Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 09258/16 |
Secção: | CT- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 02/04/2016 |
Relator: | CRISTINA FLORA |
Descritores: | DERROGAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO, FUNDAMENTAÇÃO |
Sumário: | I.É em função da fundamentação da decisão da AT, da qual deve constar expressamente a menção dos motivos concretos que justificam o acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do contribuinte (n.º 4 do art. 63.º-B), que deverá ser aferida a subsunção do caso concreto à hipótese normativa, admitindo-se que a fundamentação seja por remissão; II.Por conseguinte, tais motivos concretos devem estar suficientemente densificados para subsumir à situação concreta da(s) alínea(s) que fundamenta(m) o acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do contribuinte (n.º 1 do art. 63.º-B da LGT), cabendo ao tribunal, casuisticamente, aferir da sua verificação nos casos em que o acto é sindicado contenciosamente. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: PROCESSO N.º 09258/16 I. RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou procedente o recurso judicial que a sociedade «LONDON ………….- ……………….. S.A.» interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 146º-B do CPPT, contra a decisão da administração fiscal que determinou o acesso directo às suas contas e documentos bancários. A Recorrente, FAZENDA PÚBLICA, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões: «DOS ARGUMENTOS EXPOSTOS SE EXTRAEM AS SEGUINTES CONCLUSÕES: I- Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, concedeu provimento ao recurso à margem referenciado, com as consequências aí sufragadas, e consequentemente, aquilatou não se justificar, no caso vertente, a derrogação do sigilo bancário previsto no artigo 63º -B da LGT. II - Com efeito, o entendimento propugnado na douta sentença ora recorrida, radica no facto, de desconsiderar a aplicabilidade da alínea e) do n°1 do citado normativo, ao caso vertente, o que traduz uma errónea interpretação do artigo 63°-B da LGT, e consequente ERRO DE JULGAMENTO. III - Mais, o Tribunal a quo deu por comprovada, de forma contundente e inequívoca, a origem dos valores em causa, por se encontrarem documentalmente comprovados e a administração não os ter contradito, quando o comportamento expectável pela AT era o de que o Tribunal a quo se tivesse limitado a reconhecer, ou não, a existência de indícios susceptíveis de habilitar a AT à conciliação dos registos contabilísticos com os elementos bancários da Recorrida atendendo ao cluster da Recorrida e aos movimentos financeiros envolvidos e que tivesse direccionado a prova disponibilizada nos autos para esse fim e não para a comprovação de valores, a exercer, eventualmente mais tarde, no âmbito do procedimento inspectivo, o que revela uma flagrante má compreensão do regime legal da derrogação do sigilo bancário e configura, de novo, ERRO DE JULGAMENTO. IV - O Tribunal a quo afirmou ainda que não se verificaram quanto aos montantes em causa quaisquer indícios de existência de existência de acréscimos não justificados nos termos da al. f) do artigo 87° da LGT dado ter ficado comprovado o fluxo financeiro suportado pelos cheques emitidos, a origem da dívida suportada na obrigação constituída no contrato de promessa e a respectiva escrituração contabilística e ao fazê-lo pronunciou-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, pelo que excedeu o âmbito da solução do conflito nos limites por elas pedidos incorrendo em EXCESSO DE PRONÚNCIA nos termos dos artigos 615° do CPC e 124° e 125° do CPPT. Termos em que, concedendo-se PROVIMENTO ao recurso, deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada, mantendo-se a decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 14.05.2015, que determinou o acesso à informação bancária da ora Recorrida, nos termos do disposto na alínea b) do n°1 do artigo 63.°-B da LGT. PORÉM V. EX.AS ASSIM DECIDINDO FARÃO SÃ, SERENA E A COSTUMADA JUSTIÇA». **** A Recorrida, apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:«CONCLUSÕES: A) A recorrente alega estarem manifestamente demonstrados, no âmbito da inspeção efetuada, indícios do incumprimento do dever de colaboração pela recorrida e que, por esse facto, a derrogação do sigilo bancário é necessária, adequada e proporcional ao apuramento da real situação tributária da mesma. B) Contudo, a Recorrente apenas alegou, mas não provou -ainda que indiciariamente - tais requisitos e pressupostos legais exigidos para a derrogação do sigilo bancário (art.º63.º-B da LGT). C) Não obstante, não ser exigida para o levantamento do segredo bancário a prova definitiva dos direitos que se invocam, é imprescindível que se aleguem factos concretos e objetivos que fundamentem o incumprimento do dever de colaboração da recorrida, bem como da necessidade, adequação e proporcionalidade do levantamento do segredo bancário. D) Ora, era necessário que a recorrente elencasse igualmente, mesmo que sumariamente, todos os factos indiciadores da desconformidade da documentação de suporte dos registos contabilísticos com a real situação tributária da recorrida. E) Não estão preenchidos, nos presentes autos, os requisitos e pressupostos legais exigidos para a derrogação do sigilo bancário. F) Apesar de a recorrente reconhecer o ónus da prova a que está sujeita, nos termos do art.º74° da LGT, o certo é que esta nunca fez dele o uso legalmente exigido. G) O Tribunal a quo entendeu, e bem, não estarem preenchidos os pressupostos legais necessários para o levantamento do sigilo bancário. H) Mais, o Tribunal a quo decidiu bem quando entendeu que, nos presentes autos, a decisão de levantamento do sigilo bancário não poderia ser fundamentada ao abrigo da al. d), n°1, art.º63.º-B da LGT. I) Porquanto, a recorrente não elenca um único facto indiciador da desconformidade ou invalidade da documentação de suporte da contabilidade da recorrida, existindo manifesta falta de fundamentação. J) Mais, devia igualmente a recorrente expor factos concretos da impossibilidade da verificação da conformidade de tal documentação por outra via que não a derrogação do sigilo. O que não fez! K) Também decidiu bem o Tribunal recorrido quando entendeu ser de excluir a aplicação, nos presentes autos, da al. e), n°1, art.º63.º-B da LGT. L) Tal alínea só poderia ser usada se a recorrida usufruísse de benefício fiscal ou de regime fiscal privilegiado concedido ou atribuído pela AT e que com a derrogação do sigilo a AT pretendesse verificar o cumprimento dos pressupostos da concessão de tal regime privilegiado ou benefício fiscal. M) O que não acontece no caso sub judice. N) A AT ao entender que esta alínea se aplica nos presentes autos, está a fazer uma aplicação errada da lei, em total violação do princípio da legalidade (art.º266.º da CRP e 3.º do NCPA). O) A recorrente entende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto não aferiu dos indícios suficientes de incumprimento do dever de colaboração da recorrida. P) Mas como é que o Tribunal poderá aferir de tal suficiência se a AT não elenca quaisquer factos indiciadores de tal incumprimento? Q) Inexiste erro de julgamento, devendo manter-se a decisão recorrida. R) Mais, inexiste excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo, dado que tal segmento que a recorrente considera ter ultrapassado a pronúncia devida, vem na sequência do discurso fundamentador da sentença. S) Tal referência à al.f), n.º1, do art.º63.º-B LGT é apenas um complemento argumentativo, sem qualquer autonomia decisória na economia da sentença, não sendo, por esse facto, qualquer "conhecimento de uma questão". T) Pelo exposto, não se verifica excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo, devendo improceder o vício de nulidade invocado pela recorrente. U) Caso o douto Tribunal ad quem assim não entenda, deverá ser aplicado o art.º684.º, n.º1 do CPC, devendo tal nulidade apenas afetar o segmento da sentença que contiver tal excesso. Termos em que se conclui pela improcedência do presente recurso e, consequentemente, pela manutenção do decidido» **** Aqui chegados os autos foram com vista ao Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso. **** Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.**** As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:_ Nulidade da sentença por excesso de pronúncia [conclusão IV]; _ Erro de julgamento por errónea interpretação do art. 63.º-B da LGT [conclusão II e III]. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Matéria de facto A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: “III. FUNDAMENTAÇÃO De facto Atenta a prova documental junta aos autos, consideram-se assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão: 1. No âmbito do procedimento inspectivo efectuado pela Equipa 50 - Divisão V Departamento C da Inspeção Tributária Da Direção de Finanças de Lisboa - Ordem de Serviço (períodos): OI201404709 (2011) ao sujeito passivo L ……………. - Sociedade ……………. SA, foi proposto que fosse solicitado junto da Diretora Geral da ATA, autorização para aceder a todas as informações ou documentos bancários titulados pela sociedade supra identificada relativamente ao ano de 2011- cfr. fls. 15 a 17 dos autos. 2. O pedido supra tem subjacente a informação que a seguir parcialmente se transcreve: 3. Do extracto de conta corrente da L …………………- Sociedade …………., SA., consta registado na conta 2532 - António ………….. o montante de € 50 000,00 registado por transferência em 30/09/2011 e o valor de €950 000,00 registado por também por transferência em 31/12/2011 -cfr. fls. 18/19 dos autos. 4. Em 19/12/2011 foi celebrado entre António ……………….. na qualidade de accionista e representante legal de "L………… ……….. - Sociedade ………….., SA.," e Rui …………….. na qualidade de procurador e em representação de "G………………………..Inc.", com sede nos Estados Unidos da América, um contrato-promessa de compra e venda de acções em que o primeiro promete vender à representada pelo segundo outorgante e este comprar para a sua representada 24.000 ações das 50.000 que o primeiro outorgante é detentor na sociedade "L …………….. - Sociedade …………….., SA.," - cfr. fls. 24 a 27 dos autos 5. Da cláusula 4.a do referido contrato consta: 6. O cheque n°………….. foi emitido em 15/12/2011 a favor da "L………. B……….." sobre o B..... Banco ………………. no valor de EUR 950.000,00 -cfr. fls. 28 dos autos 7. O cheque n°2007313 foi emitido em 09/09/2011 a favor da "L……….. …………Sociedade ……………..SA" sobre o B..... Banco ………………no valor de EUR 950.000,00 - cfr. fls. 29 dos autos. Factos não provados **** 2. Do Direito Conforme resulta dos autos, a Autoridade Tributária (AT) entendeu verificarem-se os pressupostos do disposto no art. 63.º-B, n.º 1, alíneas d) e e) da Lei Geral Tributária (LGT) para o acesso a informação ou documentos bancários tituladas pela ora Recorrida, relativas ao ano de 2011. Não se conformando com esta decisão a Recorrida apresentou recurso daquela decisão ao abrigo do disposto no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) junto do Tribunal Tributário (TT) de Lisboa. A Meritíssima Juíza do TT de Lisboa recorrida julgou procedente o recurso interposto da decisão administrativa com a seguinte fundamentação: “Da factologia demonstrada, não resultou provada a existência de qualquer facto indiciador da inveracidade do declarado já que os factos enunciados na informação subjacente ao pedido para aceder às informações bancárias da sociedade9, nomeadamente origem dos valores em causa se encontram suportadas documentalmente comprovados 10, foram confirmados pelos declarantes, e a administração não os contradiz. Por conseguinte, também não se verificam quanto a estes montantes quaisquer indíc ios de existência de acréscimos patrimoniais não justificados nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 87.º já que se comprova o fluxo financeiro suportado pelos cheques emitidos, a origem da dívida suportada na obrigação constituída no contrato de promessa e a respectiva escrituração contabilística. Esta pode eventualmente apresentar incorreção, o que deverá ser aferido em sede própria e, se for o caso, dar eventualmente às sanções que para a situação concreta se encontrem legalmente previstas, mas isoladamente não se verifica suficiente ao levantamento do sigilo bancário do A. Importa ainda referir que os argumentos defendidos na resposta da AT, como justificativos da derrogação do sigilo bancário se reportam à actividade do administrador da A., nesta e noutras sociedades de que é gerente, sócio gerente e administrador, situação que não relevando nos autos sub judice, poderá ser equacionada individualmente. Entende-se, desde modo, ao contrário do que defende a Fazenda Publica o circunstancialismo descrito não é passível de enquadramento no n.º 1 do art. 63.º -B da LGT, não podendo por conseguinte manter-se na ordem jurídica o ato recorrido por padecer de vício de violação de lei e por conseguinte deve ser anulado.” I. Neste contexto, invoca a ora Recorrente Fazenda Pública nulidade da sentença por excesso de pronúncia, uma vez que “[o] Tribunal a quo afirmou ainda que não se verificaram quanto aos montantes em causa quaisquer indícios de existência de existência de acréscimos não justificados nos termos da al. f) do artigo 87° da LGT dado ter ficado comprovado o fluxo financeiro suportado pelos cheques emitidos, a origem da dívida suportada na obrigação constituída no contrato de promessa e a respectiva escrituração contabilística e ao fazê-lo pronunciou-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, pelo que excedeu o âmbito da solução do conflito nos limites por elas pedidos” [conclusão IV]. Vejamos. Conforme dispõe o n.º 1 do art. 125.º do CPPT constitui causa de nulidade da sentença “a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. “Verifica-se a nulidade da sentença por excesso de pronúncia se nesta se conhece questão que não foi suscitada nem é do conhecimento oficioso (art. 125.º, n.º 1, do CPPT)” – Acórdão do STA de 06/08/2014, proc. n.º 0742/14. Importa sublinhar que o excesso de pronúncia refere-se a questões e não a argumentos, pois quanto a argumentos o tribunal não está limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar questões que tenham sido suscitadas (nesse sentido, vide, Ac. do STA de 17/09/2014, proc. n.º 0936/14, e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 366). Haverá também excesso de pronúncia “se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar, por exemplo, anulando um acto com base em vício não invocado” (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, anotação 5 ao art. 123º, pp. 318 e 319; e anotação 12 ao art. 125º, p. 366, e Acórdão do STA, de 28/1/2015, proc. n.º 01879/13). Aplicando o supra exposto ao caso dos autos, temos que não se verifica a invocada nulidade por excesso de pronúncia. Com efeito, conforme resulta da p.i. a ora Recorrida invocou no art. 7.º que demonstrou a origem dos 950.000.000€, ou seja, demonstrou que a entrada na sua esfera patrimonial não constitui suprimentos, e para tanto juntou aos autos os cheques a que se refere a sentença recorrida. Ou seja, foi invocada a questão da demonstração da origem daqueles montantes comprovada pelos cheques e outros documentos junto aos autos. Por outro lado, e no que diz respeito à invocação da alínea f) do artigo 87.º da LGT pela sentença recorrida, é certo que este preceito legal não foi invocado pela ora Recorrida na sua petição, e também não constitui fundamento do acto administrativo sob análise, no entanto, esta situação não consubstancia excesso de pronúncia, mas quando muito podemos estar no âmbito do erro de julgamento de direito. Com efeito, desde logo importa ter presente que o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo de a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (art. 608.º, n.º 2 do CPC). No entanto, “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3 do CPC). Ou seja, quanto à interpretação e aplicação das regras de direito o juiz não está condicionado pelas alegações das partes, o que é uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão (jura novit curia). Por conseguinte, não se verifica qualquer nulidade da sentença por excesso de pronúncia, quando muito, erro de julgamento de direito que apreciaremos adiante. Pelo exposto, não se verifica a nulidade da sentença, e nessa medida, improcede a conclusão IV das alegações de recurso da Recorrente Fazenda Pública. II. Passemos então ao conhecimento do erro de julgamento que a Recorrente Fazenda Pública assaca à sentença recorrida por errónea interpretação do art. 63.º-B da LGT [conclusão II e III]. Como se retira daquelas conclusões de recurso, no fundo a Recorrente Fazenda Pública discorda quer da interpretação que a sentença recorrida faz do direito aplicável [art. 63.º-B, n.º 1, alíneas d) e e)] e da valoração dos fundamentos da decisão administrativa, porquanto, no seu entender deveria ter reconhecido a verificação dos indícios para sustentar o levantamento do sigilo bancário. Apreciando. Dispõe o art. 63.º- B da LGT, sob a epígrafe, “acesso a informações e documentos bancários”, na parte que ora importa para a decisão do presente recurso, o seguinte: “1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 317/2009, de 30 de outubro, e 242/2012, de 7 de novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos: (…) d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou dos sujeitos passivos de IVA que tenham optado pelo regime de IVA de caixa; e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua; (…) 4 - As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte e no n.º 13, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou dos seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação. ” Antes de mais sublinhe-se que in casu a AT fundamenta a sua actuação na alínea d) e e) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, tal como resulta da informação que está subjacente à decisão da AT, sendo irrelevante que na oposição apresentada pela Fazenda Pública se faça referência à alínea b), pois esta sempre constituiria fundamentação a posteriori do acto, e portanto, não admitida por lei. Portanto, cumpre aferir se in casu estamos perante a previsão legal prevista na alínea d) e e) do n.º 1 daquele preceito de modo a legitimar que a AT tenha acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos. Na hipótese legal prevista na alínea d) aquele acesso é permitido “Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou dos sujeitos passivos de IVA que tenham optado pelo regime de IVA de caixa;”. In casu, considerando que a Recorrida é um sujeito passivo de IRC sujeita a contabilidade organizada, importa, então, determinar se estamos perante uma situação de verificação da conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos em sede de IRC, hipótese legal que a verificar-se legitima o acesso a informações e documentos bancários da Recorrida sem dependência do seu consentimento. Sublinhe-se que é em função da fundamentação da decisão da AT que deverá ser aferida a subsunção do caso concreto à hipótese normativa, tendo presente que nos termos do n.º 4 do art. 63.ºB “As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam (…)”. Antes de mais, e a respeito da admissibilidade da fundamentação por remissão, ao contrário do entendimento da ora Recorrida, sufragamos aquele que é maioritário na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no sentido de que “[o]s actos do Director Geral, de derrogação do sigilo bancário, a que se refere o art. 63 – B, n.º 4 da LGT, devem ser fundamentados com expressa menção dos motivos concretos que os justificam, podendo, todavia, tal fundamentação ser remissiva.” – cfr. Acórdão do STA de 28/04/2010, proc. n.º 0897/09 – no mesmo sentido, vide os acórdãos de 16/09/2009, Rec. 0384/09, 19/03/2009, Rec. 0135/09, 09/09/2008, Rec. 01022/07 e 03/10/2007, Rec. 0630/07. Por outro lado, importa ter presente que a menção expressa dos motivos concretos que justificam a decisão da AT acesso a informações e documentos bancários sem dependência do seu consentimento do contribuinte (fundamentação formal e substancial) permite o controlo jurisdicional daquela decisão garantindo a tutela jurisdicional efectiva do contribuinte. Portanto, os motivos exarados na decisão da AT têm de estar suficientemente densificados para subsumir a situação concreta à alínea(s) que fundamenta(m) o acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento do contribuinte, cabendo ao tribunal, casuisticamente, aferir da sua verificação nos casos em que o acto é sindicado contenciosamente. Ou seja, é em função do circunstancialismo do caso concreto que se deverá aferir da suficiência da fundamentação (substancial) para justificar a actuação da AT ao abrigo do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, por outras palavras, da verificação dos pressupostos da actuação da AT. In casu, a AT, na informação subjacente à decisão da AT de acesso a informações e documentos bancários sem dependência do consentimento da ora Recorrida, descreveu de forma clara e suficiente os motivos concretos que se subsumem à hipótese legal de verificação da conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos em sede de IRC (alínea d) do preceito legal em causa). Com efeito, no âmbito de uma acção de inspecção externa à Recorrida verificou-se que foram contabilizados como suprimentos efectuados pelo sócio gerente determinadas entradas em dinheiro nas contas bancárias da Recorrida, no valor global de cerca de 1.000.000€ (um milhão de euros), de entre as quais uma no valor de 950.000€, sendo certo que os documentos contabilísticos que suportam esse registo não comprovam que a entrada de dinheiro foi uma operação de suprimentos. Desde logo, se atentarmos a esta parte da motivação constata-se que estamos perante um movimento contabilístico de valor avultado, cujo registo contabilístico suscitou dúvidas à AT face ao respectivo documento que suportava tal registo. Neste contexto, a AT diligenciou no sentido de obter esclarecimento junto do sócio gerente da Recorrida que de resto confirmou as suspeitas da AT de que aquelas transferências daqueles montantes não eram suprimentos. Esclareceu o sócio gerente que se tratou de um financiamento de uma sociedade com sede em Delaware, EUA, e que apenas por lapso o contrato-promessa de compra e venda de acções de 19/12/2011 que suporta essa transferência não se encontrava na contabilidade. Ou seja, apenas no âmbito da acção de inspecção é que é apresentado o aludido contrato que estaria na origem daquelas transferências financeiras para a Recorrida. Sucede que, mais apurou a AT que a venda das acções prevista naquele contrato-promessa nunca se efectuou, e que o ouvido o TOC este disse que na altura da contabilização não lhe foi facultado o referido contrato-promessa, sendo que por norma as entradas em dinheiro eram efectuadas pelo sócio gerente. Ou seja, considerando o valor avultado das transferências (cerca de 1 milhão de euros) o alegado “lapso” na contabilização dos montantes, o completo desconhecimento do TOC daquele contrato-promessa sustenta a necessidade de acesso a informações e documentos bancários ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do art. 63.º_B da LGT. Portanto, da motivação da AT resulta suficientemente demonstrada a necessidade de verificar a conformidade dos documentos de suporte dos registos contabilísticos daquelas operações de valores avultados e que ocorreram em 2011. Com efeito, considerando que aquele contrato-promessa não constava da contabilidade, que o TOC o desconhecia, que o sócio gerente afirma que o registo contabilístico é um lapso, e que afinal o negócio prometido no contrato-promessa nem sequer se concretizou, está suficientemente densificada a motivação para que a situação se subsuma à previsão legal da alínea d), do n.º 1 do art. 63.º-B de verificação da conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos em sede de IRC. Por outro lado, e ao contrário do que invoca a Recorrida, da decisão administrativa de derrogação de sigilo bancário não tem de constar a demonstração da impossibilidade de obter a informação por outras formas, não havendo violação da reserva da intimidade da vida privada nem de qualquer princípio constitucional, pois como se afirmou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2005 de 02/11/2005: «(…) como este Tribunal já teve ocasião de discretear, tal como o sigilo profissional, a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto, antes se admitindo excepções em situações em que avultam valores e interesses que devem ser reputados como relevantes como, verbi gratia, a salvaguarda dos interesses públicos ou colectivos (cfr. Acórdão n.º 278/95, publicado na II Série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, onde se disse que “o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com os clientes. (…) Sendo o controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes, como método de avaliação da sua situação fiscal, uma realidade recente (ou, como diz Saldanha Sanches, ob. cit., que “são esses dados contidos nas contas bancárias e nos seus movimentos (ou na aquisição de um bem sujeito a registo como um prédio ou um automóvel) que permitem o controlo da declaração tributária do sujeito passivo e que constituem a condição sine qua non de um controlo eficaz, na fase actual da evolução da relação jurídico-tributária”), e postando-se como necessário – e, quantas vezes para tanto como imprescindível – o conhecimento das respectivas operações, não se poderá deixar de concluir que se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente protegido da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos, a procura da consagração de uma articulação ponderada e harmoniosa da reserva (se não da intimidade da vida privada, ao menos da reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo bancário e dos interesses decorrentes dos citados dever e direito”.» **** Custas pela Recorrida.D.n. Lisboa, de 4 de Fevereiro de 2016. ____________________________ Cristina Flora
____________________________ Cremilde Abreu Miranda
____________________________ Joaquim Condesso |