Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1367/10.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:SOCIEDADES GESTORAS DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS;
MENOS-VALIAS ASSOCIADAS À VENDA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
Sumário:1. Não pode a sociedade gestora de participações sociais (SGPS) externalizar perdas e custos ocorridos nas sociedades do grupo, através da invocação de menos-valias associadas à alienação de participações sociais em sociedades do grupo.
2. Tal implicaria a não aplicação do regime das Sociedades Gestoras de Participações Sociais, bem como do regime fiscal correspondente.
3. Traço distintivo deste regime consiste em que as mais e menos valias fiscais realizadas pelas SGPS mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de parte do capital de que sejam titulares, desde que detidas por período superior a um ano e bem assim os respectivos encargos financeiros, não concorrem para a formação do lucro tributável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
“C... P... Participações e Investimentos Imobiliários, Lda.” interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 257/278, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2005 e juros compensatórios no valor total de € 2.033.104,89
Nas alegações de fls. 304/314, a recorrente formulou as conclusões seguintes:
A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do processo n.º 1367/10.8BESNT, na parte que julgou improcedente o pedido subsidiário formulado na petição inicial de impugnação, sobre a ilegalidade da correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária quanto à dedução de 50% da menos-valia apurada com a transmissão de acções, adquiridas e alienadas no exercício de 2005, no montante de € 643.878,73.
B) A Recorrente pretende também a reforma da sentença quanto a custas, reforma que, de acordo com o disposto no artigo 616.º, n.º 3 do CPC, cabendo recurso da decisão, como é o caso, deverá ser requerida nestas alegações.
C) O Tribunal a quo considerou, no que respeita ao pedido subsidiário, que relativamente ao lote de acções adquirido e alienado pela Impugnante em 2005, não era de afastar a aplicação da cláusula anti-abuso prevista no n.º 6 do artigo 23.º do CIRC.
D) O Tribunal a quo considerou que a correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária era de manter na ordem jurídica, não por entender que a menos-valia não era fiscalmente dedutível de per si, mas por entender ter a Recorrente “resultado de transformação de sociedade à qual era aplicável um regime fiscal diverso relativamente a estes custos ou perdas”, aplicando, consequentemente, o disposto no n.º 6 do artigo 23.º do CIRC.
E) De acordo com a interpretação que a Recorrente faz da norma anti-abuso constante do n.º 6 do artigo 23.º do CIRC, a mesma não seria aplicável à menos-valia apurada com a transmissão do lote de acções adquirido e alienado em 2005 por uma sociedade anónima, como era o caso da Recorrente (no momento da aquisição e da alienação),
F) pelo que o Tribunal a quo fez errada interpretação da norma anti-abuso acima referida e violou o disposto nos artigos 23.º. n.º 1, alínea i) e 42.º, n.º 3, ambos do CIRC.
G) Com efeito, o Tribunal a quo sustenta que “Quando o legislador, no n.º 6 do art.º 23.º se refere aos “custos ou perdas” (às menos-valias, portanto) não se está a referir-se a um concreto valor apurado num determinado período, mas ao regime fiscal aplicável à anterior sociedade, no caso de ter havido transformação, como houve no caso em apreço.”
H) Se assim fosse, o legislador não teria limitado o efeito do regime fiscal diverso àqueles custos ou perdas, não teria distinguido, se não queria distinguir.
I) Vejamos o que se retira do sentido literal da norma em vigor à data dos factos: “6 - Não são também aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, sempre que a entidade alienante tenha resultado de transformação, incluindo a modificação do objecto social, de sociedade à qual fosse aplicável regime fiscal diverso relativamente a estes custos ou perdas e tenham decorrido menos de três anos entre a data da verificação desse facto e a data da transmissão.” (bold e sublinhado nosso)
J) Vejamos o primeiro requisito: Se a sociedade alienante tiver resultado de transformação de sociedade à qual fosse aplicável regime fiscal diverso, relativamente ao custo com a aquisição das partes de capital, daquele que é aplicável à sociedade alienante, no momento da transmissão, então a menos-valia não é aceite fiscalmente.
K) Na situação ora em apreço, como ficou provado, relativamente ao custo com a “aquisição” – por via de uma operação de aumento de capital social – do lote de acções em apreço, é por demais evidente que o regime fiscal aplicável à sociedade alienante não se alterou entre o período em que se tornou titular das acções emitidas no âmbito da operação de aumento de capital social (14 de março de 2005) e o momento da ulterior alienação (30 de março de 2005).
L) E tal facto é perfeitamente independente da vicissitude de a sociedade alienante ter resultado de transformação, em momento anterior, de sociedade à qual se aplicava regime fiscal diverso.
M) Temos que valorar o facto de o legislador ter referido “à qual fosse aplicável regime fiscal diverso relativamente a estes custos ou perdas”.
N) Poderia a norma terminar em “regime fiscal diverso”, sem mais.
O) Mas o legislador distinguiu e, tratando-se de uma norma excepcional, de carácter anti-abusivo, a mesma não permite interpretações analógicas.
P) Com efeito, a regra geral referente aos custos incorridos com a venda de participações sociais (incluindo as menos-valias) é a da sua dedução como custo fiscal em 50%, conforme dispunha à data o artigo 42.º, n.º 3 do CIRC.
Q) A norma aplicada pela AT para fazer a correcção sob apreciação é uma norma que delimita a dedução desse custo, verificadas que estejam determinadas condições.
R) Tais normas, como o assinala a doutrina, têm a natureza e o conteúdo de normas anti-abuso específicas, em que o legislador criou presunções legais inilidíveis, face às quais, um certo comportamento corresponde, necessária e inelutavelmente, a uma certa consequência jurídica, a impossibilidade de deduzir o custo, neste caso em concreto.
S) Ora, atenta a gravidade da consequência imposta pelo legislador, importa fazer uma correcta interpretação e aplicação da norma anti-abuso, não aplicando a mesma em situações análogas às previstas pelo legislador, nem presumindo verificadas condições que no caso concreto não se verificaram, como é o caso do lote de acções adquiridas via aumento de capital em 2005 e vendidas, também em 2005.
T) Efectivamente, o tratamento fiscal a conferir à menos-valia fiscal apurada relativamente a este lote de acções em particular seria sempre idêntico, desde a data de emissão das acções até à sua posterior alienação, pelo que a menos-valia em análise não esteve sujeita a dois regimes fiscais diversos, já que a entidade alienante não sofreu qualquer transformação em todo o período de detenção deste lote de acções.
U) Assim, não estando preenchido o primeiro dos dois requisitos cumulativos previstos no artigo 23º, n.º 6 do CIRC, não é necessário avançar para a verificação ou não do preenchimento do segundo requisito.
V) Do exposto, temos que concluir que o Tribunal a quo fez errada interpretação da norma que os Serviços de Inspecção utilizaram para fundamentar a correcção – o já referido n.º 6 do artigo 23º do CIRC – pelo que fez errado julgamento de direito, vício que determina a revogação da sentença, o que desde já se requer.
W) Vindo a ser revogada a sentença e determinada a anulação do acto de liquidação impugnado, na parte referente às menos-valias suportadas com a venda do último lote de acções, deverá ser reconhecido à ora Recorrente o direito a juros indemnizatórios, já que o acto de liquidação impugnado foi pago, conforme ficou provado.
X) No que respeita à reforma da sentença quanto a custas, entende a Recorrente que se encontram preenchidos os requisitos impostos pela lei para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, que seria devida atendendo o valor da acção.
Y) Com efeito, na sentença ora recorrida o Tribunal a quo não se pronunciou quanto a verificação ou não dos pressupostos legais referentes à dispensa total ou parcial do remanescente da taxa de justiça, previsto no n.º 7 do 6.º do RCP, quanto à ora Recorrente.
Z) Resulta da citada norma que, em regra, o remanescente da taxa de justiça devida nas causas de valor superior a € 275.000,00 – como é a causa em apreço – seja considerado na conta final de custas.
AA) Porém, a lei também prevê a possibilidade de o juiz (oficiosamente ou a requerimento das partes) dispensar a parte daquele pagamento, se a especificidade da situação e, nomeadamente, a complexidade da causa e a conduta processual das partes, o justifique.
BB) Ora, a conduta da Recorrente foi sempre irrepreensível, tendo sido ininterruptamente pautada pelos princípios da colaboração e da boa-fé, não merecendo qualquer censura.
CC) Assim, uma vez avaliados os critérios subjacentes à exceção prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, a Recorrente defende que deverá ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que desde já requer.
DD) De facto, o montante das custas processuais não pode ser fixado de modo desproporcional, sob pena de ter um efeito desincentivador dos contribuintes ao acesso à justiça, contrariando o disposto no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
EE) Termos em que deverá a sentença ser reformada quanto a custas e dispensada a Recorrente do remanescente da taxa de justiça.
X
Não há registo de contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 311/313), no sentido da improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A) «Em 30.06.2004 a Impugnante requereu ao Ministro das Finanças, a isenção de IMT, IS, emolumentos e outros encargos, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 404/90, de 21.12, a aplicar aos atos de concentração de empresas, de acordo com o qual, e em síntese, a actividade da C... P... PII limita-se à gestão do investimento financeiro detido na C... P..., S.A, que constitui o seu principal activo não monetário. A C... P..., S.A, desenvolve actividades operacionais de produção industrial dos produtos C…- P… em Portugal e de comercialização desses mesmos produtos, tendo em vista segregar, em entidades jurídicas autónomas, as diferentes actividades desenvolvidas na esfera das sociedades requerentes, a saber: (i) a gestão de participações sociais, (ii) a produção industrial dos produtos C…- P… e (iii) a comercialização dos produtos C... P... – cfr. o requerimento em apreço, correspondente aos Anexos 93 a 110 ao RIT (a fls. 253 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso.
B) No requerimento que antecede, e relativamente aos objetivos da operação em causa em relação a cada uma das requerentes, a C... P..., S.A. e a C... P... PII, foi explicitado que, relativamente à primeira a operação justifica- se em termos de especialização de actividades, permitindo a sua gestão autónoma […] e, relativamente à segunda, que permitirá a transferência de bens do activo que em nada se relacionam com a actividade de gestão de participações sociais, preconizando-se, desde logo, a alteração do seu objeto social para a Sociedade Gestora de Participações Sociais, que constitui no ordenamento jurídico nacional a estrutura mais adequada para assegurar este tipo de actividade. A C... P... PII assumirá, assim, a condição de sociedade “holding” das empresas do Grupo C... P... em Portugal. – cfr. os Anexos 93 a 110 ao RIT (a fls. 253 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso).
C) O requerimento a que se referem as als. A) e B) foi deferido por despacho do Secretário de Estado dos assuntos Fiscais de 06.08.2004 – facto não controvertido.
D) Por escritura celebrada em 02.07.2004, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a Impugnante, que até então apresentava a designação de “C... P... – PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS, S.A.”, alterou a designação da firma social para “C... P... – PARTICIPAÇÕES – SGPS, S.A.”, e o objeto social para a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas – por acordo e cfr. doc. 4 junto com a p.i.
E) Por escritura celebrada em 21.12.2004, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi concretizada a cisão simples da sociedade “C... P... UNIPESSOAL, LDA.”, pessoa coletiva n.º 5…., detida na totalidade, à data, pela “C... P... – PARTICIPAÇÕES – SGPS, S.A.”, por destaque de parte do seu património e constituição de uma nova sociedade, com a firma “C... P... INDUSTRIAL, UNIPESSOAL, LDA.”, com o capital de 2 milhões de euros, representado por uma quota de igual valor nominal a atribuir à sociedade “C... P... – PARTICIPAÇÕES – SGPS, S.A.” – cfr. os Anexos 57 a 66 ao RIT (a fls. 219 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso)
F) Por escritura celebrada em 09.03.2005, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a Impugnante alterou a designação da firma social para “C... P... PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.”, e o objeto social para:
Um: A sociedade tem por objecto a gestão de participações e investimentos imobiliários, bem como a compra e venda e aluguer de bens de equipamento.
Dois: A sociedade pode adquirir e alienar participações sociais em sociedades, ainda que com objeto social diferente do previsto no número anterior, bem como ser parte em agrupamentos complementares de empresas, associações, associações em participação ou consórcios. – cfr. os Anexos 144 a 146 ao RIT (a fls. 306 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso) e doc. 5 junto com a p.i.
G) Por escritura pública celebrada em 14.03.2005 foi efetuado um aumento do capital social da “C... P... INDUSTRIAL, UNIPESSOAL, LDA.”, o qual foi alterado de € 2.513.500,00 para € 3.801.257,86 – por acordo.
H) Por escritura pública celebrada em 30.03.2005, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a Impugnante, com a firma “C... P... – PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.” dividiu em duas a quota que detinha sobre a “C... P... INDUSTRIAL, UNIPESSOAL, LDA.”, e cedeu-as, pelo valor de € 0,50 (cinquenta cêntimos cada uma) às sociedade B… H… B.V. e B… INTERNATIONAL B.V., livres de ónus ou encargos e com todos os direitos e obrigações inerentes – cfr. os Anexos 112 a 116 ao RIT (a fls. 274 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso) e doc. 6 junto com a p.i.
I) No documento de Certificação Legal das Contas da C... P... PII, individual e consolidada, referente ao exercício de 2005 foi feito constar, além do mais, que a empresa reconheceu, em 2005, uma menos valia de 9.089 milhares de euros, em resultado da alienação na participação no capital da C... P... Industrial, Unipessoal, Ldª. Dado que à data de aprovação, pelo Conselho de Administração, das contas de 2004, este evento já era conhecido, aquelas demonstrações financeiras consolidadas deveriam reflectir a perda de valor da participação, pelo que o Resultado Líquido negativo do exercício, os Resultados transitados no início do exercício e o Activo líquido no final do exercício de 2005 encontram-se sobreavaliados em € 8.119 milhares, € 9.089 milhares e € 970 milhares, respectivamente. – cfr. os Anexos 127 a 131 ao RIT (a fls. 289 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso).
J) Em 31.12.2003 a Impugnante, com a firma “C... P... – PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.” emitiu à “C... P..., S.A.”, NIPC 5002…., a nota de débito n.º D 0035, no valor de € 48.016,50, com a descrição “Aluguer de Equipamento” – cfr. fls. 200 (doc. junto na audiência de julgamento).
K) Em 30.12.2004 a Impugnante, com a firma “C… -
PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.” emitiu à “C... P..., UNIPESSOAL, LDA.”, NIPC 500…., a nota de débito n.º D 0038, no valor de € 47.992,70, com a descrição “Aluguer de Equipamento” – cfr. fls. 201 (doc. junto na audiência de julgamento).
L) Em 30.12.2005 a Impugnante, com a firma “C... P... – PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.” emitiu à “B… A… INDUSTRIAL”, NIPC 507…, a nota de débito n.º D 0042, no valor de € 41.238,01, com a descrição “Utilização de Equipamento durante o ano de 2005” – cfr. fls. 202 (doc. junto na audiência de julgamento).
M) Desde a respetiva constituição a Impugnante, para além da gestão da participação na “C... P... UNIPESSOAL, LDA.”, presta serviços de aluguer de equipamentos, atividade que tinha em 2003, 2004 e manteve em 2005 – prova testemunhal.
N)Em relação ao exercício de 2005 a Impugnante preencheu a declaração modelo 22 de IRC, levando ao quadro 07 a menos-valias fiscal de € 12.821.472,26, reduzida a 50%, ou seja, no valor de € 6.410.735,63, conforme “Mapa das Mais e Menos Valias” que constitui os Anexos 2 e 3 ao RIT, a seguir discriminadas:
(Texto no Original)
– por acordo e cfr. os Anexos 2 e 3 ao RIT (a fls. 164/165 do vol. 2/2 do PAT apenso).
O)Os Serviços de Inspeção Tributária procederam a uma ação de inspeção ao exercício de 2005, ao grupo C... P... Participações e Investimentos Imobiliários, Lda., em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200..., tendo concluído pela correção à matéria coletável no montante de € 6.410.735,63, por considerarem não ser fiscalmente dedutível a menos-valia apurada com a venda de participaçõessociais adquiridas desde 1990 e vendidas em 2005 – por acordo e cfr. o Relatório Final de Inspeção (RIT) a fls. 131 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso.
P)As menos-valias objeto de correção no âmbito do procedimento de inspeção resultaram da alienação integral de uma sociedade constituída na decorrência de processo de cisão no grupo de empresas em que a ora Impugnante se insere, a “C... P... INDUSTRIAL, UNIPESSOAL, LDA.” – por acordo e cfr. o Relatório Final de Inspeção (RIT) a fls. 131 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso, v.g. pág 4.
Q)No procedimento de inspeção identificado em K) foi elaborado, em 23.11.2009, o Relatório da Inspeção Tributária que consta do PAT apenso, vol. 2/2, cujo teor aqui […]
4.1 - Pedido de esclarecimentos, formalizado à Direcção de Serviços do IRC. Analisada toda a informação disponível, foi dado entendimento por parte destes Serviços Inspectivos, de que a Menos Valia Fiscal de € 12.821.472,26 a qual foi deduzida no campo 215 do quadro 07 da DR Mod 22 de IR do exercício de 2005 pelo montante de € 6.410.735,63 (50%), não deverá ser aceite para efeitos de custo fiscal, nos termos do nº 6 do art. 23 do CIRC, atendendo aos seguintes motivos:
1 - A partir do ano de 2003, o artigo 23° do CIRC contém no seu n° 6 (alteração introduzida pela Lei 32-8/2002 de 30.12) uma norma de natureza anti-abuso, a qual visa evitar a transferência de resultados negativos, decorrentes da alienação de partes de capital, para as sociedades sujeitas ao regime geral do IRC.
2 - O nº 6 deste artigo 23°, refere que “... Não são também aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, sempre que a entidade alienante tenha resultado de transformação, incluindo a modificação do objecto social, de sociedade à qual fosse aplicável regime fiscal diverso relativamente a estes custos ou perdas e tenham decorrido menos de três anos entre a data da verificação desse facto e a data da transmissão”.
3 - Nos termos do nº 3 do artº 42º do CIRC, aditado pela LEI 32-B/2002 de 30.12, não concorre para o apuramento do lucro tributável, o englobamento dos 50% do saldo negativo da menos valia realizada com a alienação do capital da C... . - Nova sociedade.
4 - As sucessivas alterações do objecto social e designação da C... . PPII, durante os exercícios de 2004 e 2005, (ocorrências relatadas no ponto 3.2.1 deste Projecto de Relatório), e o facto de estas alterações terem como sequência a alienação da totalidade da participação detida na C... . Nova sociedade (desde a data da sua constituição, 02/01/2005 até à data da sua alienação, 30/03/2005), não configuram menos valias aceites fiscalmente.
Contudo, e no sentido de melhor esclarecer e reforçar este nosso entendimento, optamos por remeter à Direcção de Serviços e IRC, um pedido de esclarecimentos, quanto à aplicabilidade do º 6 do artº 23º do CIRC ao caso em análise […]
Em resposta ao nosso pedido de esclarecimentos […] a Divisão de Concepção da Direcção de Serviços do IRC, elaborou um parecer, que reforça o entendimento dado por parte destes Serviços Inspectivos, da não aceitação da menos valia de € 6.410.735,63, resultante da cedência das quotas que a C... . PPII, detinha sobre a C... . - Empresa Cindida, nos termos previstos no nº 6 do artº 23º do CIRC, o qual mereceu concordância por parte do Sr. Subdirector Geral, conforme despacho de 30/10/2009 […]. – cfr. o RIT a fls. 131 e sgts. do vol. 2/2 do PAT apenso, em concreto fls. 159/160.
R) Atos impugnados: Na sequência das correções a que se refere o RIT foram emitidas, em 10.03.2010 as liquidações de IRC e juros compensatórios, incluindo por recebimento indevido, com os n.ºs 2010 8310…, 2010 0000003… e 20100000003…, respetivamente, apurando a pagar, após compensação, a quantia de € 2.033.104,89, com data limite de pagamento voluntário em 26.04.2010 – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial.
S) Em 26.04.2010 a Impugnante efetuou o pagamento da quantia de € 2.033.104,89, apurado na demonstração de acerto de contas – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.
Em 31.08.2010 foi a presente Impugnação remetida a este TAF – cfr. fls. 3 dos autos.»
X
Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, bem como na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e nos demais elementos que compõem os autos, nos casos em que permitiu a prova dos factos por acordo. Quanto à prova testemunhal relevou para dar como provado o facto levado à al. M) do probatório, tendo as testemunhas arroladas pela Impugnante afirmado, de modo convincente, que nos exercícios de 2003 a 2005 aquela, como já o fazia antes, para além para da gestão da participação na “C... P... UNIPESSOAL, LDA.”, também prestava serviços de serviços de aluguer de equipamentos, facto que resulta igualmente demonstrado pelos documentos juntos aos autos em sede de audiência de julgamento, levados às als. J), K) e L) da fundamentação de facto.»
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 257/278, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2005 e juros compensatórios no valor total de € 2.033.104,89
2.2.2. A recorrente assaca à sentença recorrida erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Alega, em síntese, que não estão preenchidos os pressupostos de aplicação do regime do artigo 23.º, n.º 6, do CIRC.
Por seu turno, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Conforme decorre do provado em D), até 02.07.2004 a Impugnante era uma sociedade anónima, tendo alterado a designação da firma social para “C... P... – PARTICIPAÇÕES – SGPS, S.A.” e o objeto social para a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas, no seguimento, aliás, daquilo a que se propunha na exposição apresentada em 30.06.2004 ao Ministro das Finanças.
Em 09.03.2005 alterou novamente a designação da firma social para “C... P... PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.” e o respectivo objeto social para a gestão de participações e investimentos imobiliários, bem como a compra e venda e aluguer de bens de equipamento, cumulativamente com a possibilidade de adquirir e alienar participações sociais em sociedades, ainda que com objeto social diferente do previsto no número anterior – cfr. al. F) dos factos provados.
(…)
À data da transmissão de participações sociais que está na origem das menos-valias declaradas, e depois corrigidas (desconsideradas) pelos Serviços de Inspeção Tributária, estava em vigor o n.º 6 do art.º 23.º do Código do IRC, introduzido, como já se disse, pela LOE/2003, que tinha como objetivo a exclusão da tributação dos resultados negativos decorrentes da alienação de participações de capital nos casos em que a entidade alienante tivesse resultado de transformação de sociedade à qual era aplicável um regime fiscal diverso relativamente a estes custos ou perdas e não tivesse decorrido um período superior a três anos entre a data da transformação e a data de transmissão».
Mais se consigna na sentença recorrida o seguinte:
«Quando o legislador, no n.º 6 do art.º 23.º, se refere aos “custos ou perdas” (às menos-valias, portanto) não se está a referir-se a um concreto valor apurado num determinado período, mas antes ao regime fiscal aplicável a essa realidade tendo por referência a caracterização (forma societária) da sociedade que os suporta e o regime que era aplicável à anterior sociedade, no caso de ter havido transformação, como houve no caso em apreço».
2.2.3. A recorrente censura a sentença sob escrutínio, imputando-lhe erro de julgamento, quanto ao direito aplicável. Defende que, no caso, não estão preenchidos os pressupostos de aplicação da norma do artigo 23.º, n.º 6, do CIRC, que constituiu a base legal da correcção em causa.
A norma do artigo 23.º, n.º 6, do CIRC, estabelece o seguinte:
«Não são também aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, sempre que a entidade alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual fosse aplicável regime fiscal diverso relativamente a estes custos ou perdas e tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão».
A correcção em apreço determinou a não aceitação da dedução da menos-valia associada à alienação das participações sociais em causa com base na fundamentação seguinte:
A C... P... PII constitui sociedade “holding” das empresas do Grupo C... P... em Portugal (1)

Os Serviços de Inspeção Tributária procederam a uma ação de inspeção ao exercício de 2005, ao grupo C... P... Participações e Investimentos Imobiliários, Lda., em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200900…, tendo concluído pela correção à matéria coletável no montante de € 6.410.735,63, por considerarem não ser fiscalmente dedutível a menos-valia apurada com a venda de participações sociais adquiridas desde 1990 e vendidas em 2005 (2)

i) «[A] Menos Valia Fiscal de € 12.821.472,26 a qual foi deduzida no campo 215 do quadro 07 da DR Mod 22 de IR do exercício de 2005 pelo montante de € 6.410.735,63 (50%), não deverá ser aceite para efeitos de custo fiscal, nos termos do nº 6 do art. 23 do CIRC, atendendo aos seguintes motivos:
1 - A partir do ano de 2003, o artigo 23° do CIRC contém no seu n° 6 (alteração introduzida pela Lei 32-8/2002 de 30.12) uma norma de natureza anti-abuso, a qual visa evitar a transferência de resultados negativos, decorrentes da alienação de partes de capital, para as sociedades sujeitas ao regime geral do IRC.
2 - O nº 6 deste artigo 23°, refere que “... Não são também aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, sempre que a entidade alienante tenha resultado de transformação, incluindo a modificação do objecto social, de sociedade à qual fosse aplicável regime fiscal diverso relativamente a estes custos ou perdas e tenham decorrido menos de três anos entre a data da verificação desse facto e a data da transmissão”.
(…)
8- As sucessivas alterações do objecto social e designação da C... . PII, durante os exercícios de 2004 e 2005, (ocorrências relatadas no ponto 3.2.1 deste Projecto de Relatório), e o facto de estas alterações terem como sequência a alienação da totalidade da participação detida na C... . Nova sociedade (desde a data da sua constituição, 02/01/2005 até à data da sua alienação, 30/03/2005), não configuram menos valias aceites fiscalmente»(3)

A questão decidenda nos autos consiste em saber se a norma do artigo 23.º, n.º 6, do CIRC, associada à norma do artigo 31.º, n.º 2, do EBF (“Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), sociedades de capital de risco (SCR) e investidores de capital de risco (ICR)”) (4), determina, no caso, a não dedutibilidade das menos-valias declaradas pela contribuinte em resultado da alienação de participações em sociedades do grupo de que a alienante constitui a sociedade dominante ou holding.

Não sofre dúvida que as sociedades SGPS estão sujeita ao regime fiscal segundo a qual as mais e menos-valias associadas à alienação de participações sociais não participam na formação do lucro tributável (artigo 31.º/2, do EBF).
No caso, a ocorrência de sucessivas mutações na forma jurídica da sociedade impugnante não oblitera a sua sujeição ao regime fiscal das SGPS, dado que este é o regime jurídico próprio de uma sociedade holding do grupo, em relação ao qual a mesma detém participações sociais, cujas perdas associadas à referida alienação pretende contabilizar. Mais se refere que a ocorrência de sucessivas mutações na forma jurídica da sociedade em causa não oblitera a sua situação de sujeição ao regime das SGPS, dado que, para efeitos do cômputo das mais e menos-valias, o momento determinante não é o da venda das participações sociais, antes o que releva é o período que medeia entre a data da aquisição das participações sociais e a data da alienação das mesmas. Nesse período, a sociedade impugnante é uma sociedade holding sujeita ao regime fiscal desta espécie de sociedades (5).

De onde resulta que não pode a sociedade impugnante invocar o estatuto de sociedade de direito comum para obter a derrogação de um regime que lhe é aplicável por referência ao período relevante para a formação dos custos em causa.
Por outras palavras, não pode a sociedade holding externalizar perdas e custos ocorridos nas sociedades do grupo, através da invocação de menos-valias associadas à alienação de participações sociais em sociedades do grupo, porquanto tal implicaria a não aplicação do regime das Sociedades Gestoras de Participações Sociais, constante do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, bem como do regime fiscal correspondente. Traço distintivo deste regime consiste em que «as mais e menos valias fiscais realizadas pelas SGPS mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de parte do capital de que sejam titulares, desde que detidas por período superior a um ano e bem assim os respectivos encargos financeiros, não concorrem para a formação do lucro tributável» (6).

De onde resulta que o acto tributário em apreço não merece censura, como se decidiu na sentença recorrida. Esta última não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir o seguinte.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (7).

«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»(8).

Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou,não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».

No caso em exame, o valor da causa corresponde a €2.033.104,99.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14].
No caso em exame, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, em particular da ora requerente, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.
Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.


DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
1) Em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
2) Custas pela recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP.

Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunta)
(Ana Pinhol - 2º. Adjunta)
(1)Alínea b), do probatório.
(2) Alínea o), do probatório.
(3) Alínea Q), do probatório.
(4) «As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades».
(5)Alíneas A), B) e C), do probatório.
(6)Júlio Tormenta, As sociedades gestoras de participações sociais como instrumentos de planeamento fiscal, e os seus limites, Coimbra Editora, 2011, pp 141/142.

(7)Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(8) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.