Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08875/12
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/05/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILICITO, RESPONSABILIDADE CIVIL POR CAUSA LEGITIMA DE INEXECUÇÃO, NULIDADE DA SENTENÇA, IMPUGNAÇÃO JULGAMENTO DE FACTO
Sumário:I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC.
II. Verifica-se a ilicitude, se os atos materiais ou as omissões ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração (artigo 6.º do D.L. n.º 48.051).
III. Fundada a acção de responsabilidade civil na prática de ato ilícito, não pode o Tribunal a quo alterar o pedido e a causa de pedir para a responsabilidade civil por inexecução de sentença, sob pena de nulidade, por conhecer de objecto diverso do pedido.
IV. Tendo sido proferida decisão judicial, transitada em julgado que declarou a existência de causa legítima de inexecução, não se poderá falar em responsabilidade por facto ilícito decorrente da inexecução do julgado.
V. Tendo sido declarada judicialmente a nulidade do ato de licenciamento da construção, por violar o alvará de loteamento, por licenciar área de construção superior ao permitido, acarretando o ensombramento da fachada nascente do prédio da autora, estão verificados os pressupostos do facto ilícito, culposo, danoso e em relação ao qual existe o nexo de causalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A R., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 21/11/2011, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, pela mesma movida contra o Município de C, julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido, de condenação ao pagamento de uma indemnização.


*

Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 870 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

A - DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

1ª. A resposta ao quesito 2° da BI enferma de erros de julgamento, por deficiências, obscuridade e falta de motivação, ao considerar apenas 1.289,10 m2 de área de construção do lote 13, quando foram efectivamente construídos 1.732,60 m2 (v. art. 653°/4 do CPC), pelo que se impõe a sua alteração (v. arts. 685°-B e 712° do CPC), com base nas seguintes razões principais:

1ª- No douto Acórdão do Venerando STA, de 1994.12.07, já transitado em julgado, consta expressamente que “o acto contenciosamente impugnado, ao licenciar uma construção com a área de 1.289,10 m2 (que efectivamente veio a atingir os 1,732,6 m2), com 15 fogos, desrespeitou as prescrições do alvará de loteamento e, assim, representou uma alteração deste”;

2ª- Na sentença do TACL, de 1993.09.03, confirmada pelo referido Acórdão do Venerando STA, de 1994.12.07. também se decidiu a este propósito que, “como se vê do auto de vistoria final, a edificação de facto erguida apresenta a área total de 1.732,6 m2, 1.289,1 m2 dos quais ocupados pelos fogos e 443.5 m2 em cave” - cfr. texto n° s 1 e 2;

3ª- Sempre seria claramente contraditório julgar-se nulo o licenciamento da construção do lote em causa, como se verificou in casu e, simultaneamente, utilizar-se as prescrições da respectiva licença para se calcular o índice de construção (cfr. ainda, depoimento da testemunha T., gravado nas cassetes n°5 (lado A) e 6 e actas de 2010.02.04 e de 2010.03.15) - cfr. texto n°s 1 e 2;

2ª. A resposta ao quesito 5° da BI enferma de erros de julgamento, por deficiências e obscuridade, pelo que se impõe a sua alteração (v. arts. 685°-B e 712° do CPC), pois a prova dos factos concretamente quesitados resulta das fotografias juntas ao Proc.5616, apenso, que nunca foram impugnadas (v.art. 368° do C. Civil), bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas T..e T..., gravados nas cassetes n°s 2 a 4 (lado A) (v. acta de 2010.02.04) - cfr. texto n°3;

3ª. As respostas aos quesitos 6° e 9° a 12° da BI enfermam de erros de julgamento, por deficiências, obscuridade e falta de motivação, pelo que se impõe a respectiva alteração (v. arts. 685°-B e 712° do CPC), pois a prova dos factos quesitados resulta dos depoimentos das testemunhas T…., T..., T.....e T., todos gravados nas cassetes n°s 2, 3, 4 (Lado A), 5 (lado A) e 6 (v. actas de 2010.02.04 e de 2010.03.15) - cfr. texto n. ° s 4 e 5-,

B - DA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO

4ª. Por sentença do TACL, de 1993.09.03. confirmada pelo Ac. STA, de 1994.12.07. ambos transitados em julgado (v. art. 205°/2 da CRP e arts. 671° e segs. do CPC), foi declarada a nulidade do despacho do Senhor Presidente da CMC, de 1983.03.28. que aprovou o projecto e licenciou a construção do edifício erigido no lote 13 (v. alíneas C), e L) e M) dos FA) - cfr. texto n° s 6 a 9;

5ª. Por sentença do TACL, de 1996.03.22, confirmada pelo Ac. STA, de 2002.07.04, ambos transitados em julgado, foi declarada a existência de causa legítima de inexecução das decisões judiciais referidas, ressalvando-se expressamente que, não sendo possível à ora recorrente "obter tutela reparatória na forma de restauração natural a que a via de execução de sentença principalmente conduz, sempre lhe resta a via de indemnização pelos prejuízos resultantes do acto anulado e da inexecução da sentença (artº 10° do DL 256-A/77 e art. 1° do DL 48.051, de 21/11/67)” (cfr, ainda, arts. 20°, 22° e 268°/4 e 5 da CRP) - cfr. texto n.° 10;

6ª. Conforme se decidiu na douta sentença recorrida, o Município de C, “ao não executar a decisão judicial de 3.9.1993 e de 7.12.1994, que declarou a nulidade do acto administrativo que aprovou o projecto e licenciou o edifício que foi construído no lote 13 (...) violou o dever de respeitar o caso julgado- cfr. texto nº10;

7ª. Contrariamente ao decido na douta sentença sub judice, e conforme se decidiu no douto Ac. STA de 2002.07.04, a ora recorrente tem direito ao pagamento das indemnizações devidas pela inexecução das decisões anulatórias proferidas e pelos extensos prejuízos que lhe foram causados pelo licenciamento e permissão de construção no lote 13 (v. art.205°/2 da CRP; cfr. arts.157° e segs. do CPTA e art.5° e segs. do DL256-A/77, de 15 de Junho) - cfr. texto n° 11;

C - DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELA EXPROPRIAÇÃO DO DIREITO À EXECUÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS TRANSITADAS EM JULGADO

8ª. Por sentença do TACI, de 1996.03.22, confirmada por Ac. STA, de 2002.07.04. foi declarada a existência de causa legítima de inexecução, tendo-se decidido expressamente que, não sendo possível à ora recorrente “obter tutela reparatória na forma de restauração natural a que a via de execução de sentença principalmente conduz, sempre lhe resta a via de indemnização pelos prejuízos resultantes do acto anulado e da inexecução da sentença (art. 10° do DL 256-A/77 e art. 1° d DL 48.051, de 21/11/67)” (cfr. ainda, arts. 20°, 22° e 268°/4 e 5 da CRP) - cfr. texto nºs 12 e 13 ;

9ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a ora recorrente tem inquestionavelmente direito a receber a justa indemnização devida pela expropriação, ablação ou restrição do seu “direito à reconstituirão da situação natural independentemente de outros eventualmente existentes, (que) constitui, por si só, um dano real que importa indemnizar (v. Ac. STA de 2010.12.02, Proc. 47579A; cfr. Acs. STA de 2011.02.08. Proc.891/10; de 2010.01.20. Proc. 47578A) - cfr. texto nº14 e 15;

10ª. O Município de C está assim obrigado a pagar à ora recorrente a justa indemnização devida pela inexecução da douta sentença do TACL de 1993.09.03. e do douto Ac. STA, de 1994.12.07, ambos transitados em julgado (v. arts. 671° e segs. do CPC), a fixar de acordo com critérios de equidade e de apreciação ex aeguo et bono (v. art.62° da CRP e art.566º/3 do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2008.05.06, Proc. 08A1279; de 2008.03.04, Proc. 08A183), em valor não inferior a €50.000.00 - cfr. texto n°s 15 e 17;

D - DA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL

11ª. A douta sentença recorrida, apesar de considerar que estão preenchidos os requisitos da ilicitude, dano e culpa, decidiu que não ficou provado que os danos apurados resultassem directamente “da falta de recolha do parecer obrigatório da DGPU - cfr. texto nº s 18 a 23;

12ª. A referida decisão enferma de manifestos erros de julgamento, conforme resulta das seguintes razões principais:
- O despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de C, de 1983.03.23, foi declarado nulo por ter aprovado o projecto e licenciado a construção do lote 13, “contra as prescrições” do alvará de loteamento n°566 (v. sentença do TACL, de 1993.09.03 e Ac. STA, de 1994.12.07);
2ª- O edifício existente no lote 13 foi construído ao abrigo e na sequência do acto de licenciamento declarado nulo por decisões judiciais, transitadas em julgado, pelo que nunca se poderia questionar a existência de nexo de causalidade entre as actuações ilícitas do Município de C e os danos suportados pela ora recorrente (v. arts. 20°, 22° e 268°/4 da CRP);
3ª- A declaração de nulidade do referido acto de licenciamento teve como fundamento a constatação de que “o despacho de 23 de Março de 1983 da Presidente da Câmara Municipal de C, ao aprovar o projecto e licenciar a construção de um edifício no lote 13 a que se refere o alvará de loteamento n° 566, o fez contra as prescrições desse alvará, sem consulta da Direccão-Geral do Planeamento Urbanístico, e visto o disposto nos artigos 14° n.° l e 22° nº 2 do Decreto-Lei n°289/73, de 6 de Junho” (v. sentença do TACL, de 1993.09.03, confirmada pelo douto Ac. STA de 1994.12,07);
4ª- A falta do parecer da DPGU constitui apenas um dos fundamentos da referida decisão judicial de declaração de nulidade, em nada alterando os danos suportados pela ora recorrente em consequência do desrespeito das prescrições do alvará de loteamento na aprovação e licenciamento do edifício construído no lote 13, que se mantém actualmente, sendo inquestionável a verificação do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano;
5ª- Competia e compete ao Município de C - e não à ora recorrente -, demonstrar e provar a legalidade da sua conduta, por forma a eximir-se da sua obrigação de indemnizar a ora recorrente, o que não fez, invertendo-se o ónus da prova (v. Acs. TCA (Norte), de 2009.03.20, Proc. 1496/05.0 e de 2009.04.02, Proc. 1504/05.4) - cfr. texto n.° s 24 a 26;

13ª. A ora recorrente tem assim direito a ser ressarcida pelos prejuízos resultantes das actuações ilícitas do Município de C, no âmbito do instituto da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, cujos pressupostos - facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade - se encontram previstos no art.22° da CRP, no DL 48051/67 e nos arts. 483° e segs. e 562° e segs. do Código Civil (cfr. Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro - RRCEEDEP) e se verificam in casu - cfr. texto n° 27.”.

Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso, alterando-se a matéria de facto revogando-se a sentença recorrida.


*

O ora Recorrido, Município de C, notificado da admissão do recursão, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 944 e segs.), mas sem concluir, não tendo formulado quaisquer conclusões.

Sustenta que a sentença recorrida fez boa aplicação do direito, pois foi julgada verificada a existência de causa legítima de inexecução.

Cabia à Autora alegar e provar que o licenciamento era inadmissível, independentemente da omissão do parecer da DGPU, sendo que omissão do parecer só por si não tem em regra a idoneidade para suportar o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes do ato anulado.

Para demonstrar a inadmissibilidade jurídica do licenciamento, era necessário que a Autora demonstrasse que esse licenciamento teria violado uma norma substantiva que protegesse um direito ou interesse legalmente protegido.

Não se deu como provado que os prejuízos resultassem da construção do 5º piso ou da violação pelo licenciamento de qualquer norma substantiva, não existindo a causalidade adequada entre os danos provados.

Pede que se mantenha a sentença recorrida.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.

Sustenta que ao contrário do decidido, fez-se prova do nexo de causalidade entre a conduta omissiva do Recorrido e os danos provados, porque a construção desrespeitou as prescrições do alvará de loteamento, cabendo ao recorrido ter evitado essa violação, omissão essa que é ilícita e causadora dos prejuízos demonstrados e sofridos pela recorrente, em particular nos termos da matéria de facto provada nas alíneas T) e Z).

Conclui pela verificação do nexo causal da responsabilidade civil extracontratual que liga, objectivamente, os danos ao facto ilícito e culposo, segundo o artigo 563.º do CC.


*

O Recorrido, Município de C veio pronunciar-se sobre o parecer emitido pelo Ministério público, defendendo que a indemnização prevista no artigo 166.º do CPTA visa compensar a autora pela inexecução e restringe-se aos danos resultantes dessa inexecução e não a outros, não tendo ficado provados quaisquer danos resultantes da inexecução do julgado, além de invocar que a Autora nunca alegou ter tido prejuízos com a inexecução.

Pede a manutenção da sentença recorrida.


*

A Recorrente veio pronunciar-se sobre o requerimento do Recorrido, alegando que sempre invocou e defendeu que a inexecução das decisões anulatórias gerou graves e extensos prejuízos, acolhendo o parecer do Ministério Público.

*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas pela Recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de facto:

1.1. por deficiência, obscuridade e falta de motivação da resposta dada ao quesito 2.º da Base Instrutória, ao considerar 1.289,10 m2 de área de construção do lote 13, quando foram construídos 1.732,60 m2;

1.2. por deficiência e obscuridade na resposta ao quesito 5.º da Base Instrutória, resultando a prova do facto quesitado;

1.3. por deficiência, obscuridade e falta de motivação na resposta aos quesitos 6.º e 9.º a 12.º da Base Instrutória, resultando a prova do facto quesitado.

2. Erro de julgamento de direito, por violação de caso julgado e por se negar o direito ao pagamento de indemnização pela inexecução das decisões anulatórias, segundo critérios de equidade;

3. Erro de julgamento de direito, ao negar-se o direito à indemnização pelos danos causados em resultado das atuações ilícitas do Recorrido.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 17.12.1971 o projecto de construção do R.., detido pela Autora, situado no X, C, foi pelo então Presidente da Câmara Municipal de C «deferido condicionado a aquisição do terreno do caminho» (cfr processo nº 5616 TACL) (alínea A) dos factos assentes).

B) O processo foi licenciado em 28.12.1971 (cfr processo nº 5616 TACL) (alínea B) dos factos assentes).

C) Por despacho de 23.3.1983, o Presidente da Câmara Municipal de C aprovou o projecto e licenciamento da construção de um prédio no lote 13, sito no X, C, com 15 fogos, 5 pisos e 1289,10m2, dos quais 241,5m2 em cave (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea C) dos factos assentes).

D) A obra correspondente teve início em Fevereiro de 1984, decorrendo defronte do R.. (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea D) dos factos assentes).

E) O loteamento a que se refere o alvará nº 566/83 foi objecto de «informação favorável sobre a possibilidade de realização do empreendimento», por parte da Direcção Geral do Planeamento Urbanístico, no «âmbito do disposto no nº 3 do art 4º do DL nº 289/73, de 6.6», subordinado à condição de não ser excedido o índice de ocupação 0,7, conforme foi transmitido à Câmara Municipal de C, por ofício de 20.11.1981 (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea E) dos factos assentes).

F) Das prescrições do alvará de loteamento consta que a área do lote 13 é de 780m2, correspondendo-lhe a área de construção de 932m2, destinados a 12 fogos de habitação (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea F) dos factos assentes).

G) Consta do mesmo alvará que o «pedido de licenciamento do loteamento não careceu de parecer da Direcção Geral do Planeamento Urbanístico face ao processo C-11-05-01/65 daquela entidade (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea G) dos factos assentes).

H) A Autora mantém em funcionamento o estabelecimento de ensino denominado «R…», sito na Av. de ....., X, C (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea H) dos factos assentes).

I) Em Fevereiro de 1984 iniciaram-se as obras de escavação, com utilização de fogo e maquinaria, nos lotes contíguos ao Colégio, para implantação de novos edifícios (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea I) dos factos assentes).

J) O edifício que veio a ser implantado no lote 13 é composto por 15 fogos e uma garagem com 15 estacionamentos para carros, numa área de construção de 1732,60 m2 (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea J) dos factos assentes).

K) A Autora recorreu contenciosamente para o então TACL, do referido despacho de 23.3.1983, tendo requerido ainda, nessa mesma data, a respectiva suspensão de eficácia (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea K) dos factos assentes).

L) Por sentença do TACL, de 3.9.1983, foi declarada a nulidade do despacho da Presidente da Câmara Municipal de C, de 23.3.1983 (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea L) dos factos assentes).

M) Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7.12.1994, foi negado provimento ao recurso interposto pelos recorridos particulares Rr, tendo sido confirmada a sentença do TACL, de 3.9.1993, que havia declarado a nulidade do despacho que aprovou o projecto e licenciou a construção de um prédio no lote 13 (processo nº 34.485, da 1ª Secção, 1ª subsecção (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea M) dos factos assentes).

N) Em 9.3.1995, a Autora solicitou à Câmara Municipal de C, em conformidade com o disposto no art 5º, nº 1 do DL nº 256-A/77, de 17.6, que fosse integralmente executada a douta sentença deste Tribunal, de 3.9.1993, e o douto acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 7.12.1995 (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea N) dos factos assentes).

O) Em 23.6.1995, a Autora requereu junto do TACL a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução da sentença de 3.9.1993 e do douto acordão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7.12.1994 (cfr processo nº 5616 – A, da 2ª secção) (alínea O) dos factos assentes).

P) Por sentença do TACL, de 22.3.1996, proferida no processo nº 5616-A, da 2ª secção, foi declarada a existência de causa legítima de inexecução das decisões judiciais referidas (cfr processo nº 5616 do TACL) (alínea P) dos factos assentes).

Q) Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4.7.2002, foi negado provimento ao recurso interposto pela Autora, tendo sido confirmada a sentença do TACL, de 22.3.1996, em que foi declarada a existência de causa legítima de inexecução das decisões judiciais acima referidas (cfr processo nº 41.815, da 1ª secção, 1ª subsecção) (5616 do TACL) (alínea Q) dos factos assentes).

R) O lote 13, objecto da presente acção integra o loteamento nº 566/83 (alínea R) dos factos assentes).

S) A inexecução das decisões anulatórias do TAC e Supremo Tribunal Administrativo causou à Autora prejuízos (resposta ao art 1º da base instrutória).

T) O edifício implantado no lote 13 apresenta um índice de construção de 1,65 (1289,10m2/ 780m2). De acordo com o alvará de loteamento a área de construção do lote 13 devia ser de 932m2, o que daria um índice de construção de 1,20 (resposta ao art 2º da base instrutória).

U) O edifício construído no lote 13 afecta as condições de insolação e vistas do Colégio da Autora (resposta ao art 4º da base instrutória).

V) Nas manhãs de Outono e de Inverno, o referido edifício provoca algum ensombramento na fachada nascente do Colégio, voltada para a Av. de ....., afectando sobretudo o rés-do-chão (resposta ao art 5º da base instrutória).

W) O referido ensombramento implicará um aumento do consumo de energia eléctrica do Colégio (resposta ao art 7º da base instrutória).

X) O prédio construído, a cerca de 12 metros do logradouro do Colégio, afecta as condições de insolação e vistas da zona que hoje é parqueamento (resposta ao art 8º da base instrutória).

Y) O edifício implantado no lote 13 tem uma altura de cerca de 14,80m (resposta ao art 13º da base instrutória).

Z) O edifício implantado no lote 13 dista cerca de 12m do ponto do logradouro do colégio mais próximo daquele (resposta ao art 14º da base instrutória).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento de facto:

1.1. Por deficiência, obscuridade e falta de motivação da resposta dada ao quesito 2.º da Base Instrutória, ao considerar 1.289,10 m2 de área de construção do lote 13, quando foram construídos 1.732,60 m2

Vem a Recorrente impugnar o julgamento da matéria de facto, com o fundamento de que a resposta ao quesito 2.º da Base Instrutória enferma de deficiência, obscuridade e falta de motivação ao considerar apenas 1.289,10 m2 de área de construção do lote 13, quando foram efectivamente construídos 1.732,60 m2, impondo-se a sua alteração, como resulta das anteriores decisões judiciais proferidas, transitadas em julgado.

Sem razão, não se descortinando tal motivo de censura contra a matéria de facto fixada na sentença recorrida, em face do que resulta provado nas alíneas C) e J) dos factos assentes.

Nessas alíneas da matéria de facto, não só resulta provado que o projecto e licenciamento da construção do prédio no lote 13, aprovado por despacho de 23.3.1983 do Presidente da Câmara Municipal de C, conta com 15 fogos, em 5 pisos e 1289,10m2, dos quais 241,5m2 em cave, como também foi dado por provado que o edifício que veio a ser implantado no lote 13 é composto por 15 fogos e uma garagem com 15 estacionamentos para carros, numa área de construção de 1732,60 m2, dando por provada a diferença entre o que foi licenciado e o que foi efectivamente construído e existe na realidade, ao encontro do que de defende a ora Recorrente.

Assim, do que resulta da matéria de facto assente é que, tal como sustenta a Recorrente, foi edificada no lote 13 a área de 1732,60 m2, superior à área licenciada.

Pelo que, não tem razão de ser o invocado erro de julgamento de facto, o qual se julga improcedente, por não provado, mantendo-se o probatório assente tal como consta da sentença recorrida.

1.2. Por deficiência e obscuridade na resposta ao quesito 5.º da Base Instrutória, resultando a prova do facto quesitado

No entender da Recorrente, a sentença erra igualmente no que se refere à resposta dada ao quesito 5.º da Base Instrutória.

Alega que a matéria de facto quesitada e que foi submetida a meios de prova, adotava a seguinte formulação:

O referido edifício colocou na sombra grande número de salas de aula, dos dois refeitórios e a sala de professores, impedindo a incidência direta dos raios solares sobre a fachada nascente do Colégio, voltada para a Av. de .....”.

Defende que essa matéria de facto resultou provada, pelo depoimento das duas testemunhas que identifica e ainda mediante as fotografias juntas aos autos, pelo que, impugna o julgamento que consta da alínea V) dos factos assentes, onde se deu como provado o seguinte: “Nas manhãs de Outono e de Inverno, o referido edifício provoca algum ensombramento na fachada nascente do Colégio, voltada para a Av. de ....., afectando sobretudo o rés-do-chão.”.

Vejamos.

A diferença entre o que constava como matéria de facto quesitada e o que se deu como provado na sentença recorrida, releva ao nível do grau de afetação do ensombramento da fachada nascente do Colégio, pois o Tribunal a quo não deixou de dar como provado esse ensombramento, embora sem a intensidade que resultava alegada pela Autora.

No demais, a própria Recorrente admite que uma das testemunhas se refere a esse ensombramento como ocorrendo até às “onze horas, onze e tal” da manhã, ou seja, que ele não ocorre durante todo o dia, mas apenas numa parte do período da manhã.

Como anteriormente decidido, a intervenção do Tribunal ad quem na reapreciação da matéria de facto deve ocorrer sob certos pressupostos legais – cfr. Acórdão do TCAS, n.º 03522/08, de 19/01/2012, de que fomos relatora.

Seguindo o decidido nesse aresto, inteiramente transponível e, por isso, aplicável ao caso dos autos:

“Nos termos do artigo 685º-B do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1);

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida …” (nº 1) e

c) que no “caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição” (nº 2).

Na citada disposição impõe-se um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, que impende sobre a aqui recorrente e que a mesma satisfez, como decorre das alegações produzidas em juízo.

A este Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artºs. 712º do CPC e 149º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Não obstante a amplitude conferida a um segundo grau de jurisdição, na caracterização da amplitude dos poderes de cognição do tribunal ad quem sobre a matéria de facto, não se está perante um segundo ou novo julgamento de facto, porquanto, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs. 1 e 2 do CPC, além de que o controlo de facto, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide Abrantes Geraldes inTemas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).

O tribunal ad quem aprecia apenas os aspectos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta do depoimento testemunhal, registado a escrito ou através de gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode postergar o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, previsto no art. 655º do CPC, intervindo na formação da convicção não apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados.

A valoração de um depoimento não é absolutamente perceptível através da gravação e/ou da respectiva transcrição, pois existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação e que, como tal, foram apreendidos ou percepcionados pelo juiz.

O Tribunal a quo está, por isso, numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente, com a articulação de toda a prova produzida, de que decorre a convicção expressa na decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que, a convicção formada a partir da globalidade dos meios de prova é de difícil destruição, sobretudo ao pretender-se pô-la em crise através de indicações parcelares ou referências genéricas.

A convicção do tribunal forma-se de um modo dialéctico, pois além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações e depoimentos produzidos, em função das razões de ciência, da imparcialidade, das certezas, das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos olhares para alguns dos presentes, da linguagem silenciosa do comportamento, da coerência de raciocínio e de atitude, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento, entre depoimentos e demais elementos probatórios (cfr. Ac. TCA Norte, de 11/11/2011, proc. nº 3097/10.4BEPRT).

Nos sistemas da livre apreciação da prova, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção, não é de associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto, pois o tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção sobre a prova e não prova dos factos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão.

Por isso, a nossa lei processual prevê um processo racional e objectivado, que faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), mediante uma análise critica e comparativa das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção (cfr. art. 653º, n.º 2 do CPC).

A exigência legal de enunciação ou explicitação da convicção sobre a prova constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador.

Se, à luz desta caracterização a decisão, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, então ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

No sentido ora expendido, vide o Acórdão do STA, datado de 17 de Março de 2010, proc. 367/09, segundo o qual: “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º CPC) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 CPC). Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.”.

No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do mesmo Tribunal, de 14 de Abril de 2010, proc. 751/07: “o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida”.”.

Ora, acolhendo in totum a fundamentação antecedente e com base nas razões expendidas, inteiramente transponível e aplicável ao caso dos autos, não se vislumbra que ocorra o assinalado erro de julgamento de facto.

A existir alguma divergência quanto à valoração da prova, não se vislumbra que ela se apresente de tal modo flagrante ou que se traduza numa contradição manifesta com a realidade, que determine e justifique a intervenção correctiva do presente Tribunal de recurso, antes se assumindo como expressão própria da livre convicção própria do julgador.

Deste modo, não ocorre o assinalado erro de julgamento de facto que determine a intervenção do Tribunal de recurso, mantendo-se a redacção da alínea V) do probatório, tal como constante da sentença recorrida.

1.3. Por deficiência, obscuridade e falta de motivação na resposta aos quesitos 6.º e 9.º a 12.º da Base Instrutória, resultando a prova do facto quesitado

O último dos erros de julgamento de facto invocados pela Recorrente, respeitam aos factos quesitados nos artigos 6.º a 9.º a 12.º da Base Instrutória.

Com vista a compreender o suscitado, importa considerar que a matéria de facto quesitada, ora em causa, é a seguinte:

6.º - O referido ensombramento determinou a alteração da localização dos refeitórios do Colégio?

9.º - A utilização do referido edifício perturba o normal funcionamento das aulas, em resultado da movimentação de pessoas e viaturas verificado no prédio e suas imediações?

10.º - O aumento da circulação das viaturas pertencentes aos utilizadores do lote 13 diminui as condições de segurança dos alunos nas suas deslocações de/e para o colégio?

11.º - A edificação do lote 13, atendendo ao seu índice de construção e cércea diminui as condições ambientais e paisagísticas da zona, diminuindo o prestígio do colégio da A.?

12.º - A edificação no lote 13 determinou a diminuição do valor dos edifícios da A.?”.

Como bem alega a Recorrente, toda esta matéria de facto quesitada foi dada como não provada, constando da resposta dada à matéria de facto, a seguinte fundamentação, que ora se reproduz:

“- 6.º, 9.º e 10.º - resultou de a prova produzida sobre o facto não ser convincente. Os peritos responderam à questão, mas tal não lhe tinha sido pedido. As testemunhas não lograram afirmar de forma clara e certa que a mudança de refeitórios foi devida à alegada sombra causada pelo lote 13, nem que o movimento de pessoas e viaturas para o lote 13 perturbava o normal funcionamento das aulas ou causou insegurança aos alunos.

- 11.º - resultou de o prestígio do Colégio ter a ver com o ensino que é ministrado, não com a sua ambiência exterior. Por outro lado, o local está classificado no PD; como sendo zona urbana de média densidade.

- 12.º - resultou de efectivamente não ter sido produzida prova sobre o desvalor que a edificação do lote 13 tivesse determinado no edifício da Autora. Mesmo os peritos indicados pela Autora não lograram concretizar em que medida, sequer as vistas diminuíram o valor do edifício do Colégio da Autora. Sempre sendo de lembrar que a zona está regulada por PDM.”.

É fácil de perceber que, ao contrário do alegado no presente recurso, a resposta dada à matéria de facto quesitada foi amplamente fundamentada, permitindo compreender as razões e os motivos pelos quais o Tribunal, perante a qual a prova foi directamente produzida, a julgou não provada.

Em relação aos quesitos 6.º, 9.º e 10.º foi dado como não provado que os refeitórios do Colégio tivessem mudado de local em consequência do ensombramento verificado na fachada norte do edifício, assim como que a utilização do edifício 13 perturbe o normal funcionamento das aulas ou sequer que o aumento de circulação de viaturas diminua as condições de segurança dos alunos do Colégio, por a prova produzida não ter sido convincente ou credível quanto a estes concretos pontos da matéria de facto.

Quanto ao quesito 11.º, referente ao prestígio do Colégio e o quesito 12.º, relativo ao alegado desvalor dos edifícios da Autora, também o Tribunal a quo julgou tal matéria de facto não provada, o que se apresenta devidamente fundamentado.

Toda a resposta dada à matéria de facto quesitada, apresenta-se devidamente fundamentada pelo Tribunal a quo, em termos que se apresentam coerentes, sem que a concreta matéria de facto se apresente em divergência ou em contradição com os demais factos dados como assentes.

Assiste ao Tribunal recorrido, perante a qual a prova foi directamente produzida, segundo o princípio da imediação, certa margem de valoração, que não se baseia estritamente no que as testemunhas verbalizam, mas num conjunto mais vasto de circunstâncias, como o seu grau de convicção, autenticidade ou certeza, que influenciam a própria convicção do julgador.

Quer o relato dos peritos, segundo o relatório elaborado, quer os depoimentos das testemunhas, constituem meios de prova sujeitos à livre apreciação do Tribunal, a qual é apreciada não apenas individualmente, em relação a cada concreto ponto da matéria de facto, mas também globalmente, mediante uma análise ponderada de toda a prova produzida.

Além disso, em matéria probatória relevam igualmente regras de experiência comum, que assentam em critérios de verosimilhança, sendo o resultado de toda a prova apreciado com base, não apenas que as respectivas afirmações proferidas revelam, mas o contexto em que foram proferidas essas afirmações, o tom, a expressão, entre outros factores, como supra se referiu.

A prova não é absoluta, no sentido de se poder afirmar a certeza absoluta acerca da verificação ou não de certo facto, assentando antes no grau de convicção que gera no julgador e da credibilidade ou de convincência do declarante.

Por isso, o fim da prova, como o fim do próprio processo, é a verdade judiciária, o que quer dizer, o que o juiz terá por verdadeiro.

Não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes, equivalha a uma certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano” (Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais (À Luz do Código Revisto), Coimbra Editora, 1996, pp. 106, bastando que assente num juízo de suficiente probabilidade e verosimilhança, que dê, em consciência, ao julgador, garantias de que os factos terão ocorrido de certa forma, fora de dúvida razoável, o que, no caso concreto, com a prova produzida, com a forma como as testemunhas e peritos depuseram, com aquilo que disseram e com a seriedade intelectual que se exige, não cremos ser possível levar a dar como assente outra factualidade e apurar outra verdade.

Embora a Recorrente se esforce por abalar o julgamento de facto, não se vislumbram motivos para pôr em crise o julgamento efetuado pelo tribunal recorrido.

Nestes termos, não é possível dar razão à Recorrente quanto à censura dirigida contra a sentença recorrida, julgando-se não provado o erro de julgamento de facto invocado.

2. Da conformação da instância, balizada pelo pedido e pela causa de pedir

Afim de poder conhecer dos invocados erros de julgamento que pela Recorrente são dirigidos contra a sentença recorrida, impõe-se que, primeiramente, se conheça dos seus limites objectivos, delimitados pelo pedido e pela causa de pedir, de forma a compreender o que realmente foi alegado e deduzido pela Autora em juízo.

Acresce suscitar o Recorrido a questão da falta de dedução do pedido e da causa de pedir relativamente à indemnização por inexecução do julgado (cfr. fls. 981 dos autos).

A Autora, ora Recorrente, pronunciou-se sobre essa concreta questão, nos termos do requerimento apresentado, pelo que se mostra cumprido o princípio do contraditório (cfr. fls. 983 dos autos).

Impõe-se, por isso, conhecer e definir o âmbito da presente causa e da questão suscitada, tendo presente a alegação da Autora constante da petição inicial e em função dos fundamentos do recurso.

No concernente ao primeiro dos erros de julgamento de direito invocados, alega a Recorrente que ao negar o direito à indemnização pela inexecução das decisões anulatórias proferidas, transitadas em julgado, a sentença recorrida incorre em violação do caso julgado, além de violar o seu direito à indemnização pela inexecução do julgado.

Sustenta que por sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 03/09/1993, confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07/12/1994, foi declarada a nulidade do despacho do Presidente da Câmara Municipal de C, de 28/03/1983, que aprovou o projeto e licenciou a construção do edifício erigido no lote 13, conforme assente nas alíneas C), L) e M) dos factos assentes.

Por sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 22/03/1996, confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04/07/2002, foi declarada a existência de causa legítima de inexecução das decisões judiciais referidas, aí se afirmando que não sendo possível obter a tutela reparatória na forma de restauração natural, resta a via de indemnização pelos prejuízos resultantes do ato anulado e da inexecução da sentença.

Mais alega que se extrai da sentença recorrida que o Recorrido, ao não executar as decisões de 03/09/1993 e de 07/12/1994, que declarou a nulidade do ato administrativo que aprovou o projecto e licenciou o edifício, violou o dever de respeitar o caso julgado.

Defende que, erradamente, foi negado pela sentença recorrida o direito à indemnização pela inexecução das decisões anulatórias proferidas e pelos prejuízos que foram causados.

Por isso, considera que a sentença recorrida incorre na violação do caso julgado, por contrariar o anteriormente decidido, que é obrigatório e prevalece, considerando a força da decisão judicial transitada em julgado.

No demais, defende o direito à indemnização devida pela expropriação do direito à execução das decisões transitadas em julgado.

Vejamos.

Nos termos da alegação de recurso e suas respectivas conclusões é possível apreender que a Recorrente dirige contra a sentença os citados fundamentos de forma autónoma e separada, a saber, o erro de julgamento por violação do caso julgado e ainda o erro de julgamento ao negar o direito à indemnização pela expropriação do direito de execução do julgado que declarou a nulidade do ato de licenciamento.

Como se disse anteriormente, a resposta a dar às questões suscitadas pela Recorrente, ora enunciadas, exige que se apreenda amplamente os termos e o objecto do presente litígio, isto é, a estruturação objectiva da causa que pela Autora, ora Recorrente, foi instaurada em juízo, nos termos definidos pelo pedido e pela causa de pedir, mas, simultaneamente, o objecto de cada um dos processos judiciais instaurados pela ora Recorrente e de cada uma das respectivas decisões judiciais que foram proferidas, que delimitam o caso julgado.

Tal apresenta-se necessário para definir quer o âmbito da presente lide, quer o âmbito dos demais processos instaurados pela Autora, no âmbito dos quais foram proferidas decisões judiciais transitadas em julgado, assim aferindo do âmbito ou alcance da presente causa e também dos limites do caso julgado formado no âmbito das demais lides processuais.

Começando a nossa análise pelo âmbito da presente acção, compulsando a petição inicial, verifica-se que foi instaurada acção administrativa comum, sob a forma ordinária em que a Autora, ora Recorrente, peticionou a procedência da acção e a condenação do Réu a pagar:

a) a quantia actualizada, a liquidar em execução de sentença, correspondente aos prejuízos causados em consequência do ilegal licenciamento e construção do edifício erigido no lote 13 do alvará de loteamento n.º 566/83 da CMC, invocados nos arts. 32.º a 43.º do presente articulado;

b) a quantia actualizada, a liquidar em execução de sentença, correspondente aos encargos que a A. Suportou a continua a suportar, com a defesa dos seus direitos, conforme resulta do art. 45º do presente articulado;

c) os juros legais relativos às quantias peticionadas nas alíneas anteriores acrescidos, a partir do trânsito em julgado da sentença de condenação que vier a ser proferida, de juros á taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829.º-A/3 e 4 do Cód. Civil.” (sublinhado nosso).

No que respeita à causa de pedir alegada no articulado da petição inicial, depois de descrever toda a atuação administrativa relacionada com o loteamento do prédio e o licenciamento da construção em relação ao prédio situado entre o Colégio da Autora e a Av. de ....., a que se refere o lote Y, assim como os vários processos instaurados e as várias decisões judiciais proferidas, alega a Recorrente que o despacho da Presidente da Câmara Municipal de 23/03/1983, que aprovou o projecto e licenciou a construção no lote Y é nulo e que causa graves e extensos prejuízos à Autora (cfr. artigos 27.º e 28.º da petição inicial).

Mais resulta da petição inicial que “A A. tem direito a ser indemnizada pelo R. por todos os prejuízos causados pelo acto declarado nulo (v. arts. 22º e 266º da CRP, art. 159/1ª e e) 166 do CPTA; arts. 7º/1 e 10º do DL 256-A/77, de 17 de Junho, e arts. 2º, 3º, 4º, 6º e 9º do DL 48051, de 67.11.21), conforme se decidiu, com trânsito em julgado, no Acórdão do Venerando Supremo tribunal Administrativo, de 2002.07.04, proferido no Proc. n.º 41.815, da 1ª Subsecção.” (artigo 31.º da petição inicial) (sublinhado nosso).

Por sua vez é alegado no artigo 42.º que “os prejuízos referidos nos arts. 33º a 41º do presente articulado constituem consequência necessária, normal e previsível do ilegal licenciamento e construção do edifício erigido no lote Y, da inexecução das decisões judiciais deste douto tribunal e do Venerando Supremo tribunal Administrativo, bem como da manutenção de todos os efeitos produzidos pelo ato administrativo que foi declarado nulo.”.

E no artigo 43.º da petição inicial resulta: “O R. está obrigado a pagar à A. uma indemnização por todos os danos referidos nos arts. 33º a 41º do presente articulado, resultantes do actos e omissões ilícitos imputáveis aos órgãos e serviços do R. actualizada à data do seu integral e efectivo pagamento, ex vi do disposto nos arts. 22º e 266º da CRP, nos arts. 173º e segs. do CPTA, nos arts. 2º, 3º, 4º, 6º e 9º do DL 48051, de 67.11.21, e nos arts. 483º, 562º a 572º do C. Civil.”.

Assim, analisada a petição inicial, é possível apreender que o pedido deduzido limita-se à condenação ao pagamento de uma indemnização pelos danos causados em consequência da atuação ilícita do Réu, Município de C, traduzida na prática de um ato nulo, ou seja, nas palavras da Autora, a indemnização “correspondente aos prejuízos causados em consequência do ilegal licenciamento e construção do edifício erigido no lote Y do alvará de loteamento n.º 566/83 da CMC, invocados nos arts. 32.º a 43.º do presente articulado”, não abrangendo a indemnização pela inexecução (lícita ou ilícita) dos anteriores julgados.

O que significa que, ao contrário do que foi considerado na sentença recorrida e foi alegado na alegação do presente recurso, a Autora nunca peticionou em juízo ser indemnizada em consequência da expropriação do direito à execução do julgado que declarou a nulidade do ato impugnado.

O pedido deduzido é muito claro ao referir-se à condenação ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados em consequência do ato ilegal de licenciamento da construção, prejuízos esses alegados nos artigos 32.º a 43.º da petição inicial, pelo que, a Autora não peticionou em juízo ser indemnizada pela privação ou expropriação do direito à execução do anterior julgado que declarou a nulidade do ato impugnado.

No que respeita à causa de pedir alegada na petição inicial, ela assenta claramente na alegação dos factos concernentes à atuação ilícita do Réu e nos prejuízos causados por essa atuação.

Porém, não deixa a Autora de se referir, pontualmente, à inexecução dos anteriores julgados, assim como à decisão que declarou a existência de causa legítima de inexecução.

Tal afigura-se-nos ocorrer no contexto da descrição da atuação processual ocorrida, sem que resulte claro da alegação deduzida pela Autora se imputa os danos produzidos, alegados nos artigos 33.º a 42.º, também à citada inexecução dos julgados.

Ainda que se possa condescender no sentido de a Autora ter alargado a causa de pedir ao fundamento de responsabilidade civil em consequência da omissão de execução dos anteriores julgados, ou seja, pela inexecução (lícita ou ilícita) das decisões judiciais transitadas em julgado, apresenta-se manifesto que não logrou deduzir o necessário pedido.

Tal significa que não tendo a Autora deduzido o pedido de condenação ao “pagamento de indemnização, pelos danos, alegadamente, resultantes da inexecução da sentença que declarou a nulidade do despacho de 23.3.1983, que licenciou a construção de um prédio no lote Y”, não poderia a sentença recorrida ter procedido a esse enquadramento, conforme se extrai do seu teor, no início do julgamento do direito, como ora se transcreve (cfr. fls. 8 da sentença recorrida).

Embora não seja inteiramente clara a causa de pedir alegada na petição inicial, porque sendo clara quanto à alegação de factos relativos à atuação ilícita e danosa do Réu, em consequência da prática do ato declarado nulo por decisão judicial transitada em julgado, não se apresenta clara quanto à pretensa alegação de factos relativos à inexecução dos anteriores julgados, nem se essa inexecução é lícita ou ilícita, afigura-se inequívoco que não foi deduzido o necessário e adequado pedido de indemnização pelos danos resultantes da inexecução do julgado, pelo que, não poderia a sentença recorrida ter interpretado o litígio desse modo.

Não está em causa a livre configuração do litígio segundo os normativos de direito, em relação aos quais o julgador é livre, por não estar sujeito às alegações das partes no que respeita à interpretação e aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do CPC ou, à data dos factos, o disposto no artigo 664.º do CPC, segundo o qual, “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”.

Trata-se de um caso em que o Tribunal a quo conformou os próprios termos do litígio, conhecendo de um pedido que não foi deduzido pela Autora.

A sentença recorrida ao invés de conhecer do pedido deduzido pela Autora, fundado na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, regulada pelo regime legal aprovado pelo D.L. n.º 48.051, de 21/11/1967, assente na prática de um acto nulo, assim já declarado judicialmente, foi conhecer e julgar de um pedido que não foi deduzido, passando a conhecer de pedido diferente ou de objecto diverso do pedido, o que acarreta a sua nulidade, nos termos do disposto na alínea e), do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.

Ainda que se admita que não é inteiramente clara a causa de pedir, não poderia o Tribunal a quo conhecer e julgar de um pedido que não fora deduzido na petição inicial, tanto mais que ele exige a caracterização de uma diferente causa de pedir, não estando em causa pedidos dependentes ou consequentes entre si, mas que antes revestem de autonomia, não estando qualquer um dos pedidos dependente do julgamento do outro.

Tanto assim é quanto ao conhecimento de um outro pedido e de outra ou diferente causa de pedir pelo Tribunal a quo, que se extrai do julgamento de direito da sentença recorrida, o seguinte, que ora se reproduz:

ao abrigo do disposto no art. 159º, n.º 1, al. a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Tribunal configura o pedido de indemnização dos autos com base no instituto de responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto ilícito praticado no exercício da função administrativa. E não, como pretende a Autora, cumulativamente, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 176º, n.º 6 e nº 7, 178º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e da legislação sobre responsabilidade civil extracontratual do estado e demais pessoas colectivas públicas.” (sublinhado nosso).

A sentença recorrida alterou o pedido deduzido na petição inicial, configurando-o como um caso de indemnização por inexecução ilícita de julgado, nos termos do disposto no artigo 159.º do CPTA, e não no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos, decorrentes da prática do ato nulo, conforme peticionado pela Autora, o que lhe estava vedado fazer.

Acresce que também erra a sentença quanto a tal enquadramento, pois não só a Autora não alicerçou o seu pedido na responsabilidade civil por inexecução do julgado, como perante as decisões judiciais que foram proferidas, no sentido de efetivamente reconhecer a existência de fundamento para a inexecução do julgado, no caso em apreço não se pode falar de um caso de inexecução ilícita, mas antes de inexecução lícita, segundo o disposto no artigo 175.º do CPTA, visto a sentença proferida ser de declaração de nulidade de ato administrativo.

De resto, é manifesto que nos presentes autos ambas as partes estão de acordo quanto o de ter sido reconhecida judicialmente a existência de causa legítima de inexecução do julgado que declarou a nulidade do ato impugnado, de licenciamento da construção, em sintonia com a matéria de facto assente no probatório, nas alíneas P) e Q), o que a sentença recorrida põe em crise, chegando com o seu julgamento a negar tal realidade fáctico-jurídica.

Por isso, erra igualmente o Tribunal a quo quando afirma que “na verdade, as decisões de 22.3.1996 e de 4.7.2002 não reconheceram a existência de causa legítima de inexecução das decisões judiciais de 3.9.1993 e de 7.12.1994, porque o cumprimento do dever de executar não foi possível ou seria gravemente prejudicial para o interesse público.”.

É possível extrair dos factos assentes, nas alíneas P) e Q), que o Supremo Tribunal Administrativo, embora com uma fundamentação não inteiramente coincidente à acolhida na sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, reconheceu a grave lesão para o interesse público na execução do julgado que declarou a nulidade do ato impugnado, pelo que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, foi reconhecida judicialmente, mediante decisão transitada em julgado, a existência de causa legítima de inexecução do julgado.

O Tribunal a quo não soube interpretar e compreender a estruturação da causa, assente no pedido e na causa de pedir, passando a conhecer de um pedido que não fora deduzido pela Autora e sob um duplo incorrecto enquadramento da causa de pedir, quer porque não se está perante um caso em que a Autora tivesse peticionado a indemnização por danos decorrentes de inexecução da sentença, quer porque, ainda que assim não fosse, nunca seria um caso de indemnização por inexecução ilícita de decisão judicial, mas antes de responsabilidade civil por facto lícito, assente no reconhecimento judicial de existência de causa legítima de inexecução do julgado.

Nestes termos, assiste razão ao Recorrido ao suscitar nos autos a questão da falta de dedução do pedido e da causa de pedir relativamente à indemnização por inexecução do julgado.


*

Assim sendo, enferma a sentença recorrida de nulidade, por conhecimento de objecto diverso do pedido, nos termos do disposto na alínea e), do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (actual artigo 615.º do CPC), ou seja, tendo conformado a instância e alterado o pedido que pela Autora foi deduzido na petição inicial, passando a conhecer de pedido diferente.

*

Em consequência, impõe-se conhecer e decidir, em substituição, nos termos do disposto no artigo 149.º do CPTA.

*

Sem prejuízo do antecedente enquadramento do litígio, não se deixarão de conhecer de todos e de cada um dos fundamentos do presente recurso invocados pela Autora, ora Recorrente, atinentes à alegada violação do caso julgado e ao erro de julgamento por violação do direito a ser indemnizada pela expropriação do direito à execução do julgado, assim como conhecer dos termos da causa, tal como alegados pela Autora em juízo, quanto ao pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização por danos decorrentes da prática de ato ilícito, decorrente da prática do ato declarado nulo pelo Supremo Tribunal Administrativo.

3. Erro de julgamento de direito, por violação de caso julgado e por se negar o direito ao pagamento de indemnização pela inexecução das decisões anulatórias, segundo critérios de equidade

Não obstante o decidido, não assiste razão à Recorrente quanto a ambos os fundamentos do recurso, por erro de julgamento de direito.

Senão vejamos.

Por sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 03/09/1993 [a alínea L) refere-se à data de 03/09/1983, mas tal constitui um flagrante lapso de escrita, aferido mediante confronto com a demais factualidade apurada e fixada na sentença e o teor das decisões judiciais proferidas], confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07/12/1994, foi declarada a nulidade do despacho do Presidente da Câmara Municipal de C, de 28/03/1983, que aprovou o projeto e licenciou a construção do edifício erigido no lote Y, conforme assente nas alíneas C), L) e M) dos factos assentes.

Tendo a Autora, em 09/03/1995 solicitado à Câmara Municipal de C, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do D.L. n.º 256-A/77, de 17/06, que desse integral execução às decisões judiciais proferidas (cfr. alínea N) dos factos assentes), em 26/06/1995 requereu ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução da sentença de 03/09/1993 e do Acórdão de 07/12/1994, segundo a alínea O) do probatório.

Por sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 22/03/1996, confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04/07/2002, foi declarada a existência de causa legítima de inexecução das decisões judiciais referidas, conforme assente nas alíneas P) e Q) do julgamento da matéria de facto.

Analisando a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 07/12/1994, dele resulta que o ato de licenciamento da construção no lote Y foi declarado nulo, por ser desconforme com as prescrições do alvará de loteamento, por tal implicar a alteração deste e tal só ser admissível precedendo novo parecer da Direção-Geral do Planeamento Urbanístico, que não foi obtido, incorrendo na violação do artigo 22.º, n.º 2 do D.L. n.º 289/73, de 06/06, acarretando a sua nulidade.

Mais se extrai dessa decisão, o seguinte que, ora se reproduz, por relevante:

O acto contenciosamente impugnado, ao licenciar uma construção com a área de 1289,10 m2 (que efectivamente veio a atingir os 1723,6 m2), com 15 fogos, desrespeitou as prescrições do alvará de loteamento e, assim, representou uma alteração deste, alteração esta que, porque não devida a iniciativa da Direção-Geral dos Serviços de Urbanização, tinha de, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 289/73, seguir “o processo previsto para o pedido inicial do loteamento”, o que implicava precedência de nova audiência daquela Direção-Geral, acarretando a omissão desta audiência a nulidade dos correspondentes actos das câmaras municipais, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do mesmo diploma…”.

No que refere à sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 22/03/1996, em que a ora Recorrente pedia ao Tribunal que declarasse a inexistência de causa legítima de inexecução e, em consequência, fosse ordenada a demolição do prédio, extrai-se do decidido que “É por demais evidente que a Administração não deu execução espontânea àquele douto aresto no prazo legal de 30 dias contado do seu trânsito em julgado… A entidade requerida não deu execução ao decidido por aquele tribunal nem invocou a existência de qualquer causa legítima de inexecução…”, aí se decidindo desatender a pretensão da exequente e não se declarar a inexistência de causa legítima de inexecução, por razões atinentes ao direito de defesa dos adquirentes das várias fracções do prédio, que não foram citados para contestar o recurso contencioso.

No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 04/07/2002, de entre o mais, pode ler-se o seguinte, que ora se reproduz:

A circunstância de a sanção para a ilegalidade cometida ser a nulidade não põe em crise o juízo efectuado sobre a existência de causa legítima de inexecução. Efectivamnete, a recorrente obteve a eliminação de um acto de conteúdo positivo favorável a terceiro e proferido num procedimento de iniciativa deste. Mas essa declaração de nulidade do ato não resultou de, em absoluto, se considerar impossível o licenciamento em causa com o seu concreto conteúdo. Resultou de não ter sido ouvida a Direção-Geral dos serviços de Urbanização, cujo parecer foi considerado vinculativo e obrigatório, por se considerar que o acto em causa representava uma alteração do loteamento, ficando prejudicada a apreciação dos demais vícios. …

Por último, a aceitação de que nas circunstâncias do caso se verifica uma situação de causa legítima de inexecução não vulnera a garantia de tutela judicial efectiva.

Não podendo o interessado obter tutela reparatória na forma de restauração natural a que a via de execução de sentença principalmente conduz, sempre lhe resta a via de indemnização pelos prejuízos resultantes do acto anulado e da inexecução da sentença (art.º 10.º do DL 256-A/77 e art. 1º do DL 48.051, de 21/11/67)….”.

Nesse aresto do Supremo Tribunal Administrativo, concluiu-se pela verificação de uma grave lesão do interesse público na execução da sentença.

Assim, em face do exposto, tal como anteriormente se decidiu, ao contrário do decidido na sentença recorrida, foi proferida decisão judicial, transitada em julgado, que decidiu pela existência da causa legítima de inexecução do julgado que declarou a nulidade do ato de licenciamento do prédio edificado no lote Y.

Quer o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, quer o Supremo Tribunal Administrativo, julgaram improcedente o pedido deduzido pela ora Recorrente, declarando a impossibilidade da dar execução ao julgado anulatório.

A par, declararam que a existência da causa legítima de inexecução não afectava o direito da ora Recorrente, designadamente, pela possibilidade de reparação por equivalente, considerando o direito à indemnização pelos danos do acto declarado nulo e pela inexecução do julgado.

Assim, não assiste razão à Recorrente quando alega que a sentença recorrida incorre em violação do caso julgado.

Nenhuma das decisões judiciais proferidas, transitadas em julgado, conheceu e decidiu do direito à indemnização da Autora, ora Recorrente, não integrando o direito à indemnização o objecto de qualquer dos processos instaurados, para que a sentença recorrida ao decidir como decidiu, tenha incorrido na violação do caso julgado.

O caso julgado forma-se em função da concreta decisão judicial proferida, não tendo sido proferida qualquer decisão judicial que tivesse conhecido do direito à indemnização pela inexecução do julgado de declaração de nulidade do ato recorrido.

Nestes termos, o direito à indemnização não se mostra a coberto de qualquer anterior decisão judicial e, consequentemente, não se formou caso julgado sobre esta concreta questão.

Embora não sejam inteiramente coincidentes os limites e o alcance do caso julgado no processo civil e no processo administrativo, admitindo-se que o caso julgado se forme em relação quer ao dispositivo ou parte decisória da sentença, quer em relação aos fundamentos da sentença no âmbito do processo administrativo (cfr. Ana Celeste Carvalho, “Os Efeitos e a Eficácia da Sentença Administrativa”, in Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, pp. 271), o certo é que no caso dos autos nenhuma anterior decisão judicial conheceu da questão do direito à indemnização por inexecução do julgado, julgando-o procedente ou improcedente, para que sobre essa questão se tenha formado caso julgado.

Por isso, não pode vingar o fundamento do recurso que faz assentar o erro de julgamento da sentença na violação do caso julgado.

No demais, pelas razões antecedentes, de não ter a Autora logrado deduzir o necessário pedido e causa de pedir relativos ao pedido de indemnização pela inexecução (lícita) da decisão que declarou a nulidade do ato, não pode proceder o erro de julgamento da decisão que negou esse direito.

Apresenta-se inequívoca a titularidade pela Autora do direito a ser indemnizada em consequência da inexecução dos anteriores julgados, que declararam a nulidade do ato de licenciamento da construção, tal como afirmado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, mas esse direito não logrou ser exercido em juízo, não tendo a Autora deduzido o pedido adequado.

O direito à indemnização pela inexecução do julgado apenas poderia ser conhecido e julgado no caso de a Autora assim ter estruturado a presente ação, o que nos termos antecedentes não resulta, pelo que, carece de sentido a alegação da Autora, em sede de recurso, vir afirmar tal pedido, assim como vir alegar que sempre invocou e defendeu que a inexecução das decisões anulatórias são causadoras de danos, no requerimento de resposta apresentado à pronúncia do Recorrido ao parecer do Digno Magistrado do Ministério Público (cfr. fls. 983 e segs.).

Por isso, tem razão o Recorrido quando alega que nunca a Autora veio deduzir a indemnização fundada na inexecução do julgado.

De resto, pela estruturação dos fundamentos do presente recurso, é patente que a Autora compreende a distinção entre os fundamentos da indemnização por causa legítima de inexecução, fundada na responsabilidade civil por facto lícito, e a indemnização pela prática de um ato administrativo ilegal, fundada na responsabilidade civil por facto ilícito, distinção esta que apenas logrou ser feita em sede de recurso jurisdicional, não tendo ocorrido no momento processual adequado, a petição inicial.

Nestes termos, porque nenhuma das anteriores decisões judiciais proferidas, transitadas em julgado, decidiu sobre o direito à indemnização da Autora pela inexecução do julgado que declarou a nulidade do ato de licenciamento, não se formou caso julgado sobre essa questão, para que a sentença ora recorrida tivesse incorrido na violação do caso julgado, assim como, por não ter sido deduzido o pedido de condenação ao pagamento de indemnização fundada na inexecução do julgado, não pode proceder o invocado erro de julgamento.

Em rigor, estava vedado à sentença recorrida conhecer de tal questão, porque não suscitada pela Autora, pelo que, consequentemente, está subtraída do âmbito da presente ação administrativa.

Termos em que, em face de todo o exposto, será de julgar improcedentes, por não provados, os fundamentos do recurso invocados pela Recorrente.

4. Erro de julgamento de direito, ao negar-se o direito à indemnização pelos danos causados resultado das atuações ilícitas do Recorrido

Por último, impõe-se conhecer do fundamento do recurso baseado no erro de julgamento relativo à decisão que julgou improcedente o pedido de condenação do Recorrido, Município, ao pagamento de uma indemnização fundada na responsabilidade civil por factos ilícitos, na parte em que julgou não verificado o pressuposto do nexo de causalidade.

Considera a Recorrente que deve esse requisito ser dado como provado, com a consequente procedência do pedido.

Vejamos.

Analisada a sentença recorrida, tal como anteriormente decidido, decorre que ela enquadrou normativamente o litígio no instituto da responsabilidade civil por inexecução ilícita de sentença, por considerar não ter sido declarada a existência de causa legítima de inexecução, tendo aplicado o regime da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, previsto no D.L. n.º 48051, de 1967.

Impõe-se antes de mais, destacar o erro em que incorreu a sentença recorrida ao conformar a instância para o pedido de indemnização por inexecução do julgado de declaração de nulidade e o erro de desconsiderar a matéria de facto assente que aponta para a existência de decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo, confirmada, com distinta fundamentação, pelo Supremo Tribunal Administrativo, de declaração de existência de causa legítima de inexecução.

Enferma a sentença recorrida de um manifesto erro de julgamento, por o Tribunal a quo não ter compreendido a instância, nos limites do pedido e da causa de pedir, nem ter sabido distinguir os institutos convocados para a causa, nos termos invocados pela Autora.

Nos termos que resultam da petição inicial, a Autora deduziu o pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização por facto ilícito, pelo que, é à luz do pedido e da causa de pedir, considerando a factualidade demonstrada em juízo, que a causa deve ser decidida.

Não obstante sob diverso enquadramento, passou a sentença recorrida a conhecer dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, a saber, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, julgando todos verificados à exceção do nexo de causalidade.

É sobre o julgamento constante da sentença recorrida, de inverificação do pressuposto do nexo de causalidade que incide o presente recurso jurisdicional.

Assim, impõe-se a este Tribunal ad quem, conhecer do fundamento do recurso, incidente sobre o alegado erro de julgamento do requisito do nexo de causalidade.

Não obstante, considerando que a sentença recorrida conheceu do pedido de indemnização fundada em causa de pedir diferente da deduzida pela Autora, impõe-se aferir se os demais pressupostos da responsabilidade civil se se verificam perante o pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização fundada na prática de ato ilícito, o ato que foi declarado nulo.

Senão vejamos, tendo presente cada um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas, à data dos factos regulado pelo D.L. n.º 48051, de 21/11/1967.

Nos termos gerais, a responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e o lesado credor, vide Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9.ª ed. Almedina, 2001, pp. 473 e segs..

A lei constitucional, no que respeita à responsabilidade das entidades públicas, consagra no artigo 22.º da Constituição o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas e a regra da solidariedade entre a Administração e os seus funcionários ou agentes, por danos causados no exercício das suas funções, no sentido de o Estado servir como garante da reparação dos danos – a este respeito veja-se Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, Parte IV, Direitos Fundamentais, pp. 286 e segs..

Prevê-se no artigo 1.º do D.L. n.º 48051 que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo o que não seja previsto em leis especiais.

Posto isto, importa analisar os requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, em substituição da sentença recorrida.

No domínio dos atos de gestão pública, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, não diferem substancialmente dos previstos na lei civil, decalcados no artigo 483.º, n.º 1 do C.C., de verificação cumulativa, distintos e autónomos, a saber: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed. Almedina, 2001, pp. 510).

A este respeito é firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – vide, entre outros, os Acórdãos de 17/01/2002, proc. nº 44476; de 06/03/2002, proc. nº 48155; de 28/06/2002, proc. nº 47263 e de 09/07/2002, proc. nº 46385.

Cada um dos citados pressupostos desempenha uma função essencial e distinta no regime das situações geradoras do dever de reparação do dano.

Desde logo, em relação ao facto, há muito que a doutrina e a jurisprudência admitem a responsabilidade dos entes públicos decorrentes não só da prática de atos jurídicos, como da realização de operações materiais, pelo que o facto ilícito tanto pode consistir num ato jurídico, como num ato material.

Do mesmo modo, tanto pode estar em causa, a responsabilidade civil decorrente de atos, como de omissões, pois a conduta do agente geradora do dano tanto pode consistir num comportamento comissivo, como numa omissão, segundo o artigo 486.º do CC.

O citado regime abrange não só os atos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como ainda os atos ou omissões que ofendam as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração.

Desde que exista o dever legal de atuar, a omissão dos atos devidos é suscetível de determinar a obrigação de reparar o dano causado.

No caso dos autos, efetuando o enquadramento normativo da factualidade dada por assente e segundo a alegação da Autora, está em causa a prática de um ato administrativo ilegal, porque violador das normas jurídicas aplicáveis, conforme reconhecido e declarado judicialmente, com força de caso julgado, praticado pelo ora Recorrido, Município de C, no exercício das suas legais competências, nos termos que resultam dos factos assentes, nas alíneas C), L) e M), in casu, o ato declarado nulo, de licenciamento da construção do prédio no lote Y.

Estabelece o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 48.051 sobre a responsabilidade das entidades públicas, no sentido de as mesmas responderem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

Pelo que, não existem as menores dúvidas de estarmos perante uma atuação que é imputada ao ora Recorrido, através dos seus órgãos e respetivos funcionários ou agentes, no exercício de funções públicas e por causa desse exercício, sendo no caso imputada a prática de um ato ilícito.

Concernente à ilicitude, o artigo 6.º do citado D.L. n.º 48.051 determina que para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

Nos termos do probatório assente e conforme a antecedente explanação da matéria de facto, resulta apurado que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa declarou a nulidade do ato de licenciamento da construção no lote Y, decisão que foi confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, pelo que encontra-se demonstrada a ilegalidade da atuação administrativa.

Quanto à configuração dessa ilegalidade como ilicitude, no sentido de aferir se a concreta ilegalidade verificada se se repercute na esfera jurídica dos direitos e interesses legítimos da Autora, não devem existir dúvidas quanto a essa configuração, pois em face dos factos apurados resulta a afectação dos direitos da Autora pelo ato declarado nulo, que licenciou a construção, em desrespeito dos parâmetros aprovados para o loteamento, com área de edificação superior e a causa dos danos sofridos pela Autora.

A prática de um ato administrativo em matéria urbanística, que desrespeita as normas legais aplicáveis, enfermando de nulidade, como declarado judicialmente, com força de caso julgado, afectando directamente a esfera jurídica da ora Autora, proprietária do prédio confinante ao do prédio correspondente ao lote Y, tem de ser configurada como ilicitude.

Como resulta demonstrado na presente ação, em momento anterior ao presente processo foram proferidas as seguintes decisões judiciais:

a) a sentença do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, de 03/09/1993, que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto pela Autora, do acto de licenciamento do edifício erigido no lote Y, do alvará de loteamento nº 566/83, declarando a sua nulidade;

b) o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07/12/1994, que confirmou a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, mantendo a declaração de nulidade do acto de licenciamento da construção no lote Y;

c) a sentença do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, de 22/03/1996, proferida no processo nº 5616-A, da 2.ª secção, que declarou a existência de causa legítima de inexecução das decisões judiciais antes identificadas;

d) o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04/07/2002 que confirmou, com diferente fundamentação, a sentença de declaração de existência de causa legítima de inexecução.

Das decisões judiciais proferidas e em face dos factos apurados nos autos, é possível extrair que o ato impugnado, que aprovou o projeto e licenciou a construção do prédio no lote Y, com 15 fogos e 1289,10 m2 dos quais 241,5m2 em cave, foi declarado nulo, porquanto fazendo o lote Y parte do loteamento a que se corresponde o alvará de loteamento n.º 566/83, das prescrições desse alvará de loteamento consta que a área do lote Y é de 780 m2, correspondendo-lhe a área de construção de 932 m2 destinados a 12 fogos de habitação.

Significa que, ao invés dos 12 fogos prescritos no alvará de loteamento, a autoridade aprovou 15 fogos, e contra a área total de construção de 932 m2 prevista no alvará, o Recorrido autorizou 1.289,10 m2.

Acresce, com especial relevância, que a par desta desconformidade, vieram a ser aprovadas alterações posteriores que conduziram a que, como consta do auto de vistoria final, a edificação de facto erguida apresente a área total de 1.732,6m2, dos quais 1289,1m2 são ocupados pelos fogos e 443,5m2 em cave.

Tal factualidade acarreta a demostração da desconformidade entre o ato impugnado e as prescrições do alvará de loteamento.

Além disso, as alterações aprovadas, respeitantes à operação de loteamento, não foram precedidas de audiência da Direcção Geral do Planeamento Urbanístico ou não são conformes com o seu parecer, segundo o n.º 1 do artigo 14.º do D.L. n.º 289/73, de 06/06.

No caso da operação de loteamento da qual resultou o lote Y, impunha-se a audição da Direcção Geral do Planeamento Urbanístico, como se reconhece no próprio alvará, pelo que, não podia o ora Recorrido, que aprovara o loteamento, louvando-se na posição da Direcção Geral do Planeamento Urbanístico constantes do processo a que aludiu no alvará, alterá-lo sem consultar, de novo, a Direcção Geral do Planeamento Urbanístico.

Como se decidiu judicialmente, ao omitir essa consulta e, ainda assim, aprovar o projecto e licenciar a obra contra as prescrições do alvará – que o mesmo é dizer, sem o parecer da Direcção Geral do Planeamento Urbanístico quanto às alterações ao loteamento – a autoridade recorrida desrespeitou o estatuído no n.º 2 do artigo 22.º do D.L. n.º 289/73, de 06/06, o que fere de nulidade o acto recorrido.

Assim sendo, o despacho de 23/03/1983 da Presidente da Câmara Municipal de C, ao aprovar o projecto e licenciar a construção no lote Y, a que se refere o alvará de loteamento n.º 566, contra as prescrições desse alvará, sem consultar a Direcção Geral do Planeamento Urbanístico, acarreta a nulidade do referido despacho, segundo o disposto nos artigos 14.º, n.º 1 e 22.º, n.º 2 do D.L. n.º 289/73, de 06/06.

A desconformidade da atuação do recorrido com as normas legais aplicáveis encontra-se já declarada judicialmente, com força de caso julgado, pelo que, encontra-se verificado o pressuposto da ilicitude.

Como decorre do artigo 6.º do D.L. n.º 48.051 a ilicitude consiste na violação de regras legais ou regulamentares ou os princípios jurídicos aplicáveis, e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios, ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração, o que se verifica no caso em apreço.

Para além do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 48.051 aplicável a todas as entidades públicas, no que respeita especificamente à responsabilidade funcional das autarquias locais, estabelece o n.º 1 do artigo 96.º da Lei n.º 169/99, de 18/09, na redação vigente à data dos factos, que “as autarquias locais respondem civilmente perante terceiros por ofensa de direitos destes ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultante de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

Estando em causa o exercício de uma competência municipal, impendia sobre o Município o dever legal de, através dos seus órgãos e agentes, proceder ao cumprimento e respeito das normas legais, exercendo as suas competências em respeito do princípio da legalidade.

Estava o Réu legalmente obrigado a atuar de acordo com a lei e o Direito e em respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, nos termos dos artigos 3.º e 4.º do CPA, na redação à data aplicável, pelo que, tendo esses deveres sido violados, não pode tal atuação deixar de lhe ser imputável, traduzindo-se numa atuação violadora das citadas disposições legais e por isso considerada ilícita face ao disposto no artigo 6.º do D.L. n.º 48.051.

É, por isso, possível extrair, quer do probatório apurado, quer das disposições legais aplicáveis, que o Réu, Município de C, estava legalmente obrigado a agir de acordo com a lei, respeitando as normas jurídicas e os direitos dos cidadãos, tendo violado esse dever, sendo-lhe imputável uma atuação que viola as normas legais, reputando-se por via disso uma atuação ilícita nos termos do disposto no artigo 6.º do D.L. nº 48.051.

Sobre a ilicitude da conduta, pronuncia-se Margarida Cortez, in Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, 2000, Coimbra Editora, pp. 52 e 53, no sentido de considerar tratar-se de uma antijuridicidade que se refere à conduta e não ao resultado, concordando com Gomes Canotilho que considera que o legislador apontou a violação de um dever de cuidado como dimensão ineliminável de um comportamento ilícito e pugnando que será no artigo 6.º do D.L. nº 48.051 que reside o fundamento da conceção subjetiva da ilicitude.

Sobre a ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 7.ª edição, Almedina, pp. 578 e 579, propõe que a ilicitude considera a conduta objectivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica.

Termos em que se considera verificado o pressuposto da ilicitude.

No que se refere ao pressuposto da culpa, agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito.

A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor (Antunes Varela, obra cit., pp. 559).

Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do D.L. nº 48.051 que a culpa é apreciada nos termos do artigo 487.º do CC, ou seja, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

O Código Civil consagra a propósito da responsabilidade extracontratual, a tese da culpa em abstrato ou em sentido objetivo, pelo modelo de um homem-tipo ou padrão de um sujeito ideal, a que os romanos davam a designação de bonus pater famílias, isto é, o tipo de homem normal que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade (Antunes Varela, obra cit., pp. 567).

No que concerne ao padrão do bom pai de família, o mesmo foi adaptado pela jurisprudência administrativa, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, por ser tido inadequado, por insuficiente, para os titulares de cargos públicos.

Assim, foi a jurisprudência pacificamente considerado atender ao padrão não de um qualquer funcionário, mas antes associando-o ao comportamento exigível a um funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres – cfr. Acórdãos do STA, de 27/09/1994 e de 25/03/1999, proc. nº 41297.

Ao utilizar-se este critério, facilitou-se, pois, a prova da culpa pelo lesado.

A jurisprudência e doutrina administrativas, no âmago dos atos de gestão pública, desenvolveram ainda o conceito de culpa do serviço, distinguindo-a em culpa anónima e culpa coletiva, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, pelo que apenas aplicável apenas às entidades públicas, aferindo-o tomando em consideração os standards de atuação e de rendimento, ou seja, aquilo que habitualmente se pode esperar dos serviços, na pressuposição de que funcionam normalmente e não desprezando as características próprias de cada serviço, designadamente a sua disponibilidade de meios pessoais, materiais e financeiros, sem, todavia, converter acriticamente esses fatores em argumentos de desresponsabilização (Margarida Cortez, obra cit., pp. 96).

Para a demonstração da culpa não é necessário comprovar a violação desses deveres por órgãos ou funcionários e agentes determinados, sendo bastante a falta do próprio serviço, globalmente considerado – a este respeito vide o Acórdão do STA de 26/11/2003, proc. nº 654/03.

Conforme jurisprudência consolidada, à responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas, é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º 1 do CC. – cfr. Acórdãos do STA, de 01/06/2000, proc. nº 46068; do Pleno de 25/10/2000, proc. 37510; de 20/03/2002, proc. nº 45831 e de 03/10/2002, proc. nº 45621.

Com efeito, a remissão contida no n.º 1, do artigo 4.º, do D.L. nº 48.051 abrange também o n.º 1, do artigo 487º, do C.C. e daí a admissão de presunções legais de culpa nos termos do n.º 1, do artigo 493º, do C.C., por parte das entidades públicas.

Pelo que, beneficiando a Autora da presunção de culpa do Réu Município, sobre quem recaía a obrigação de atuar em respeito das normas legais aplicáveis, à Autora lesada apenas incumbe demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, ou seja, a ocorrência do facto causal dos danos, para que, não ilidindo o Réu Município a presunção de culpa, considera-se provada a culpa do Réu, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil.

Deste modo, é indiferente saber quem produziu a respetiva prova, pois impendendo sobre o Réu uma presunção legal de culpa, a respetiva ilisão (juris tantum) só é feita com a prova do contrário, não bastando a mera contraprova, pelo que, o non liquet prejudica a pessoa contra quem funciona a presunção – neste sentido, Acórdão do STA, de 30/11/2004, proc. nº 320/04.

No caso dos autos, nenhuns factos são demonstrados que permitam afastar a responsabilidade do Município.

Pelo que, é inequívoca a culpa inerente à atuação municipal, no sentido de não ter conseguido o Réu ilidir a presunção de culpa que sobre ele incidia nos termos do n.º 1 do artigo 493.º, reconhecendo-se ter existido da sua parte uma atuação culposa, quer em função da presunção legal de culpa, quer em função de se encontrar provada a sua culpa, nos termos gerais, pois deveria ter existido o exercício das suas legais competências de acordo e em respeito com as normas legais, devendo ter conduzido o procedimento administrativo em cumprimentos das normas legais aplicáveis.

Assim sendo, tendo sido praticado um ato ilegal, que repercutiu os seus efeitos lesivos na esfera jurídica da Autora, tem se entender que não só ilícita, como é culposa tal atuação.

Assim, o comportamento que constitui facto ilícito gerador dos danos sofridos pela Autora, é também ele culposo, sendo censurável no plano ético, porquanto uma Administração zelosa e cumpridora teria atuado em conformidade com as normas legais aplicáveis.

Sendo, em princípio, ao lesado que invoca o direito a quem incumbe alegar e provar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, é sobre a Autora que impende o ónus de alegar e provar os factos relativos a todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente, em relação à existência de culpa, salvo no caso de beneficiar de presunção de culpa.

Beneficiando dessa presunção, a Autora não precisava de alegar ou provar os factos demonstrativos da existência de culpa do Réu (cfr. artigos 349.º e 350.º do CC), cabendo antes ao Réu, Município ilidir essa presunção, o que não logrou fazer.

Como se entendeu no Acórdão do STA, datado de 14/10/03, recurso n.º 736/03, “ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art.º 493, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre por via da presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa”.

Nestes termos, forçoso se impõe concluir pela verificação dos pressupostos do facto ilícito e culposo.

No que respeita ao pressuposto do dano, quanto a saber quais os prejuízos indemnizáveis, diz expressamente o artigo 563.º do CC que a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ou seja, a indemnização terá de se reportar aos danos derivados do facto ilícito que obriga à reparação, adotando-se para o efeito a “doutrina da causalidade adequada” na sua formulação negativa reiteradamente afirmada no STA, (cfr. a título de exemplo os de 27.06.2001, rec. n.º 37410, 06.03.2002, rec. n.º 48155, 27.6.2002, rec. n.º 479-02 e de 29.10.2002, rec. n.º 177-02), segundo a qual “parece razoável que o agente só responda pelos resultados, para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária” (ac. Ac. do STA, de 02/11/2003, rec. 323/02).

Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja dano, isto é, que o facto ilícito e culposo tenha causado prejuízo a alguém.

Dano é o prejuízo real ou a perda efectiva que o lesado sofreu nos seus interesses, o qual, segundo a natureza dos interesses afectados, pode ser patrimonial ou não patrimonial.

Como decorre do artigo 564.º, n.º 1 do CC, o dever de indemnizar em matéria de «danos patrimoniais» compreende o prejuízo causado, ou seja, os danos emergentes – «prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão», como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes – benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão – Antunes Varela, em «Das obrigações em geral», vol. I, 10.ª edição, pág. 599.

Nos termos do n.º 2 do artigo 564.º do CC, na fixação da indemnização, o Tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, e se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

O artigo 496.º do CC alude expressamente aos danos não patrimoniais, que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante fixado equitativamente pelo Tribunal, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – cfr. artigos 494.º e 496.º, n.º 3 do CC.

A gravidade do dano não patrimonial indemnizável tem a ver com as circunstâncias do caso concreto.

Neste sentido, escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, em «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 2005, nota 2 à anotação ao artigo 159.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 794, “Os danos resultantes de uma inexecução ilícita podem abranger não só os prejuízos inerentes à inexecução (que provêm directamente da circunstância de não ser lavada a cabo a reconstituição da situação anterior), quer à reiterada obstrução da Administração ao cumprimento da sentença (v.g. danos não patrimoniais)”.

No caso, mostra-se inequívoco que a Autora alegou e provou ter sofrido danos na sua esfera jurídica, a saber, segundo a selecção da matéria de facto assente, que ora se enuncia segundo as suas alíneas:

U) O edifício construído no lote Y afecta as condições de insolação e vistas do Colégio da Autora;

V) Nas manhãs de Outono e de Inverno, o referido edifício provoca algum ensombramento na fachada nascente do Colégio, voltada para a Av. de ....., afectando sobretudo o rés-do-chão;

W) O referido ensombramento implicará um aumento do consumo de energia eléctrica do Colégio;

X) O prédio construído, a cerca de 12 metros do logradouro do Colégio, afecta as condições de insolação e vistas da zona que hoje é parqueamento.

Como se extrai da matéria de facto assente, resulta efectivamente a produção dos citados danos, danos esses que se produziram na esfera jurídica da Autora.

Por isso, também se verifica o pressuposto do dano.

Por último, em relação ao nexo de causalidade, importa analisar se a atuação traduzida na prática do ato ilícito, foi a causa dos danos ocorridos, o que se prende com a aferição do pressuposto do nexo de causalidade.

Por outras palavras, se a concreta atuação do Recorrido, em violação das normas legais aplicáveis, constitui causa direta e necessária da produção do resultado danoso ou, se pelo contrário, a atuação ilícita se mostrou de todo indiferente para a verificação do dano, tendo o dano sido provocado em virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que influíram no caso concreto.

Consagra o artigo 563.º do CPC, a teoria da causalidade adequada, adotando-se a sua formulação negativa proposta por Enneccerus-Lehman, nos termos da qual o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto, convergindo a jurisprudência e a doutrina na sua adoção – cfr. a título meramente exemplificativo os Acórdãos de 06/03/2002, proc. n.º 48 155; de 27/06/2001, proc. n.º 37410 e de 22/10/2003, proc. n.º 534/03.

Significa que a indemnização por danos não é automática, não bastando a existência de danos para que se constitua o dever de indemnizar, antes sendo exigível que o ato ilícito seja imputado em termos de causalidade adequada aos danos produzidos e que se consideram provados.

O Réu só responde pelos danos, para cuja produção a sua conduta seja tida por adequada.

Existirá o nexo de causalidade quando a acção ou omissão em causa seja susceptível de se mostrar à face da experiência comum, como adequada à produção do dano, havendo fortes probabilidades de o originar (cfr Galvão Teles, in Manual do Direito das Obrigações”, pág. 229).

Por isso, não basta que o evento tenha produzido, naturalística ou mecanicamente, certo efeito, antes se impondo demonstrar que tal evento é a causa desse efeito.

Importa destacar não ser necessário uma causalidade directa, bastando que seja indirecta (cfr. Pereira Coelho, in «Obrigações», pág. 166).

Não será causa adequada, na formulação negativa da teoria da causalidade adequada (de Enneccerus-Lehmann), o evento que se apresenta como de todo em todo indiferente para a ocorrência do dano (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.4.1994, recurso nº 33.235, in AD 311, de 17.6.1997; 17.6.1997, recurso nº 38.856; de 13.10.1998, recurso nº 43.138).

De acordo com as regras de experiência comum, em abstrato, a prática do ato declarado nulo, tem a aptidão por si só para provocar os danos demonstrados, produzidos na esfera jurídica da Autora, pois acarretou que tenha sido edificada área muito superior à permitida pelo alvará de loteamento, pelo que, não existindo quaisquer outras circunstâncias que o justifiquem, é a atuação do Réu causa adequada dos danos sofridos, verificando-se assim também o pressuposto do nexo de causalidade da responsabilidade civil do Réu.

Os danos que se produziram têm por causa direta a prática do ato ilícito, pois não fora o ato de licenciamento, não se teriam produzido tais danos patrimoniais na esfera jurídica da Autora, ora Recorrente.

Acresce que não se apurou qualquer outra causa direta ou indireta para a produção dos danos.

Assim, o que decorre da factualidade apurada é que os danos causados à Autora, ficaram a dever-se em consequência da edificação que foi levada a efeito no lote Y, em desrespeito das prescrições previstas no alvará de loteamento.

Cabe ao lesado provar os factos de onde resulte que o resultado danoso foi causado pelo ato ilícito, traduzido na violação de norma legal, regulamentar ou da legis artis aplicável, e que o resultado danoso provocado se localiza no âmbito da esfera que o escrupuloso cumprimento das normas legais pretende evitar.

Se pela violação das normas legais ou técnicas aplicáveis é aumentado ou potenciado o risco do dano e se os danos ou lesão provocada se localiza no círculo dos perigos que as normas aplicáveis pretendem evitar, deve concluir-se pela prova da causalidade entre a omissão e o dano.

No caso tem de entender-se pela ligação causal entre a violação das normas legais aplicáveis, traduzidas no desrespeito pelas vinculações previstas no alvará de loteamento no respeitante aos índices de construção e do número de fogos, e os danos que se produziram na esfera jurídica da Autora, quanto ao ensombramento da fachada nascente do seu prédio, assim como afetar as condições de insolação e vistas do Colégio da Autora, para além de implicar o aumento de consumo de energia elétrica.

Nestes termos, conclui-se pela verificação do pressuposto do nexo de causalidade e, consequentemente, pela reunião de todos os requisitos de que depende a responsabilidade civil do Réu.


*

Nestes termos, estão demonstrados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Réu, Município de C, que determinam a sua condenação na obrigação de indemnizar.

A quantia a indemnizar será, como peticionado em juízo, a apurar pelo Tribunal a quo, em liquidação de sentença, correspondente aos prejuízos causados em consequência do ilegal licenciamento e construção do edifício no lote Y, em conformidade com os danos apurados em juízo.


*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC.

II. Verifica-se a ilicitude, se os atos materiais ou as omissões ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração (artigo 6.º do D.L. n.º 48.051).

III. Fundada a acção de responsabilidade civil na prática de ato ilícito, não pode o Tribunal a quo alterar o pedido e a causa de pedir para a responsabilidade civil por inexecução de sentença, sob pena de nulidade, por conhecer de objecto diverso do pedido.

IV. Tendo sido proferida decisão judicial, transitada em julgado que declarou a existência de causa legítima de inexecução, não se poderá falar em responsabilidade por facto ilícito decorrente da inexecução do julgado.

V. Tendo sido declarada judicialmente a nulidade do ato de licenciamento da construção, por violar o alvará de loteamento, por licenciar área de construção superior ao permitido, acarretando o ensombramento da fachada nascente do prédio da autora, estão verificados os pressupostos do facto ilícito, culposo, danoso e em relação ao qual existe o nexo de causalidade.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em declarar a nulidade da sentença recorrida, por conhecer de objecto diverso do pedido e, em substituição, julgar a ação procedente, condenando o Município de C ao pagamento à Autora, R., de uma indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto ilícito, cujo valor será apurado em liquidação de sentença, julgando a ação em tudo o mais peticionado, improcedente, por não provada.

Custas pelo Recorrido.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão Marques) (Declaração de voto)

Voto a decisão, não subscrevendo a declaração de nulidade do acórdão

(Helena Canelas) (Declaração de voto)

A nossa divergência está na circunstância de que não declararíamos a sentença nula, mas revogando-a reconheceríamos o direito da autora a ser indemnizada pelos danos decorrentes não só do ilegal licenciamento da construção edificada, mas da própria perduração do edificado na decorrência da verificada (declarada) causa legítima de inexecução, tal como peticionado.
Assim é porque não subscrevemos o acórdão, designadamente no que tange ao constante no ponto 2. do acórdão, quando ali se entende que «…analisada a petição inicial, é possível apreender que o pedido deduzido limita-se à condenação ao pagamento de uma indemnização pelos danos causados em consequência da atuação ilícita do Réu, Município de.., traduzida na prática de um ato nulo (…), não abrangendo a indemnização pela inexecução (lícita ou ilícita) dos anteriores julgados» (pág. 22); que «…ao contrário do que foi considerado na sentença recorrida e foi alegado na alegação do presente recurso, a Autora nunca peticionou em juízo ser indemnizada em consequência da expropriação do direito à execução do julgado que declarou a nulidade do ato impugnado» (pág. 22); que «…não tendo a Autora deduzido o pedido de condenação ao “pagamento de indemnização, pelos danos, alegadamente, resultantes da inexecução da sentença que declarou a nulidade do despacho de 23.3.1983, que licenciou a construção de um prédio no lote 13”, não poderia a sentença recorrida ter procedido a esse enquadramento» (pág. 23); que «…não poderia o Tribunal a quo conhecer e julgar de um pedido que não fora deduzido na petição inicial» (pág. 24); que «…a sentença recorrida alterou o pedido deduzido na petição inicial» (pág. 24); nem, por fim, que com a conclusão a que se chega de que «…enferma a sentença recorrida de nulidade, por conhecimento de objeto diverso do pedido, nos termos do disposto na alínea e), do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (atual artigo 615.º do CPC)» (pág. 26).
O pedido formulado na ação foi o de condenação no réu no pagamento de uma indemnização. Esse é o pedido e foi enfrentado e decidido (negativamente) pela sentença recorrida. Coisa diferente é a causa de pedir, o fundamento ou fundamentos em que a autora assentou para suportar tal pedido, tal como foi configurado na petição inicial.
Ora, compulsada a petição inicial, constata-se que nela a autora invocou, em diversos momentos, assistir-lhe direito a ser indemnizada pelos danos e prejuízos decorrentes não só da ilegalidade (nulidade) do edificado (i. é, do licenciamento da obra edificada), mas também da própria inexecução do julgado anulatório.
Assim ocorre, designadamente, nos seguintes artigos daquele articulado inicial:
- artigo 30º: «…a inexecução das decisões anulatórias (…) causa à A. graves e extensos prejuízos»;
- artigo 42º: «…os prejuízos (…) constituem consequência (…) do ilegal licenciamento e construção (…), da inexecução das decisões judiciais (…), bem como da manutenção de todos os efeitos produzidos pelo ato administrativo que foi declarado nulo».
Razão pela qual também não se pode subscrever a consideração, feita no ponto 3. do corpo fundamentador do acórdão de que «…o direito à indemnização pela inexecução do julgado apenas poderia ser conhecido e julgado no caso de a Autora assim ter estruturado a presente ação, o que nos termos antecedentes não resulta, pelo que, carece de sentido a alegação da Autora, em sede de recurso, vir afirmar tal pedido, assim como vir alegar que sempre invocou e defendeu que a inexecução das decisões anulatórias são causadoras de danos» (pág. 30).
Assim, não declararíamos a sentença nula, mas revogando-a reconheceríamos o direito da autora a ser indemnizada pelos danos decorrentes não só do ilegal licenciamento da construção edificada, mas da própria perduração do edificado na decorrência da verificada (declarada) causa legítima de inexecução, tal como peticionado. O que, em face da circunstância da condenação da indemnização ser efetuada, aliás como peticionado, em quantia a liquidar em execução de sentença, terá naturalmente relevância no cômputo da indemnização final.