Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2555/15.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ENTREGA DO IMÓVEL QUE CONSTITUI CASA DE MORADA DA FAMÍLIA DO EXECUTADO.
Sumário:Estando em causa o pedido de determinação da entrega das chaves do imóvel vendido na execução, o qual constitui casa de morada da família do executado, sem que esteja assegurado o realojamento do respetivo agregado, deve o órgão de execução fiscal comunicar antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida em 31.10.2017, constante do SITAF, que indeferiu o pedido de emissão de despacho judicial que legitime o recurso às autoridades policiais, com arrombamento de portas do imóvel e substituição da fechadura, para efectivação da entrega do imóvel, objecto de venda judicial no PEF n.º 36112008011…, que corre termos no Serviço de Finanças da Amadora 3.
Nas alegações de recurso formula as conclusões seguintes:
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que em sede de Outros Incidentes da Execução Fiscal viu recusado o pedido deduzido pela Autoridade Tributária em sede de execução fiscal da requisição do auxílio da força pública, decidida que foi a entrega do bem imóvel na sequência do requerimento apresentado pelo adquirente N... (513204…), outrora, Banco…, SA.
II. Dando por integralmente reproduzido o quadro legal enunciado na douta decisão recorrida não se alcança a necessidade sentida pelo tribunal a quo em formular juízos de valor assentes naquilo que o mesmo prefigura ou supõe dever ser a conduta da AT - ignorando os verdadeiros pressupostos cuja verificação determina o deferimento da pretensão formulada pela Fazenda Pública, e que sobre os quais, aliás, já há transitada em julgado abundante jurisprudência da primeira instância deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
III. O tribunal a quo não pode, sob pena de gritante contradição, no âmbito do direito à habitação constitucionalmente consagrado (art. 65º CRP) reconhecer que tal direito não dá por consequência direta sequer a possibilidade do executado se opor à entrega do bem ao OEF (é isso que está escrito na douta sentença) - e suportar-se nele para negar a pretensão à Fazenda Pública.
IV. Como facilmente se observa do nº 4, do do art. 757º, CPC tratando-se de domicílio "(...) a solicitação de auxílio das autoridades policiais carece de prévio despacho judicial, pelo que, sem ele, nem se pode afirmar que a entrega esteja em curso.
V. A Fazenda Pública, fruto do conhecimento que tem das decisões que lhe são notificadas proferidas no âmbito destes incidentes da execução fiscal pelas duas U.O.s deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (a título exemplificativo, cfr. 901/16.4BESNT - 1a U.O.; 837/16.9BESNT- 1a U.O.; 829/16.8BESNT-1a U.O. e 3157/15.2BESNT - 2a U.O.), prolatadas por Mmos Juízes de reconhecida e acrescida experiência - tem vindo constatar que são essencialmente quatro as condições que uma vez verificadas, têm obtido decisões favoráveis, a saber:
1 - Identidade do imóvel sobre o qual incide o despacho judicial e o imóvel vendido em sede de execução fiscal
2 - Tratar-se de bem imóvel destinado a habitação;
3 - Que o executado se recuse ou não tenha procedido à sua entrega voluntária, apesar de notificado para o efeito, ou, que se tenha colocado na posição de não as receber apesar das notificações levadas a cabo nesse sentido;
4 -E, por fim, que tenha sido apresentado requerimento por parte do adquirente com base no título de transmissão no sentido de efetivar a posse do imóvel.
VI. Condições que se mostram enunciadas nas disposições legais que temos vindo a enunciar, que se encontram plenamente verificadas, e que não obtiveram por parte do douto tribunal qualquer pronúncia.
VII. A conexão que funda a decisão do tribunal a quo em apelar e impor ao OEF a ponderação de interesses à luz dos mencionados princípios da proporcionalidade e justiça assentam na ideia de que o pedido formulado pela Fazenda Pública seja fruto ou resulte em primeira linha da iniciativa da própria Administração Fiscal, enquanto ente público.
VIII. A conexão, porém, é meramente aparente. É verdade que é a Fazenda Pública quem toma a iniciativa de provocar o presente incidente solicitando um despacho judicial e deduzindo uma pretensão na sequência de uma informação prestada pelo OEF. Mas, o OEF, ele próprio, não deduz qualquer tipo de pretensão. Quem o faz é o próprio Adquirente, pedido que, ademais, constitui um dos pressupostos para a emissão da emissão do correspondente despacho Judicial.
IX. Estabilizada que está a venda na Ordem Jurídica e destinado que está o correspondente pagamento aos eventuais processos de execução fiscal instaurados aos executados, o OEF assume-se, sobretudo, como um intermediário no pedido deduzido pelo particular/adquirente (concretização da posse) e a tutela jurisdicional que merece perante a recusa do Executado em lhe entregar a habitação.
X. Por outro lado, e sem conceder, aceitando-se a sua aplicação {ainda que tendo por base o erro de apreciação supra referido) olvida-se que apesar da consagração constitucional dos princípios da proporcionalidade e justiça, tem entendido o Colendo STA que os mesmos cedem perante aquilo que são atos vinculados, ou seja, atos sobre os quais a Administração Fiscal, in casu, não se pode desvincular, por obediência ao princípio da legalidade.
XI. Note-se que, como bem enuncia a decisão recorrida, dispõe o art. 861º, nº 6, do CPC, que: 6 - Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 863º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução (a AT, no caso) comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes".
XII. Após a prolação do despacho judicial que autoriza o eventual uso da força pública, o OEF não está desvinculado, em virtude da imposição legal que daquele normativo resulta, de ANTECIPADAMENTE, comunicar à câmara municipal e ao Instituto da Segurança Social caso se suscitem dificuldades de realojamento - como se prevê que possa ocorrer nesta, e noutras situações ocorridas no passado.
XIII. Dificuldades que se fazem sentir na maior parte das vezes no momento em que se procura efetivar a entrega, impondo-se a tal comunicação antecipada aos serviços da Segurança Social e à edilidade e aí há que suspender a entrega e com respeito não só pelo citado comando normativo, mas também pela jurisprudência proferida em 19 de maio pelo Venerando TCA no processo nº 9582/2016, citada pelo tribunal a quo.
XIV. Outras vezes, antes da própria entrega, por via de informações que chegam ao conhecimento do OEF e que lhe permitem antever que a dificuldade do realojamento do executado vai ocorrer, pelo que os funcionários do OEF até já vão alertados e acompanhados dos funcionários daqueles serviços públicos no sentido de resolver a situação. Em todo o caso, cabe a essas entidades a disponibilização do necessário realojamento, e não à AT, cujo dever se mostra circunscrito à comunicação antecipada da suscitada dificuldade do realojamento.
XV. E existindo um dever vinculado, neste caso, imputável à AT que desencadeia um procedimento que procura assegurar ou resolver o realojamento do executado e do seu agregado familiar indo ao encontro daquelas que são as preocupações do douto tribunal a quo e que estão na base da improcedência do pedido - reforçam-se as razões do desajustado e desnecessário apelo jurídico à imputada ponderação de interesses sob a égide dos invocados princípios da justiça e proporcionalidade.
XVI. O que acontece é que essas diligências que o douto tribunal entendeu não se encontrarem demonstradas só tendem a ser empreendidas depois de obtido o tal despacho judicial sem o qual a entrega não é possível ser realizada.
XVII. Ou seja estamos ainda num momento que diríamos preparatório porque, conforme se pode extrair da redacção do nº 6 do art. 861º, do CPC (§ 25º destas alegações) e, ao cabo e ao resto, da factualidade assente na jurisprudência citada pela própria decisão recorrida, a sua execução só ocorre quando se procura proceder à entrega da habitação.
XVIII. Só se suspende algo que está em curso mas até que os serviços públicos definam o dia e a hora e se munam (cá está) das condições que lhe permitem executar a entrega (PSP, SS; CM, serralheiro, etc...) estamos ainda na preparação do evento. Basta pensar, por exemplo, que a PSP não comparece se não tiver sido obtido o mencionado despacho judicial.
XIX. São, isso sim, diligências cuja falta pode determinar a suspensão da entrega do bem mas não impedem nem podem impedir o adquirente de ver obtido o despacho judicial que tome a entrega do bem susceptível de ser realizada - e aí sim, com clara violação da tutela jurisdicional efectiva dos direitos do adquirente.
XX. O que se pede apenas é que se permita criar de condição de tornar exequível a entrega do bem imóvel que pertence ao adquirente e cuja posse lhe é devida, sem que com isso se negue ou impeça o realojamento do executado e respetivo agregado familiar enquanto manifestação do direito à habitação, nem há matéria factual dada por provada pelo tribunal para decidir nesse sentido.
XXI. Conclui-se que a decisão foi tomada de forma inusitada e com base na suposição de que nada vai ser realizado com vista ao realojamento, inexistindo base legal para o douto tribunal indeferir a obtenção do prévio despacho judicial com base nos argumentos em que se suporta.
XXII. Finalmente, se o tribunal a quo conclui que o regime da lei 13/2016 é inaplicável, pois que o seu objeto restringe-se à venda do bem imóvel, e vai mais longe, afirmando que, seja como for, o disposto no nº 6 do art. 861º, do CPC já vai ao encontro das preocupações do legislador com as contingências do realojamento do executado e respetivo agregado no seio do direito à habitação, então a conclusão a retirar é que este regime não suporta o sentido da decisão tomada.
XXIII. Relativamente à vinculação legal que decorre do nº 6 do art. 861º, CPC na salvaguarda do direito à habitação (art. 65º, CRP), in casu, do executado se há entidade que já deixou bem clara a relevância daquele normativo legal é a Fazenda Pública. Simplesmente e em função do que foi exposto não a elege a pressuposto que defira a emissão do prévio despacho judicial, mas a uma vicissitude que suspende a própria entrega do imóvel à luz da jurisprudência do TCA citada pela decisão recorrida.
XXIV. Não podia, pois, a douta sentença recorrida, com base na fundamentação com que se suportou, indeferir a pretensão formulada pela Fazenda Pública no presente Incidente e ao fazê-lo incorreu nos seguintes erros de julgamento:
- Má apreciação do regime legal aplicável aos factos em apreço, cumpridas que foram as condições previstas no art. 256º, nº 2 e 3, do CPPT e no artº. 828º, 861º, nº 1 a 6 e 757º, nº 3 e 4, todos do Código de Processo Civil, e bem assim, da jurisprudência que o próprio tribunal a quo cita;
- e erro manifesto na apreciação do objeto dos autos face ao veio pedido, pois que a falta da mencionada comunicação prévia determina, quando muito, não o indeferimento da pretensão deduzida mas a suspensão da entrega do bem. E que o Executado pode solicitar depois de obtido o despacho judicial caso as dificuldades no realojamento se façam sentir sobre ele e respectivo agregado familiar
- Em termos jurídicos, manifesta contradição, no âmbito do direito à habitação constitucionalmente consagrado (art. 65º CRP) de reconhecer que tal direito não dá por consequência direta sequer a possibilidade do executado se opor à entrega do bem ao OEF (é isso que está escrito na douta sentença) - e suportar-se nele para negar ao adquirente a entrega do bem o mesmo é dizer impedir que este tenha a possibilidade de entrar na posse do bem de que é titular pois que o indeferimento do pedido de emissão do prévio despacho judicial tem por consequência, a ausência do OEF acompanhado da força pública, a impossibilidade do eventual arrombamento.
XXV. Impõe-se nesta medida a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que, reconhecendo como melhor pronúncia a apreciação da matéria de direito e de facto sufragada pela AT - julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente, defira o pedido formulado pela Fazenda Público no âmbito do presente Incidente da Execução Fiscal, e nos termos das conclusões que antecedem e que V. Exas melhor suprirão.
Não há registo de contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 102), no sentido da não admissão do recurso, por irrecorribilidade decorrente do valor da causa.
Foram notificadas as partes para emitirem pronúncia sobre a questão prévia suscitada.
Apenas a recorrente emitiu pronúncia no sentido da improcedência da questão prévia suscitada.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
a) A 10/11/2008 foi instaurado o PEF n.º 36112008011…, contra S... J... M..., por dívida de IRS, no valor de 756,81euros (cfr. documentos de fls. 5 e ss. dos autos).
b) Para garantia da dívida exequenda foi penhorada, no PEF supra referido, uma fracção autónoma designada pela letra "F", correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua E… da S… F…, n.º…, M…., Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º3895/19…., e inscrito na matriz predial urbana, daquela freguesia, sob o artigo 8707 ‒ "F" (cfr. documentos de fls. 6 verso, 8 e seguintes dos autos).
c) Por determinação do despacho de 16/04/2014, procedeu-se à venda do bem penhorado, e descrito na alínea anterior (cfr. documento de fls. 6 verso dos autos).
d) A 08/07/2014 foi lavrado auto de adjudicação, relativo ao bem já identificado, a favor do Novo Banco, 8.A. (cfr. auto de adjudicação, de fls. 13 verso e 14 dos autos).
e) O Adjudicatário, em 15/01/2015, requereu a entrega do bem (cfr. fls. 15 dos autos).
f) Na sequência da venda e do pedido de entrega do bem, em execução do despacho de 17/04/2015, foi prestada informação nos autos de execução, dando conta de que o imóvel vendido é casa de morada de família (cfr. informação e despacho, de fls. 17 dos autos).
g) A 03/02/2015, foi dirigida ao executado notificação para efeitos de entrega do bem (cfr. fls. 16 dos autos).
h) Na sequência da Ap. 1662, de 08/01/2009, foi registada a aquisição do bem imóvel inscrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o n.º 3895/…, fracção correspondente ao primeiro andar esquerdo, a favor de S... J... M... (cfr. cópia de certidão do Registo Predial de Sintra, de fls. 8 e ss. dos autos).
i) Através da Ap. 1663, de 08/01/2009, foi registada a hipoteca legal do imóvel identificado na alínea anterior, a favor do Banco Espírito Santo, S.A. (cfr. cópia de certidão do Registo Predial de Sintra, de fls. 8 e ss. dos autos).
j) Através da Ap. 2822, de 21/06/2013, foi registada a penhora a favor da Fazenda Nacional, relativa à quantia exequenda de 1.184,49 euros, no PEF n.º361120080111… (cfr. cópia de certidão do Registo Predial de Sintra, de fls. 8 e ss. dos autos).
k) O executado recebe pensão por situação de invalidez absoluta, estando abrangido pelo regime especial de protecção na invalidez, previsto pela Lei n.º 90/2009 (cfr. documento de fls. 44 a 46 dos autos).
l) S... J... M... e M... são pais de E… F… M…, nascido a 28/02/2000, e de A… F…M…, nascido a 01/12/2004 (cfr. documento de fls. 37 a 40 dos autos).
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Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se o seguinte:
«Não existem outros factos, com relevo para a decisão da causa, que importe dar como não provados».
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
o) Em 11.02.2014, o médico da Segurança Social emitiu informação médica relativa ao executado, da qual consta: «seropositivo (HIV1), diagnosticado em Janeiro de 2009, altura em que esteve internado por pneumonia hipoexemiante; seguimento na consulta de imunodepressão, desde 25 de Março de 2009; grave défice imunitário» - fls. 44.
p) O imóvel em causa foi adquirido pelo valor de €54.390,00 – fls. 12.
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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, vem sindicada a sentença proferida em 31.10.2017, constante do SITAF, que indeferiu o pedido de emissão de despacho judicial que legitime o recurso às autoridades policiais, com arrombamento de portas do imóvel e substituição da fechadura, para efectivação da entrega do imóvel objecto de venda judicial no PEF n.º 3611200801…, que corre termos no Serviço de Finanças da Amadora 3.
2.2.2. Para indeferir o requerido, a sentença estruturou a argumentação seguinte:
«Em suma, e como concluiu o Digníssimo Magistrado do Ministério Público, não se encontrando demonstrado que, como determina o artigo 861.°, n.° 6 do CPC, tenha sido diligenciado pelo OEF, ou pelo adquirente, que no caso é o Novo Banco, pela atribuição de habitação ao executado e seu agregado familiar, indefere-se o requerido.»
2.2.3. No que respeita à questão da irrecorribilidade da sentença em apreço, cabe referir que o artigo 280.º/4, do CPPT, determina que «[n]ão cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância».
«A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância» – artigo 105.º da LGT.
O artigo 44.º/1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) estatui o seguinte: «Em matéria cível, (…) a alçada dos tribunais de primeira instância é de €5.000,00». De onde resulta que a alçada do tribunal tributário de 1ª instância é de €5.000,00.
Recorde-se que nos presentes autos está em causa incidente de entrega do imóvel, ao adquirente, adjudicado na execução fiscal. O incidente foi deduzido pela Fazenda Pública, na sequência de pedido do adquirente. Incidente que corre termos ao abrigo do disposto no artigo 861.º do CPC, ex vi artigo 828.º do CPC.
Assim, o valor da causa corresponde ao valor pago pelo adquirente no acto de adjudicação do bem, no caso, o valor da causa corresponde a €54.390,00, valor pelo qual foi adquirido o bem peticionado.
De onde decorre que o valor da causa é superior ao valor da alçada do tribunal tributário de 1ª instância, pelo que a alegada irrecorribilidade da sentença com base na inferioridade do valor da causa não se verifica.
Termos em que se julga improcedente a presente questão prévia.
2.2.4. A recorrente censura a sentença recorrida, imputando-lhe erro de julgamento, quanto ao direito aplicável.
Considera, em síntese, que «a questão em apreço nos autos reconduz-se à efectivação da entrega do bem imóvel objecto de venda através de leilão electrónico, em virtude do fiel depositário, executado nos autos de execução fiscal, não ter procedido voluntariamente à entrega do mesmo depois de ter sido notificado para o efeito, sendo previsível a sua resistência à concretização da diligência, e mostrando-se necessário o arrombamento da porta do local».
Vejamos.
«No caso do adquirente não conseguir concretizar a entrega voluntária dos bens pode, de harmonia com o disposto no art.º 901, do C. P. Civil [actual 828.º do CPC], requerer o prosseguimento da execução contra o detentor dos bens nos termos do art.º 930, do mesmo diploma [actual 861.º do CPC]. Assim, se o executado não fizer a entrega voluntária do bem, aplicam-se as disposições relativas à realização da penhora, procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias, sendo caso disso (cfr. art.º 840, n.º 2, do C.P. Civil, [actual 757.º do CPC]»(1).
A questão que se suscita nos presentes autos consiste em saber se é de deferir o pedido de emissão de despacho judicial de autorização do uso da força com vista à entrega do imóvel vendido nos autos de execução, após ter sido requerida a sua entrega por parte do adquirente do mesmo e em face da resistência do executado.
Compulsadas as presentes alegações de recurso, verifica-se que o cerne da presente intenção rescisória centra-se sobre a configuração concreta do presente incidente da execução fiscal de entrega de imóvel adquirido na execução. Ou seja, perante a oposição do executado, o que vem requerido é a emissão de despacho judicial de autorização de arrombamento do imóvel com vista à entrega do mesmo ao adquirente, sendo o regime aplicável o que resulta do disposto no artigo 757.º do CPC, na tese da recorrente. Ou, pelo contrário, trata-se de um despacho judicial de autorização de arrombamento do imóvel com vista à entrega do mesmo ao adquirente, em que o imóvel constitui casa de morada da família do executado, o que implica uma cautela adicional. Nesta última hipótese, o presente incidente de entrega de imóvel segue, no que seja aplicável ao caso, o regime da execução para entrega de coisa certa (artigos 859.º a 867.º do CPC).
No caso em exame, aplica-se o regime jurídico da execução para entrega de coisa certa (artigos 859.º a 867.º do CPC), sem deixar de ter presente que está em causa a casa de morada de família do agregado do executado, em situação de carência.
O despacho judicial pretendido - de autorização de arrombamento do imóvel - não é um mero despacho judicial de expediente; ao invés, trata-se de uma decisão judicial autorizativa do exercício de uma competência administrativa de afectação de interesses jurídicos do executado, a qual deve ser rodeada de garantias formais e materiais, como as decorrem do disposto no artigo 861.º do CPC. É que, se é verdade que o regime da execução fiscal garante, em vários momentos, o escrutínio judicial dos actos de apreensão e de afectação de posições jurídicas subjectivas dos sujeitos pela mesma implicados, cada incidente e cada acto praticado pelo órgão de execução fiscal não pode ser desvalorizado como mera diligência ou como mera operação material, sem relevância jurídica, sob pena de se permitir a insindicabilidade judicial de tais actos e diligências; o que, aliás, o legislador não consente (artigos 103.º, n.ºs 1 e 2, da LGT), nem seria aceitável à face da tutela judicial efectiva dos sujeitos jurídicos implicados na execução.
Importa, pois, proceder, à aplicação do disposto no artigo 861.º do CPC, que estabelece o regime de entrega de imóvel, quando o mesmo corresponde à habitação do agregado familiar do executado.
O artigo 861.º, n.º 6, do CPC, relativo à entrega da coisa, determina que, quando está em causa a “casa de habitação principal do executado”, tem de: (i) se aplicar “o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 863.º; (ii) “caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado”, tem de ser feita comunicação, pelo agente de execução, antes do arrombamento, das dificuldades de realojamento «à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes».
O executado invoca na oposição ao presente requerimento que o seu agregado familiar (composto pela sua mulher e dois filhos) não tem outro local onde possa habitar; que solicitou junto assistência social a localização de um espaço, onde pudesse morar com a família, a preços comportáveis, sem efeito.
A casa objecto do presente requerimento de entrega é a casa da morada de família do agregado do executado.(2)
O executado está em situação de invalidez absoluta, com diagnóstico de «seropositivo (HIV1)»(3). Recebe pensão por situação de invalidez absoluta (4).
Nos autos não está demonstrado que a comunicação referida no artigo 861.º, n.º 6, 2ª parte, do CPC, tenha sido feita nem que tenha sido feita de forma antecipada.
No que se refere ao disposto no artigo 863.º, n.º 3, do CPC (ex vi artigo 861.º, n.º 6, 1ª parte, do CPC), no caso de imóvel de habitação principal do agregado, «o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda»(5). Em face dos elementos constantes dos autos, não se afigura que o mesmo seja de aplicar ao caso.
Estando em causa o pedido de determinação da entrega das chaves do imóvel vendido na execução, o qual constitui casa de morada da família do executado, e não tendo sido assegurado o realojamento do agregado, cabe ao órgão de execução fiscal comunicar antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (artigo 861.º, n.º 6, 2ª parte, do CPC). Diligência cuja observância não foi assegurada nos autos. Sem embargo, a mesma configura uma condição a realizar em momento anterior à consumação da diligência, o que não impede o deferimento da mesma.
De onde resulta que o pedido de entrega efectiva do imóvel, com a utilização da força policial, caso seja necessário deve ser deferido, com a comunicação antecipada do facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (artigo 861.º, n.º 6, 2ª parte, do CPC). Tal comunicação deve ser realizada com antecedência mínima, que se julga razoável de sessenta dias, em relação à data da consumação da diligência.
Ao julgar em sentido diferente do referido, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter, deve ser substituída por decisão que defira o requerido, sem esquecer a comunicação prévia, com antecedência mínima, que se julga razoável, de sessenta dias, em relação à data da consumação da diligência.
Termos em que se impõe julgar procedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e deferir o pedido de efectivação da entrega do imóvel ao adquirente, sem esquecer a comunicação prévia, com antecedência mínima de sessenta dias em relação à data da consumação da diligência.
Sem custas.

Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunta)

(Ana Pinhol - 2º. Adjunta)

(1) Acórdão do TCAS, de 14.05.2013, P. 06221/12.
(2) Alínea f), do probatório.
(3) Alíneas k) e o), do probatório.
(4) Alínea k) do probatório.
(5) Artigo 863.º/3, do CPC.