Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04017/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/03/2010
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:RCPIT
DONATIVOS A CLUBE DESPORTIVO
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS.
Sumário:1. Os prazo de elaboração do RIT e da sua notificação estabelecidos, respectivamente, nos art.°s 60.°/4 e 62.°/2, do RCPIT, têm natureza meramente ordenatória e disciplinadora;

2. Com referência aos anos de 2003 e 2004, os donativos efectuadas por uma sociedade comercial a um Clube Desportivo, para relevarem, para efeitos de apuramento das matérias colectáveis da doadora, naqueles mesmos exercícios, pressupunham, cumulativamente, a qualidade atribuída de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva do donatário e o reconhecimento dos benefícios fiscais decorrentes da doação;

3. O preenchimento dos conceitos de "necessidade" e "indispensabilidade', plasmados no art.° 23.°, n.° l, do CIRC, prende-se com as despesas incorridas reportadas ao interesse societário concretamente prosseguido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- F............... & .............., S.A., com os demais sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pelo Mm.º juiz do TAF de Sintra e documentada de fls. 182 a 189 e, pela qual, foi julgada esta impugnação judicial, que oportunamente deduziu contra liquidações adicionais de IRC, relativas aos exercícios de 2003 e 2004, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;




1. Dispõe o n.º 4 do artigo 60º do RCPIT, relativo à audição prévia do sujeito passivo no âmbito do procedimento, que no prazo de 10 dias após o exercício do direito de audição prévia pelo sujeito passivo (oralmente ou por escrito), deverá ser elaborado o relatório definitivo de inspecção;

2. Considerando que o relatório definitivo foi concluído no dia 24 de Agosto de 2006, i.e., praticamente um mês depois do exercício de audição prévia pela Recorrente, entende esta que o prazo estipulado no n.º 4 do artigo 60º do RCPIT foi claramente ultrapassado, tendo sido violada a referida norma;

3. Nos termos do n.º 2 do artigo 62º do RCPIT, o relatório definitivo deverá ser notificado ao sujeito passivo, por carta registada, “nos dez dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação.”;

4. A Administração Fiscal deveria ter notificado a Recorrente do conteúdo do relatório definitivo no prazo de 20 dias após o exercício do direito de audição prévia, o que não sucedeu na prática, já que a notificação apenas foi recebida pela Recorrente no dia 08 de Setembro de 2006, em clara violação do disposto no n.º 2 do artigo 62º do RCPIT;

5. A sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 688º n.º 1 alínea b) do CPC por não especificar os fundamentos de facto e de direito para a não aceitação de custos relativos a festas e confraternizações;

6. É ainda nula a sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 688º n.º 1 alíneas b) c) e d) do CPC em face da ausência de análise de erros materiais do relatório de inspecção invocados na p.i. e por, erradamente, considerar que a Recorrente invocou legislação inaplicável temporalmente aos factos;

7. Conforme referido no relatório de inspecção da Administração Fiscal, o diploma que conferiu ao “Sporting .................” o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública foi emitido em 7 de Dezembro de 1988, pela Presidência do Conselho de Ministros, ao abrigo do Decreto-lei n.º 460/77, de 7 de Novembro;

8. Nos termos do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, “as pessoas colectivas de utilidade pública gozam das isenções fiscais que forem previstas na lei”;

9. A Lei de Bases do Sistema Desportivo que foi entretanto publicada (Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º19/96, de 25 de Junho) dispunha, no seu artigo 18º, n.º 4 que “os autores de liberalidades efectuadas em benefício das entidades referidas nos n.ºs 2 e 3 (i.e., clubes desportivos que gozem do estatuto de instituição de utilidade pública) gozam de regime fiscal idêntico ao previsto para as efectuadas em benefício de instituições privadas de solidariedade social;

10. A Lei de Bases do Desporto actualmente em vigor (Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho) acrescenta ainda, no artigo 68º, que “Nos termos do Estatuto do Mecenato, têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas na área desportiva;

11. Por sua vez, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Código do IRC, as instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas estão isentas de IRC;

12. Com efeito, apesar do “Sporting .................” não ter logrado ainda obter o reconhecimento do projecto com interesse desportivo emitido pelas entidades oficiais, este não é indispensável para que possa beneficiar da referida isenção, já que o n.º 2 do artigo 10º do Código do IRC esclarece expressamente que aquele reconhecimento apenas é exigido para as entidades referidas na alínea c) do n.º 1, designadamente “pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa de meio ambiente”;

13. Dispõe ainda o n.º 3 do artigo 1º do Decreto-lei n.º 74/99, de 16 de Março que “os benefícios fiscais previstos no presente diploma, com excepção dos referidos no artigo 1º do Estatuto e dos respeitantes aos donativos concedidos às pessoas colectivas dotadas de estatuto de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC nos termos do artigo 9º (actual artigo 10º) do respectivo Código, dependem de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos ministros das Finanças e da tutela”;

14. Desta forma, entende a Recorrente que, não sendo necessário o reconhecimento da isenção de IRC aplicável ao “Sporting .................” no âmbito do actual artigo 10º do Código do IRC, não é igualmente de exigir o reconhecimento dos benefícios fiscais relativos a donativos concedidos em virtude do mecenato desportivo, regulado pelo Estatuto do Mecenato;

15. O “Sporting .................” (entidade beneficiária dos donativos efectuados pela Recorrente) embora efectivamente obtenha rendimentos derivados do exercício de actividades culturais, recreativas e desportivas, tendo sido legalmente constituído para o exercício de tais actividades, qualifica igualmente como pessoa colectiva de utilidade pública;

16. Não pode, assim, a Administração Fiscal negar ao “Sporting .......................” os benefícios inerentes à qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública, que lhe foi, aliás, oficialmente atribuída e reconhecida, nos termos anteriormente descritos;

17. De qualquer forma, ainda que se conclua pelo mesmo entendimento da Administração Fiscal, o n.º 4 do artigo 1º do Decreto-lei n.º 74/99, de 16 de Março acrescenta que “a excepção efectuada no número anterior não prejudica o reconhecimento do benefício, nas situações previstas no n.º 2 do artigo 2º e nos n.ºs 2 e 3 do artigo 3º do Estatuto”;

18. Resulta do acima exposto que, quando os donativos atribuídos às entidades dotadas do estatuto de utilidade pública tenham como propósito a realização de actividades ou programas considerados de superior interesse desportivo, há lugar à aplicação da majoração prevista, ainda que não tenha havido o reconhecimento exigido pelo n.º 3 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março;

19. Com efeito, reconhecendo a importância da actividade desenvolvida pelo “Sporting .................”, a Recorrente pretendeu, através dos donativos efectuados, incrementar o desenvolvimento da actividade desportiva no concelho a que o “Sporting .................” e a Recorrente pertencem;

20. Relativamente à contabilização dos montantes envolvidos, cabe referir em primeiro lugar que as irregularidades apontadas pela Administração Fiscal não se reportam à contabilidade da Recorrente, mas sim à do “Sporting .................”, pelo que a Recorrente não entende como poderão as mesmas determinar a desconsideração dos montantes por si doados e correctamente contabilizados e documentados;

21. Com efeito, conforme refere a Administração Fiscal, a Recorrente possui os recibos emitidos pelo clube desportivo correspondentes aos donativos que realizou, assim como cópias das letras e cheques utilizados para pagar os respectivos montantes;

22.Dispõe o n.º 1 do artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT) que se presumem de boa- -fé os “dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”;

23. Não existindo qualquer irregularidade na contabilidade da Recorrente (pelo contrário, já que todos os registos efectuados se encontram devidamente documentados), não entende esta como pode a Administração Fiscal pôr em causa os elementos constantes de tais registos, chegando mesmo ao cúmulo de corrigir a matéria colectável de IRC, tendo apenas como base a irregularidade da contabilidade de outra entidade;

24. Em sede de direito de audição prévia, a Recorrente constatou ainda que, relativamente ao montante de donativos considerados como custo em IRC, no exercício de 2004 (i.e., €245.000,00), ocorria uma clara incongruência entre a documentação de suporte (que constava do Anexo 2 do projecto de relatório) e as considerações tecidas pela Administração Fiscal no relatório;

25. Incrédula perante a afirmação da Administração Fiscal, a Recorrente tentou apurar a origem do montante de €207.006,48 que, de acordo com o projecto de relatório, corresponderia aos montantes contabilizados e conseguiu a Recorrente concluir que aquele montante decorria do facto de a Administração Fiscal ter somado as parcelas erradas do extracto de conta 6919, designadamente: €77.117,48 (2º donativo ao “Sporting .................”), €85.000,00 (3º donativo ao “Sporting .................”) e € 44.889,00 (donativo efectuado em 31.10.2004 à Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes), o que totaliza €207.006,48;

26. No relatório definitivo de inspecção, em resposta ao direito de audição prévia exercido pela Recorrente (página 16), a Administração Fiscal reconhece que ocorreu um erro material, embora acrescente que as correcções propostas estão correctas e que os montantes em que estas se basearam se encontravam discriminados de forma detalhada, totalizando €245.000,00 (e não €207.006,48);

27. No entanto, e apesar de reconhecer aquele erro, o mesmo persiste, desta feita no próprio relatório definitivo de inspecção, na página 9, onde consta novamente que “A F............. & ................ contabiliza como custo “Donativos” ao Sporting para arrelvamento do campo de futebol o montante de €207.006,48”;

28. É assim a Recorrente quem, mais uma vez, é obrigada a chamar a atenção para o “erro material” que persiste em não ser eliminado, não cabendo à Recorrente o ónus de verificar a não correcção e/ou eventuais incongruências dos elementos incluídos no projecto de relatório e no relatório definitivo de inspecção;

29. No que respeita aos custos contabilizados pela Recorrente na conta 648211 – Festas e Confraternizações, entende a Administração Fiscal que, uma vez que tais montantes foram atribuídos a colaboradores e ex-colaboradores, deveria a Recorrente tê-los sujeitado a tributação em sede de IRS;

30. O n.º 2 do artigo 2º do Código do IRS dispõe que qualificam como rendimentos do trabalho dependente, designadamente, “ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não”;

31. Nos termos da legislação laboral, nomeadamente do n.º 1 do artigo 249º do Código do Trabalho, só qualifica como retribuição ou remuneração “aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.”;

32. Acresce ainda que, em sede de IRS, o conceito de remuneração acessória caracteriza-se pela atribuição, ao colaborador, de rendimentos que constituem, ainda assim, um benefício ou regalia concedida em retribuição do trabalho prestado e tal não sucedia, pois os cabazes de natal eram efectivamente entregues como incentivo ao capital humano da empresa – Cfr depoimentos das testemunhas Helena ............., Agostinho ............. e Ismael ..............;

33. A atribuição aos colaboradores e ex-colaboradores de cabazes de Natal e conjuntos de bebidas não constitui qualquer contrapartida do trabalho prestado para a Requerente, pelo que não se encontram sujeitos a IRS;

34. Os montantes despendidos com os Cabazes de Natal e os conjuntos de bebidas constituem encargos indispensáveis de natureza administrativa, já que foram atribuídos aos colaboradores e ex-colaboradores no âmbito do desenvolvimento da actividade normal da empresa;

35. Conforme decorre das regras e costumes da regulação das actividades das empresas no mercado, existe uma preocupação crescente com a perspectiva social e de recursos humanos, até como forma de incrementar o empenho dos colaboradores na realização das suas tarefas e demonstrar a preocupação da entidade patronal com aqueles que contribuem para a realização dos proveitos ou ganhos da empresa;

36. É no âmbito desta política de crescente preocupação com o capital humano das empresas que se tem adoptado, como prática comum no mercado, a atribuição de pequenas ofertas em datas relevantes (tais como a época Natalícia) aos colaboradores das empresas, o que sucede muitas vezes em simultâneo com a realização de eventos, ou outro tipo de iniciativas que pretendem envolver os colaboradores na actividade da empresa e consciencializá-los do papel relevante que desempenham na manutenção da fonte produtora;

37. Ainda assim, a Administração Fiscal, em resposta ao exercício do direito de audição prévia pela Recorrente, insiste que aqueles montantes não podem ser aceites como custos para efeitos fiscais, já que a respectiva tributação em sede de IRS não pode ocorrer pelo facto de não serem identificados os destinatários, e não ter sido discriminada a quantidade nem a natureza dos bens;

38. Conforme depoimento das testemunhas Helena ........, Agostinho ....... e Ismael .........., os destinatários dos Cabazes do Natal eram todos os funcionários da Recorrente;

39. A documentação subjacente aos registos contabilísticos efectuados naquele âmbito é suficientemente esclarecedora relativamente aos bens e montantes que estão em causa;

40. Atendendo aos argumentos já expostos, entende a Recorrente que aqueles montantes não qualificam como retribuição dos colaboradores, não se encontram sujeitos a IRS, e constituem um custo da empresa, dedutível para efeitos de IRC, nos termos do artigo 23º do Código do IRC, por serem indispensáveis para a realização dos seus ganhos e manutenção da fonte produtora, no âmbito do exercício normal da sua actividade.

- Conclui que, pela procedência do recurso, se determine a anulação da decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra “que anule o acto de liquidação”.

- Não houve contra-alegações.

- O EMMP, junto deste tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 232 a 238, inclusive, dos autos, pronunciando-se, a final, pela improcedência do recurso, seja porque não se verificam as alegadas nulidades da sentença, seja porque, quanto ao mérito, relativamente aos vícios de procedimento, por ultrapassagem de prazos, estes têm natureza meramente ordenatória e disciplinadora, não sendo motivo de invalidade dos actos impugnados e, no que concerne à substância das correcções operadas pela AF, elas são de manter já que a beneficiária dos donativos é uma pessoa colectiva de simples utilidade pública, pelo que os benefícios fiscais resultantes de tais donativos estavam dependentes de reconhecimento, o que não ocorreu e, quanto às despesas incorridas com referência a «festas e confraternizações», as mesmas não podem relevar a título de custos de exercício, seja enquanto remunerações acessórias, seja enquanto custos administrativos, não tendo, a recorrente, por outro lado e como lhe incumbia, demonstrado que aquelas foram suportadas no interesse da empresa.

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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A. No âmbito de uma acção de fiscalização interna efectuada à sociedade “F............. & ................, S.A.” aos exercícios de 2003 e 2004, foram efectuadas correcções ao lucro tributável e procedeu-se a liquidação adicional de IRC para aqueles anos, com o n.º ................ e n.º ......................., no valor de € 171.652,03 e de € 44.535,31, respectivamente, e juros compensatórios, devidamente notificados ao sujeito passivo. – cfr. “demonstração de liquidação” de imposto e de juros de fls. 20 e 21 e de fls. 23 e 24; “demonstração de compensação”, de fls. 22 e 25, dos autos.

B. As correcções constantes das “conclusões do relatório” estão fundamentadas no Relatório elaborado pelos serviços de inspecção, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido e do qual consta, designadamente, que o lucro tributável foi acrescido de um valor total de € 825.554,96, em resultado de determinados custos não aceites para efeitos fiscais, as quais resultaram de correcções de custos contabilizados pela sociedade, sendo que relativamente à conta “donativos”, referente a três recibos emitidos pelo donatário e cópia de duas letras e um cheque, atribuídos ao abrigo do regime do mecenato em benefício de uma pessoa colectiva de utilidade pública, que foi considerado incluído no âmbito do mecenato desportivo e como tal dependente de reconhecimento enquanto entidade beneficiária e da comprovação documental da sua utilização por essa beneficiária, o que não foi alcançado pelo que não foram consideradas, assim como a majoração efectuada; no que respeita a despesas incorridas através da conta “festas e confraternizações”, o custo não é considerado necessário para obtenção dos proveitos, sendo que o valor respeita a ofertas a colaboradores sem discriminação da natureza dos bens, unidades vendidas e valor unitário dos bens e dos destinatários das ofertas, assim como não constituindo remunerações acessórias acessórias dos seus empregados não podem integrar os respectivos custos com pessoal. – cfr. Relatório de fls. 29 a 44, dos autos.

C. Dá-se aqui por reproduzido o Documento emitido pela P.C.M., de fls. 45 a 47, que reconhece ao “Sporting .................” como pessoa colectiva de utilidade pública, tendo esta entidade requerido o reconhecimento dos benefícios fiscais ao abrigo do artº 2º do Estatuto do Mecenato, conforme documento de fls. 48, o qual não foi objecto de qualquer decisão – cfr. correspondência proveniente do Ministério das Finanças, de fls. 49 e 50 e Informação prestada pela D.S.I.R.C., de fls. 169 e pelo I.D.P., I.P., de fls. 173 e 174, dos autos.

D. Dão-se aqui por reproduzidos os documentos de suporte dos lançamentos contabilísticos da impugnante relativos a donativos concedidos ao Sporting ................., de fls. 52 a 60 e de fls. 63 a 72, dos autos.

E. As despesas incorridas com “outros custos com pessoal”, relativos a festas e confraternizações estão documentadas através das facturas e vendas a dinheiro constantes de fls. 75, e de fls. 78 e 82, dos autos, respectivamente.

F. Do projecto de relatório a impugnante foi notificada para se pronunciar tendo exercido direito de audição dentro do prazo, tendo o relatório definitivo sido concluído no dia 24.08.06, o qual foi notificado ao interessado em 08.09.06. cfr. fls. 26 e 27, dos autos.

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Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, diversos dos referenciados nas precedentes alíneas e enquanto relevantes à decisão final a proferir.

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida, que, a mesma, se efectuou «[…] com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que os depoimentos das testemunhas confirmam a atribuição daqueles montantes aos actuais e antigos funcionários da impugnante.».

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- Por se considerar pertinente à decisão a proferir, à luz das possíveis soluções de direito e da linha argumentativa utilizada pela recorrente, e por se encontrar documentalmente demonstrada, adita-se, ao abrigo do art.º 712.º/1, do CPC, a factualidade que segue ao probatório fixado pelo tribunal recorrido e que, assim, aqui se acolhe;

G. Os documentos de suporte referentes aos donativos a que se faz alusão na precedente alínea B. estão datados de 2003JUL31, 2003SET30, 2003OUT31, 2004ABR30, 2004MAI31 e 2004JUL31 – cfr. RIT, a fls. 36 e 37, dos autos, para que se faz expressa remessa.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Nas conclusões 5.ª e 6.ª a recorrente acusa, desde logo, a decisão recorrida de padecer de vícios de forma que importam a sua nulidade, na consideração de que não especifica os fundamentos de facto e de direito – quanto á não aceitação dos custos relativos a festas e confraternizações -, que os fundamentos se encontram em oposição com a decisão e, por último, por omissão de pronúncia – em virtude de se não ter debruçado sobre alegados erros matérias e por ter considerado erradamente que ela (recorrente) invocou legislação inaplicável temporalmente aos factos -.

- Quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, da decisão recorrida para a não aceitação de custos relativos a festas e confraternizações, sustenta-a, a recorrente, na circunstância de o Mm.º juiz recorrido ter entendido que se não tratavam de custos administrativos por não dizerem respeito a despesas pagas destinadas a utilização imediata pela empresa e necessários à actividade da recorrente sem justificar porque os considerou como desnecessários.

- Ora, se bem que o vício em questão, no que concerne à matéria de facto, abrange, ainda, a referência precisa aos elementos de prova que a suportam e ao respectivo exame crítico adequado à percepção da valoração feita dos mesmos, a verdade é que ele tem, como seu primeiro fundamento, a efectiva ausência da especificação dos aludidos elementos de suporte do decidido, mas apenas quando tal ausência seja total/absoluta e não apenas parcial/deficiente, como, a título meramente exemplificativo, se doutrina no recente Ac. do STA, de 2010SET01, tirado no Proc. n.º 0653/10 (1).

- Ora, no caso vertente é assertivo que a decisão recorrida não padece do apontado vício, nem a ausência de balizas de suporte, quer no domínio da matéria de facto, quer no da de direito, nem a referência aos respectivos elementos de prova, é total nem, tão pouco, deixam de se verificar quanto à precisa questão da consideração/desconsideração de despesas incorridas com as festas e confraternizações enquanto custos fiscais do exercício.

- Basta, para o efeito, atentar B) e E), do probatório e ao discurso jurídico da decisão constante de fls. 186 e do primeiro parágrafo de fls. 187, dos autos, onde e em síntese, se afirma que os bens adquiridos com tais despesas não se destina(ra)m a utilização imediata pela recorrente e necessários à sua actividade, o que, ainda que de forma sintética, não pode deixar de consubstanciar o juízo de que, atenta a natureza dos bens e o respectivo destino, os mesmos não se revelam como necessários à prossecução daquela actividade.

- Coisa distinta é a de saber se este entendimento deve, ou não, ser acolhido mas que não consubstancia qualquer falta de indicação das razões de facto e de direito a que se ancora o decidido nesta matéria.

- Quanto à contradição entre os fundamentos e a decisão, a recorrente apenas a suscita em termos de direito, ao remeter para a al. c), do n.º 1, do art.º 668.º, do CPC; Sem embargo não se vislumbra, quer nas conclusões do recurso, que no seu corpo alegatório qualquer referência concreta passível de consubstanciar o vício em causa o qual, como é sabido, apenas «[…] se os fundamentos invocados na decisão conduzem, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada.»(2), razão porque nada mais cumpre adiantar no sentido de que a sentença recorrida não padece de tal tipo de vício formal.

- Por último, acusa, ainda e na conclusão 6.ª, a decisão recorrida, de omissão de pronúncia seja porque se não debruçou sobre invocados erros materiais do relatório de inspecção, por um lado e, por outro, por considerar que a recorrente invocou legislação inaplicável temporalmente aos factos.

- Ora e como é sabido, o tipo de vício de forma em causa traduz-se na violação do preceituado no art.º 660º/2 do CPC, na medida em que estatui sobre o poder-dever, estritamente vinculado, dos tribunais, conhecerem de todas as questões que lhes sejam submetidas pelas partes para tal fim, com excepção daquelas, apenas, que vejam a respectiva solução prejudicada pela que haja sido dada a outra ou outras entretanto apreciadas.

- Por outro lado e, parafraseando o Ac. deste Tribunal tirado no Rec. n.º 958/98(3), questões «[...] para este efeito são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes”, não podendo confundir-se, “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do Tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (...). (...) as questões a que se reporta o aludido normativo» (art.º660º/2 do CPC) «são questões sobre o mérito da acção suscitadas quer pela causa de pedir invocada, quer pelo pedido formulado [...]».

- Resulta, assim, do que se vem de referir, que o que releva para o cometimento do vício em causa é o não conhecimento, por parte do juiz da causa, de quaisquer questões, na acepção acima mencionada, que lhe tenham sido colocadas pelas partes para apreciação.

- Ora, face ao que se vem de referir resulta, desde logo, axiomático que o imputado entendimento da decisão recorrida, no sentido de que a recorrente terá lançado mão de legislação temporalmente inaplicável aos factos relevantes à decisão final a proferir, nunca pode consubstanciar o imputado vício, já que se trata de um entendimento do Mm.º juiz recorrido, não consubstanciando qualquer tipo de questão, na acepção acima referida e, muito menos, que lhe tenha sido colocada por qualquer das partes e, particularmente, pela ora recorrente; Refira-se, aliás, que é a própria recorrente quem não deixa de imputar, à convocação de legislação eventualmente inaplicável, a natureza de um vício de fundo, e não de forma, como resulta, além do mais, na invocação que faz de que a invocação a que procedeu da legislação em causa se estribou na sua utilização pelo RIT, pelo que se ela é inaplicável «[…] então é o próprio relatório de inspecção que se encontra eivado de errada fundamentação de direito […]» (cfr. 7.º §, a fls. 207, da sentença recorrida).

- E, á mesma conclusão final se tem de chegar, no que concerne à acusada falta de apreciação dos alegados erros materiais e que, a recorrente, vazou nos art.ºs 56.º a 62.º, inclusive, da petição inicial destes autos.

- É que, como resulta de tal articulado, o que a recorrente ali afirmou foi que o relatório continha um erro de escrita, quanto à indicação do valor dos donativos, no exercício de 2004, referenciando um valor de € 207.006,48, em lugar do valor efectiva doado de € 245.000,00, divergência essa para a qual ela, recorrente, chamou a atenção no exercício de direito de audição, e que a AT expressamente reconheceu no RIT final, na aferição daquele direito de audição, referindo que esse mesmo lapso não tenha influenciado substantivamente as correcções operadas; sem embargo; Sem embargo este mesmo RIT final terá persistido na manutenção daquela errada indicação do valor do donativo.

- Ora, de tal matéria suscitada pela recorrente, não retira, ela, nem se vislumbra que pudesse retirar, quaisquer relevantes consequências jurídicas, ao nível da estabilidade dos actos tributários impugnados, apenas se limitando a advertir, de forma a que se não vislumbra qualquer efeito útil à controvérsia aqui estabelecida, que não lhe cabe «[…] o ónus de verificar a não correcção e/ou eventuais incongruências dos elementos incluídos no projecto de relatório e no relatório definitivo de inspecção», desde logo porque se não controverte que o valor global do donativo em questão foi, de facto, de € 245.000,00 e que foi esse o que foi atendido pela AT nas correcções operadas e conducentes à fixação da matéria colectável que está na base dos actos tributários sindicados.

- Não se trata, também aqui e como é bem de ver, de qualquer questão, na acepção antes delimitada, que se impusesse ser apreciada; E com o que se vem de dizer se dá resposta quer à conclusão 6.ª, no sentido de que se não verifica a alegada omissão de pronúncia, quer às conclusões 24.ª a 28.ª que, no essencial, “duplicam”, o invocado nos referidos art.ºs 56.º 62.º, da p.i., na medida em que se não trata de nenhuma verdadeira “questão decidenda”.

- Nas conclusões 1.ª a 4.ª a recorrente, na linha do que já houvera feito no articulado inicial, esgrime, ainda, com imputadas violações ao RCPIT seja porque o relatório final não foi elaborado no prazo de dez após o exercício do seu direito de audição prévia, seja porque o conteúdo desse mesmo relatório não lhe foi notificado no prazo de vinte dias após o exercício daquele mesmo direito de audição prévia.

- Sobre esta temática decidiu-se na sentença ora em crise;

«[…] quanto aos vícios do procedimento de inspecção tributária apenas para dizer que embora se admita algum atraso na elaboração final do relatório face ao apurado em 6 do probatório […] aqueles prazos ínsitos nos art.ºs 60.º, n.º 4 e n.º 2 do art.º 61º, do RCPIT (…), são meramente indicativos e não preclusivos quanto á validade dos actos de inspecção.».

- Porque se trata de entendimento que se crê pacífico e certeiro, aqui se acolhe , nos seus precisos termos, enquanto discurso fundamentador deste aresto no que a esta matéria diz respeito.

- No mais e no caso que, aqui, se controverte, o cerne da questão consiste em saber se as correcções efectuadas pela AT, à matéria colectável declarada, pela impugnante, com referência aos exercícios de 2003 e 2004 e referentes, por um lado, a alegados donativos ao «Sporting .................» e, por outro a importâncias dispendidas com colaboradores e ex-colaboradores da impugnante (“festas e confraternizações”), padecem, ou não, de ilegalidade e, por consequência e em consonância, se a decisão recorrida, ao julgar improcedente a impugnação, enferma, ou não, de erro de julgamento.

1. Quanto aos donativos;

- A AT, em síntese e se bem compreendemos a posição por si assumida em todo este procedimento, veio a considerar, por um lado, que os alegados donativos não isentavam, nessa mesma medida, a recorrente, de IRC nem, tão pouco, lhe permitiam uma majoração de custos, porque a beneficiária dos donativos, ainda que sendo uma entidade com utilidade pública reconhecida, não o era, contudo, enquanto pessoa colectiva titular de utilidade pública desportiva, a qual, estando pendente de reconhecimento, não foi obtida, ainda que diligenciada, por aquela, caindo, o referido clube desportivo, no âmbito do art.º 11.º e não, como pretende a recorrente, no do art.º 10.º, ambos do IRC (cfr. fls. 34 a 36 e 39 a 42, dos autos).

- A decisão recorrida, por sua vez e sobre esta matéria, o que veio a considerar foi que a norma do n.º 3, do art.º 1.º, do Estatuto do Mecenato (DL n.º 74/99MAR16), na redacção dada pela Lei n.º 160/99SET14, não diz coisa diversa do estatuído, actualmente, pelo art.º 10.º, n.º 1, al. b), do CIRC, preceito legal este que fazia, em todas as circunstâncias, depender a isenção ali estipulada, do respectivo reconhecimento, não sendo de levar em linha de conta as redacções legais posteriores aos exercícios em questão; Consequentemente e porque não foi obtido o aludido reconhecimento de isenção de IRC, aqueles donativos apenas poderiam ser considerados à luz dos mecanismos do EMecenato, previstos no seu art.º 2.º e segs., o que apesar de diligenciado não foi conseguido, pelo que julgou improcedente a impugnação, neste segmento, considerando prejudicada a questão de saber se, para além do acima referido, os referidos donativos estavam, ou não, documentados (cfr. fls. 187/188, dos autos).

- A recorrente, por seu turno, desde sempre que vem esgrimindo no sentido de que o entendimento que deve ser acolhido é o de que tal correcção padece de vício de violação de lei, nessa mesma medida inquinando, a jusante, os actos de liquidação aqui em discussão, porque e em síntese, as Leis de Bases, quer do Sistema Desportivo [Leis n.ºs 1/90 e 16/96, respectivamente, de 13JAN e de 25JUN], quer do Desporto [Lei n.º 30/2004JUL21], determinavam, as duas primeiras, no art.º 18, n.ºs 2, 3 e 4, que os autores de liberalidades efectuadas em benefício dos clubes desportivos que goz(ass)em do estatuto de instituição de utilidade pública beneficiavam de regime fiscal idêntico ao previsto para as que fossem efectuadas em benefício das IPSS e, a última, que, ao que aqui importa, os donativos em dinheiro, nos termos do seu art.º 68.º relevavam fiscalmente, do mesmo passo que o art.º 10.º, n.º 1, al. b), do CIRC, estatui a isenção de IRC, quer das instituições particulares de solidariedade social quer das pessoas colectivas que lhes sejam legalmente equiparadas, do que pretende fazer decorrer, seja e em primeira linha, que os benefícios fiscais decorrentes dos donativos que alega ter feito ao «Sporting .................» não estavam dependentes de reconhecimento, seja que, ainda que assim se não entenda, haverá lugar a majoração legal na medida em que aqueles donativos tiveram como propósito finalidades consideradas de superior interesse desportivo.

- Ora, antes do mais, cabe, desde logo, ter presente que, estando em causa os exercícios de 2003 e 2004, a controvérsia aqui estabelecida não pode deixar de ser resolvida à luz do quadro legal aplicável em vigor a tais datas.

- E, assim sendo e tendo presente a linha argumentativa da recorrente, forçoso se impõe concluir que, no que for aplicável, os normativos do CIRC a considerar são os que resultam da redacção dada pelo DL n.º 198/2001JUL03.

- E o art.º 10.º, de tal compêndio legal (4) estatui da seguinte forma;
«1 - Estão isentas de IRC:
a) As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
b) As instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas;
c) As pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.
2 - A isenção prevista no número anterior carece de reconhecimento pelo Ministro das Finanças, a requerimento dos interessados, mediante despacho publicado no Diário da República, que define a respectiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as actividades desenvolvidas para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos e outras julgadas necessárias.
3 - A isenção é condicionada à observância continuada dos seguintes requisitos:
a) Exercício efectivo, a título exclusivo ou predominante, de actividades dirigidas à prossecução dos fins que a justificaram;
b) Afectação aos fins referidos na alínea anterior de, pelo menos, 50% do rendimento global líquido que seria sujeito a tributação nos termos gerais, até ao fim do 4º exercício posterior àquele em que tenha sido obtido, salvo em caso de justo impedimento no cumprimento do prazo de afectação, notificado ao director-geral dos Impostos, acompanhado da respectiva fundamentação escrita, até ao último dia útil do 1º mês subsequente ao termo do referido prazo;
c) Inexistência de qualquer interesse directo ou indirecto dos membros dos órgãos estatutários, por si mesmos ou por interposta pessoa, nos resultados da exploração das actividades económicas por elas prosseguidas.
4 - O não cumprimento dos requisitos referidos na alínea a) e alínea c) do número anterior determina a perda da isenção, a partir do correspondente exercício, inclusive.
5 - Em caso de incumprimento do requisito referido na alínea b) do Nº 3, fica sujeita a tributação, no 4º exercício posterior ao da obtenção do rendimento global líquido, a parte desse rendimento que deveria ter sido afecta aos respectivos fins.»

- Mas, como se tem por evidente, o normativo acabado de transcrever tem a ver, nuclearmente, com a tributação, em sede de IRC, das entidades no mesmo elencadas; Ora, no caso que aqui nos ocupa, o que está em discussão é a tributação da impugnante, que se não enquadra no referido preceito legal, e não a do «Sporting ...................», que, enquanto beneficiária dos donativos em causa, o tenha sido como pessoa colectiva de utilidade pública ou equiparada a IPSS.

- Por outro lado e por referência, sempre, aos exercícios em causa, releva considerar, quanto á generalidade dos donativos em questão, a Lei de Bases do Sistema Desportivo, plasmada na Lei n.º 1/90JAN13, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 19/96JUN25, e, quanto ao donativo mencionado na aditada alínea do probatório, ocorrido em 2004JUL31, a Lei de Bases do Desporto, n.º 30/2004JUL21, que revogou aquela e cuja vigência se iniciou com anterioridade – concretamente em 2004JUL26 – sendo, pois, ela a aplicável.

- Ora, quanto aos donativos relativos ao período que mediou entre 2003JUL31 e 2004MAI31, tal como refere a recorrente, o art.º 18.º, da Lei n.º 1/90, - cuja redacção não foi alterada pela Lei n.º 19/96 -, estatuía, ao que aqui nos importa, que os autores de liberalidades em favor dos clubes desportivos que gozassem do estatuto de utilidade pública, beneficiavam de um regime fiscal similar ao previsto para as liberalidades efectuadas em favor das instituições privadas de solidariedade social.

- Ora, tendo em consideração que tais donativos se reportam aos anos de 2003 e 2004, aquela equiparação ao regime de que beneficiavam os autores de liberalidades em favor das instituições privadas de segurança social, não pode ser outro que não o, igualmente, vigente, nesses mesmos anos de 2003 e 2004.

- Ora, tanto quanto se vislumbre, quer do EBFiscais, quer do CIRC, com a redacção de 2001, nenhum benefício fiscal se vislumbra, no âmbito do IRC, a beneficiar os autores de liberalidades em favor das referidas IPSS; E, bem se compreende que assim seja, se tivermos em linha de conta que, a tais datas estava, já, em vigor o Estatuto do Mecenato, introduzido pelo DL n.º 74/79MAR16, posteriormente alterado, e de forma pertinente ao caso vertente, pela Lei n.º 160/99SET14.

- Assim o que decorre destes dois últimos diplomas legais, com relevo ao caso sub judicio, é que, o legislador entendeu conferir determinados benefícios fiscais, designadamente ao nível do apuramento da matéria colectável em sede de IRC, aos autores de liberalidades em favor das entidades elencadas nos mesmos, sujeitando-os, no entanto e com excepção das liberalidades em favor das pessoas mencionadas no art.º 1.º do Estatuto e onde, objectivamente, se não inclui o «Sporting .................», a reconhecimento a efectuar em despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.

- Trata-se, no fundo, do mesmo regime regra que já se encontrava plasmado no art.º 9.º, na redacção, do CIRC anterior a 2001 e que, não sendo aqui aplicável é, contudo similar a que se encontra consagrada no art.º 10.º, acima transcrito.

- E, assim se compreende e assume relevo a alteração, nesta matéria, da Lei n.º 160/99, na parte aditada ao n.º 3, do seu art.º 1.º, já que mais não veio fazer do consagrar expressamente e para efeitos dos benefícios fiscais dos donatários ao abrigo do EMecenato, o mesmo regime consagrado pelo CIRC, para o qual passou remeter de forma expressa.

- No mais, as alterações introduzidas pela referida Lei n.º 160/99, não tem qualquer influência para o dirimir da controvérsia aqui estabelecida, relevando considerar, aqui, o art.º 3.º de tais leis, relativas ao mecenato desportivo e, nos termos da qual resulta inequívoco de que o reflexo dos referidos donativos, ao nível de custos e perdas de exercício, para além de carecer de reconhecimento expresso, tinha, ainda, como pressuposto, que os mesmos, quando efectuados em favor de pessoas de utilidade pública, tal estatuto tinha de ser de utilidade pública desportiva (cfr. art.º 3.º, al. f)).

- Crê-se, assim, que no que concerne aos alegados donativos anteriores a 2004JUL31, para que os mesmos se pudessem reflectir na matéria colectável da recorrente, em sede de IRC, era necessário, por um lado, o respectivo reconhecimento, nos termos do n.º 3, do art.º 1.º e, por outro, que a beneficiária fosse titular do estatuto de utilidade pública desportiva, nos termos da al. f), do n.º 1, do art.º 3.º, ambos do EMecenato (desportivo), circunstâncias, qualquer delas, que se não verificam no caso vertente.

- E, a esta mesma ilação se tem de chegar, quando considerando o donativo de 2004JUL31.

- Neste caso a Lei de base aplicável é, já não a Lei Bases do Sistema Desportivo, mas a Lei de Bases do Desporto, plasmada na Lei n.º 30/2004, como acima se deu conta.

- Continuamos, no entanto, a mover-nos no âmbito de donativos a que é aplicável a lei do mecenato desportivo, nos termos acima referidos e que, nessa medida, aqui são, “mutatis mutandis”, aplicáveis e de que decorre, portanto e de igual forma, a ilação de que os possíveis benefícios fiscais, para a recorrente, enquanto donatária do mencionado clube desportivo, careciam não só de reconhecimento prévio mas, ainda, que o beneficiário gozasse do estatuto de utilidade pública desportiva, circunstâncias que, como se referiu, não se verificam “in casu”; E, não adianta, a nosso ver, pretender esgrimir com o art.º 68.º da Lei de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004), já que, vindo o mesmo revogar as Leis n.ºs 1/90 e 19/96, - eliminando, assim, aquele referido art.º 18.º, epigrafado de “Tributação” -, passou, em regime de perfeita coerência jurídica, a quase “replicar”, o n.º 2, do art.º 1.º, do DL 74/99, com a única diferença substantiva de o restringir à área desportiva.

- Sustenta, contudo, a recorrente que, ainda que não seja de sufragar o seu entendimento sustentado ao longo das conclusões 7.ª a 16.ª, inclusive, ainda assim terá direito à majoração prevista no n.º 3, do art.º 3.º, do EMecenato, por força do seu n.º 2, ao qual se subsumirá, na consideração de que «[…] os donativos atribuídos às entidades dotadas do estatuto de utilidade pública tenham como propósito a realização de actividades ou programas considerados de superior interesse desportivo […]» (cfr. concls. 18.ª), já que os donativos aqui em discussão tê-los-á efectuado por reconhecer a importância da actividade desenvolvida pelo beneficiário, tendo pretendido, através deles «[…] incrementar o desenvolvimento da actividade desportiva no concelho […]», a que ambos – recorrente e beneficiário – pertencem (cfr. concls. 19.ª).

- Ora, desde logo e nuclearmente, entende-se que, também aqui, a razão falece à recorrente na medida em que, uma vez mais, se considera que o n.º 2, do art.º 3.º, do EMecenato, para o qual remete o n.º 1, do art.º 4.º, da Lei 160/99 (e não do DL n.º 74/99, cujo art.º 1.º não comportava um n.º 4) se está a reportar, ao que aqui nos importa e na linha do discurso jurídico acima tecido, às pessoas colectivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva, já que aquele referido n.º 2 remete para as entidades referidas no número anterior, as quais, ao que aqui releva, a nosso ver e como acima deixámos dito, terão de ser a entidades que usufru(ísse)am do estatuto de utilidade pública desportiva e não apenas do estatuto de utilidade pública, como parece sustentar a recorrente.

- Cabe, contudo referir, que, não estando em causa o julgamento da matéria de facto, nos termos do estatuído pela lei processual civil aqui aplicável a título subsidiário, não está minimamente demonstrado que a actividade exercida pelo beneficiário «Sporting .................», seja de qualificar de superior interesse desportivo, nos termos e para os efeitos do referido n.º 2, do art.º 3.º, do EMecenato, o que, como nos parece assertivo, não é da competência do donatário, no caso da recorrente e, muito menos, numa vertente subjectiva e pessoal, como resulta manifesto do teor da conclusão 19.ª, conjugada com a respectiva motivação constante de fls. 211 e 212, dos autos, sob a epígrafe «A.2.) Violação do artigo 1º, n.º 4 do Decreto-Lei 74/99, de 16 de Março».

- E, sendo assim, acompanha-se, igualmente a decisão recorrida ao entender como prejudicada a apreciação da legalidade ou ilegalidade do agir da AT, no que concerne à comprovação dos donativos e a que se reporta a recorrente nas conclusões 20.ª a 23.ª, pela simples razão que o simples facto de efectuar donativos a quem quer que seja, não lhe confere o direito de os considerar como perdas ou variações patrimoniais negativas, com influência na determinação da matéria colectável do exercício, a não ser que a lei disponha de forma diversa.

- E isto reconduz-nos de novo à imprescindibilidade do reconhecimento dos benefícios em resultado dos donativos em causa, enquanto feitos a uma entidade titular do estatuto de utilidade pública desportiva o que, reafirma-se, não sucedeu no caso em análise.

2. Quanto às importâncias suportadas com festas e confraternizações;

- Nesta matéria a AT não aceitou como custos determinadas despesas da recorrente, relativas à aquisição, a terceiros, de “cabazes de Natal» e a bebidas bens estes destinados a serem oferecidos a colaboradores e ex-colaboradores da recorrente.

- E a fundamentação a que se arrimou a AT, para assim ter procedido, à qual, por isso, nos temos de ater na aferição da legalidade do seu agir, e que se encontra expressa no RIT, ancora-se numa dupla vertente;
a) por um lado porque, nos termos de uma circular da DSIVA, de 1989DEZ18, tal tipo de ofertas, para ser aceite, tem de ser de “pequeno valor”, conceito este que se concretiza no montante máximo de 3.000$00 (€ 15,00), excluído o IVA, sendo certo que as facturas que suportaram o registo de tais despesas não discriminam os valores e quantidades por forma a permitir inferir o valor unitário;
b) por outro porque foram contabilizadas na conta relativa a custos com pessoal, quando o conceito de oferta “sugere” que as mesmas devem ter por destinatários os clientes e fornecedores, devendo a empresa identificar os destinatários, pelo que, tendo-se os bens destinado aos colaboradores e ex-colaboradores da empresa, consubstanciam remunerações acessórias que, contudo, não podem ser aceites enquanto custos fiscais do exercício em virtude da recorrente não ter apresentado comprovativo da entrega a cada trabalhador nem a ter sujeito a IRS – (cfr. fls. 37, dos autos).

- E é, por tais razões que refere não poder aceitar tais montantes como custos fiscais, por contrariarem o estatuído no art.º 23.º do CIRC.

- Ora, nesta matéria é que se não acompanha nem a AT, nem a decisão recorrida, nem o ilustre parecer do EMMP, junto deste tribunal.

- - Desde logo porque, quanto à consideração do valor das ofertas – ou à impossibilidade de concretização do seu valor unitário para efeitos de aferir se se comportam dentro dos referidos 3.000$00 – a AT, para além de se estar a ancorar a estatuições próprias de outro tipo de imposto – o IVA – está, ainda, a servir-se de critérios na fixação que na determinação do valor padrão e na linha da mais recente e firme jurisprudência, particularmente do STA, não é legal(5).

- Depois porque, independentemente do local da sua contabilização, o que releva, para efeitos do imposto em causa – IRC – é a substância da operação económica, na medida em que efectivamente concretizada, no sentido de aferir, a final e para efeitos da consideração enquanto custo fiscal de exercício, se foi indispensável ao exercício da actividade da pessoa colectiva sendo certo que a demonstração, “in casu”, de que os montantes incorridos com os “cabazes de Natal” e com as bebidas destinados a serem oferecidos a colaboradores e ex-colaboradores consubstanciaram, afinal de contas, complementos remuneratórios – remunerações acessórias – sempre impendia sobre a AF, demonstração essa que, como se tem por inequívoco, não foi concretizada.

- Nesta matéria cabe, desde logo, notar que no que toca à noção de “necessidade” e/ou “indispensabilidade” prevista no art.º 23.º/1 do CIRC não deixamos de nos identificar com a jurisprudência e a doutrina, quando preenche tal conceito por reporte ao interesse societário do sujeito passivo que pretende qualificar as (determinadas) despesas como custos fiscalmente relevantes.

- Em suporte desse entendimento socorremo-nos do Ac. deste Tribunal tirado no Proc. n.º 1.107/06, de 2007JUL17 e de que respigamos, por transcrição, o seguinte excerto;

«Nos termos do art. 23° nº l do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.(...).

(...).
A questão a decidir passa, portanto, pela apreciação da alegada indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, sendo que o referido art. 23º do CIRC enuncia, exemplificativamente, nas suas diversas alíneas, várias categorias concretas de encargos dedutíveis. Porém, da necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, resulta claro que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim.
Sem embargo da relevância assumida pela realidade juridico-economica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento (cfr, o ac. do STA, de 23/9/98, AD 452/453, p. 1057, citado pela recorrente) e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da AT, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito.
Ora, como se disse, o art. 23° do CIRC dispunha, (…):
«1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(...)».
Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, págs. 7 a 177) e confrontando as três interpretações possíveis ali enunciadas em termos da interpretação da regra constante do art. 23º do CIRC (indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade, ou com o significado de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.»

(…)

«Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.
«Neste sentido vai, também, o entendimento de António Moura Portugal (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pags. 113 e sgts.), quando sustenta que «A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI)» e que se é certo «que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. O problema é que o Fisco tem vindo a utilizar a indispensabilidade para precludir que determinados gastos, por si valorados como excessivos ou inapropriados, possam ser acolhidos pelo balanço fiscal. Talvez por isso se note na doutrina uma propensão para uma interpretação ampla do termo, recusando qualquer leitura do mesmo que pressuponha ou contemporize com juízos subjectivos do controlador público sobre a bondade da gestão empreendida (…).

A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos).
Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que - por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”». (1)

Para este autor, a interpretação para a indispensabilidade «deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica. (…) uma interpretação da indispensabilidade em função do objecto social e da actividade desenvolvida pela sociedade. A identificação com a actividade comercial, industrial ou agrícola desenvolvida pelo sujeito passivo é critério suficiente. Se se quiser falar de “relação causal”, esta só pode ter lugar por via de uma ligação entre os custos e a actividade da empresa. Nunca entre os custos e os proveitos ou a manutenção da fonte produtora.» (negrito da nossa autoria).

- Isto mesmo para quem, como nós, se perfila na linha dos que consideram que não basta a ocorrência de toda e qualquer despesa, desde que subsumível ao tipo de actividade exercida pelo sujeito passivo, para que, necessariamente, tenha/possa ser havida como custo fiscal relevante para efeitos do artigo em questão, considerando-a como “indispensável”, sob pena de se não vislumbrar qualquer efeito e, muito menos, útil, à letra da lei que, apesar de subsequentes alterações legislativas, desde o tempo do CCIndustrial (art.º 26.º do respectivo compêndio legal) até aos dia de hoje (art.º 23.º/1 do CIRC) sempre manteve o conceito de “indispensabilidade” como pressuposto legal à qualificação de determinada despesa como custo fiscal, mas que entendem que essa aferição se há-de processar numa relação entre o custo (despesa) e a actividade, concretamente, desenvolvida pelo sujeito passivo, assim tendo, de alguma forma, ínsita a necessidade de apreciação “a posteriori” da gestão empresarial; mas, reafirma-se, apenas enquanto pressuposto à referida aferição, em concreto, do custo à actividade societária e já não quanto à bondade e/ou oportunidade, particularmente económica, da realização dessa mesma despesa.

- Ou seja acompanha-se o entendimento da ilegitimidade da administração pública, rectius da administração fiscal, em emitir juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, na esteira do escopo societário, mas apenas quando tal juízo de valor reflicta uma pronúncia sobre a oportunidade de determinado tipo de conduta empresarial e, por maioria de razão, sobre a orientação dessa mesma conduta, enquanto conduta devida para a obtenção de ganhos.

- Isto é, acolhe-se o argumento de que a emissão de um juízo de valor sobre “(...) a bondade da gestão empreendida (...)”, por parte da AF, é ilegítimo para qualificação de uma determinado despesa enquanto custo ao abrigo do art.º 23.º/1 se e na medida em que essa aferição repousar numa ponderação de causalidade entre o custo e os proveitos.

- Ora, no caso, não se controvertem as despesas, ora em causa, incorridas pela recorrente, que elas se encontram documentadas, nem tão pouco que elas o foram para a aquisição de «cabazes de Natal» e bebidas, nem, ainda e finalmente, que os mesmos se destinaram a serem ofertados a seus colaboradores e ex-colaboradores.

- Ora, pela própria natureza dos bens a que respeitam as despesas, tem-se por assertivo que, as mesmas, não podendo manifestamente constituírem remunerações acessórias, como o entendeu a AT, - o que, desde logo, se não vislumbra possível com referência a ex-colaboradores -, têm, por outro lado, face, aliás, ao comportamento, senão generalizado ao menos comum, nas empresas e de que, notoriamente e recorrentemente, dão conta os meios de informação, um função de cativação/motivação dos respectivos beneficiários, tendo em vista uma melhor e maior rentabilidade da empresa, por via da actuação dos mesmos; Ou seja, e no caso dos seus colaboradores, motivá-los a melhores desempenhos, quer do ponto de vista qualitativo, quer quantitativo, seja directamente, na medida em que beneficiários das ofertas, seja indirectamente, pelo sinal dado com as ofertas aos ex- -colaboradores.

- Ou seja, temos para nós, que despesas do tipo das ora em causa, com ofertas de bens relacionadas com a época Natalícia, seja a colaboradores, ex-colaboradores, clientes ou fornecedores, tem, para qualquer empresa e ramo de actividade, uma função objectivamente potenciadora do incremento da respectiva actividade.

- Mas, mesmo para quem assim não entenda, sempre se dirá, então que, em face das razões apontadas pela AT, lhe caberia a ela demonstrar que as ofertas em causa não constituíram despesas susceptíveis de serem inseridas no conceito de indispensabilidade estabelecido no referido artigo do CIRC, o que face às vertentes a que se ancorou o agir da AF ao proceder às correcções com referência ao “item” «Festas e Confraternizações» e explanadas a fls. 37, dos autos, como antes referido, não logrou alcançar.

- Por consequência, entende-se que a razão se encontra do lado da recorrente, quando acusa de ilegal as correcções operadas à matéria colectável por si declarada e referente aos exercícios de 2003 e 2004, nos valores, respectivamente, de € 57.556,96 e € 54.000,00, pelo que, nessa mesma medida, os respectivos actos tributários se não podem manter, seja no que concerne ao imposto apurado daí decorrente, sejam aos juros compensatórios liquidados em consequência.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em conceder parcial provimento ao recurso e, nessa medida;
a) revogar a decisão recorrida, na medida em que manteve, na ordem jurídica, os actos tributários impugnados enquanto decorrentes de correcções à matéria colectável pela desconsideração, enquanto custos fiscais relevantes das despesas incorridas nos exercícios de 2003 e 2004 e referentes a «festas e confraternizações» e, nessa mesma medida, anular as liquidações de imposto e juros comepnsatórios;
b) manter, na ordem jurídica e no remanescente, a decisão recorrida.
- Custas pela recorrente, em ambas as instâncias, na proporção em que não obteve ganho de causa.
2010NOV03
Lucas Martins
Aníbal Ferraz (em substituição)
José Correia

(1) E onde se doutrina que « […] é sabido e é jurisprudência assente que a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cfr., entre outros, ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259; ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131). A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.».
(2) Cfr., entre outros, o Ac. do STA, de 2010SET15, tirado no Proc. n.º 01149/09.
(3) Citando ilustres mestres , como A. Varela , A. dos Reis e JRBastos.
(4) Anterior à alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 60-A/2005DEZ30.
(5) Cfr. por todos, o Ac. do STA, de2008OUT15, tirado no Proc. n.º 0470/08.