documento n.º 8 da petição inicial).

JJ. Conforme estabelece o n.º 2 do artigo 9º do Código Civil, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. É, pois, irrelevante que as Recorrentes venham invocar a posteriori que o que a Entidade Demandada queria era o que estas apelidaram de “solução global”, com efeito, se assim fosse então as peças concursais teriam estabelecido algum elemento que permitisse deduzir tal entendimento, o que manifestamente não foi o caso.

KK. Nesse sentido, e partindo do pressuposto de que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, não é possível concluir que os documentos concursais estabeleceram a obrigação de os concorrentes apresentarem listas de laboratórios onde se encontre instalada a solução global.

LL. É absolutamente falsa a alegação das Recorrentes de que o Tribunal ignorou a prova testemunhal obtida ou a denominada “interpretação autêntica”, porquanto não só as testemunhas inquiridas não são representantes da Entidade Adjudicante, sendo antes membros do Júri do concurso, como sobre esta matéria não foi prestado qualquer esclarecimento da Entidade Adjudicante ou do Júri do Concurso durante a fase de concurso neste sentido, não sendo assim possível invocar-se, como fazem as Recorrentes nas suas alegações, qualquer interpretação autêntica sobre esta matéria, porquanto a mesma não existiu na fase concursal.

MM. É assim manifesto que as peças do procedimento não estabeleceram qualquer exigência de dever ser apresentada a lista de laboratórios onde se encontre instalada a “solução global”, não podendo por esse motivo ser excluída uma proposta que deu integral cumprimento a todos os requisitos expressamente estabelecidos nas peças do concurso.

NN. Em qualquer caso, ainda que se entendesse que em causa estava a solução global – o que não era o caso, conforme se deixou demonstrado –, a mera visita a qualquer um dos laboratórios da lista indicada com “Power Express” iria permitir ao Júri confirmar que nesse laboratório o que se encontra instalado corresponde à solução global proposta pelas ora Recorridas.

OO. Tendo as Recorridas informado o Júri do Concurso de que, embora não tivessem interpretado as normas concursais no sentido de ser exigida a “solução global”, a mera visita a qualquer dos laboratórios identificados na sua proposta na lista “Power Express” iria permitir a verificação de que aí se encontra instalada a solução global, é manifestamente ilegal, atentatório aos princípios de igualdade, da concorrência e do princípio a favor do procedimento, que o Júri não proceda a qualquer verificação da informação prestada e pura e simplesmente exclua a proposta das Recorridas.

PP. Neste sentido, também nesta matéria a Sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura, não podendo ser assacada à mesma qualquer vício de nulidade.

QQ. Não assiste qualquer razão às Recorrentes no pedido que formulam a este Venerando Tribunal de aditar do 36 e 37 à matéria de facto provada com os seguintes termos:

Ponto 36:

“As Autoras, com a sua Proposta, não apresentaram qualquer local onde se encontrasse instalada uma solução idêntica (nos mesmos modelos) à proposta no presente Concurso Público, designadamente um local onde se encontrassem conjuntamente instalados os modelos Unicel DXI800 para o sistema de imunoensaio e os modelos AU5811 e AU5822 para os sistemas de química clínica”.

Ponto 37

“As Autoras, com a sua Proposta, não apresentaram qualquer local onde se encontrassem instalados os modelos de sistemas de química clínica AU5811 e AU5822, mas apenas referências a locais onde estão instalados sistemas da família AU5800”.

RR. Com efeito, porque o Tribunal recorrido julgou – e bem – que as peças concursais não especificaram em parte alguma o dever de a lista de laboratórios apresentar a “solução global” é absolutamente irrelevante para a decisão de mérito saber se das listas apresentadas pelas Recorrida consta ou não a “solução global” porquanto as mesmas foram organizadas por “sistemas” conforme é exigido pelo PP.

SS. Por outro lado, resulta provado dos autos no ponto 9 da Sentença a lista que foi apresentada pelas Recorridas e também que, em sede de audiência prévia, as Recorridas informaram o Júri do Concurso que a visita a qualquer dos laboratórios identificados com “Power Express” permitiria a confirmação de que a “solução global” aí instalada era a mesma que a proposta no Concurso em análise.

TT. Neste sentido é absolutamente falso que na sua proposta as Recorridas não apresentaram “qualquer local onde se encontrasse instalada uma solução idêntica (nos mesmos modelos) à proposta no presente Concurso Público”. As Recorridas apresentaram sim e o Júri podia – se quisesse – confirmar a veracidade desta informação. Bastaria para tal uma deslocação ou um mero telefonema para os laboratórios em causa, sendo também manifestamente improcedentes as alegações das Recorrentes sobre esta matéria.

UU. Por último, o Tribunal recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento no que respeita à natureza e destinatários do Despacho n.º 15327/2012 do Exmo. Senhor Secretário de Estado da Saúde.

VV. Com efeito, este despacho determina que (i) os estabelecimentos do SNS devem adquirir dispositivos codificados, e que, para este efeito (ii) devem especificar expressamente nas peças procedimentais que serão excluídas as propostas que apresentem dispositivos não codificados; tendo ainda este Despacho estabelecido que poderá ser aceite certidão que ateste a existência de procedimento de codificação em curso. É assim evidente, conforme foi considerado pelo Tribunal recorrido, que os destinatários do Despacho n.º 15371/2012 são os estabelecimentos do SNS.

WW. Esta conclusão – literalmente evidente –é também imposta pela natureza do despacho e os poderes ao abrigo dos quais o mesmo foi proferido, referindo o próprio Despacho n.º 15371/2012 que o mesmo foi emitido ao abrigo do disposto no artigo 7.º da Lei de Bases da Saúde, norma que prevê que o “membro do Governo responsável pela área da saúde exerce poderes de superintendência e tutela, nos termos da lei, sobre todos os serviços e estabelecimentos do SNS, independentemente da respetiva natureza jurídica” – o sublinhado é nosso.

XX. Neste sentido, porque os seus destinatários são os estabelecimentos do SNS e porque a possibilidade de excluir propostas que não apresentem os Códigos de Dispositivos Médicos (“CDMs”) não resulta da lei, o Secretário de Estado da Saúde determina que as entidades do SNS, nos seus concursos, devem expressamente especificar o dever de excluir as propostas que não apresentem os CDMs ou a certidão do INFARMED que atesta que o respetivo procedimento está em curso.

YY. Porque no concurso sub judice, as peças do procedimento não especificaram “que são inaceitáveis, com a consequente exclusão, todas propostas relativas a dispositivos médicos pertencentes a grupos já codificados e incluídos na base de dados do INFARMED, se o dispositivo proposto pertencer a grupo codificado e não constar da mesma base de dados”, bem decidiu o Tribunal Recorrido ao considerar que “no caso, não pode a Ré querer excluir uma proposta com base na violação de tal Despacho, quando a própria Ré não o cumpriu na íntegra, isto é, não especificou, não estatuiu a exclusão da proposta caso os dispositivos médicos não estivesse codificados ou em vias de codificação aquando da apresentação da mesma”.

ZZ. Sem prejuízo do exposto, resultou manifestamente provado, pelo menos desde abril de 2016, que todos os dispositivos médicos que apresentou na sua proposta se encontravam codificados, pelo que, à data da adjudicação, em novembro de 2016, todos os produtos das Recorridas possuíam CDM. Assim e como foi também considerado na Sentença recorrida, “já na data de elaboração do segundo relatório final, em 11/08/2016 e assim na data da adjudicação em 23/11/2016, (prévia à aquisição com a celebração do contrato de fornecimento) todos os dispositivos das Autoras tinham CDM atribuído. Não existindo, assim, a possibilidade de aquisição de dispositivos médicos não codificados” (cfr. página 54 da Sentença recorrida).

AAA. A prolação do Despacho n.º 15371/2012 resulta de uma medida inscrita no Memorando de Entendimento da Troika, ou seja, como medida de controlo da despesa pública no SNS, permitindo, por via da codificação, a comparação dos preços praticados em todo o sistema nacional, pelo que, no mínimo irónico que tenha sido seja neste Concurso utilizado – ilegalmente – como forma de excluir a proposta que representa significativamente menor despesa pública. A proposta das Recorridas para o Lote 1 apresentou como preço o valor anual de €468.204,16 tendo a proposta das Recorrentes apresentado para o mesmo Lote o preço anual de € 943.623,55, ou seja, mais € 475.419,39 por ano, totalizando em 3 anos (prazo máximo do contrato e potenciais renovações) o valor global de mais € 1.426.258,17.

BBB. É, pois, evidente que, o incumprimento formal de uma orientação interna do Ministério da Saúde para os estabelecimentos do SNS por parte da Entidade Adjudicante (ao não ter especificado nas peças concursais o dever das propostas apresentarem os CDMs dos dispositivos que propõem) não pode representar o acréscimo da despesa pública em adicionais € 1.426.258,17.

CCC. Em suma, a Sentença recorrida encontra-se corretamente formulada, procedendo à correta aplicação do Direito na situação sub judice, não merecendo por isso qualquer censura.

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O magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito (1) que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.

Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 - FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

« Texto no original»

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II.2 - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presentes as conclusões da alegação do recurso, cumpre-nos apreciar o seguinte contra a decisão jurisdicional recorrida:

1 - Três nulidades da sentença, de acordo com as al. b), c) e d) do nº 1 do artigo 615º do CPC;

2 - Erro de julgamento dos factos, com omissão de certa factualidade provada, devendo aditar-se um facto provado nº 36 (as recorridas não apresentaram lista de laboratórios em que já se instalaram iguais sistemas), quanto à matéria relativa à cl. 11ª/3/e)-ii) do PP e ao artigo 21º/1-b) do CE, bem como outros dois factos provados com os nº 37 e 38 (cf. artigos 639º/2-b)-c) e 640º/1/2 do CPC);

3 - Erro de julgamento na aplicação do artigo 54º da Lei 96/2015 e dos artigos 146º/2/l) e 62º/4 do CCP (ex vi artigo 9º do CC), já que a assinatura eletrónica em causa na lei não suscita dúvida, serve para um ou para vários ficheiros em pdf, pdf que podem ser assinados eletronicamente;

4 - Erro de julgamento quanto ao tema dos dispositivos médicos certificados, com errada aplicação do artigo 70º/2-f) do CCP e do Despacho nº 15371/12.

Na contra-alegação, invoca-se, em síntese, que:

- Há que rejeitar os documentos juntos com o recurso (artigos 425º e 651º do CPC);

- Um pdf agrega documentos autónomos, pelo que a tese do recurso está em desacordo com o previsto nos artigos 54º/1, 55º/1 e 69º/1 da Lei 96/2015, artigo 7º do DL 290-D/99 e os Acs. do STA nos Proc. 01123/12, 01056/12 e 01028/15, sendo que folha não é igual a documento (vd. conclusão 9);

- A conclusão do recurso é enganosa ante o facto nº 9 e o artigo 9º do CC: sistemas – o exigido nos regulamentos do concurso - é diferente de solução global referida pelo júri;

- Quanto aos Códigos de Dispositivos Médicos (“CDMs”), tendo presente o Despacho do M.S. citado, o relevante para apurar da existência dos mesmos é o momento da atividade do júri e não o da celebração do contrato.

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Sobre os documentos juntos com o recurso

Com o recurso foram juntos vários documentos.

Porém, nem é invocado e muito menos demonstrado que os mesmos só agora puderam ser apresentados (cf. artigo 425º do CPC) ou que só se tornaram necessários em virtude da sentença recorrida (cf. artigo 651º/1 do CPC).

Pelo que os mesmos são de desconsiderar, o que aqui se faz.

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Passemos, assim, à análise do mérito do recurso.

1 – Sobre as três nulidades da sentença, de acordo com as al. b), c) e d) do nº 1 do artigo 615º do CPC

As recorrentes imputam à sentença quase todas as espécies de nulidades decisórias previstas no artigo 615º/1 do CPC (em bom rigor, anulabilidades).

Ora, a sentença contém fundamentação de facto e fundamentação de direito, como é manifesto.

Pelo que não existe a nulidade prevista na al. b) cit.

Por outro lado, a sentença é racional e logicamente coerente (fundamentos vs. decisão), e não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade na análise dos pontos em que as recorrentes decaíram.

Pelo que não existe a nulidade prevista na al. c) cit.

Finalmente, a sentença não deixou de resolver qualquer questão da lide. Diferente, como se tem dito até à exaustão, é a sentença não ter analisado todos e cada um dos argumentos (intra-questão) invocados pelas partes.

Pelo que não existe a nulidade prevista na al. d) cit.

2 – Sobre o erro de julgamento dos factos, com omissão de certa factualidade provada, devendo aditar-se um facto provado nº 36 (“As Autoras, com a sua Proposta, não apresentaram qualquer local onde se encontrasse instalada uma solução idêntica (nos mesmos modelos}-á­ proposta no presente Concurso Público, designadamente um local onde se encontrassem conjuntamente instalados os modelos Unicel DXI800 para o sistema de imunoensaio e os modelos AU5811 e AU5822 para os sistemas de química clínica”), quanto à matéria relativa à cl. 11ª/3/e)-ii) do PP(2) e ao artigo 21º/1-b) do CE (3), bem como outros dois factos provados sob os nº 37 (4) e 38(5) (cf., segundo as recorrentes, os artigos 639º/2-b)-c) e 640º/1/2 do CPC)

Esta questão do recurso acaba por ser simples, lidos que sejam os factos propostos e os articulados.

Assim, as recorrentes pretendem, agora, aditar factos principais ou essenciais (cf. LEBRE DE FREITAS, Introdução…, 4ª ed., 2017, pp. 168 ss) não alegados nos articulados.

Ora, tal violaria o princípio do dispositivo (cf. o artigo 5º/1 e o artigo 607º/4-1ª parte do CPC).

Pelo que se indefere o requerido nesta sede.

Agora, prosseguindo para o fundo desta questão.

O júri considerou que as propostas tinham de indicar a lista de laboratórios onde esta “solução global” estivesse instalada pelo concorrente. Isto a propósito do Lote 1, sistemas UNICEL, DXI800, AU5811 e AU5822. Com referência à cl. 11ª/3-e)-ii) do PP e nº 21º/1/b) do CE.

Ora, estes regulamentos aplicáveis a este procedimento exigem que tal lista se refira aos sistemas implementados. Não a uma “solução global”, que não surge como exigida em normativo algum do PP ou do CE. Ainda assim, o júri e a entidade contratante exigiram-na e, assim, excluíram a autora, pois esta apenas indicara onde estavam aqueles sistemas, também constantes da sua proposta.

Quer isto dizer que o ato administrativo, ao assim decidir, aplicou mal o artigo 146º/2-d) do CCP/2015 (No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62. (6)º).

Portanto, as recorrentes não têm razão também neste ponto.

3 – Sobre o erro de julgamento na aplicação do artigo 54º da Lei 96/2015 e dos artigos 146º/2/l) e 62º/4 do CCP (ex vi artigo 9º do CC), já que a assinatura eletrónica em causa na lei não suscitaria dúvida, servindo para um ou para vários ficheiros em pdf, pdf que poderiam ser assinados eletronicamente

A Lei nº 96/2015 regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública.

O seu artigo 54º tem o seguinte teor:

1 - Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.os 2 a 6.

2 - Os documentos elaborados ou preenchidos pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais.

3 - Os documentos eletrónicos emitidos por entidades terceiras competentes para a sua emissão, designadamente, certidões, certificados ou atestados, devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica das entidades competentes ou dos seus titulares, não carecendo de nova assinatura por parte das entidades adjudicantes ou do operador económico que os submetem.

4 - Os documentos que sejam cópias eletrónicas de documentos físicos originais emitidos por entidades terceiras, podem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica da entidade adjudicante ou do operador económico que o submete, atestando a sua conformidade com o documento original.

5 - Nos documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita, incluindo os que exijam processamento informático para serem convertidos em representação como declaração escrita, designadamente, processos de compressão, descompressão, agregação e desagregação, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada deve ocorrer em cada um dos documentos eletrónicos que os constituem, assegurando-lhes dessa forma a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil e do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de abril, sob pena de causa de exclusão da proposta nos termos do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos.

6 - No caso de entidades que devam utilizar assinaturas eletrónicas emitidas por entidades certificadoras integradas no Sistema de Certificação Eletrónica do Estado, o nível de segurança exigido é o que consta do Decreto-Lei n.º 116-A/2006, de 16 de junho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 161/2012, de 31 de julho.

7 - Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante.

8 - Sempre que solicitado pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos, as plataformas eletrónicas devem garantir, no prazo máximo de cinco dias úteis, a integração de novos fornecedores de certificados digitais qualificados.

9 - As plataformas eletrónicas devem garantir que a validação dos certificados é feita com recurso à cadeia de certificação completa.

Ora, como se viu atrás, a R........ apresentou documentos num ficheiro pdf. Este ficheiro em formato pdf está assinado eletronicamente. Mas os documentos nele contidos não estão.

O TAC entendeu que, sendo “ficheiro” diferente de “documento” (conforme se deduz, aliás, dos artigos 33º/g), 64º/1 e 69º/1 do CCP), o nº 5 do artigo 54º cit. foi violado, devendo por isso a proposta da R........ ser excluída, ao abrigo dos artigos 62º/4 e 146º/2-l) do CCP.

E bem.

Com efeito, a lei atual (nº 1 e 5 do cit. artigo 54º), tal como a anterior, exige a assinatura individual de cada documento (que não de cada página), documento autónomo normalmente correspondente a um ficheiro informático.

Mas, como se sabe, um ficheiro informático, zip ou mesmo pdf, pode conter vários documentos diferentes ou autónomos, como se passa no caso presente.

Sublinhemos que, também o formato pdf, permite agregar e desagregar páginas e documentos ou ficheiros/arquivos diferentes (vd., por ex., o programa Adobe Acrobat XI: em “ferramentas”, “combinar arquivos em pdf”).

Pelo que, tendo a C-I R........ apresentado vários documentos agregados num só ficheiro pdf, tinha o dever legal de previamente assinar digitalmente cada um dos documentos autónomos.

Não o tendo feito, a proposta tinha de ser excluída, ao abrigo dos artigos 62º/4 e 146º/2-l) do CCP.

Cf., i.a., assim: Ac. do STA de 30-01-2013, P. nº 01123/12. Cf. hoje aparentemente assim: PEDRO GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, I, 2ª ed., 2018, pp. 745 ss; SARA AUGUSTO MATOS/P.S.A., Breves considerações…, in RCP, nº 15, 2016, pp. 25 ss.

Portanto, as recorrentes não têm razão também neste ponto.

4 – Sobre o erro de julgamento quanto ao tema dos dispositivos médicos certificados, com errada aplicação do artigo 70º/2-f) do CCP e do Despacho nº 15371/12 do Secretário de Estado da Saúde (estabelece disposições relativas à aquisição de dispositivos médicos objeto de codificação pelo INFARMED, pelos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde)

A sentença recorrida, para dar razão à autora, entendeu, em síntese, o seguinte sobre esta questão:

- Que, no âmbito do Despacho cit. com nº 15371/2012 (aplicável ao Governo da RAM por via do Despacho nº 272/2014 do SRAS), da cl. 17ª/1-c) do PP e do artigo 70º/2-f) do CCP, os AA têm razão, porque aquele Despacho vincula apenas o SNS (aqui, o SESARAM) e não os concorrentes; além do que foi a própria entidade contratante que desrespeitou o Despacho.

Esta questão clama pelo artigo 70º/2-f) do CCP (São excluídas as propostas cuja análise revele que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis). Bem como pela cl. 17ª/1-c) do CE, que não exigia o exigido no nº 1 do cit. Despacho.

O nº 1 do despacho tem o seguinte teor:

- “1 - Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) apenas podem adquirir os dispositivos médicos objeto de codificação pelo INFARMED e constantes da respetiva base de dados”.

E o nº 4 o seguinte teor:

- “Todos os procedimentos abertos após a data da entrada em vigor do presente despacho devem especificar no caderno de encargos, ou em documento equivalente, que são inaceitáveis, com a consequente exclusão, todas propostas relativas a dispositivos médicos pertencentes a grupos já codificados e incluídos na base de dados do INFARMED, se o dispositivo proposto pertencer a grupo codificado e não constar da mesma base de dados”.

Além de tal Despacho não ser um regulamento administrativo, ao contrário do implícito na sentença, o aqui decisivo é um ponto sublinhado na sentença e menosprezado no recurso: a exigência feita no Despacho não se destina aos concorrentes, mas tão só à A.P. A.P. que, aliás, aqui, desrespeitou o despacho ao elaborar os regulamentos do procedimento de contratação pública; ainda assim, o júri entendeu poder aplicar o Despacho e contra a autora.

Mas mal o fez.

A autora cumpriu a cl. 17ª do PP e não tinha de cumprir o cit. despacho, fosse com a apresentação da proposta, fosse mais tarde (esta segunda hipótese é a admitida pela autora e pelo TAC e a efetivamente ocorrida no procedimento).

Pelo que também aqui o júri decidiu ilegalmente contra a autora, violando o artigo 70º/2-f) do CCP: não havia a possibilidade de o contrato vir a conter clausulas violadoras de lei ou regulamento administrativo, já que o despacho não é lei nem um regulamento administrativo, não tem efeitos externos à A.P.

Os regulamentos do procedimento não continham nenhuma exigência aos concorrentes igual ou semelhante ao nº 1 do despacho cit.

Pelo que o previsto no cit. despacho não tinha como ser imposto e penalizante para os concorrentes e suas propostas.

Portanto, as recorrentes não têm razão também neste ponto.

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III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo das recorrentes.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa,


Paulo H. Pereira Gouveia – Relator

Catarina Jarmela

Conceição Silvestre



(1) Tendo sempre presente que o Direito é uma ciência social especialmente condicionada pela linguagem.
(2) "O concorrente deve apresentar ainda: a lista de laboratórios onde os sistemas propostos estejam instalados (nos mesmos moldes que os propostos no procedimento”.
(3) Que determina que os Concorrentes apresentem "lista de laboratórios onde os sistemas propostos estejam instalados (nos mesmos modelos que os propostos no presente procedimento)";
(4) “As Autoras, com a sua Proposta, não apresentaram qualquer local onde se encontrassem instalados os modelos de sistemas de química clínica AU5811 e AU5822, mas apenas referências de locais onde estilo instalados sistemas da família AU5800”.
(5) “As Autoras, com a sua Proposta, não apresentaram qualquer local onde se encontrassem instalados unicamente os sistemas DX/800”.
(6) 1 - Os documentos que constituem a proposta são apresentados diretamente em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita e eletrónica de dados, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º
2 - Os documentos que constituem as propostas variantes, também apresentados nos termos do disposto no número anterior, são identificados com a expressão «Proposta variante n.º...».
3 - A receção das propostas é registada com referência às respetivas data e hora, sendo entregue aos concorrentes um recibo eletrónico comprovativo dessa receção.
4 - Os termos a que deve obedecer a apresentação e a receção das propostas nos termos do disposto nos n.os 1 a 3 são definidos por diploma próprio.
5 - Quando, pela sua natureza, qualquer documento dos que constituem a proposta não possa ser apresentado nos termos do disposto no n.º 1, deve ser encerrado em invólucro opaco e fechado:
a) No rosto do qual se deve indicar a designação do procedimento e da entidade adjudicante;
b) Que deve ser entregue diretamente ou enviado por correio registado à entidade adjudicante, devendo, em qualquer caso, a respetiva receção ocorrer dentro do prazo fixado para a apresentação das propostas;
c) Cuja receção deve ser registada por referência à respetiva data e hora.