Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07519/14
Secção:CT
Data do Acordão:02/08/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:PROVISÕES PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA
NORMA DE DIREITO TRANSITÓRIO DO ARTIGO 13.º DO DECRETO-LEI N.º 442-B/88, DE 30/11
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Sumário:1) A dedutibilidade das provisões com base nos preceitos do CIRC tem, sendo o caso, de atender a provisões constituídas no âmbito do Código de Contribuição Industrial e sujeitas ao regime de direito transitório material inscrito no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/11, de 30/11 (diploma que aprova o CIRC).
2) A AT não é alheia aos resultados da sua actuação quando esta é violadora dos princípios fundamentais do sistema jurídico, como sucede com o princípio da justiça.
3) A correcção em apreço implica uma situação de injustiça, dado que o contribuinte vê recusado o custo fiscal indicado, vê recusada a possibilidade de inscrever noutra rubrica o custo associado às perdas com a aquisição das participações e créditos sobre a sociedade participada falida e sofre o aditamento à base tributária de imposto pela interpretação que acolheu da norma legal tida por aplicável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
1 – RELATÓRIO
M...- Gestão e Participações, S.A, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), respeitante ao exercício de 1992, no valor de €1.597.292,91 (320.356.184$00), na parte ainda não revogada pela Administração Tributária, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

«A. A matéria de facto dada como provada na Sentença Recorrida apresenta deficiências, omissões e inexactidões de grande importância para a boa resolução da causa.

B. A decisão do Tribunal a quo indeferiu a impugnação, referindo que as provisões constituídas em 1992 não se enquadram no artigo 33.º do CCI, pelo que “ao contrário do alegado pela Impugnante, as provisões por si efectuadas para aplicações financeiras não cabem na previsão das normas legais que invoca”.

C. Esta decisão teve por base uma errada fixação da matéria de facto e interpretação do alegado pela Recorrente na p.i., não tendo qualquer relação com a realidade do caso sub judice.

D. A Administração Tributária tem toda a razão ao afirmar que as provisões constituídas em 92 não são fiscalmente dedutíveis.

E. No entanto, a Administração Tributária resolveu ignorar que Recorrente havia também acrescido a resultados um montante exatamente igual à dedução que efetuou, por aplicação do n.º 2 do artigo 13.º do DL 442-B/88.

F. Assim, ao considerar que as provisões constituídas em 92 não eram dedutíveis, a Administração Tributária deveria ter igualmente considerado que a reposição nas contas de resultados, efectuado nesse mesmo exercício pela Recorrente ao abrigo do n.º 2 do artigo 13.º do DL 442-B/88, era também ela indevida.

G. Isto porque a Recorrente nunca poderia ter efectuado essa reposição se não tivesse considerado as provisões em causa como fiscalmente dedutíveis.

H. Nos termos do regime transitório previsto no n.º 2 do artigo 13.º do DL 442-B/88, a reposição nas contas de resultados só pode ser efectuada até ao montante em que se constitui provisões fiscalmente dedutíveis.

I. Assim, a Administração Tributária, ao considerar que as provisões não eram dedutíveis, tinha forçosamente de considerar que também a reposição não poderia ter sido efectuada.

J. Assim, a Recorrente, que não teve qualquer vantagem fiscal quando deduziu fiscalmente as provisões (porque efectuou uma reposição de igual montante), também não pode ser fiscalmente prejudicada quando se anula esta dedução.

K. Ao não corrigir a reposição, a Administração Tributária procedeu apenas à primeira parte de uma correcção (que lhe proporcionou a arrecadação de receita), olvidando a segunda parte dessa correcção (a qual anulava essa receita).

L. Conforme é jurisprudência pacífica, a Administração Tributária não pode apenas corrigir parte que lhe interessa (por motivos de receita tributária) e abster-se de corrigir a parte que lhe é desfavorável (em termo de receita tributária).

M. Desta forma, a Administração Tributária violou frontalmente o princípio constitucional da Justiça e também o disposto no n.º 2 e o n.º 4 do artigo 13.º do DL 442-B/88.

N. O princípio constitucional da Justiça é também violado na medida em que a Administração Tributária corrigiu a dedução fiscal, impossibilitando dessa forma a Recorrente de deduzir fiscalmente uma relevantíssima perda que efectivamente sofreu e que é legalmente dedutível.

O. Esta violação do princípio constitucional da Justiça é tanto maior quando se verifica que a Recorrente não beneficiou minimamente com a dedução fiscal das provisões, uma vez que a Recorrente havia também acrescido a resultados um montante igual à dedução por aplicação do n.º 2 do artigo 13.º do DL 442-B/88.

P. Do exposto resulta uma gritante injustiça tripla: se por um lado, a Recorrente não havia beneficiado minimamente com a dedução (reconhecidamente indevida) das provisões constituídas em 92, por outro foi muitíssimo prejudicada porque a Inspecção não lhe corrigiu o acréscimo de resultados (tal como deveria ter efetuado) e, também porque, desta forma, acabou por ficar impossibilitada de deduzir fiscalmente a perda que sofreu.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser declarada nula ou, caso assim não se entenda, anulada a decisão recorrida, com a consequente anulação da liquidação impugnada e a condenação da Administração Tributária nos juros indemnizatórios peticionados».


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr. parecer de fls. 399).

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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2. Fundamentação
2.1. De facto
É o seguinte o julgamento da matéria de facto efectuado em 1ª instância:

«A. A Impugnante exerce a sua actividade na área da gestão de participações sociais de outras sociedades – fls. 46;

B. A Impugnante constituiu uma provisão para aplicações financeiras no montante de 501 190 080$00/€2 499 925,58 - fls 45;

C. Do montante da provisão constituída no valor de Esc.:501 190 080$002/(€ 499 925,58, Esc.:101 190 080$00/€504 733,99 correspondem à participação da Impugnante no capital social de ... – ... Metalomecânica, SA, e os restantes 400 000 000$00/€1 995 191,59 correspondem aos créditos detidos pela Impugnante sobre a referida ... – fls. 45 e ss;

D. A provisão referida em B e em C foi constituída ao abrigo do artº 13º do DL 442-B/88, de 30/11, atento o disposto no artº 33º do CCI (cfr. artigos 34º e 38º da p.i.);

E. Em 17-09-1996, foi efectuada a liquidação de IRC da Impugnante, do ano de 1992, com o nº 8310018097, no valor de Esc.:320 356 184$00, com data limite de pagamento em 13 de Novembro de 2006 – fls. 21 e 40;

F. Na liquidação referida em E não foi aceite como custo a provisão referida em b e em C – fls. 21;

G. A liquidação referida em E, na parte impugnada, teve por base correcções efectuadas à declaração de rendimentos da Impugnante do ano de 1992, resultantes do entendimento da Administração Tributária de que a provisão referida em B não se enquadra no conceito legal de “provisões fiscalmente dedutíveis” - fls. 32;

H. Lê-se no documento de fls. 32, que contem a fundamentação das correcções referidas em H:

«Procedeu à constituição no exercício de provisões para aplicações financeiras pelo montante de 501 190 080$00 (quinhentos e um milhões cento e noventa mil e oitenta escudos) as quais considerou como custo (…) não as fazendo no entanto constar do respectivo mapa de provisões modelo 30 para obtenção do valor da soma II de “provisões fiscalmente dedutíveis” . Além disso, visto tratar-se de provisões fiscalmente não dedutíveis, como aliás inserto no próprio mapa, o Sujeito Passivo deveria proceder ao seu acréscimo na linha 8 do quadro 17 da Declaração M/22 do IRC. Violou assim o disposto no art. 33º do CIRC, uma vez que se trata de provisões constituídas, não enquadráveis no regime das provisões fiscalmente dedutíveis, conforme estipulado no corpo do referido artigo. O referido montante foi deste modo objecto de correcção, com acréscimo ao resultado líquido para efeito de apuramento do respectivo lucro tributável.»

I. A Impugnante aderiu ao regime jurídico de regularização das dívidas fiscais previsto no DL 124/96, de 10/08, tendo procedido ao pagamento da dívida em 6 de Maio de 1997 – fls. 23;

J. Em 17 de Maio de 2002, por despacho do Director de Finanças da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, foi, parcialmente, revogado o acto de liquidação impugnado, por anulação dos juros compensatórios contados para além de 180 dias, e reconhecido o direito da Impugnante a juros indemnizatórios sobre a quantia a esse título paga – fls. 70».


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Motivação da Decisão de Facto

“Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos que não foram impugnados”.

Factos não Provados

“Inexistem factos alegados e não provados com interesse para a decisão”.


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A recorrente assaca ao julgamento proferido em 1.ª instância erro na fixação da materialidade fáctica (alínea a) das conclusões e artigos 28 a 51 das alegações de recurso).

Pretende as correcções e aditamentos seguintes:

«B. A impugnante constitui, em 1992, uma provisão para aplicações financeiras, no montante de Esc. 501.190.080 – fls. 45».

«C.1. A impugnante constituiu as provisões referidas em B. e C. porque foi declarada a falência da sua participada ..., por sentença de 20.02.1992».

«D. A impugnante havia constituído, em 1989, uma provisão ao abrigo do artigo 13.º do DL 442-B/88, de 30/11, atento o disposto no art.º 33.º do CCI, apresentando a mesma, no início de 1992, o saldo de Esc. 1.820.924.799 – cfr. Artigos 34.º e 38.º da p.i., e fls. 121, 122 e 124 dos autos».

«G.1. A impugnante reduziu, no exercício de 1992, a provisão constituída ao abrigo do artigo 13.º do DL 442-B/88, de 30/11, tendo efectuado uma reposição nos termos do n.º 2 daquele artigo no montante de Esc. 501.190.08, nas contas de resultados – fls. 55, 56, 121, 122 e 124».

«G.2. Por força desta reposição, a provisão constituída ao abrigo do artigo 13.º do DL 442-B/88, de 30/11, passou a ser de Esc. 1.319.734.719 e os resultados do exercício de 1992 sofreram um acréscimo para efeitos fiscais de Esc. 501.190.08 – fls. 55, 56, 121, 122 e 124».

Vejamos.

Compulsados os elementos constantes dos autos, impõe-se deferir as correcções e aditamentos ao probatório, requeridos, salvos os que são conclusivos.

Assim, não são de deferir as correcções solicitadas, correspondentes às alíneas C1. e D., por as mesmas serem conclusivas.

São aditadas e-ou rectificadas ao probatório da sentença recorrida as alíneas seguintes:

«B. A impugnante constitui, em 1992, uma provisão para aplicações financeiras, no montante de Esc. 501.190.080 – fls. 45».

«C.1. Em 05.03.1992, foi declarada pelo Tribunal Judicial da Comarca do Seixal, a falência da participada da impugnante ... – fls. 22».

«G.1. A impugnante reduziu, no exercício de 1992, a provisão constituída, tendo efectuado uma reposição no montante de Esc. 501.190.08, nas contas de resultados – fls. 55, 56, 121, 122 e 124».

«G.2. Por força desta reposição, a provisão constituída passou a ser de Esc. 1.319.734.719 e os resultados do exercício de 1992 sofreram um acréscimo para efeitos fiscais de Esc. 501.190.08 – fls. 55, 56, 121, 122 e 124».

É eliminada a alínea D. do probatório, constante da sentença recorrida, por ser conclusiva.

Termos em que se julgam parcialmente procedentes as presentes conclusões de recurso.


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2.2. De direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), respeitante ao exercício de 1992, no valor de €1.597.292,91 (320.356.184$00) na parte ainda não revogada pela Administração Tributária.

2.2.2. Recorde-se a fundamentação da correcção em causa:
«Procedeu à constituição no exercício de provisões para aplicações financeiras pelo montante de 501 190 080$00 (quinhentos e um milhões cento e noventa mil e oitenta escudos) as quais considerou como custo (…) não as fazendo no entanto constar do respectivo mapa de provisões modelo 30 para obtenção do valor da soma II de “provisões fiscalmente dedutíveis”. Além disso, visto tratar-se de provisões fiscalmente não dedutíveis, como aliás inserto no próprio mapa, o Sujeito Passivo deveria proceder ao seu acréscimo na linha 8 do quadro 17 da Declaração M/22 do IRC. Violou assim o disposto no art. 33º do CIRC, uma vez que se trata de provisões constituídas, não enquadráveis no regime das provisões fiscalmente dedutíveis, conforme estipulado no corpo do referido artigo. O referido montante foi deste modo objecto de correcção, com acréscimo ao resultado líquido para efeito de apuramento do respectivo lucro tributável.».

A posição da AT decorre, de forma explícita, da contestação (fls. 70/79); sintetiza-se de forma seguinte:
«16 - Controvertendo a alegação da Impugnante defendemos, com base no n.º 2, do art.º 13º, do Decreto-Lei n.º 442-B/88, que o proveito de "Redução do saldo de provisões constituídas nos termos do CCI " não se destina a compensar o custo de "Constituição de provisões para Investimentos financeiros", corrigido por infracção das alíneas a) e b), do n.º 1, do art.º 33º do CIRC.
17 - A própria Impugnante admite, por hipótese, no art.º 61º da sua petição, a correcção do custo de "Constituição de provisões para Investimentos financeiros", mas pretende, em contrapartida, a correcção favorável do proveito contabilizado de "Redução do saldo de provisões constituídas nos termos do CCI ", sob pena de injustiça e enriquecimento sem causa da Fazenda Pública.
18 - Esta pretensão de anulação do proveito contabilizado, respeitante a "Redução do saldo de provisões constituídas nos termos do CCI ", em consequência da não aceitação como custo fiscal das provisões para investimentos financeiros constituídas no exercício, não tem qualquer apoio legal.
19- Com efeito, o saldo em 01/01/89, das provisões constituídas nos termos das alíneas c) e d) do art.º 33º do CCI, deve ser reposto nas contas de resultados de exercícios encerrados, posteriormente, àquela data, nos termos do n.º 2, do art.º 13º. Esta disposição, apenas estabelece a reposição do referido saldo, em contrapartida de encargos com férias ou por constituição ou reforço de provisões referidas nas alíneas a) e b), do art.º 33º do CIRC.
20 - Concluindo, a reposição do saldo de provisões constituídas nos termos do CCI, efectuada pela ora Impugnante, não se enquadra em nenhuma das situações legalmente previstas, pelo que não pode deixar de ser considerado o respectivo proveito, independentemente da não aceitação fiscal do custo de constituição de provisões para investimentos financeiros».

2.2.3. Para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«No nº 1 do citado art. 13º do [DL 442-B/88, de 30/11], prevê-se que, para efeito de determinação da matéria colectável do IRC, continuará a aplicar-se o disposto na alínea b) do artigo 33.º do Código da Contribuição Industrial aos sujeitos passivos daquele imposto que, em exercícios anteriores ao da entrada em vigor do Código do IRC, tenham constituído a provisão mencionada nessa alínea (…),
Trata-se, na alínea b) do art. 33º do CCI de provisões respeitantes a matérias relativas a acidentes de trabalho e doenças profissionais, situação que nada tem a ver com as provisões em causa.
O nº 2 do artº 13º do DL 442-B/88, de 30/11, refere-se às alíneas c) e d) do artigo 33.º do Código da Contribuição Industrial, também respeitantes a provisões, refere-se [a cobertura de créditos de cobrança duvidosa e a perdas de valor que sofrerem as existências].
Resulta, assim, que, ao contrário do alegado pela Impugnante, as provisões por si efectuadas para aplicações financeiras não cabem na previsão das normas legais que invoca, pelo que improcederá a sua pretensão de que sejam consideradas como custos fiscais».

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Sustenta a sua intenção recursória na alegação de que a correcção em causa viola o disposto no artigo 13.º, n.º 2 e 4, do DL 442-B/88, de 30/11, (i), e na alegação de que tal correcção ofende o princípio da justiça (ii), dado que, por um lado a recorrente não havia beneficiado com a dedução (reconhecidamente indevida) das provisões constituídas em 1992, por outro lado, foi prejudicada porque a Inspecção não lhe corrigiu o acréscimo de resultados (tal como deveria ter efectuado), e também, porque desta forma, acabou por ficar impossibilitada de deduzir fiscalmente a perda que sofreu.

Vejamos.

2.2.3. Do alegado erro de julgamento quanto ao vício de violação de lei, por desrespeito do disposto no preceito do artigo 13.º (“Provisões”) do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/11[1].

A este propósito, consignou-se no Acórdão do TCAN, de 12.11.2009, P. 00430/04, o seguinte:
«Trata-se de uma das normas transitórias impostas pela mudança da CI para o IRC e que visa garantir que da passagem de um para o outro tributo resulte o menor prejuízo possível quer para os contribuintes quer para a receita fiscal, designadamente por força dos diferentes critérios adoptados pelo CCI e pelo CIRC quanto às provisões fiscalmente dedutíveis.
Assim, por força daquela norma transitória, o diferencial entre o saldo, em 1 de Janeiro de 1989, das provisões referentes a anos anteriores (diminuído, se for caso disso, do montante utilizado no exercício de 1989) e a importância das provisões fiscalmente dedutíveis, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 33.º do CIRC, no mesmo exercício, devia ser reposto nas contas de resultados encerradas ulteriormente àquela data, para efeitos da determinação da matéria colectável de IRC».

Por outras palavras, «[e]m termos práticos, o regime transitório esquematiza-se em três fases: 1ª transferência dos saldos (não tributados) das contas 2911 (Provisão para cobranças duvidosas - clientes) e 2921 (Provisão para outros riscos e encargos - para letras descontadas) e 39 (Provisão para depreciação de existências) para uma conta especial do passivo denominada «Provisões nos termos do Código da Contribuição Industrial»; 2.ª constituição/reforço das provisões para créditos de cobrança duvidosa e para depreciação de existências segundo os critérios definidos no CIRC ou outros, sendo certo, porém, que para efeitos do cômputo do montante a repor relevarão as importâncias que se ajustarem às regras fiscais; 3.ª reposição ou anulação das provisões constituídas antes da entrada em vigor do CIRC, debitando a conta especial do passivo para onde foram transferidos os respectivos valores e creditando a conta de resultados extraordinários do exercido - reposições e anulações de provisões. // (...) // Em suma, durante o processo de extinção das provisões constituídas (e não tributadas) nos termos do Código da Contribuição Industrial, os resultados contabilísticos e fiscais não serão influenciados pelos montantes das provisões previstas nas alíneas a) e b), número l do artigo 33.º, constituídos ou reforçados, devido ao efeito neutralizador exercido pela reposição ou anulação dos primeiros»[2].

No caso em exame, do probatório, resultam os elementos seguintes:

A impugnante constituiu, em 1992, uma provisão para aplicações financeiras, no montante de Esc. 501.190.080[3].

Do montante da provisão constituída no valor de Esc.:501 190 080$002/(€ 499 925,58, Esc.:101 190 080$00/€504 733,99 correspondem à participação da Impugnante no capital social de ... – ... Metalomecânica, SA, e os restantes 400 000 000$00/€1 995 191,59 correspondem aos créditos detidos pela Impugnante sobre a referida ...[4].

Em 05.03.1992, foi declarada pelo Tribunal Judicial da Comarca do Seixal, a falência da participada da impugnante ...[5].

A impugnante reduziu, no exercício de 1992, a provisão constituída tendo efectuado uma reposição no montante de Esc. 501.190.08, nas contas de resultados[6].

Por força desta reposição, a provisão constituída passou a ser de Esc. 1.319.734.719 e os resultados do exercício de 1992 sofreram um acréscimo para efeitos fiscais de Esc. 501.190.08[7].

A correcção em causa, ao estribar-se na não aceitação das provisões em referência, com base nas normas do CIRC, não observa o disposto no artigo 13.º (“Provisões”) do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/11. O escrutínio sobre a dedutibilidade das provisões com base nos preceitos do CIRC desatende ao facto de se tratar de provisões constituídas no âmbito do Código de Contribuição Industrial e sujeitas ao regime de direito transitório inscrito no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/11, citado.

Mais se refere que as provisões em causa têm enquadramento no preceito do artigo 33.º/c), do Código de Contribuição Industrial[8]. Recorde-se que a actividade da impugnante consiste na gestão de participações sociais[9] e que as provisões em causa resultam da declaração de falência de uma das suas participadas[10].

Cabe também notar que o procedimento contabilístico da impugnante cumpre com o disposto no artigo 13.º/2, do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/11 [11](V. alíneas G1. e G2. do probatório). Matéria que, em rigor, não é contestada pela recorrida.

De onde se extrai que a correcção em causa assenta em erro quanto aos pressupostos de facto e quanto aos pressupostos de direito que sustentam o procedimento contabilístico adoptado pelo contribuinte. As provisões em causa são custos dedutíveis à sombra do Código de Contribuição Industrial (artigo 33.º/c)) e são custos dedutíveis à sombra do CIRC (artigo 33.º/1/a), do CIRC) e a sua reposição na conta de resultados, em parte, no exercício de 1992, constitui uma consequência da sua não utilização e da sobrevigência do CIRC (artigo 13.º/2, do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30/11).

O erro em que incorre o acto tributário foi confirmado por parte da sentença recorrida, que incorre, assim, em erro de julgamento. Esta última deve ser revogada e substituída por decisão que julgue procedente a impugnação.

2.2.4. No que respeita ao fundamento de recurso referido em segundo lugar, cumpre, por fim, notar que a AT não é alheia aos resultados da sua actuação, quando esta é violadora dos princípios fundamentais do sistema jurídico (artigo 55.º da LGT).

A este propósito, afirma-se no que se reporta a correcções à contabilidade do contribuinte, que, em razão de eventuais erros na inscrição contabilística, têm por efeito a impossibilitação da dedução de custos efectivamente incorridos,
«(…) esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 50.º da LGT, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.
Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça.
Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça»[12].

Por outras palavras, «se a AT apenas procedeu à correcção relativamente àquele ano, e já não às correspondentes correcções nos exercícios seguintes (das quais resultaria menor tributação em IRC), e tais correcções já não podem ser efectuadas, poderá verificar-se violação do princípio da justiça, a determinar a anulação da liquidação. // A AT não pode alhear-se dos resultados práticos da sua actuação, devendo abster-se da prática de actos que, embora lhe sejam impostos pelo princípio da legalidade, violem o princípio da justiça, que mereceu consagração constitucional (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP)»[13].

No caso em exame, a correcção em causa assenta na não dedutibilidade fiscal dos custos em presença, determinando o consequente acréscimo à matéria colectável, no exercício em referência. A AT obliterou, porém, a operação realizada pelo contribuinte de redução da provisão em causa e de acréscimo dos resultados do exercício, no montante de Esc. 501.190.08, com a vista ir ao encontro à norma legal considerada aplicável. O que significa que a correcção em apreço implica uma situação de injustiça, dado que o contribuinte vê recusado o custo fiscal indicado, vê recusada a possibilidade de inscrever noutra rubrica o custo associado às perdas com a aquisição das participações e créditos sobre a sociedade participada falida e sofre o aditamento à base tributária imposto pela interpretação que acolheu da norma legal tida por aplicável.

De onde se impõe concluir que a correcção em causa ofende também o princípio da justiça.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue a impugnação procedente, com a consequente anulação do acto tributário impugnado.

2.2.5.Suscita-se a questão da dispensa do pagamento do remanescente das custas.

Vejamos.

Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»[14].

«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»[15].

Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».

No caso em exame, o valor da causa corresponde a €1.597.292,91.

Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14].

No caso em exame, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, em particular da ora requerente, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.

Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final.

Pelo exposto, impõe-se deferir a dispensa de pagamento da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

O que se determinará no dispositivo.


DISPOSITIVO

Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
1) conceder provimento ao recurso interposto, revoga-se a sentença recorrida e julga-se procedente a impugnação.
2) deferir a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º/7, do Regulamento de Custas Processuais.

Custas pela recorrida, em 1.ª instância, que das mesmas está isenta (Processo de 1997).

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunta – Cristina Flora)

(2º. Adjunta – Ana Pinhol)



[1]          «1.Para efeitos determinação da matéria colectável do IRC, continuará a aplicar-se o disposto na alínea b), do artigo 33.º do Código da Contribuição Industrial aos sujeitos passivos daquele imposto que, em exercícios anteriores ao da entrada em vigor do Código de IRC, tenham constituído a provisão mencionada nessa alínea. // 2 - O saldo em 1 de Janeiro de 1989 das provisões a que se referem as alíneas c) e d) do artigo 33º do Código da Contribuição Industrial, aceites para efeitos fiscais com referência a exercícios anteriores, depois de deduzido o montante que delas tiver sido utilizado no exercício de 1989, nos termos que lhe eram aplicáveis, deve ser reposto nas contas de resultados dos exercícios encerrados posteriormente àquela data, para efeitos de determinação da matéria colectável de IRC, num montante até à concorrência do somatório dos seguintes valores:
a) Importância correspondente à parte dos encargos devidos por motivo de férias considerada como custo do exercício nos termos da parte final do nº 1 do artigo 12º;
b) Importância correspondente à constituição ou reforço no exercício em causa das provisões a que se referem as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 33º do Código do IRC.
3 - O regime estabelecido no número anterior é igualmente aplicável aos saldos das provisões constituídas nos termos dos Decretos-Leis nºs 503-C/76, de 30 de Junho, e 216/78, de 2 de Agosto, que se consideram revogados.
4 - Quando, ao abrigo da disciplina que vem sendo aplicada às provisões referidas no nº 2, sejam efectuadas correcções dos respectivos valores, os montantes das reposições a praticar nos termos do mesmo número serão corrigidos em conformidade.
5 - O saldo referido no nº 2 será transferido para uma conta especial denominada "Provisões nos termos do Código da Contribuição Industrial", figurando a parte ainda não reposta nos termos do mesmo número no segundo membro de cada um dos balanços referentes aos exercícios encerrados posteriormente a 1 de Janeiro de 1989».
[2]          Maria dos Prazeres Lousa, “A regulamentação das provisões no Código do IRC (CIRC), Revista Fisco, Dezembro 1998, ano I, n.º 3, pp. 3/6, máxime, p. 6.
[3]          Alínea B), do probatório.
[4]          Alínea C), do probatório.
[5]          Alínea C.1.), do probatório.
[6]          Alínea G.1.), do probatório.
[7]          Alínea G.2.), do probatório.
[8]          Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45103, publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 153, de 01.07.1963. «Apenas são de considerar as provisões para efeitos do disposto no n.º 6 do art.º 26: (…) // c) As que tiverem por fim a cobertura de créditos de cobrança duvidosa, calculadas em função da soma dos créditos resultantes da actividade da empresa existentes no fim do exercício».
[9]          Alínea A), do probatório.
[10]        Alínea C.1.), do probatório.
[11]        «O saldo em 1 de Janeiro de 1989 das provisões a que se referem as alíneas c) e d) do artigo 33º do Código da Contribuição Industrial, aceites para efeitos fiscais com referência a exercícios anteriores, depois de deduzido o montante que delas tiver sido utilizado no exercício de 1989, nos termos que lhe eram aplicáveis, deve ser reposto nas contas de resultados dos exercícios encerrados posteriormente àquela data, para efeitos de determinação da matéria colectável de IRC, num montante até à concorrência do somatório dos seguintes valores».
[12]        LGT, Anotada e Comentada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4.ª Edição, 2012, pp. 452/453.
[13]        Acórdão do TCAS, de 21.06.2003, P. 05616/01.
[14] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
[15] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.