Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07438/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/24/2015
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC. DONATIVOS. ESTATUTO DO MECENATO.
Sumário:1) A dedutibilidade fiscal do donativo efectuado pelo mecenas em sede de IRC corresponde a benefício fiscal estatutário, ou seja, depende do preenchimento de certa condição em relação à entidade donatária, a utilidade pública, cuja declaração constitui a credencial para a dispensa da tributação-regra, que o princípio da legalidade fiscal imporia.

2) Assim, o despacho de reconhecimento da utilidade pública da donatária é acto constitutivo do enquadramento das liberalidades que lhe são destinadas no Estatuto do Mecenato, bem como do acesso à isenção de IRC, a qual só existe na medida daquele e do cumprimento do seus requisitos (artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 4 de Novembro, 10.º/3, do Código do IRC).

3) Do acima exposto resulta que a oponibilidade do benefício fiscal em exame depende do preenchimento da condição relativa ao reconhecimento da utilidade pública da beneficiária, o qual apenas ocorreu em 04.03.2005, pelo que no exercício de 2003, data da realização da liberalidade em causa, a mencionada condição não se mostrava preenchida, pelo que o custo realizado naquela data não é dedutível ao IRC da impugnante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
A Z........... ………….– Serviços de …………………., SGPS, SA., interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 209/236, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas referente ao exercício de 2003.
Nas alegações de recurso de fls. 316/342, a recorrente formula as conclusões seguintes:
A) O presente recurso vem interposto da Sentença proferida, em 31 de Outubro de 2013, no processo que correu os seus termos junto da 4.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 2686/10.9BELRS, que julgou improcedente a impugnação deduzida pela ora Recorrente contra o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2003.

B) No que se refere ao conteúdo da Sentença no segmento referente aos factos provados, a Recorrente considera que deverão ser aditados à matéria provada, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 712.º, do Código de Processo Civil, os seguintes factos com interesse para a decisão da causa, que corroboram a necessidade de revogação e de substituição da Sentença, que constitui o objecto do presente recurso:

(i) facto constante dos artigos 121.º e 128º da petição inicial e provado pelo teor dos Estatutos da Fundação (cfr. Doc. 3 junto à impugnação judicial) – no quadro de actividades levadas a cabo pela Fundação PT são concedidos apoios e realizadas iniciativas que se destinam exclusivamente à prossecução de fins de carácter social; e,

(ii) facto constante dos artigos 129.º e 130.º da petição inicial e reconhecido pelo Tribunal a quo – antes de ser promovida a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, a Recorrente não foi notificada para exercício de direito de audição, sobre o projecto de decisão do recurso hierárquico.

C) No que respeita ao segmento da Sentença que se refere à falta de fundamentação da decisão do recurso hierárquico, deve a Sentença recorrida ser substituída porquanto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico não se encontra fundamentada, conforme aliás reconhecido pelo Tribunal a quo ao referir que a citada decisão não constitui um “modelo de clareza”, nos termos legalmente exigidos, assim violando o disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da Constituição da Republica Portuguesa e 77.º da Lei Geral Tributária.

D) Com efeito, aquando da apreciação do recurso hierárquico e da reclamação graciosa, a Administração tributária hesita, reiteradamente, no enquadramento legal a dar ao despacho do Ministro de Estado, de 7 de Março de 2007, que atribui isenção em sede de IRC à Fundação PT, alternando o respectivo enquadramento entre o artigo 10.º do Código do IRC e o artigo 1.º, n.º 2 do Estatuto do Mecenato, impossibilitando a Recorrente de tomar cabal conhecimento dos verdadeiros fundamentos de direito subjacentes ao indeferimento do recurso hierárquico.

E) No que se refere ao segmento da Sentença em que se aprecia a questão de fundo da dedutibilidade fiscal dos donativos concedidos à Fundação PT e respectiva majoração, é manifesto o erro em que labora a Sentença recorrida, quer, na parte em que considera que a declaração de utilidade pública datada de Março de 2005 configura um acto constitutivo de um direito, quer na parte em que parece entender que os efeitos da isenção de IRC apenas retroagem à data da declaração de utilidade pública da fundação beneficiária dos donativos, por força da discricionariedade conferida à Administração publica com referência à definição da amplitude da isenção.

F) Com efeito, do Decreto-Lei n.º 460/77 de 7 de Novembro não resulta qualquer limitação temporal à declaração de utilidade pública, nomeadamente, à data a que retroagem os seus efeitos legais.

G) Pelo contrário, resulta do teor literal do diploma que, ao utilizar reiteradamente os termos “declaração” e “processo de reconhecimento da utilidade pública”, foi vontade do legislador atribuir àquele acto administrativo efeitos meramente declarativos e não constitutivos reportados à data de verificação dos respectivos pressupostos.

H) A este respeito, a própria jurisprudência é uniforme ao considerar, no que respeita ao reconhecimento da isenção de IRC, que este é sempre praticado no exercício de poderes vinculados – e não discricionários –, daí decorrendo, necessariamente, que o reconhecimento, tem natureza declarativa e não constitutiva do direito ao benefício fiscal respectivo, pelo que o nascimento desse direito deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais e não ao momento da prática do próprio reconhecimento.

I) Neste sentido, e mesmo recentemente, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo que “o benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é em regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático, se a Fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.”.

J) No âmbito do referido acórdão considerou, ainda, o referido Tribunal, que vindo o direito a tal benefício a ser adquirido de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos –, este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi do disposto no então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do EBF, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da Fundação. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Outubro de 2013, proferido no âmbito do Processo n.º 0471/13).

K) A este respeito, importa também recordar que é por demais consensual que a atribuição de isenção em sede de IRC é subsumível ao conceito de benefício fiscal, sendo certo que também o Estatuto dos Benefícios Fiscais, esclarece que o processo de reconhecimento dos benefícios fiscais terá, em qualquer caso, efeito meramente declarativo.

L) Também a Doutrina tem sido unânime neste entendimento de acordo com o qual o processo de reconhecimento dos benefícios fiscais tem uma eficácia meramente declarativa, reportando, por isso, os seus efeitos à data da verificação dos pressupostos.

M) A própria Administração tributária, através da Circular n.º 13/2003, de 25 de Setembro, emitida pela Direcção de Serviços do IRC, perfilhou este entendimento, de acordo com o qual o nascimento do direito ao benefício fiscal deve reportar-se, sempre, ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais, clarificando que uma vez praticado este acto de reconhecimento, os seus efeitos retroagem à data da verificação histórica dos respectivos pressupostos do benefício fiscal.

N) Assim, dever-se-á entender que a declaração de reconhecimento da utilidade pública da Fundação PT proferida pelo Primeiro-Ministro e publicada no Diário da República de 4 de Março de 2005, 2.ª série, n.º 45, ao abrigo do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, reveste natureza meramente declarativa, pelo que produz efeitos (retroactivos) reportados à data da constituição da Fundação PT, ou seja, a 11 de Março de 2003.

O) Também no que se refere à parte da Sentença que parece entender que os efeitos da isenção de IRC apenas retroagem à data da declaração de utilidade pública da fundação beneficiária dos donativos, por força da discricionariedade conferida à Administração publica com referência à definição da amplitude da isenção, importa clarificar que o artigo 10.º, n.º 2, do Código do IRC, ao prever que o despacho de reconhecimento de isenção de IRC pelo Ministro de Estado e das Finanças possa definir “a respectiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as actividades desenvolvidas para a sua realização” não pode ser interpretado no sentido de atribuir ao Ministro livre arbítrio na determinação do momento do nascimento da isenção.

P) Na verdade, a referida disposição legal refere-se apenas à possibilidade de o Ministro de Estado e das Finanças circunscrever o âmbito de aplicação da isenção de IRC a algumas categorias de rendimentos, em atenção ao facto da determinação da matéria colectável das pessoas colectivas que não exerçam, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola ser formado pela soma algébrica dos rendimentos líquidos das várias categorias de IRS (cfr. artigo 48.º, n.º 1, do Código de IRC).

Q) Assim, há naturalmente, que interpretar o artigo 10.º, n.º 2, no sentido ora propugnado, por forma a evitar-se também, contradições sistemáticas que, com toda a certeza, o legislador não pretendeu.

R) Em face do exposto, atendendo à natureza declarativa do despacho de reconhecimento de isenção de IRC nos termos e para os efeitos do artigo 10.º do Código de IRC – no exercício, aliás, de um poder vinculado – e, bem assim, da limitação do poder de definição da amplitude da isenção à determinação das categorias de rendimentos isentas, deve a Sentença Recorrida de 31 de Outubro de 2013 e, consequentemente, o despacho do Ministro de Estado e das Finanças, de 7 de Março de 2007, na parte em que refere que a isenção concedida “aplica-se a partir de 04/03/2005, data em que o despacho de Sua Excelência o Primeiro-Ministro de reconhecimento como Pessoa Colectiva de Utilidade Pública foi publicado no D.R. II Série n.º 45, de 04/03/2005” ser considerado ilegal, devendo ser declarado judicialmente o direito da Recorrente à dedução peticionada.

S) No que se refere ao conteúdo da Sentença no segmento em que se analisa a invocada preterição por falta de formalidade legal essencial, deve a Sentença recorrida ser substituída, atendendo a que a Recorrente não foi notificada para o exercício de direito de audição sobre o projecto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico, em clara violação do disposto da alínea b), do n.º 1 do artigo 60.º, da Lei Geral Tributária, disposição legal esta também violada pelo Tribunal a quo na Sentença em apreço.
T) Com efeito, a situação em apreço não se enquadrada em nenhuma das situações de dispensa de audição prévia previstas no artigo 60.º, n.ºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária, pelo que inexistindo qualquer norma legal que dispense a referida formalidade legal (essencial), impõe-se concluir que o Despacho da Exma. Senhora Directora de Serviços do IRC, proferido em 27 de Julho de 2010, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado é ilegal, o que implicará a sua anulação.
U) Em face do exposto, deverá, também por este motivo, a Sentença em apreço ser revogada, por violação do disposto nos artigos 267.º, n.º 5 da Constituição da Republica Portuguesa e 60.º da Lei Geral Tributária.

Não há registo de contra-alegações.

X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 355/356, dos autos), no qual se pronuncia no sentido da improcedência do recurso interposto pela recorrente.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. Por escritura pública outorgada em 11/03/2003, no 15.º Cartório Notarial de Lisboa, foi instituída a Fundação Portugal Telecom, pessoa coletiva de utilidade pública, sem fins lucrativos (Doc. 1 da petição inicial; processo administrativo tributário apenso).
B. No exercício fiscal de 2003, a impugnante entregou à Fundação Portugal Telecom a quantia de €1.050.000,00, correspondente à dotação de 2003 para a constituição do património inicial da fundação (Doc. 6 da PI).
C. A impugnante não declarou o custo com essa dotação como sendo fiscalmente dedutível (Doc. 2 da PI; PAT apenso).
D. No dia 12/07/2004, a Fundação Portugal Telecom obteve o reconhecimento administrativo, pela Portaria n.º 793/2004, do Gabinete do Subsecretário de Estado da Administração Interna, publicada no Diário da República, II Série, n.º 162, de 12/07/2004 (Doc. 4 da PI).
E. Pela Declaração n.º 46/2005, de 22/02/2005, da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no Diário da República, de 04/03/2005, foi reconhecida a utilidade pública à Fundação Portugal Telecom (Doc. 5 da PI).
F. Por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais datado de 07/03/2007, foi deferido o pedido de reconhecimento de isenção de IRC da Fundação Portugal Telecom, ali se determinando que esta isenção se aplica a partir de 04/03/2005, data de publicação do despacho de reconhecimento como pessoa coletiva de utilidade pública no DR II Série n.º 45, de 04/03/2005, ficando condicionada à observância continuada dos requisitos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRC, com as consequências, em caso de incumprimento, previstas nos números 4 e 5 desta disposição (Doc. 7 da PI).
G. No dia 31/05/2007, a impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do exercício de 2003, peticionando a correção do lucro tributável apurado pelo Grupo no âmbito do RETGS, no montante de € 1.470.000,00, correspondente ao donativo concedido à Fundação Portugal Telecom no exercício de 2003, bem como a sua majoração na proporção de 40% (Doc. 8 da PI).
H. A impugnante sustentou a reclamação graciosa invocando a Circular n.º 13/2003, de 25/09/2003, emitida pelo Diretor-Geral dos Impostos (Doc. 8 da PI).
I. No dia 04/12/2008, a impugnante recebeu notificação do projeto de decisão da reclamação graciosa (Doc. 10 da PI).
J. No dia 12/12/2008, a impugnante exerceu o direito de audição prévia (Doc. 10 da PI; fls. 46/51 do PAT apenso).
K. Por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa datado de 23/01/2009, foi indeferida esta reclamação graciosa (Doc. 9 da PI).
L. A impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da autoliquidação do exercício de 2003 (Doc. 10 da PI).
M. Por despacho da Diretora de Serviços da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas datado de 27/07/2010, foi indeferido o recurso hierárquico, com os termos de fls. 49/55, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte:



(Doc. 1 da PI).

N. No dia 13/04/2010, a Fundação Portugal Telecom efetuou uma alteração parcial aos seus estatutos, dando nova redação ao respetivo artigo 22.º, n.º 2, que passou a conter os seguintes termos:
“Em caso de extinção da Fundação, o seu património reverterá para o Estado ou, em alternativa, será cedido às entidades abrangidas pelo artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas” (Doc. 3 da PI).

Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: «A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»
X
Na conclusão B), a recorrente vem requerer o aditamento da matéria de facto.
No que respeita ao quesito B)/i), compulsados os autos e por se oferecer pertinente ao correcto julgamento da causa, impõe-se deferir o mesmo.
Adita-se à matéria de facto, a alínea O. com o conteúdo seguinte:
«No quadro das actividades levadas a cabo pela Fundação PT são concedidos apoios e realizadas iniciativas que se destinam à prossecução de fins de carácter social» - estatutos da Fundação Portugal Telecom, de fls. 61/71.
Em relação ao quesito remanescente, o mesmo não se oferece necessário à correcta instrução da causa, pelo que o requerimento é rejeitado, nesta parte.
X

2.2. De Direito.

2.2.1. Nos presentes autos, vem sindicada a sentença proferida a fls. 209/236, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas referente ao exercício de 2003.

2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto à preterição de formalidades legais do dever de fundamentação da decisão do recurso hierárquico (i) e do dever de audição prévia em sede de recurso hierárquico (ii), bem como sobe o invocado erro de julgamento quanto à questão da não aceitação da dedutibilidade fiscal dos donativos concedidos pela impugnante à Fundação PT.

2.2.3. Atendendo ao objecto da presente intenção recursória, no que respeita ao alegado erro de julgamento por referência ao vício da falta de fundamentação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, na sentença recorrida consignou-se o seguinte:

«Neste conspecto, o que a impugnante faz é chamar à colação o artigo 125.º, n.º 2, do CPA, por considerar a fundamentação contraditória e insuficiente.

É certo que a informação que sustenta a decisão impugnada não constitui um modelo de clareza.

Contudo, retira-se da decisão do recurso hierárquico que a mesma se sustenta, em primeiro lugar, no conflito entre os estatutos da Fundação PT e o artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto do Mecenato.

Depois, ali se explicita que, por o reconhecimento da isenção de IRC se reportar ao momento do reconhecimento como pessoa coletiva de utilidade pública, não estavam reunidos os requisitos para relevar fiscalmente o donativo em causa.

Por outro lado, retira-se que a impugnante acompanhou o raciocínio subjacente às conclusões da Administração Tributária, conforme resulta da petição inicial, debatendo ponto por ponto a orientação ali propugnada.

Porque assim é, não se vislumbra que ocorra a violação do dever de fundamentação.»

A fundamentação é suficiente quando a Administração exterioriza os fundamentos de facto e de direito da decisão, permitindo a compreensão do seu iter lógico-jurídico, e é congruente quando tais fundamentos são idóneos a explicar a concreta decisão, tendo esta conexão, coerência com aqueles. «[E]xige-se (…) que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte» (1).

No caso, os motivos do acto negativo, tal como resulta do seu teor, resultam da necessidade do reconhecimento administrativo prévio da entidade beneficiária do donativo, tendo em vista a dedutibilidade fiscal do mesmo por parte da entidade doadora, ora recorrente.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma do erro que lhe é apontado, pelo que deve ser confirmada, nesta parte.

2.2.4. A recorrente insurge-se, também, contra o veredicto que fez vencimento na instância, no sentido de que havia fundamento, no caso, para a dispensa de audição prévia, no âmbito do recurso hierárquico.

A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:

Sustentou a Administração Tributária que tinha sido concedido à impugnante o direito de audição em sede de reclamação graciosa, pelo que, no âmbito de um procedimento de segundo grau, já não se impunha a sua concessão.

E conforme consta da matéria de facto dada como assente, no caso dos autos, a impugnante exerceu, por escrito, o direito de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa.

Por outro lado, verifica-se que a decisão do recurso hierárquico deduzido pela impugnante assentou nos mesmos factos sobre que foi exercido o direito de audição no procedimento anterior.

Deste modo, afigura-se perfeitamente legítima a decisão de dispensa do direito de audição no procedimento de segundo grau, nos termos do disposto nos invocados artigos 103.º, n.º 2, al. a), do CPA, e 60.º, n.º 3, da LGT.

Concluindo-se pela inverificação de preterição de formalidade essencial.

No que concerne a presente argumentação, cumpre recordar o disposto no artigo 60.º, n.º 3, da LGT, preceito que determina que «[t]endo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado».

A norma em causa deve ser concatenada com o disposto no artigo 103.º/2/a), do CPA, preceito que determina que «[o] órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos: // a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas».

Por outras palavras, não havendo elementos novos, e tendo sido garantida a participação do contribuinte no procedimento impugnatório anterior, as funções de garantia do contraditório e de apuramento da verdade material encontram-se asseguradas, pelo que o trâmite em apreço pode ser dispensado, como foi.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida, pelo que deve ser confirmada, nesta parte.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. A recorrente censura o acto tributário em exame, por erro nos pressupostos de direito, erro que se projecta na sentença recorrida, que o confirmou, defende.

Em síntese, a recorrente sustenta que, quer o reconhecimento da isenção de IRC da entidade beneficiária do donativo, quer o reconhecimento da utilidade pública da mesma opera, de forma retroactiva, o que determina o carácter vinculado e automático da dedutibilidade fiscal da dotação efectuada pela impugnante, no exercício de 2003.

A questão que se suscita consiste em saber se a dotação efectuada em favor da Fundação em apreço é dedutível, no IRC de 2003 da impugnante, ainda que a declaração de utilidade pública e a concessão de isenção de IRC em relação à fundação, tiveram lugar em momento posterior ao da efectivação da liberalidade mencionada.

Sobre a presente questão, escreveu-se na sentença recorrida, em síntese, o seguinte:

«A Fundação Portugal Telecom é inequivocamente uma fundação de iniciativa exclusivamente privada, que prossegue fins de natureza predominantemente social e cultural. // E beneficia da sobredita isenção de IRC, desde 04/03/2005. // Mas tal implicará que, para efeitos do Estatuto do Mecenato, os donativos efetuados para a dotação inicial sejam fiscalmente dedutíveis? // (…) // Sendo a Fundação PT uma pessoa coletiva dotada de estatuto de utilidade pública à qual foi reconhecida a isenção de IRC, a mesma não está dependente do reconhecimento a que alude o artigo 1.º, n.º 3, do diploma que aprovou o Estatuto do Mecenato, nem lhe é oponível o artigo 1.º, n.º 2, do EM, o que decorre do artigo 1.º, n.º 4, do D-L que apenas ressalva o reconhecimento do benefício, nas situações previstas no n.º 2 do artigo 2.º e nos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Estatuto, o que não é o caso. // Mas já assiste razão à Administração Tributária ao defender que o donativo em causa não é fiscalmente relevante, por preceder o momento em que a Fundação passou a possuir o estatuto de utilidade pública e de lhe ser reconhecida isenção em sede de IRC. // Em primeiro lugar, conforme decorre do disposto no artigo 127.º, n.º 1, do CPA, a declaração de utilidade pública configura um ato constitutivo de um direito, produzindo os seus efeitos a partir da data em que foi praticado. // Por outro lado, como já se assinalou, a isenção de IRC estava dependente de uma atuação discricionária da administração, a qual, perante determinados parâmetros legais, podia definir a sua amplitude, como o fez. // Tendo retroagido os efeitos desta isenção de IRC à data da declaração de utilidade pública da fundação beneficiária dos donativos. // Estamos a falar de donativos efetuados no decurso do ano de 2003, pelo que as regras aplicáveis à entidade beneficiária não podem ser outras que não as que refletem a sua esfera jurídica no mesmo ano de 2003. // Pelo que não ampara a posição da impugnante a previsão do artigo 12.º do EBF, que reporta o direito aos benefícios fiscais à data da verificação dos respetivos pressupostos, posto que, indiscutivelmente, no ano de 2003, a entidade beneficiária dos donativos não tinha o estatuto de utilidade pública, nem beneficiava da isenção de IRC. // O entendimento exposto, a nosso ver, não colide com a orientação propugnada pela Administração Tributária na Circular n.º 13/2003, de 25 de Setembro».

2.2.6. A recorrente censura a sentença recorrida por a mesma ter seguido o entendimento segundo o qual o benefício fiscal em causa estava dependente do preenchimento contemporâneo à efectividade da liberalidade em apreço de duas condições, a saber: – i) o reconhecimento da utilidade pública à Fundação beneficiária da dotação; ii) o reconhecimento da isenção de IRC da Fundação beneficiária da dotação. No entendimento perfilhado pela sentença recorrida, uma vez que o preenchimento destas condições apenas teve lugar em momento posterior à realização dos donativos por parte da impugnante, o direito ao benefício fiscal não se havia constituído na esfera da impugnante por falta de comprovação do preenchimento dos pressupostos relativos na data da efectivação do donativo.

Vejamos.

O Estatuto do Mecenato foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março (doravante, EM). Nos termos do n.º 2, do artigo 1.º (“Aprovação do Estatuto do Mecenato”) do mesmo, «[p]ara os efeitos do disposto no presente diploma, apenas têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, científica ou tecnológica, desportiva e educacional».

Determina, por seu turno, o n.º 3 do preceito, que os benefícios fiscais previstos no EM, «com excepção dos referidos no artigo 1.º do Estatuto e dos respeitantes aos donativos concedidos às pessoas colectivas dotadas de estatuto de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC nos termos do artigo 9.º do respectivo Código, dependem de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela» (2).

Estabelece o n.º 1 artigo 1.º (“Donativos ao Estado e a outras entidades”), do Capítulo I “Imposto sobre o Rendimento das pessoas colectivas”, do EM que: «[s]ão considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos às seguintes entidades: (…) // d) Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial (…)».

Estatui o artigo 10.º (“Pessoas colectivas de utilidade pública e de solidariedade social”) do Código do IRC o seguinte: // 1 - Estão isentas de IRC: // a) As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa; // b) As instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas; // c) As pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente. // 2 - A isenção prevista na alínea c) do número anterior carece de reconhecimento pelo Ministro das Finanças, a requerimento dos interessados, mediante despacho publicado no Diário da República, que define a respectiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as actividades desenvolvidas para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos e outras julgadas necessárias».

Cumpre referir que:

São «pessoas colectivas de utilidade pública», «as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de «utilidade pública» (artigo 1.º/1, do Decreto-Lei n.º 460/77, de 4 de Novembro). O diploma institui um procedimento administrativo de aferição das condições da declaração da «utilidade pública» (artigos 2.º a 6.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 4 de Novembro). O estatuto de «utilidade pública» consiste num regime aplicável a pessoas colectivas privadas que conjuga, designadamente, isenções com restrições e sujeições à intervenção da Administração Estadual. Dentre as isenções referidas inclui-se a isenção de IRC das entidades beneficiárias do estatuto de utilidade pública (artigo 10.º do CIRC).

Está em causa a dedutibilidade fiscal da dotação inicial efectuada pela impugnante no exercício de 2003. Recorde-se que um benefício fiscal corresponde a «um facto impeditivo do nascimento da obrigação tributária com o seu conteúdo normal, que cabe na tributação-regra, com natureza excepcional e fundamento extrafiscal, traduzido na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevante superiores ao da própria tributação que impede» (3).

A entidade beneficiária do donativo em causa é uma Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural. Por outro lado, o nascimento do direito ao benefício fiscal deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais, a saber, por um lado, a atribuição do donativo pelo sujeito passivo, conforme definição dada pelo nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 74/99, e, por outro lado, a integração da entidade beneficiária e medidas a desenvolver num dos tipos de entidades e medidas elencadas nos artigos 1º a 4º do Estatuto do Mecenato.

A questão que se suscita respeita à natureza e relevância do despacho que confere o estatuto de utilidade pública à Fundação beneficiária em causa. É que o reconhecimento da utilidade pública é condição da isenção de IRC, nos termos do artigo 10.º do CIRC, o qual, por seu turno, é condição de dedutibilidade do donativo por parte da entidade doadora (artigo 1.º/3, do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março. O referido reconhecimento não pode operar desde a data da instituição da Fundação em apreço, dado que a entidade em causa, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 4 de Novembro, está sujeita a um período de “carência” de cinco anos desde a sua constituição, no qual não pode ser objecto da referida declaração, para além da necessária sujeição a um processo específico de instrução tendo em vista aferição dos pressupostos relativos à declaração de utilidade pública (artigos 2.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 4 de Novembro). Seja a isenção de IRC da entidade beneficiária, seja a dedutibilidade fiscal do donativo efectuado pelo mecenas, correspondem a benefícios fiscais estatutários, ou seja, dependem do preenchimento de certa condição em relação à entidade donatária, a utilidade pública, cuja declaração constitui a credencial para a dispensa da tributação-regra, que o princípio da legalidade fiscal imporia. Assim, o despacho de reconhecimento da utilidade pública da donatária é acto constitutivo do enquadramento das liberalidades que lhe são destinadas no Estatuto do Mecenato, bem como do acesso à isenção de IRC, a qual só existe na medida daquele e do cumprimento do seus requisitos (artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 4 de Novembro, 10.º/3, do Código do IRC (4)).

Do acima exposto resulta que a oponibilidade do benefício fiscal em exame, consistente na dedutibilidade fiscal do custo associado à dotação inicial da fundação efectuada pela impugnante depende do preenchimento da condição relativa ao reconhecimento da utilidade pública da beneficiária, o qual apenas ocorreu em 04.03.2005 (5), pelo que no exercício de 2003, data da realização da liberalidade em causa, a mencionada condição não se mostrava preenchida, pelo que o custo realizado naquela data não é dedutível ao IRC da impugnante.

Ao julgar em sentido referido, a sentença recorrida não merece a censura que lhe e desferida, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julga improcedente a presente intenção recursória.


DISPOSITIVO

Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)
(Pereira Gameiro -1º. Adjunto)
( Anabela Russo - 2º. Adjunto)

(1) Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 72/73.
(2) Versão conferida pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro.
(3) Nuno de Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, (165), Lisboa, 1991, p. 77.
(4) V. alínea F. do probatório.
(5) V. alíneas E. e F. do probatório.