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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05804/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:03/19/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
CONCEITO E ÂMBITO DESTA NULIDADE.
AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL (A.N.P.C.).
REGIME JURÍDICO DA SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIOS EM EDIFÍCIOS (S.C.I.E.).
DEC.LEI 220/2008, DE 12/11.
TAXA PELOS SERVIÇOS DE EMISSÃO DE PARECERES SOBRE AS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO EM EDIFÍCIOS.
NOÇÃO DE TAXA. A TAXA SITUA-SE APENAS NO DOMÍNIO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DIVISÍVEIS.
A TAXA PODE TER POR FUNDAMENTO, ALÉM DO MAIS, A REMOÇÃO DE UM LIMITE JURÍDICO À ACTIVIDADE DOS PARTICULARES.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE.
ARTº.18, Nº.2, DA C.R.PORTUGUESA.
ARTº.266, Nº.2, DA C.R.PORTUGUESA.
EQUIVALÊNCIA JURÍDICA E EQUIVALÊNCIA ECONÓMICA DE UMA TAXA.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes.
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. A Autoridade Nacional de Protecção Civil é um organismo pertencente à Administração Directa do Estado, criada pelo dec.lei 75/2007, de 29/3 (cfr.artº.1), a quem compete, além do mais, proceder à regulamentação, licenciamento e fiscalização no âmbito da segurança contra incêndios (cfr.artº.2, nº.2, al.d), do dec.lei 75/2007, de 29/3).
4. O dec.lei 220/2008, de 12/11, veio consagrar o regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios (revogando o anterior regime constante do dec.lei 368/99, de 18/9), abreviadamente designado por S.C.I.E., estipulando que a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) é a entidade competente para assegurar o cumprimento do regime de segurança contra incêndios em edifícios (cfr.artºs.1 e 5).
5. O diploma mencionado no nº.1, do artº.29, do dec.lei 220/2008, de 12/11, é a portaria 1054/2009, de 16/9, a qual veio fixar o valor das taxas pelos serviços prestados pela A.N.P.C., no âmbito do mesmo dec.lei 220/2008, de 12/11, referindo no seu artº.2, nº.1, al.a), que estão sujeitos ao pagamento de taxas os serviços de emissão de pareceres sobre as condições de segurança contra incêndio em edifícios (SCIE). Define ainda a referida portaria as condições de cobrança e pagamento das taxas, inclusive nos termos do seu Anexo I, o valor das taxas a cobrar, mediante a fórmula T = AB x VU, cuja nota explicativa, do mesmo consta.
6. A taxa situa-se apenas no domínio dos serviços públicos divisíveis. Na verdade, existem actividades públicas ditas indivisíveis, dado que o benefício para os particulares das mesmas resultante tem carácter genérico (v.g.defesa nacional; actividade legislativa; actividade diplomática). Porém, existem muitas outras actividades e serviços públicos de que os particulares podem extrair vantagens individualmente consideradas, pelo que, nesses casos, há a possibilidade de realizar a respectiva cobertura financeira, total ou parcialmente, mediante a criação de taxas (v.g.propinas da instrução pública; custas da justiça; portagens pagas nas vias de comunicação).
7. A taxa pode definir-se como uma prestação coactiva, devida a entidades públicas, com vista à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos. Em contraste com o imposto de características unilaterais, a taxa caracteriza-se pela sua natureza cumutativa ou bilateral, devendo o seu valor concreto ser fixado de acordo com o princípio da equivalência jurídica. A natureza do facto constitutivo que baseia o aparecimento da taxa pode consistir na prestação de uma actividade pública, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (cfr.artº.4, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária; artºs.3 e 4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29/12; artº.15, nº.2, da L.F.L. aprovada pela Lei 2/2007, de 15/1).
8. No caso dos autos o tributo sob exame tem por fundamento a remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (é a emissão de parecer sobre as condições de segurança contra incêndios em edifícios que se evidencia como facto constitutivo do tributo em causa). O pagamento devido, diga-se a prestação, encontra correspectividade na emissão do parecer. Nesta correspondência se consubstancia o carácter sinalagmático da relação jurídica tributária "sub judice", que por esse facto não pode deixar de se qualificar como uma taxa.
9. O princípio da proporcionalidade está consagrado no artº.18, nº.2, da C.R.Portuguesa, como pressuposto material para que se verifique uma restrição legítima de direitos, liberdades e garantias. O dito princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de “direitos, liberdades e garantias”, que consiste no respeito do “conteúdo essencial” dos respectivos preceitos.
10. O dito princípio também encontra consagração no nº.2, do artº.266, da C.R.Portuguesa, como princípio orientador do agir da Administração. Nesta norma o princípio da proporcionalidade é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do C.P.A.).
11. A doutrina e a jurisprudência têm convergido no entendimento de que deve ser emitido um juízo de correspondência material ou proporcionalidade em sentido estrito entre o próprio montante da taxa e o valor da contraprestação administrativa. Ou seja, que o princípio da equivalência se projecta, não apenas na estrutura da relação jurídica das taxas (equivalência jurídica), mas também no seu montante (equivalência económica), e que uma gritante desproporção entre as duas grandezas de valor pode também afectar a legitimidade do tributo.
12. Quando se analisa a equivalência jurídica de uma taxa trata-se de apurar se ela é cobrada em função de uma prestação efectivamente provocada ou aproveitada pelo particular, distinguindo-a das contribuições e dos impostos. Por seu lado, quando se examina a equivalência económica de uma taxa trata-se de apurar se o seu montante corresponde ao custo ou valor das prestações que o ente público dirige a quem as paga e de saber se com isso se respeitam os princípios da igualdade e da proporcionalidade, no fundo estamos a aferir da sua legitimação material.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"..........................................................., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Almada, exarada a fls.67 a 95 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a presente impugnação visando acto de liquidação de taxa relativa “à apreciação formal das medidas de autoproteção do centro comercial Rio Sul Shopping”, efectuado pela Autoridade Nacional de Proteção Civil e no valor de € 10.399,85, bem como do despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra o citado acto.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.112 a 156 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A elaboração e implementação das medidas de autoproteção é uma obrigação legal decorrente do artigo 22 do Decreto-Lei 220/2008, de 12/11, e não um direito do particular do qual possa desistir;
2-O regime transitório previsto no artigo 34, 2, b) do Decreto-Lei n.º 220/2008, não exige a emissão de qualquer parecer ou outro acto de controle preventivo da ANPC sobre as medidas de autoproteção remetidas e já implementadas e em execução;
3- Na ausência de qualquer regime transitório, não se garantia a elaboração das medidas de autoproteção para os edifícios existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei 220/2008, pois não existiria procedimento camarário no qual se pudesse declarar tal cumprimento (cf. art.º 13, 8 do Decreto-Lei n.º 555/99 e 16 do Decreto-Lei n.º 220/2008);
4- O envio à ANPC das medidas de autoproteção, para “apreciação”, nos casos previstos no regime transitório regulado no art.º 34.º/2, b) e no caso em apreço, consubstancia um mecanismo compulsório da sua elaboração, implementação e declaração de responsabilidade do técnico;
5- Tal mecanismo de apreciação das condições de segurança contra incêndios em edifícios, é adequado ao regime jurídico da urbanização e edificação, alterado pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, que também não prevê qualquer parecer quando exista um responsável pelas condições de segurança (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 220/2008);
6- Da conjugação dos art.º 34, n.º 2, 29, n.º 2, alínea b) e 15, todos do Decreto-Lei n.º 220/2008 não resulta a conclusão de que “o facto tributário é a apreciação da ANPC sobre as medidas de autoprotecção a implementar, em conformidade com as exigências do regulamento técnico previsto no art. 15 supra referido”, pelo que a sentença enferma de erro de julgamento;
7-A apreciação pela ANPC da conformidade das medidas de autoproteção com o Regulamento Técnico de Segurança Contra Incêndios em Edifícios tem lugar em sede de controle sucessivo ou fiscalização, mediante inspeção, ao abrigo dos disposto no artigo 19 do Decreto-Lei n.º 220/2008;
8- Os pareceres são actos instrutórios de um determinado procedimento administrativo e que se dirigem a um “órgão competente para a decisão” (cf. art.º 98/1 do CPA) e que “devem ser sempre fundamentados e concluir de modo expresso e claro sobre todas as questões indicadas na consulta” (cf. art.º 99.º/1 do CPA);
9- No caso em apreço não houve qualquer consulta, não foram colocadas quaisquer questões e não há qualquer procedimento cujo órgão competente para a decisão aproveite o parecer alegadamente devido pela ANPC, pois não há qualquer decisão a tomar (até porque as medidas em causa já se encontram em execução);
10- Ao concluir “que a taxa em causa incide sobre a emissão de pareceres, sobre as condições de SCIE (art.º 29) onde se incluem a apreciação das medidas de autoprotecção a implementar (art.º 15 e art.º 34)” o Tribunal erra na interpretação e aplicação daquelas normas pois as mesmas não correspondem aos factos do caso em apreço, em que não há lugar à emissão de parecer;
11- Na petição inicial a ora recorrente alegou que os artigos 19/2, f) do Decreto-Lei n.º 75/2007, 29 do Decreto-Lei n.º 220/2008 e 1, 2, 3 e 4 da Portaria n.º 1054/2009, que fundamentam a liquidação, são posteriores à revisão constitucional promovida pela Lei Constitucional n.°1/97, pelo que necessariamente deveriam conformar-se com o seu artigo 165/1,i). Não o fazendo, tais normas são organicamente inconstitucionais encontrando-se a sua aplicação vedada aos tribunais por força do disposto no artigo 204 da Lei Fundamental e no artigo 1/2 do ETAF;
12- Na sentença recorrida, o Tribunal omitiu decisão quanto à inconstitucionalidade orgânica invocada nos artigos 23 e 99 da PI, o que determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (cf. art.º 668/1, d) do Código de Processo Civil);
13- O Tribunal erra na interpretação e aplicação do artigo 29/3 do Decreto-Lei n.º 220/2008, ao sustentar na sentença que a taxa ora liquidada não ofende o princípio da proporcionalidade;
14- Não é possível que um acto único de alegada “apreciação” de uma entidade pública sobre documentos elaborados por um técnico inscrito numa Ordem Profissional possa ser “remunerado” com mais de 20 (vinte) salários mínimos nacionais e um Tribunal nacional possa entender que tal respeita o princípio da proporcionalidade e o critério legal imposto de remuneração pelo “custo efectivo do serviço prestado” previsto nos artigos 19/2, f) do Decreto-Lei n.º 75/2007 e 29/3 do Decreto-Lei n.º 220/2008;
15- A taxa que foi cobrada no caso concreto, ainda que prevista no seu nomen iuris na Portaria 1054/2009, de 16 de Setembro, não apresenta a mínima correspondência com o serviço prestado, o que decorre, desde logo, de ser calculada em função da área do edifício (€0,1/m2) acabando ainda por representar um agravamento de 104% sobre a taxa mínima aplicável ao mesmo serviço;
16- O valor da taxa é obtido mediante multiplicação por um “Factor de serviço prestado” determinado em 0,5 e por um factor não identificado de 0,2, cuja determinação não é justificada, furtando-se assim à sindicância legal;
17- Uma taxa cujo valor é determinado por referência à área do edifício onde se encontram implementadas as medidas de autoproteção e que aumenta directamente e sem limites na proporção dessa área não pode, pela sua própria natureza, constituir um direito com carácter remuneratório;
18- A sentença recorrida enferma de erro de julgamento (ou omissão de pronúncia) ao decidir sobre a conformidade constitucional da taxa em apreço com fundamento em jurisprudência e doutrina sobre o princípio da equivalência, furtando-se a formular juízo sobre a conformidade da Portaria 1054/2009 com o disposto nos art.º 19/2, f) do Decreto-Lei n.º 75/2007 e 29/3 do Decreto-Lei n.º 220/2008, ou seja, se a taxa remunera o custo efetivo do concreto serviço alegadamente prestado;
19- O Tribunal a quo errou no seu julgamento ao decidir com fundamento num princípio tributário quando haveria de ter decidido com base em lei expressa que não só se refere a tal princípio da equivalência mas também a outros princípios constitucionais, como seja o da proporcionalidade na oneração do particular nas relações administrativas e tributárias;
20- Caso o tribunal não julgue esta ilegalidade, a impugnante vê negado o seu acesso ao direito e à justiça, sendo-lhe vedada a sindicância da conformidade legal da taxa impugnada;
21-NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e consequentemente anulando-se o acto de liquidação com as legais consequências. SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.170 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.172 e 176 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.71 a 82 dos autos):
1-A impugnante foi notificada pelo ofício datado de 08/11/2010, nos seguintes termos:































(cfr.documentos juntos a fls.32 e 33 dos presentes autos);

2-A impugnante prestou garantia bancária a favor da Autoridade Nacional de Protecção Civil, nos seguintes termos:
(cfr.documento junto a fls.46 dos presentes autos);

3-A impugnante foi notificada do despacho datado de 13 de Julho de 2011, do Presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil, que indeferiu a reclamação graciosa, nos seguintes termos:








(cfr.documento junto a fls.34 a 41 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não foram detectados outros factos relevantes para a presente decisão…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida é a seguinte: “…A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito. A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos juntos aos autos aí referidos, os quais foram analisados segundo as regras da experiência comum, e que não foram impugnados…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente impugnação, mais mantendo o acto de liquidação que lhe é objecto (cfr.nº.1 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em primeiro lugar e conforme se relata acima, que na petição inicial a ora recorrente alegou que o artº.19, nº.2, al.f), do dec.lei 75/2007, de 29/3, o artº.29, do dec.lei 220/2008, de 12/11, e os artºs.1, 2, 3 e 4, da portaria 1054/2009, de 16/9, que fundamentam a liquidação impugnada, são posteriores à revisão constitucional promovida pela Lei Constitucional nº.1/97, pelo que necessariamente deveriam conformar-se com o artº.165, nº.1,al.i), da C.R.P. Que não o fazendo, tais normas são organicamente inconstitucionais encontrando-se a sua aplicação vedada aos Tribunais por força do disposto no artº.204, da Lei Fundamental e do artº.1, nº.2, do E.T.A.F. Que a sentença recorrida omitiu decisão quanto à inconstitucionalidade orgânica invocada nos artºs.23 e 99 da p.i., o que determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do artº.668, nº.1, al.d), do Código de Processo Civil (cfr.conclusões 11 e 12 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar uma nulidade devido a omissão de pronúncia da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma realidade e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, o que o recorrente pretende é que o Tribunal “a quo” não conheceu da inconstitucionalidade orgânica invocada nos artºs.23 e 99 da p.i.
Tal não é verdade.
Como muito bem se refere no despacho de sustentação exarado pelo Tribunal "a quo" a fls.164 e 165 dos autos, a causa de pedir (questão) que o recorrente invoca, a este título, no articulado inicial consubstancia-se na alegada violação do princípio da legalidade tributária e da alegada falta de competência para a criação da taxa em causa nos presentes autos (cfr.artºs.20 a 80 da p.i.).
Ora, como se constata do exame da decisão do Tribunal "a quo", é tal questão examinada durante três páginas (cfr.fls.84 a 86 do processo).
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia sobre qualquer questão suscitada, não ocorrendo, portanto, a respectiva nulidade e, nestes termos, devendo improceder este fundamento do recurso.
Mais aduz o recorrente, em síntese, que da conjugação dos artºs.15, 29 e 34, todos do dec.lei 220/2008, de 12/11, não resulta a conclusão de que o facto tributário é a apreciação da Autoridade Nacional de Protecção Civil (A.N.P.C.) sobre as medidas de autoprotecção a implementar, em conformidade com as exigências do regulamento técnico previsto no citado artº.15, pelo que a sentença enferma de erro de julgamento. Que a apreciação pela A.N.P.C. da conformidade das medidas de autoproteção com o Regulamento Técnico de Segurança Contra Incêndios em Edifícios tem lugar em sede de controle sucessivo ou fiscalização, mediante inspecção, ao abrigo dos disposto no artº.19 do mesmo dec.lei 220/2008, de 12/11. Que ao concluir que a taxa em causa incide sobre a emissão de pareceres, sobre as condições de SCIE (artº.29) onde se incluem a apreciação das medidas de autoprotecção a implementar (artºs.15 e 34), o Tribunal erra na interpretação e aplicação daquelas normas pois as mesmas não correspondem aos factos do caso em apreço, em que não há lugar à emissão de parecer (cfr.conclusões 1 a 10 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A Autoridade Nacional de Protecção Civil é um organismo pertencente à Administração Directa do Estado, criada pelo dec.lei 75/2007, de 29/3 (cfr.artº.1), a quem compete, além do mais, proceder à regulamentação, licenciamento e fiscalização no âmbito da segurança contra incêndios (cfr.artº.2, nº.2, al.d), do dec.lei 75/2007, de 29/3).
Por sua vez, o dec.lei 220/2008, de 12/11, veio consagrar o regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios (revogando o anterior regime constante do dec.lei 368/99, de 18/9), abreviadamente designado por S.C.I.E., estipulando que a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) é a entidade competente para assegurar o cumprimento do regime de segurança contra incêndios em edifícios (cfr.artºs.1 e 5).
O artº.29, do referido dec.lei 220/2008, dispõe:
1-Os serviços prestados pela ANPC, no âmbito do presente decreto-lei, estão sujeitos a taxas cujo valor é fixado por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da protecção civli.
2-Para efeitos do número anterior consideram-se serviços prestados pela ANPC, nomeadamente:
(...);
b) A emissão de pareceres sobre as condições de SCIE;
(...);
3-As taxas correspondem ao custo efectivo dos serviços prestados.

O diploma mencionado no nº.1, do citado artº.29, do dec.lei 220/2008, de 12/11, é a portaria 1054/2009, de 16/9, a qual veio fixar o valor das taxas pelos serviços prestados pela A.N.P.C., no âmbito do mesmo dec.lei 220/2008, de 12/11, referindo no seu artº.2, nº.1, al.a), que estão sujeitos ao pagamento de taxas os serviços de emissão de pareceres sobre as condições de segurança contra incêndio em edifícios (SCIE). Define ainda a referida portaria as condições de cobrança e pagamento das taxas, inclusive nos termos do seu Anexo I, o valor das taxas a cobrar, mediante a fórmula T = AB x VU, cuja nota explicativa, do mesmo consta.
Mais se deve fazer referência ao Regulamento Técnico de Segurança contra Incêndio em Edifícios (SCIE), aprovado pela portaria 1532/2008, de 29/12, a qual consagra as condições técnicas gerais e específicas de segurança contra incêndios em edifícios, nomeadamente, as condições de auto-protecção. Nos artºs.193 e seg. do regulamento anexo a esta portaria, encontram-se definidas as condições gerais de auto-protecção, devendo os edifícios, os estabelecimentos e os recintos ser dotados de medidas de auto-protecção adaptadas às condições reais de exploração de cada utilização-tipo e proporcionadas à sua categoria de risco. No artº.196, do mesmo regulamento, consagra-se de forma clara e inequívoca, a sujeição dos planos de segurança internos, os quais se compreendem nas medidas de auto-protecção, ao parecer da A.N.P.C.
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada (cfr.nº.3 do probatório), deve concluir-se que a taxa liquidada, no montante total de € 10.399,85, tributo de que é sujeito passivo a sociedade recorrente, enquanto proprietária do Centro Comercial Rio Sul, sito em ...................., Seixal, se reporta à emissão de parecer sobre as condições de S.C.I.E., onde se inclui a apreciação das medidas de auto-protecção enviadas à A.N.P.C., nos termos do regime transitório consagrado no artº.34, do dec.lei 220/2008, de 12/11 (cfr.artº.15 e 29, do dec.lei 220/2008, de 12/11).
Concluindo, nega-se provimento ao presente fundamento do recurso, assim se confirmando a sentença recorrida neste segmento.
Por último, defende o apelante, em síntese, que o Tribunal "a quo" erra na interpretação e aplicação do artº.29, nº.3, do dec.lei 220/2008, de 12/11, ao sustentar na sentença que a taxa ora liquidada não ofende o princípio da proporcionalidade. Que não é possível que um acto único de alegada “apreciação” de uma entidade pública sobre documentos elaborados por um técnico inscrito numa Ordem Profissional possa ser “remunerado” com mais de 20 (vinte) salários mínimos nacionais e um Tribunal nacional possa entender que tal respeita o princípio da proporcionalidade e o critério legal imposto de remuneração pelo “custo efectivo do serviço prestado” previsto nos artºs.19, nº.2, al.f), do dec.lei 75/2007, de 29/3, e 29, nº.3, do dec.lei 220/2008, de 12/11 (cfr.conclusões 13 a 19 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, novo erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
A taxa deve visualizar-se como uma receita pública estabelecida por lei, quer como retribuição de serviços prestados individualmente aos particulares no exercício de uma actividade pública, quer como contrapartida da utilização de bens do domínio público, quer, ainda, como contrapartida da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares. A taxa situa-se apenas no domínio dos serviços públicos divisíveis. Na verdade, existem actividades públicas ditas indivisíveis, dado que o benefício para os particulares das mesmas resultante tem carácter genérico (v.g.defesa nacional; actividade legislativa; actividade diplomática). Porém, existem muitas outras actividades e serviços públicos de que os particulares podem extrair vantagens individualmente consideradas, pelo que, nesses casos, existe a possibilidade de realizar a respectiva cobertura financeira, total ou parcialmente, mediante a criação de taxas (v.g.propinas da instrução pública; custas da justiça; portagens pagas nas vias de comunicação). Atento o referido, o que caracteriza, definitivamente, a taxa em face do imposto, consiste no carácter sinalagmático ou bilateral daquela e unilateral ou não sinalagmático deste. A taxa não se basta com a existência de uma contrapartida jurídica de carácter genérico, sendo necessário que seja satisfeita uma contraprestação individual pelo devedor para que exista (cfr.artº.4, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/1/94, Acórdãos Doutrinais, nº.396, pág.1412 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/5/96, Acórdãos Doutrinais, nº.420, pág.1420 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Editora Rei dos Livros, 1996, I, pág.74 a 77; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª. edição, Livraria Almedina, 1996, pág.35 a 37; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.30 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.85).
Actualmente, a taxa pode definir-se como uma prestação coactiva, devida a entidades públicas, com vista à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos. Em contraste com o imposto de características unilaterais, a taxa caracteriza-se pela sua natureza cumutativa ou bilateral, devendo o seu valor concreto ser fixado de acordo com o princípio da equivalência jurídica. A natureza do facto constitutivo que baseia o aparecimento da taxa pode consistir na prestação de uma actividade pública, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (cfr.artº.4, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária; artºs.3 e 4, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29/12; artº.15, nº.2, da L.F.L. aprovada pela Lei 2/2007, de 15/1; Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais, Introdução e Comentário, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.8, 2009, pág.83 e seg.; Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.37 e seg.).
Recorde-se, também, que a distinção entre imposto e taxa assume especial relevo perante os princípios gerais de direito tributário material, designadamente face ao princípio da legalidade, concebido como reserva absoluta de lei formal, isto é, lei da Assembleia da República (cfr.artº.103, nº.2, da Constituição da República, na redacção introduzida pela Lei Constitucional 1/97, de 20/9), princípio este que, segundo a doutrina, abrange somente o imposto mas não já as taxas que podem ser criadas por decreto-lei do Governo, sem prévia autorização legislativa (cfr.Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Editora Rei dos Livros, 1996, I, pág.76; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª. edição, Livraria Almedina, 1996, pág.37; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.31).
"In casu", entendeu o Tribunal "a quo" que o tributo objecto dos presentes autos deve qualificar-se como taxa e não viola o princípio da proporcionalidade.
Pelo contrário, o recorrente entende que se verifica tal violação.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artº.18, nº.2, da C.R.Portuguesa, como pressuposto material para que se verifique uma restrição legítima de direitos, liberdades e garantias.
Desde logo, se dirá que nos encontramos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.).
No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5593/12).
Mas voltando ao princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de “direitos, liberdades e garantias”, que consiste no respeito do “conteúdo essencial” dos respectivos preceitos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6579/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.392 e seg.).
O dito princípio também encontra consagração no nº.2, do artº.266, da C.R.Portuguesa, como princípio orientador do agir da Administração.
O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no citado artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do C.P.A.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.801 e seg.).
De acordo com o mesmo, na actuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr.José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.67, em anotação ao artº.5). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário. O princípio da proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.448 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.449 e seg.).
No caso dos autos, antes de mais, se dirá que o tributo sob exame tem por fundamento a remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, conforme se refere supra (é a emissão de parecer sobre as condições de segurança contra incêndios em edifícios que se evidencia como facto constitutivo do tributo em causa).
O pagamento devido, diga-se a prestação, encontra correspectividade na emissão do parecer. Nesta correspondência se consubstancia o carácter sinalagmático da relação jurídica tributária "sub judice", que por esse facto não pode deixar de se qualificar como uma taxa.
Para aferir da existência de sinalagma o que importa é a equivalência jurídica que se reflecte no nexo de correspectividade entre as prestações, em termos de, se uma delas não for cumprida o devedor da outra poder recusar também o seu cumprimento.
No entanto, importa lembrar que a doutrina e a jurisprudência têm também convergido no entendimento de que deve também ser emitido um juízo de correspondência material ou proporcionalidade em sentido estrito entre o próprio montante da taxa e o valor da contraprestação administrativa. Ou seja, que o princípio da equivalência se projecta, não apenas na estrutura da relação jurídica das taxas (equivalência jurídica), mas também no seu montante (equivalência económica), e que uma gritante desproporção entre as duas grandezas de valor pode também afectar a legitimidade do tributo (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.37 e seg.).
Em suma, quando se analisa a equivalência jurídica de uma taxa trata-se de apurar se ela é cobrada em função de uma prestação efectivamente provocada ou aproveitada pelo particular, distinguindo-a das contribuições e dos impostos. Por seu lado, quando se examina a equivalência económica de uma taxa trata-se de apurar se o seu montante corresponde ao custo ou valor das prestações que o ente público dirige a quem as paga e de saber se com isso se respeitam os princípios da igualdade e da proporcionalidade, no fundo estamos a aferir da sua legitimação material (cfr.Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais, Introdução e Comentário, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.8, 2009, pág.95).
Revertendo, mais uma vez, ao caso concreto, como decorre da supra referida portaria 1054/2009, de 16/9, o apuramento da taxa a pagar é determinado através de uma fórmula que identifica os critérios utilizados pela entidade pública, fazendo variar os factores de multiplicação em função da área, da complexidade e dos meios necessários à prestação do serviço, introduzindo ainda factores de correcção. Acresce que os valores unitários variam em função da utilização-tipo dos edifícios ou recintos.
Ora, sendo estabelecida uma diferenciação de critérios subjacentes ao apuramento do valor da taxa a cobrar perante as diversas situações sujeitas à mesma, tal afigura-se compatível com o principio da proporcionalidade, estando evidenciado o fundamento económico do tributo em causa.
Quanto à questão alegada pela impugnante, da necessária correspondência entre o valor da taxa e o custo efectivo do serviço, tal como prevista no artº.29, nº.3, do dec.lei 220/2008, de 12/11, ficou já exposta a posição adoptada por este Tribunal quanto ao princípio da equivalência económica, visto não exigir a lei uma perfeita identidade de montante entre as prestações em causa.
Conclui-se, em face do exposto, pela qualificação do tributo objecto dos presentes autos como taxa e pela não verificação da violação do examinado princípio da proporcionalidade por parte do mesmo (emissão de parecer sobre as condições de S.C.I.E., onde se inclui a apreciação das medidas de autoprotecção enviadas à A.N.P.C., nos termos do regime transitório consagrado no artº.34, do dec.lei 220/2008, de 12/11).
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 19 de Março de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)