Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:689/16.9 BEALM-A
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2017
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CONTROLO A POSTERIORI DAS CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE
PRAZO DE ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:Estando em causa a devolução de ajudas de Estado em sede de proteção dos interesses financeiros da União Europeia, a que se refere, i.a., o Regulamento (CEE) nº 2988/95, vale hoje o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 168º, nº 4, alínea c), do C.P.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.RELATÓRIO

· FOMENTO DA …………………….., S.A, pessoa coletiva nº……………, com sede na Herdade ………….. – M………….., 2…….. – 671, Águas ……………

intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Almada processo cautelar contra

· INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS (IFAP), I.P. com sede na Rua Castilho, 45 – 51, 1269 – 164 Lisboa, e

· MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, FLORESTAS E DESENVOLVIMENTO RURAL, com morada na Praça do Comércio, Lisboa e AUTORIDADE DE GESTÃO DO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO RURAL DO CONTINENTE – PDR 2020, com morada na Rua de São Julião, nº63, 1149 – 030 Lisboa, na qualidade de contra-interessados.

O pedido formulado foi o seguinte:

- Suspensão de eficácia do ato administrativo de 15-11-2016 de resolução do contrato de financiamento celebrado entre a Requerente e o IFAP e, consequentemente, ser o IFAP intimado a adotar a conduta necessária à efetivação da mesma designadamente abstendo-se de iniciar quaisquer procedimentos atinentes ao reembolso coercivo dos montantes reclamados, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 120º e 122º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Por decisão cautelar de 15-06-2017, o referido tribunal veio a prolatar decisão, onde indeferiu o pedido cautelar.

*

Inconformada com tal decisão, a requerente interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso de apelação interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em 15 de junho de 2017, que julgou improcedente o requerimento de providência cautelar requerido pela ora recorrente.

2. A Sentença recorrida incorreu em erro na aplicação do direito quanto aos seguintes vícios imputados ao ato suspendendo: (i) incompetência - impossibilidade de realização de controlos ex-post para a verificação de critérios de elegibilidade; (ii) decurso do prazo legal para a revogação anulatória que aprova a concessão dos pedidos de apoio nos termos do artigo 141 do CPA; (iii) violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança previstos no artigo 6.º-A do CPA e artigos 2.º e 266.º, n 2, da Constituição da República Portuguesa; e (iv) inaplicabilidade da Recomendação 20031361/CE da Comissão.

3. No que toca à alegada causa de invalidade de incompetência - impossibilidade de realização de controlos ex-post para a verificação de critérios de elegibilidade, a Sentença recorrida deveria ter julgado preenchido o requisito de fumus boni iuris, uma vez que (i) a realização de controlos ex-post aos critérios de elegibilidade dos concorrentes não se encontra prevista legalmente e (ii) os controlos ex-post apenas podem ser exercidos pelo l.F.A.P., mas não para o controlo dos critérios de elegibilidade dos beneficiários .

4. No que se refere à questão do decurso do prazo legal para a revogação anulatória que aprova a concessão dos pedidos de apoio nos termos do artigo 141.º do CPA, deveria a Sentença recorrida ter julgado verificada a existência de fumus boni iuris, por ser aplicável ao caso as regras dos prazos de revogação anteriores à entrada em vigor do Decreto-lei n.º 4/2015, em conformidade com os princípios do tempus regit actum e da segurança jurídica.

5. Neste ponto, a norma invocada na Sentença recorrida contida no artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-lei n .º 4/2015, de 7 de Janeiro, quando interpretada no sentido de permitir a aplicação da Parte IV aos procedimentos administrativos já findos, e aos atos administrativos neles adotados, aquando da sua entrada em vigor, deve ser considerada inconstitucional por violação do princípio da certeza e segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

6. No que respeita ao vício resultante da violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança previstos no artigo 6-A do CPA, a Sentença recorrida deveria ter considerado preenchido o requisito de fumus boni iuris, dado que, em face do enquadramento fáctico, se verifica uma situação de confiança criada pela Administração e tutelável pelo Direito, na qual a Recorrente investiu, num enquadramento jurídico que fazia com que o particular pudesse razoavelmente contar com a validade do ato administrativo atributivo do direito.

7. Ademais, tendo em conta a conduta de boa-fé da Recorrente ao longo de toda a relação administrativa com a Autoridade de Gestão, não lhe é imputável qualquer erro que alegadamente tenha ocorrido aquando da decisão de atribuição do Pedido de Apoio.

8. Sobre a invalidade resultante da inaplicabilidade da Recomendação 2003/361/CE, deveria a douta Sentença recorrida ter apreciado liminarmente o vício invocado, concluindo pela existência de fumus boni iuris quanto à procedência da invalidade invocada, com base na ausência de comando legal vinculativo que obrigasse a aplicação dos parâmetros da Recomendação às empresas não-PME.

9. Em qualquer caso, deveria a Sentença recorrida ter considerado a existência de bom direito na alegação da violação dos princípios da certeza jurídica, da confiança e da boa-fé, uma vez que o ato suspendendo se baseia numa interpretação obscura da lei aplicável, nunca antes invocada e inexigível de ser conhecida pela Recorrente, a qual confiou na boa-fé da conduta da Administração.

10. Por fim, deveria a Sentença recorrida ter considerado como preenchidos tanto o requisito de periculum in mora, como o da ponderação de interesses, dado que os factos provados demonstram que a execução do ato suspendendo é causadora de graves prejuízos à Recorrente e não existem outros interesses prevalecentes afetados com o decretamento da providência, devendo a mesma ter sido determinada nos termos peticionados.

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O IFAP e o MA contra-alegaram, concluindo assim:

1. Ao decidir pelo indeferimento da providência cautelar requerida, com fundamento na não verificação do necessário requisito do "fumus boni iuris", a Sentença não incorreu em erro de julgamento.

2. Com efeito, contrariamente ao que pretende a Recorrente, e como bem decidiu o Tribunal a quo, o ato praticado pela Autoridade de Gestão do PDR 2020 não está ferido de incompetência ou de qualquer um dos vícios que lhe vêm assacados.

3. Não se mostrando provável, de forma necessariamente perfunctória e sumária, de molde a não comprometer ou antecipar o juízo de fundo inerente ao processo principal da qual depende a presente providência cautelar de suspensão do ato do IFAP, comunicado pelo ofício nº 9702/2016 DAI-UREC, de resolução do Contrato de Financiamento n.º 02017185/0 , venha a ser julgada procedente, tem de improceder a peticionada tutela cautelar, ficando prejudicado o conhecimento dos demais pressupostos de concessão das providências cautelares, atenta a natureza cumulativa dos mesmos.

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O digno magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

Ao abrigo do artigo 663º/6 do Código de Processo Civil, remete-se para a factualidade constante da decisão recorrida.

*

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há, pois, condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter omnipresentes, “inter alia”, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade da administração pública, ao serviço do bem (no sentido grego original, "agathós") comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas, que têm todas a mesma dignidade; (iii) certeza e segurança jurídicas; e (iv) tutela jurisdicional efetiva dos direitos das pessoas.

Na decisão jurisdicional, o tribunal, no pressuposto da existência prévia de lei no sentido do artigo 1º/2/1ª parte do Código Civil, procede a várias operações consecutivas relativas à correção externa e à correção interna da sua decisão: (1ª) a obtenção legal racional da premissa menor da sentença, isto é, da factualidade relevante; (2ª) a interpretação jurídica prescritiva das fontes de direito, de acordo com os artigos 9º e 10º do Código Civil e orientada pela CRP (em que o tribunal deve ter particular contenção na utilização do delicado argumento teleológico-objetivo, face aos artigos 3º/3, 111º/1, 203º e 204º da CRP), para obtenção da premissa maior; e, finalmente, (3ª) a escolha racional-prática da solução que, no estrito espectro das possibilidades reveladas pelo direito objetivo aplicável, (i) seja aceitável de um ponto de vista jurídico-racional e (ii) possa ser generalizável para casos análogos futuros (cf. artigos 2º, 13º e 202º ss da CRP e artigos 8º ss do Código Civil). Os momentos 2º e 3º representam aquilo que Hans Kelsen considerava como a “interpretação jurídica autêntica”.

OBJETO DO RECURSO:

Ora, o presente recurso de apelação coloca as seguintes questões contra a decisão recorrida:

- Erro de direito quanto à falta de competência e de previsão legal quanto ao controlo ex-post da elegibilidade dos candidatos a auxílios do Estado;

- Erro de direito quanto ao prazo para a revogação anulatória do ato administrativo (anulação administrativa) que concedeu a ajuda;

- Erro de direito quanto à violação dos princípios da boa fé e da proteção da confiança legítima;

- Erro de direito quanto à inaplicabilidade da Recomendação 2003/361/CE;

- Erro de direito quanto à violação dos princípios da certeza jurídica e da confiança, ante uma nova e obscura interpretação nesta matéria;

- Erro de direito quanto ao periculum in mora.

Vejamos.

1 - Erro de direito quanto à falta de competência, de previsão legal e de regime jurídico quanto ao controlo ex-post da elegibilidade dos candidatos a estes auxílios do Estado

1.1.

O ato administrativo suspendendo é uma resolução contratual consequente a uma anulação administrativa, hoje prevista nos arts. 165º/2, 168º, 169º/1/3, 170º, 171º/3/4 e 172º do atual C.P.A. E antes prevista no artigo 141º do C.P.A.

Antes da resolução contratual aqui atacada (de 15-nov.-2016), a entidade requerida adotou outro ato administrativo (decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta), comunicado à requerente. Tratou-se da anulação administrativa em 24-março-2016 da decisão de aprovação de 18-nov.-2011 da candidatura da requerente no âmbito doa apoios do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural.

Entretanto, em 02-02-2015 fora enviado à requerente um ofício sobre a matéria destes autos (em concreto: pedindo elementos para a verificação das condições de elegibilidade dos beneficiários, aferição da dimensão do beneficiário) e em 27-11-2015 foi a requerente ouvida em audiência prévia quanto à cit. anulação administrativa.

O cerne do presente litígio - reportado à resolução unilateral do contrato celebrado - é a legalidade ou ilegalidade aparente de tal antecedente revogação anulatória, de tal anulação de um ato administrativo (não contratual) anterior com fundamento na ilegalidade (anulabilidade) desse ato anterior, o qual teve natureza favorável à ora requerente/recorrente.

Assim, a aprovação fundou o contrato agora resolvido. E, naturalmente, a anulação daquela aprovação fundou a resolução do contrato, resolução aqui atacada.

Quer dizer, a (ilegalidade da) anulação administrativa é discutida nos presentes autos como a origem da ilegalidade do consequente ato suspendendo de resolução do contrato de financiamento no âmbito do FEADER. Como se diz no requerimento inicial, a resolução do contrato, ora suspendenda, é ilegal, porque a anulação administrativa da aprovação da candidatura da requerente foi ilegal.

1.2.

Com base nas conclusões tiradas de um controlo a posteriori das condições de elegibilidade da requerente à ajuda de Estado em questão no âmbito do FEADER e na anulação da sua aprovação da candidatura da requerente a tal ajuda, a entidade demandada decidiu, por ato administrativo, proceder à resolução do contrato de financiamento celebrado entre a Requerente e o IFAP.

É essa decisão o ato suspendendo.

O TAC expôs abundantemente a legislação pertinente (além do C.P.A. e da C.R.P.):

- Regulamento (CE) nº 1290/2005 - financiamento da política agrícola comum, aliás já revogado pelo Regulamento (U E) nº 1306/2013 (relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum), executado pelos Regs. de Execução (U E) nº 809/2014, nº 834/2014 e nº 908/2014,

- Regulamento (CE) nº 1698/2005 - apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), maxime o seu artigo 72º,

- Resolução do Conselho de Ministros nº 147/2006 - orientações fundamentais constantes do Plano Estratégico Nacional (PEN) para elaboração dos programas de desenvolvimento rural para o período de 2007-2013, e define os respetivos órgãos de coordenação, de gestão, de acompanhamento e de certificação,

- DL nº 2/2008 - modelo da governação dos instrumentos de programação do desenvolvimento rural para o período 2007-2013, financiados pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e estabelece a estrutura orgânica relativa ao exercício das funções de gestão, controlo, informação, acompanhamento e avaliação dos referidos instrumentos (refª. PRODER), maxime o seu artigo 12º/4-f),

- DL nº 37-A/2008 - regras gerais de aplicação dos programas de desenvolvimento rural, adotados no âmbito do Plano Estratégico Nacional (PEN) para o período de 2007 a 2013, maxime os seus artigos 14º/2, 15º, 16º e 17º,

- Portaria nº 289-A/2008 - Regulamento de Aplicação da Ação n.º 1.1.1, «Modernização e Capacitação das Empresas», da Medida n.º 1.1, «Inovação e Desenvolvimento Empresarial», integrada no Subprograma n.º 1, «Promoção da Competitividade», do PRODER, maxime o seu artigo 22º,

- Regulamento (CE) nº 65/2011 - estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho relativas aos procedimentos de controlo e à condicionalidade no que respeita às medidas de apoio ao desenvolvimento rural, maxime os seus arts. 4º, 5º, 24º, 25º, 26º e 29º.

Avulta especialmente contra a estranha tese da recorrente, além da conjugação das disposições normativas referidas – e sem prejuízo do óbvio direito (talvez até dever, por força do princípio da legalidade administrativa) de a AP anular os seus atos ilegais - o artigo 15º/4 do DL 37-A/2008:

- “A realização de controlos in loco e ex-post pode ser feita com recurso à contratação de serviços de auditoria externa.”.

Por outro lado, o Projeto está sujeito a controlos, a efetuar durante a execução da operação e até 24 meses após a realização do pagamento final (cf. assim o artigo 22º/1 da cit. Portaria; alterada pelo artigo 1º da Portaria 253/2013).

Portanto, os controlos a posterior em geral estão previstos, além do C.P.A. e do princípio da legalidade em especial (vd., por ex., artigo 141º do C.P.A./91 e artigo 168º do C.P.A./2015), noutros diplomas legais nacionais.

O regime jurídico do controlo e da anulação consta, além do essencial C.P.A. (em sede de anulação administrativa, de iniciativa oficiosa do p. a., de princípio do inquisitório, de instrução, de audiência prévia dos interessados), daqueles diplomas legais europeus e dos cits. diplomas nacionais decorrentes do direito da U.E.

Finalmente, a competência para anular administrativamente cabe ao órgão autor do ato anulado (cf. arts. 142º/1 do C.P.A./91 e 169º/3 do C.P.A./2015), salvo delegações de poderes ou diferente determinação legal.

E, assim sendo, havia e há poderes (de competência) no IFAP para aprovar a candidatura e para anular essa aprovação se ela for anulável, na Autoridade de Gestão do PRODER (PDR 2014-2020; PDR 2020), integrada no IFAP.

Portanto, improcede esta questão do recurso. Não há fumus boni iuris (ser provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo principal venha a ser julgada procedente: artigo 120º/1 do C.P.T.A.).

2 - Erro de direito quanto ao prazo para a anulação do ato administrativo que concedeu a ajuda (artigo 168º/4 do C.P.A. atual); o artigo 8º/1 do DL 4/2015 vs. o artigo 12º do C.C. e os arts. 2º e 266º/2 da C.R.P.

O TAC aplicou o C.P.A./2015, sublinhando o prazo de 5 anos constante do artigo 168º/4 do C.P.A./2015.

O recorrente considera que não é de aplicar o C.P.A./2015 (cf. artigo 168º/4, incluído na Parte IV do novo C.P.A.), mas sim o C.P.A. de 1991 (cf. artigo 141º e demais legislações avulsas).

O artigo 8º/1 do DL que aprovou o C.P.A./2015 (O disposto … na parte IV do Código aplica-se aos procedimentos administrativos em curso à data da sua entrada em vigor, sendo as restantes disposições do Código aplicáveis apenas aos procedimentos administrativos que se iniciem após a entrada em vigor do presente decreto-lei), aplicado ao caso presente da anulação administrativa e dos prazos respetivos, seria inconstitucional por afrontar a segurança jurídica e a boa fé e tutela da confiança legítima.

Só por aqui se vê, a falta de fumus boni iuris.

Mas, prossigamos.

Desde logo, e atenta a antes existente jurisprudência que considerava ser o prazo o de 20 anos (Acórdão do S.T.A. de 17-12-2008, p. nº 0599/08) e, sobretudo, a reduzidíssima diferença do prazo de 5 anos previsto no artigo 168º do C.P.A./2015 em relação ao prazo de 5 anos previsto no artigo 40º do DL 155/92 (antes aplicado pela jurisprudência) ou ainda em relação ao prazo geral supletivo de 4 anos referido no artigo 3º do Regulamento (CEE) nº 2988/95 (proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias; regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário), não faz sentido falar em insegurança e muito menos em confiança legítima.

Portanto, também este T.C.A. Sul entende ser de aplicar aqui o artigo 168º do C.P.A./2015, ex vi artigo 8º/1 do DL 4/2015. O prazo limite para a AP poder anular um ato ilegal é de 5 anos como previsto na alínea c) do nº 4 do artigo 168º do C.P.A., o que se aplica ao caso presente.

Esta conclusão não afronta o Acórdão do S.T.A. de 09-04-2014, p. 0173/13, nem o Acórdão do TJUE/Terceira Secção de 17-09-2014, p. nº C-341/13 (maxime nºs 39 a 65), segundo os quais, nos termos dos artigos 1º, n.º 1, e 3º/1 do Regulamento (CEE) 2988/95, o prazo (supletivo) de prescrição do procedimento visando a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum, é de quatro anos.(1)

É que um prazo mais longo, mesmo não previsto para um setor especial, é permitido no nº 3 do artigo 3º do Regulamento (CEE) 2988/95: “Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo do que os previstos respetivamente nos nºs 1 e 2”.

Cf., assim, o nº 50 do texto do cit. Acórdão do TJUE: “Deste modo, ao adotar o artigo 3.°, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95 e sem prejuízo do n.º 3 deste artigo, o legislador da União definiu, desse modo, uma regra de prescrição geral com a qual reduziu voluntariamente para quatro anos o período durante o qual as autoridades dos Estados-Membros, atuando em nome e por conta do orçamento da União, deveriam recuperar ou deveriam ter recuperado essas vantagens indevidamente obtidas (acórdão Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., EU:C:2009:38, n.º 29), com exceção, no entanto, de procedimentos que tenham por objeto erros ou irregularidades cometidos pelas próprias autoridades nacionais (v., neste sentido, acórdão Bayerische Hypotheken- und Vereinsbank, C-281/07, EU:C:2009:6, n.º 22)”.

E esse prazo existe hoje no cit. artigo 168º/4-c) do C.P.A.

Com efeito, atento o teor do artigo 3º cit. e do Acórdão do TJUE, não tem de existir no direito interno um prazo especialmente previsto para esta finalidade (aplicação de sanções e a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum), bastando existir um prazo diferente que respeite o nº 1 e o nº 3 do artigo 3º do cit. Regulamento. Espelho desta conclusão é a parte inicial do nº 4 do artigo 168º do C.P.A./2015; é que esta alínea c) não abarca apenas a finalidade a que se reporta o cit. Regulamento.

Ora, a ajuda foi aprovada em 18-11-2011. Esta aprovação foi anulada, com base em ilegalidade, em 24-03-2016. Ou seja, mais de 4 anos depois, salvo alguma causa de interrupção ou suspensão do prazo que for o correto; e menos de 5 anos depois.

Portanto, é claro que não decorreu o prazo de 5 anos do novo C.P.A.

Mas, vejamos agora à luz da mais recente tese, a tese dos 4 anos adotada recentemente pelo S.T.A.: “Mercê da interpretação firmada pelo «TJUE» no seu acórdão de 17.09.2014 [Proc. n.º C-341/13] e em aplicação dos princípios comunitários da primazia do Direito Europeu, da lealdade comunitária e da interpretação conforme aos Tratados e às normas jurídicas da União, o prazo de prescrição do procedimento visando a aplicação de sanções e a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum, é de quatro anos nos termos dos arts. 1.º e 3.º do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95. Não existindo, no direito interno um prazo especialmente previsto para tal finalidade, deve ser aplicado o referido prazo, em detrimento do prazo geral da prescrição do art. 309.º do CC e do prazo de 05 anos previsto no n.º 1 do art. 40.º do DL n.º 155/92. Aquele prazo de prescrição interrompe-se, nos termos do art. 3.º do referido Regulamento, com a emissão de qualquer ato que dê conhecimento à pessoa/entidade visada que se irá instruir ou instaurar procedimento por irregularidade, regime esse que afasta, pelos seus termos, a regra de direito interno constante do art. 323.ºdo CC.”.

Também a esta luz não decorreu o prazo de 4 anos entre 18-11-2011 e 24-03-2016, porque o mesmo foi interrompido em 05-02-2015 (data em que a recorrente foi notificada de diligências instrutórias no âmbito da instrução do a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade que culminou com a anulação administrativa).

É que este ato de instrução de 02-02-2015, notificado á requerente, integra a previsão do artigo 3º/1-3º parágrafo do Regulamento CEE nº 2988/95 (A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção).

Não há, portanto, fumus boni iuris também neste ponto.

Restam-nos três supostos erros de direito, que, na verdade, são argumentos em favor da tese dos 4 anos, prazo este também não ultrapassado.

3 - Erro de direito quanto à violação dos princípios da boa fé e da proteção da confiança legítima; erro de direito quanto à inaplicabilidade da Recomendação nº 2003/361/CE relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas

Já podemos afirmar que, como é de Direito, atenta a vinculação legal referida quanto aos prazos e a realidade subjacente, o legislador nacional e o europeu asseguraram de modo equilibrado, racional e razoável os pilares da segurança jurídica, da legalidade e do interesse público financeiro.

Aliás, não existe qualquer facto provado que possa aqui funcionar como pressuposto de uma tutela jurisdicional da eventual boa fé da requerente quanto à sua (in)elegibilidade; nem quanto a uma confiança legítima na não fiscalização e na não aplicação dos arts. 141º do C.P.A./1991 ou 168º do C.P.A./2015.

Por outro lado, não tem sentido a invocada inaplicabilidade da Recomendação relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas. É adotada expressamente, como guia e por remissão ou receção, em variada legislação da UE (exs.: cit. Regulamento CE nº 1698/2005; Regulamento CE nº 800/2008) e, especialmente, consta do artigo 4º/1-r) da Portaria nº 289-A/2008 - Regulamento de Aplicação da Ação n.º 1.1.1, «Modernização e Capacitação das Empresas», da Medida n.º 1.1, «Inovação e Desenvolvimento Empresarial», integrada no Subprograma n.º 1, «Promoção da Competitividade», do PRODER, como segue:

- Para efeitos de aplicação do presente Regulamento, e para além das definições constantes do Decreto-Lei n.º 37-A/2008, entende-se por «PME» a micro, pequena ou média empresa na aceção da Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio, relativa à definição de micro, pequena e média empresa.

4 - Erro de direito quanto ao periculum in mora

Não havendo fumus boni iuris, irreleva que possa haver periculum (ou vice-versa), como implicitamente decorre da decisão recorrida. Não há que o analisar. Ainda assim, diremos:

O periculum in mora (fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal) apura-se com base em factos concretos, normalmente alegados pelo requerente, já que é a ele que a sua prova interessa.

Ora, lida e relida a factualidade provada, deve-se concluir que este importante requisito para o juiz poder decretar uma providência cautelar não existe no presente caso.

Com efeito, não há (quaisquer) factos concretos provados que permitam afirmar que há fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Tal fundado receio não resulta do seguinte: “a Requerente só possui o retorno monetário da sua atividade comercial 18 meses depois do investimento; a atividade comercial da Requerente é financiada por linhas de financiamento contratualizadas para cada ano de produção; o reembolso do montante ao IFAP, IP, neste momento afetaria a política de investimento comercial da Requerente para o ano de 2017”.

Improcederia, portanto, também esta questão.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, julgá-lo improcedente.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 04-10-2017


Paulo H. Pereira Gouveia

Catarina Jarmela

Conceição Silvestre


(1) Artigo 3º
1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.
O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.
A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.
Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artigo 6º
2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva.
Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.
3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo do que os previstos respetivamente nos nºs1 e 2.