Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1924/11.1BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/21/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
DÍVIDAS DERIVADAS DE PROGRAMAS OPERACIONAIS FINANCIADOS PELO FUNDO SOCIAL EUROPEU.
COBRANÇA COERCIVA ATRAVÉS DE EXECUÇÃO FISCAL.
APLICAÇÃO DO REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA, NOS TERMOS PREVISTOS NA L.G.T.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
FALTA DE EXERCÍCIO DE PODERES DE ADMINISTRAÇÃO POR PARTE DO OPOENTE/REVERTIDO.
ASSINATURAS DE DOCUMENTOS QUE OBRIGAVAM A SOCIEDADE EXECUTADA ORIGINÁRIA CONSTITUÍAM, NO CASO, A EXECUÇÃO DE ORDENS E ORIENTAÇÕES FORNECIDAS PELO VERDADEIRO ADMINISTRADOR.
Sumário:1. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).

2. No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária dos oponentes deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração que nos encontramos perante dívidas derivadas de programas operacionais financiados pelo Fundo Social Europeu, mais devendo levar-se em consideração o que dispõem o artº.45, nºs.11 e 12, do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10/12, normas que consagram a execução fiscal como forma processual de cobrança coerciva de tais dívidas, tal como a possibilidade de aplicação do regime de responsabilidade subsidiária, nos termos previstos na L.G.T., a tais processos. Por último, nos termos do artº.53, nº.2, do citado Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10/12, o regime consagrado no mesmo diploma aplica-se a processos pendentes, como é o caso dos autos.

3. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.

4. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.

5. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.

6. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.

7. Dos dados carreados para o presente processo resulta que a administração da sociedade executada originária era levada, exclusivamente, a cabo pelo Presidente do Conselho de Administração, o qual prestou depoimento testemunhal admitindo tal situação (e recorde-se que a prova testemunhal produzida nos autos se apresentou com razão de ciência, coerente e merecedora de credibilidade).

8. Mais se provou nos autos que os documentos assinados pelo opoente/recorrido foram-no de acordo com as instruções do Presidente do Conselho de Administração, em consonância com a qualidade de administrador da sociedade. Percebe-se, pois, que a circunstância de a assinatura do revertido surgir aposta em declarações fiscais, não signifique que este tenha tomado conhecimento dos factos que aquelas envolviam ou os tenha determinado de algum modo, ou sequer que tenha sido ele a negociar em nome da sociedade devedora originária (exercício dos identificados poderes representativos e administrativos face à sociedade).

9. Se é certo que não foi alegada ou demonstrada qualquer situação de coacção que levasse a considerar inválida a manifestação de vontade subjacente à aposição de uma assinatura, não é menos certo que a indagação sobre a administração de facto não visa aferir da validade formal do envolvimento do revertido na vida da sociedade, mas antes da sua efectividade: saber se o revertido detinha na sociedade um poder decisório que, de facto, exercesse (ou pudesse ter exercido). Ora, a resposta a esta questão é negativa. As assinaturas de documentos que obrigavam a sociedade executada originária constituíam, no caso, a execução de ordens e orientações fornecidas pelo verdadeiro administrador.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.264 a 271 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, Maria ……………, visando a execução fiscal nº………………, instaurada no 3º. Serviço de Finanças de Amadora, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança coerciva de verbas indevidamente recebidas do Fundo Social Europeu (FSE) e Estado Português, acrescidas de juros de mora, no montante total de € 29.964,19.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.295 a 300-verso dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Oposição Judicial, ao concluir que “não assentando a reversão no preenchimento de um dos pressupostos essenciais para a sua efectivação - o exercício efectivo da administração da sociedade devedora originária por parte da oponente - não pode a mesma manter-se, termos em que se concluí verificado o fundamento de ilegitimidade da aqui oponente na presente execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 204.º do CPPT.”;
2-A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT;
3-Vem a douta sentença dizer que “No caso vertente, no que toca à administração de facto por parte da aqui oponente, resulta provado que a oponente assinou diversos documentos na qualidade de administradora da sociedade devedora originária (cfr.nºs.4, 5, 6 e 9 do probatório);
4-No entanto considera que, “todos os documentos e demais actos praticados, de forma imediata, pela aqui oponente, foram-no através de uma subordinação funcional à vontade do gestor mediato ou seja, do presidente, o “homem da retaguarda decisória”, utilizando este o seu domínio da sociedade para fazer cumprir actos de “gestão” por partes dos vogais.”;
5-A douta sentença faz referência ao acórdão do TCA Sul, Proc. n.º 05979/12, de 27/11/2012, para fundamentar a sua decisão quanto ao facto de todos os documentos assinados pela oponente, serem actos de representação e de não de gestão. Ora, não podemos concordar, pois tanto uns como outros são actos de gerência de facto;
6-Até porque o referido acórdão não tem por base a mesma matéria de facto, atento que, o que está em discussão no mesmo é a mecânica da presunção legal, ou seja, de que a gerência de facto, no período a que as dívidas respeitam, é exercida por quem é gerente de direito;
7-Aliás, no douto acórdão encontramos o enquadramento que vai em sentido contrário ao decidido pela douta sentença. Nesse sentido, vejamos que actos o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade;
8-“O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C. Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).”;
9-Ou seja, não resulta dos autos, qualquer incapacidade legal da oponente para o exercício das suas funções, nem que a mesma foi compelida à prática das mesmas, pelo que, a sua responsabilidade inicia-se qua a sua nomeação para o exercício do cargo e da sua livre aceitação do cargo de gerente/administradora;
10-“(…) A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs. 259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social “(cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492;ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.351);
11-Neste sentido, veja-se a matéria de facto dada como provado na douta sentença, onde estão reflectidos os “típicos actos de gerência que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social”;
12-Ora não estamos perante qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador. Tanto que, a Fazenda Pública tendo o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, veio carrear toda a prova necessária;
13-Contudo conclui a douta sentença “que a aqui oponente não exerceu de facto a administração da sociedade devedora originária, porquanto a mesma actuava por “intermédio de outrem”, não tendo o domínio da acção, da vontade e funcional facto decisório, limitando-se a cumprir a assinar o que lhe era pedido pela “figura central” da sociedade, o Presidente do Conselho de Administração”;
14-Ora, não consta dos autos que a oponente tenha renunciado à gerência nos períodos em causa, ou seja, se a mesma não concordava com as decisões tomadas poderia renunciar a todo o tempo. Ao não fazê-lo está a concordar com as decisões da sociedade, tendo o domínio da acção, da vontade e funcional dos vários factos decisórios que resultam do probatório;
15-Assim, decidindo de forma contrária a douta sentença, estará a pôr em causa toda a prova documental, esquecendo-se da força probatória que a mesma tem no direito tributário, ou seja, a prova rainha por excelência;
16-Será de questionar, se os documentos assinados pela oponente que vinculam a sociedade perante terceiros, não tem força probatória, então quais são os documentos que têm essa qualidade! Até porque a douta sentença não fundamenta a não valoração da mesma, em detrimento da prova testemunhal!
17-Sendo a gerência, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito, estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas, compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais);
18-E sendo a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados exteriorizados pelo gerente/administrador, a Fazenda Publica fez a prova da prática de actos exteriorizadores dessa vontade que vincula a sociedade devedora originária perante terceiros;
19-Perante o referido não resta se não concluir que a oponente exerceu de facto a gerência/administração da sociedade, pelo que, a douta sentença ao decidir como decidiu não fez uma correcta apreciação da matéria de facto;
20-Assim sendo, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que se encontra violado o artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT em consequência, julgando extinto o processo executivo em relação ao oponente, concluindo que, não assentando a reversão no preenchimento de um dos pressupostos essenciais para a sua efectivação, o exercício efectivo da administração da sociedade devedora originária por parte da oponente;
21-Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a actuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23.º e 24.º da LGT;
22-Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei.
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Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.301 a 318 dos autos), tendo, a final, expendido o sequente quadro Conclusivo:
1-A decisão recorrida não padece do vício que lhe é imputado pela Fazenda Pública de «errada apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24º, n.º 1,alínea b) da LGT». Com efeito:
2-A prova testemunhal produzida nos autos permitiu demonstrar:
a)Que o Presidente do Conselho de Administração da sociedade devedora originária, Fernando ……………., tomava todas as decisões na empresa;
b)Que a oponente desempenhava funções de técnica na sociedade devedora originária, na qualidade de responsável pelo Departamento de Estudos e Projetos;
c)Que a oponente não participava na tomada de decisões da administração da sociedade devedora originária;
d)Que a oponente, enquanto trabalhadora da sociedade devedora originária, recebia ordens, instruções e diretrizes do Presidente do Conselho de Administração, Fernando ………………………;
e)Que os documentos que a oponente assinou na qualidade de administradora da sociedade devedora originária, foram-no de acordo com as instruções do presidente do Conselho de Administração;
3-Esta matéria dada como provada nos autos, com base nos depoimentos das testemunhas ouvidas, é absolutamente perentória e esclarecedora, dela se retirando ainda:
a)Que a administração da sociedade devedora originária, muito embora fosse formalmente composta por cinco administradores, era exercida de modo perfeitamente individual e unipessoal, encontrando-se toda ela centralizada na pessoa do Presidente do Conselho de Administração;
b)Que era o Presidente do Conselho de Administração da sociedade que, solitária e isoladamente, tomava todas as decisões da administração, determinando e decidindo, de modo unilateral, todos os destinos da sociedade;
c)Que qualquer ato exteriorizado pela oponente era praticado, apenas e só, quando isso mesmo lhe era ordenado pelo Presidente do Conselho de Administração da sociedade e da forma como lhe era ordenado, sem ser questionado;
d)Que as funções técnicas efetivamente desempenhadas pela oponente nunca se confundiram com funções de administração de facto, sendo certo que a Oponente sempre foi, de facto, apenas e só, uma mera trabalhadora por conta da sociedade aqui em apreço, que recebia ordens, instruções e diretrizes da verdadeira administração de facto e de direito;
4-Um ato de administração tem ser um ato voluntário e autónomo de quem o pratica, que não se reconduz à mera execução de uma instrução emanada de alguém que se encontra em posição hierarquicamente superior, como sucedeu no caso em apreço, onde os atos exteriorizados pela oponente corresponderam sempre ao cumprimento de uma ordem ou instrução do Presidente do Conselho de Administração;
5-Acresce que os documentos que a Autoridade Tributária carreou para este processo como tendo sido assinados pela oponente não são suficientemente relevantes para sustentar o efetivo exercício da administração de facto pela oponente, uma vez que:
a)Perante a prova testemunhal produzida, o facto de a oponente ter assinado, ao longo dos vários anos durante os quais perdurou a sua administração de direito, apenas os seguintes quatro documentos:
i. Um documento denominado de contrato de aluguer;
ii. Um pedido de sustação da venda de bens da devedora originária que veio a ser apresentado na Repartição de Finanças da Amadora;
iii. Um pedido de pagamento em prestações apresentado da Repartição de Finanças da Amadora; e
iv. Um pedido de permissão para pagamento em regime prestacional de verbas a devolver apresentado junto do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu;
Em nada altera a asserção de que a oponente não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, até porque;
b)Abstraindo da sua qualidade de administradora de direito, seria perfeitamente plausível que a oponente tivesse assinado esses mesmos documentos enquanto mera responsável pela área comercial da sociedade devedora originária, como o era de facto;
c)Nem sequer estão em causa documentos essenciais ao giro comercial da sociedade, pelo que não terão os mesmos a virtualidade de pôr em causa a conclusão de que os atos típicos da administração de facto não eram praticados pela oponente;
d)Os documentos em causa são perfeitamente esporádicos face ao hiato temporal em análise e inidóneos para sustentarem, por si só e com segurança, o exercício efetivo da administração de facto, tanto mais que a prova testemunhal produzida se apresentou com razão de ciência, coerente e merecedora de credibilidade, apontando inequivocamente no sentido contrário;
6-Assim, face à prova testemunhal produzida e à matéria de facto dada como provada, imperioso será concluir a oponente, enquanto mera administradora de direito, e não de facto, não é subsidiariamente responsável pelas dívidas da sociedade devedora originária, conforme resulta do disposto no artigo 24°da Lei Geral Tributária (LGT);
7-A este propósito, regista-se que a jurisprudência e a doutrina são unânimes em considerar que o simples facto de uma pessoa se encontrar inscrita como administradora de direito não faz dessa pessoa administradora de facto, apenas cria uma presunção, ilidível, de administração de facto. E, no caso dos autos, a elisão de tal presunção foi amplamente obtida quer pela "confissão" do único administrador de facto da devedora originária, quer pelas respostas dadas pelos outros administradores de direito, Maria ……… e Carlos …………..;
8-No caso sub judice toda a prova testemunhal demonstra a não existência de factos integrativos da gerência de facto relativamente à oponente. E prova documental que a Autoridade Tributária juntou ao processo foi completamente "abalroada" pela prova testemunhal produzida nos autos, perdendo toda a sua eficácia demonstrativa;
9-Subsistindo, nos termos supra descritos, uma dúvida substancial e fundada sobre o efetivo exercício da administração por parte da oponente, essa dúvida tem de desfavorecer a Autoridade Tributária, uma vez que a ela cabia o ónus da demonstração do exercício efetivo da administração de facto por parte da oponente, como pressuposto essencial para o acionamento da responsabilidade subsidiária, por via da reversão;
10-Falhando o pressuposto essencial para o acionamento da responsabilidade subsidiária através da reversão previsto no artigo 24°, n.º 1 da LPT - a efetiva administração de facto - não pode tal reversão manter-se, devendo antes ser reconhecida a ilegitimidade da oponente para os termos da execução fiscal (artigo 204º, n.º 1,alínea b) do CPPT);
11-Em face do exposto, improcede o argumento invocado pela Fazenda Pública para fundamentar a alegada desconformidade da decisão recorrida;
12-Esteve, por isso, bem a decisão recorrida ao decidir pela procedência da oposição e consequente extinção do processo de execução fiscal contra a oponente, razão pela qual deverá ser negado total provimento ao presente recurso, mantendo-se inalterada a sentença recorrida.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.330 e 331 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.265 a 267-verso dos autos - numeração nossa):
1-Em 26/02/2007, foi instaurado no 3º. Serviço de Finanças de Amadora, o processo de execução fiscal nº…………….., contra a sociedade devedora originária “F. ……………………….., S.A.”, para cobrança coerciva de dívidas relativas a verbas indevidamente recebidas do Fundo Social Europeu e do Estado Português, acrescidas de juros de mora, no valor total de 29.964,19 euros (cfr.documentos juntos a fls.1 a 3 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa);
2-A 05/08/1985, foi constituída a sociedade anónima “F. ……………………., S.A.” matriculada com o n.º…., na 1ª Conservatória da Amadora, com o capital de 35.000.000$00, sendo a administração exercida por um conselho de administração composto de 3 a 5 membros, eleitos de 3 em 3 anos pela assembleia-geral, os quais escolheriam entre si o presidente e tendo como forma de obrigar a) assinatura de dois administradores; b) a assinatura de um administrador e de um procurador; c) a assinatura do administrador-delegado (cfr.documentos juntos a fls.65 a 70 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3-A 30/03/2001, por deliberação, foi nomeado o Conselho de Administração para o triénio de 2001/2003, da qual consta como presidente Fernando …………………, e como vogais Anabela ………………, Maria ……………….., a aqui oponente, Maria ………………., e Duarte ……………….. (cfr. documentos juntos a fls.65 a 70 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
4-Em documento titulado de contrato de aluguer, celebrado em 2003, entre a locadora W …………… Aluguer ……………., Lda. e a sociedade devedora originária, encontra-se a assinatura da aqui oponente e de Fernando ……….. (cfr.documento junto a fls.159 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
5-A aqui oponente e Carlos …….. apuseram a sua assinatura, na qualidade de administradores da sociedade devedora originária, no pedido de sustação da venda de bens da devedora originária, apresentado em 03/06/2005, na 3ª. Repartição de Finanças da Amadora (cfr.documento junto a fls.157 e 158 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
6-A aqui oponente e Alexandra ………….. apuseram a sua assinatura, na qualidade de administradores da sociedade devedora originária, no pedido de pagamento em prestações, apresentado em 06/09/2005, na 3ª. Repartição de Finanças da Amadora (cfr. documento junto a fls.155 e 156 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
7-Através de ofício do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., datado de 29/05/2006, foi a sociedade devedora originária, notificada para proceder à restituição do montante de 12.638,45 euros, acrescido de juros no montante de 1.885,35 euros, emergente da revogação da decisão de financiamento pelo Fundo Social Europeu (cfr. documentos juntos a fls.26 e 27 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa);
8-Através de ofício do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., datado de 30/05/2006, foi a sociedade devedora originária, notificada para proceder à restituição do montante de 13.335,53 euros, acrescido de juros no montante de 2.059,86 euros, emergente da revogação da decisão de financiamento pelo Fundo Social Europeu (cfr. documentos juntos a fls.5 e 6 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa);
9-O pedido de permissão para pagamento em regime prestacional das verbas a devolver, apresentado em 25/07/2006, pela sociedade devedora originária, junto do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, encontra-se assinado pela aqui oponente e Alexandra ………. (cfr.documento junto a fls.162 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
10-A 14/09/2007, foi elaborado pela AT auto de diligências junto da sede da devedora originária, certificando que não eram conhecidos bens penhoráveis à executada (cfr. documento junto a fls.62 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa);
11-A 21/03/2011, foi elaborada informação com vista à reversão contra a aqui oponente da execução fiscal nº…………….., no qual pode ler-se, na parte relativa ao apuramento da responsabilidade subsidiária o seguinte:
“(…)
Através dos registos informáticos ao dispor neste Serviço de Finanças, mormente por consulta ao sistema cadastral assim como da análise dos demais documentos probatórios recolhidos nos autos (certidão da Conservatória do Registo Comercial) verifica-se que consta(m) como gerente(s) da sociedade supra identificada, os abaixo identificados, e portanto ao tem das dívidas o(a)(s) senhor (a)(s):
(…)
NIF …………. Maria …………………., responsável subsidiário desde a data da constituição 1985-04-08.
Efectivamente das diligências efectuadas verifica-se que o(s) gerente(s) de direito e de facto da sociedade executada e devedora originária no(s) período(s) a que as dívidas em questão dizem respeito e conforme títulos executivos disponíveis para consulta neste Serviço de Finanças, foi/foram o(s) supra citado(s) gerente(s)m quer pelo facto constitutivo quer pelo prazo legal de pagamento ou entrega ter ocorrido no exercício do seu cargo, devendo responder pela totalidade da quantia exequenda, mostrando-se in casu preenchidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 153.º, n.º2 alínea a) do CPPT, artigos 23.º e 24.º nº1 alínea b) da LGT.
(…)”
(cfr.documento junto a fls.73 a 75 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
12-A 04/07/2011, por despacho do Chefe do 3º. Serviço de Finanças de Amadora, determinou-se a reversão contra a aqui oponente, pela totalidade da dívida exequenda no valor de 29.964,19 euros (cfr.documento junto a fls.133 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
13-A 12/07/2011, a oponente foi citada no processo de execução fiscal nº………………, na qualidade de revertida (cfr.documentos juntos a fls.138 e 150 da cópia certificada do processo de execução fiscal apensa);
14-O Presidente do Conselho de Administração da sociedade devedora originária, Fernando ……………….., tomava todas as decisões na empresa (cfr.depoimento das testemunhas Carlos …………., Fernando …………. e Maria …………);
15-A oponente desempenhava funções de técnica na sociedade devedora originária, na qualidade de responsável pelo Departamento de Estudos e Projectos (cfr.depoimentos das testemunhas Carlos ………. e Fernando ……….);
16-A oponente não participava na tomada de decisões da administração da sociedade devedora originária (cfr.depoimento das testemunhas Carlos …….., Fernando ……..e Maria ……….);
17-A oponente, enquanto trabalhadora da sociedade devedora originária, recebia ordens, instruções e directrizes do Presidente do Conselho de Administração, Fernando …………….. (cfr.depoimento de Maria ………);
18-Os documentos que a oponente assinou na qualidade de administradora da sociedade devedora originária, foram-no de acordo com as instruções do presidente do Conselho de Administração (cfr.depoimento das testemunhas Carlos ………, Fernando ……….. e Maria ……..).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados, com interesse para a decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos, os quais não foram impugnados, e PEF apenso, complementada com o depoimento da testemunha, Carlos …………………., que trabalhou na devedora originária de 1994 a 2002, com o depoimento de Fernando ……………, que foi Presidente do Conselho de Administração da devedora originária e com o depoimento de Maria ………………, que trabalhou na devedora originária de 1992 a 2006/2007.
Quanto às referidas testemunhas cumpre referir que o seu depoimento foi pronto, livre e convincente, demonstrando as testemunhas ter conhecimento quanto aos factos sobre os quais depuseram, sendo de assinalar com relevância a resposta dada aos factos vertidos nos nºs.14 a 18 do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova de um dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente (exercício efectivo da administração da sociedade executada originária), em consequência do que determinou a sua extinção quanto ao mesmo.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente alega, em síntese, que a decisão recorrida não faz uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. Que da matéria de facto dada como provada na decisão do Tribunal “a quo” estão reflectidos actos de gerência que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e que foram praticados pelo opoente/recorrido. Que decidindo de forma contrária a sentença recorrida está a pôr em causa toda a prova documental, esquecendo-se da força probatória que a mesma tem no direito tributário. Que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (cfr.conclusões 1 a 21 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária dos oponentes deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração que nos encontramos perante dívidas derivadas de programas operacionais financiados pelo Fundo Social Europeu (cfr.nº.1 do probatório), mais devendo levar-se em consideração o que dispõem o artº.45, nºs.11 e 12, do Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10/12, normas que consagram a execução fiscal como forma processual de cobrança coerciva de tais dívidas, tal como a possibilidade de aplicação do regime de responsabilidade subsidiária, nos termos previstos na L.G.T., a tais processos. Por último, nos termos do artº.53, nº.2, do citado Decreto Regulamentar 84-A/2007, de 10/12, o regime consagrado no mesmo diploma aplica-se a processos pendentes, como é o caso dos autos (cfr.nº.1 do probatório).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição, em consequência da A. Fiscal não ter efectuado prova do exercício efectivo da administração da sociedade executada originária e por parte do opoente/recorrido, dado que o mesmo actuava por “intermédio de outrem”, não tendo o domínio da acção, da vontade funcional, antes se limitando a cumprir e assinar o que lhe era pedido pelo verdadeiro administrador da sociedade, o Presidente do Conselho de Administração (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2010, proc.4266/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/01/2011, proc.4333/10).
O recorrente, pelo contrário, entende que se verifica a prova da gerência de facto, desde logo porque da matéria de facto constam diversos actos formais de assinatura de documentos por parte do opoente/recorrido em representação da sociedade executada originária (cfr.nºs.4 a 6 e 9 do probatório).
Examinemos.
Antes de mais, é útil lembrar que o exercício efectivo da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária, o qual se deve efectivar através da reversão e a lei não estabelece, neste domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova, mais competindo este ónus à A. Fiscal.
Depois, recorde-se que o opoente, no articulado inicial do processo, nega que em algum momento tenha tomado decisões de administração da sociedade executada originária, sendo o verdadeiro administrador da sociedade o Presidente do Conselho de Administração (cfr.artºs.30 a 55 da p.i.).
Ora, dos dados carreados para os autos (cfr.nºs.14 a 18 do probatório) resulta que a administração da sociedade executada originária era levada, exclusivamente, a cabo pelo Presidente do Conselho de Administração, Fernando ………………, o qual prestou depoimento testemunhal admitindo tal situação (e recorde-se que a prova testemunhal produzida neste processo se apresentou com razão de ciência, coerente e merecedora de credibilidade).
Por outro lado, os documentos assinados pelo opoente/recorrido foram-no de acordo com as instruções do Presidente do Conselho de Administração, em consonância com a qualidade de administrador da sociedade. Percebe-se, pois, que a circunstância de a assinatura do revertido surgir aposta em declarações fiscais, não signifique que este tenha tomado conhecimento dos factos que aquelas envolviam ou os tenha determinado de algum modo, ou sequer que tenha sido ele a negociar em nome da sociedade devedora originária (exercício dos identificados poderes representativos e administrativos face à sociedade).
Se é certo que não foi alegada ou demonstrada qualquer situação de coacção que levasse a considerar inválida a manifestação de vontade subjacente à aposição de uma assinatura, não é menos certo que a indagação sobre a administração de facto não visa aferir da validade formal do envolvimento do revertido na vida da sociedade, mas antes da sua efectividade: saber se o revertido detinha na sociedade um poder decisório que, de facto, exercesse (ou pudesse ter exercido). Ora, a resposta a esta questão é negativa. As assinaturas de documentos que obrigavam a sociedade executada originária constituíam, no caso, a execução de ordens e orientações fornecidas pelo verdadeiro gestor Fernando ………………., limitando-se o oponente/recorrido a executar essas decisões.
Com estes pressupostos, somente ao verdadeiro administrador da sociedade executada originária, Fernando …………………., era imputável a falta de pagamento das dívidas em cobrança coerciva no âmbito do processo de execução de que a presente oposição constitui apenso.
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente/ recorrido, ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., devido a falta de prova da efectiva administração de facto do mesmo face à empresa executada originária, “F. ……………………., S.A.”, e no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………., devendo confirmar-se a decisão recorrida.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 21 de Junho de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)