Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:439/09.8BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
PROIBIÇÃO DE JURISDICIONALIZAR O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Sumário:I - Sem prejuízo da autonomia do processo administrativo disciplinar em relação ao processo jurisdicional e (ii) vice-versa, e (iii) sem prejuízo do princípio da economia de meios, o princípio da tutela jurisdicional efetiva: (1) impede que hoje exista a chamada “liberdade probatória da A.P.” e (2) impõe ao tribunal, em certos moldes especiais, o controlo direto dos factos referentes ao ilícito disciplinar e da exatidão ou suficiência da prova constantes do procedimento disciplinar, bem como o controlo da avaliação da prova produzida no procedimento disciplinar, embora com limites muito importantes decorrentes (i) do ónus alegatório fáctico densificado exigível ao autor impugnante, já ouvido no procedimento, e (ii) da proibição jurídico-sistemática e jurídico-teleológica de se jurisdicionalizar o procedimento disciplinar;
II - Permite, ainda, a renovação em juízo da prova produzida no procedimento, se tal se justificar, embora com limites muito importantes (os moldes especiais a que nos referimos supra) decorrentes (i) do ónus alegatório fáctico densificado exigível ao autor impugnante já ouvido no procedimento disciplinar e (ii) da proibição de jurisdicionalizar o procedimento disciplinar.
III - Por exemplo, tendo havido contraditório e produção de prova no procedimento, não basta ao autor, para haver factos controvertidos, alegar na p.i., sem mais nada, que “os factos provados constantes do ato administrativo disciplinar não aconteceram”.
IV - Além disso, é essencial não se confundir “o erro nos pressupostos de facto da decisão administrativa punitiva” (aliás, raramente invocado de modo suficientemente denso nas p.i. das ações impugnatórias de atos disciplinares punitivos, apesar de a exatidão dos factos ser sempre um aspeto vinculado do ato administrativo) com “a não averiguação pela A.P. dos factos relevantes para o ato administrativo punitivo”.
V - Sem factos controvertidos, não faz sentido falar em instrução, isto é, em produção de prova em audiência final.
Votação:COM VOTO VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
I. RELATÓRIO
A........., casado, reformado, contribuinte n.º ........, residente na Av……….., Lote …, 4. ° …., 6000-077 - CB....., intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de CB..... ação administrativa especial contra
R…………………………, com sede na Rua do …………., n.º …………, 2.º - 1149-017 – Lisboa.
O pedido formulado foi o seguinte:
- Anulação ou declaração de nulidade dos atos administrativos impugnados, em relação à pena disciplinar aplicada e ordem de reposição de verbas.
Por sentença de 23-08-2017, o referido tribunal veio a prolatar decisão, onde julgou a ação improcedente, absolvendo a entidade demandada dos pedidos formulados.
*
Inconformado com tal decisão, o autor interpôs recurso jurisdicional, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1.ª
O autor, ora recorrente, oportunamente requereu a inquirição de testemunhas em audiência de julgamento, porquanto um dos vícios que apontou, e que mantém perante a sentença proferida, aos atos impugnados (e agora dados por provados na sentença recorrida) foi o do erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que os mesmos assentaram, requerimento esse que foi infundamentadamente indeferido.
2.ª
O ora recorrente discorda em absoluto de tal decisão de indeferimento, decisão que impossibilita a reaferição judicial da matéria fáctica dada por assente pelo próprio réu e que se encontra infundamentada, assim violando o art. 90º/2 do CPTA.
3.ª
Dúvidas não restam ao ora recorrente que, ao restringir intoleravelmente, e sem apoio na lei, os meios de prova de que ele, enquanto autor, pode fazer uso para provar os factos constitutivos da pretensão trazida a juízo, o despacho, a sentença e o acórdão recorridos são claramente inconstitucionais e ilegais na medida em que incorrem em erro de direito na interpretação e aplicação do artigo 90º/2 do CPTA e violam o direito do autor a uma tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20º e 268º/4 da Constituição da República Portuguesa, bem como nos artigos 2º do CPTA e 12º do CPA, pelo que deverá ser revogada a sentença proferida, sendo substituído por acórdão que ordene a produção da prova testemunhal requerida pelo autor.
4.ª
Segundo o decidido, já na acusação constava toda a matéria para que o arguido, em sede do exercício do direito de defesa, pudesse exercer convenientemente o direito ao contraditório relativamente ao enquadramento das condutas como infrações continuadas, mas, ainda que com todo o respeito, o ora reclamante discorda de tal decisão.
5.ª
A subsunção de determinados atos como infração continuada importa a que se atendam aos respetivos pressupostos, o que, in casu, não foi minimamente observado. Pergunta-se então: como poderia o ora recorrente ter exercido o seu direito de defesa relativamente à imputação da qualificação dos seus atos como infração continuada, se da acusação não constam, minimamente que seja, os fundamentos de tal qualificação? Teria o arguido e ora reclamante que os adivinhar para os poder contradizer?
6.ª
Também relativamente ao facto de a acusação não conter a indicação da intenção de condenação do arguido à reposição de quantias foi violado o princípio do contraditório, uma vez que, para exercício de tal direito, é manifestamente insuficiente o referido na acusação, donde decorre a nulidade ou anulabilidade do processo disciplinar e, portanto, das decisões impugnada, devendo, pois, ser revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.
7.ª
Na acusação, ao indicarem-se, apenas por remissão, para as páginas do processo de inquérito que alegadamente contêm a matéria probatória relativa a cada um dos factos, não são disponibilizados ao arguido todos os elementos relevantes para cabal exercício do seu direito de defesa, o que gera a ilegalidade da decisão impugnada, devendo também nesta parte ser revogada a sentença proferida.

As referidas omissões, na acusação, são geradoras da ilegalidade das decisões impugnadas, nomeadamente por violação do princípio do contraditório e exercício dos direitos de defesa, e motivo de revogação da douta sentença proferida, que assim não considerou.

Uma vez que, conforme supra-alegado, não poderão ser consideradas as alegadas infrações cometidas como uma única infração continuada, a grande maioria dos factos constantes dos autos estão prescritos ou, se se preferir, terá caducado relativamente a eles o direito a ser instaurado o processo disciplinar, ainda para mais, conforme se invocará infra, tendo sido o processo de averiguações e de inquérito ilegalmente instaurados, por desnecessários face ao conhecimento de todos os dados relevantes para a instauração do processo disciplinar.
10.ª
Razão pela qual deverá ser revogada a sentença proferida, sendo a mesma substituída por acórdão que considere verificada a prescrição ou a caducidade do direito a instaurar processo disciplinar relativamente a todos ou a muitos dos factos constantes da decisão disciplinar impugnada, com as legais consequências.
11.ª
Ao contrário do decidido, in casu, o processo de averiguações instaurado não podia ter suspendido o prazo de prescrição do procedimento criminal porquanto, como referido, já eram conhecidos todos os factos essenciais para a instauração do processo disciplinar, devendo, pois, a sentença proferida ser também nesta parte ser revogada.
12ª
Assim como o processo de inquérito, que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, também não suspendeu o referido prazo prescricional, pois já podia ter sido instaurado o processo disciplinar.
13.ª
Um processo de averiguações apenas pode dar azo ao arquivamento dos autos ou à instauração de processo disciplinar ou à instauração de processo(s) de inquérito se, indiciariamente verificada a (suposta) existência de infração disciplinar, não estiver ainda identificada a presumível identidade do seu autor;
14.ª
In casu, conforme consta do p.a., foi determinada a instauração de um processo de averiguações, com o n.º .../2004 e apesar de, no termo de tal processo de averiguações, já se encontrar claramente identificado o(s) alegado(s) autor(es) das alegadas infrações disciplinares (in casu, também o ora recorrente), e em lugar de ter sido contra ele determinada, de imediato, a instauração de um processo disciplinar, foi antes determinada a instauração de um processo de inquérito, o que claramente viola o disposto no referido art. 88º do E.D.
15.ª
Não podia pois in casu ter sido instaurado o processo de inquérito contra o ora reclamante, devendo antes ter logo sido instaurado o procedimento disciplinar, sendo certo que quando o foi, uma vez que o processo de inquérito não podia ter tido lugar, já haviam decorrido, total ou parcialmente, os prazos prescricionais ou de caducidade para a instauração de processo disciplinar, razão pela qual deve ser considerado procedente o presente recurso, devendo em consequência ser revogada a sentença proferida, sendo alterada por acórdão que considere ter sido ilegal a instauração do processo de averiguações e de inquérito, com as legais consequências.
16.ª
Nos termos da p.i., o ora recorrente negou a prática dos factos tal como descritos na decisão condenatória proferida no âmbito do processo disciplinar e propunha-se fazer prova (ou contra- prova) disso mesmo, sendo que para o efeito arrolou testemunhas para serem inquiridas em audiência de julgamento, testemunhas cujo depoimento, por antecipação, o Tribunal não pode adivinhar.
17.ª
Teria pois o Tribunal que admitir a possibilidade de, mediante o oferecimento de meios de prova por parte do autor, este poder, em sede judicial – e não já administrativa – infirmar as conclusões a que o próprio réu chegou em sede de procedimento administrativo; De outro modo fica vedada aos particulares a contraprova daquilo que as entidades administrativas entendem (ou querem entender) como verdades absolutas, razão pela qual deverá ser considerado procedente o invocado vício de violação da lei por erro na apreciação dos pressupostos de facto e de direito das decisões impugnadas, com as legais consequências.
18.ª
O autor, ora reclamante, também peticionou a declaração de nulidade ou a anulação da decisão de reposição da quantia em causa, mas o certo é que a eventual responsabilidade financeira sancionatória deve ser apurada e compete ao Tribunal de Contas, nos termos da Lei n.º 98/97 de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, 3-B/2010, de 28 de Abril, 61/2011, de 7 de Dezembro e 2/2012, de 6 de Janeiro, o que não aconteceu no caso sub judicio, sendo pois a decisão disciplinar de reposição da quantia em causa ilegal, por vício de violação da lei, vício que é de conhecimento oficioso, podendo e devendo ser apreciado em sede do presente recurso, que assim deverá ser considerado procedente, com as legais consequências.
*
Contra-alegou o Recorrido, encerrando a sua alegação com as sequentes longas conclusões:
1)No requerimento de interposição de Recurso, donde constam as respetivas alegações, o Recorrente afirma que “notificado que foi para o efeito, vem afeiçoar o seu requerimento de reclamação para a conferência aos requisitos do recurso jurisdicional”, porquanto “discorda do decidido, razão pela qual vem apresentar recurso”, da Sentença proferida nos autos, “por forma a que Vossas Excelências possam alterar a sentença proferida, considerando a ação instaurada procedente ou, pelo menos, fazendo baixar os autos para que possam ser inquiridas em audiência de julgamento as testemunhas oportunamente arroladas e não inquiridas.”, requerendo, a final, que “deve ser considerado procedente o presente recurso, com as legais consequências.”
2)Assim, é indiscutível que o ora reclamante, pretende pôr em crise a Sentença proferida nos autos, com data de 22/08/2017, ou seja, pretende que essa decisão seja objeto de reexame, nos termos referidos no Recurso por si apresentado.
3)Ora, o âmbito do Recurso circunscreve-se, apenas e tão só, isolada ou conjuntamente, dependendo do teor do mesmo, à apreciação pelo Tribunal superior da fundamentação de facto e ou de direito da decisão judicial de que se recorre, da decisão propriamente dita e, caso seja invocada omissão de pronúncia, das alegações das partes produzidas em juízo que não foram apreciadas e que, alegadamente, o deveriam ter sido.
4)Não constituindo o Recurso, reconhecida e inelutavelmente, uma nova apreciação da mesma causa, mas sim o sindicar de uma decisão judicial, todas as alegações que não se contenham nos limites referidos no artigo anterior das presentes alegações, não constituem fundamentos suscetíveis de pôr em crise a decisão de que se reclama e, como tal, não têm qualquer relevância, não devendo sequer ser apreciados pelo Tribunal.
5)Assim, incumbe ao Recorrente, nas alegações de recurso, com referência a determinado(s) excerto(s) da decisão judicial reclamada, imputar à decisão Judicial determinado(s) vício(s), sendo que o que é objeto de apreciação, pelo Tribunal, são os fundamentos que, no seu entender, a inquinam.
6)Não pode o Recorrente vir aditar “novos” argumentos, que não foram esgrimidos por si na p.i., nem referidos pela Entidade Demandada, nem, sobretudo, referidos na decisão judicial que pretende pôr em crise, e que, como tal, não devem ser sequer apreciados.
7)É o caso de todo o alegado, no Recurso, sob o título “V. Da violação da Lei nº 98/97, de 26 de agosto:” porquanto, para além desse diploma não ter sido referido na p.i., nem na contestação, nem nas alegações anteriormente apresentadas pela ED, a douta Sentença também não refere esse diploma.
8)Sem conceder quanto ao afirmado nas alíneas VI) e VII) destas conclusões, e na eventualidade de assim não vir a ser entendido, constata-se que, nesse título, o Recorrente não imputa à Sentença qualquer vício, nem se refere a qualquer excerto da mesma, donde não devem essas alegações ser apreciadas.
9)Caso venha a entender-se de forma diferente, o Recorrente limita-se a fazer uma referência vaga à Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, ao afirmar, no 3º parágrafo da página 11 do seu Recurso, que “A eventual responsabilidade financeira sancionatória deve ser apurada e compete ao Tribunal de Contas, nos termos da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto (…)”, ou seja, sem invocar qualquer artigo dessa lei, o que deve conduzir a que esse argumento seja considerado improcedente, face à sua manifesta vaguidade.
10)Tal não obsta a que se afirme que essa Lei não tem aplicação, ou não é aplicável, ao caso dos autos - donde não se verifica qualquer violação desta “Lei nº 98/97 de 26 de Agosto”-, mas antes, e como é afirmado na Sentença – sob o título “VI) Da violação das regras da Lei 58/2008 (cfr. Artigos 82 a 85.° da petição inicial)” - “diversamente do que parece entender o A., a determinação de reposição das quantias indevidamente recebidas a título de ajudas de custo e de despesas de transporte, e respetivos juros integram a vertente puramente administrativa (não punitiva) do processo. Veja-se, a este propósito, o Acórdão do STA de 6-3-1990, proferido no processo n° 25 131”.
11)Embora não o afirme no introito do Recurso, o Recorrente pretende pôr, também, em crise o Despacho Saneador, com data de 27/02/2014, o que faz no título “I. Da não inquirição das testemunhas arroladas e do erro nos pressupostos de facto:” do Recurso, concretamente na página 2, em que afirma que “Nos termos do nº 5 do art. 142º do CPTA, tal decisão (de não admissão da abertura de um período de prova) é suscetível de impugnação “no recurso que venha a ser interposto da decisão final” e que “Ora o reclamante discorda em absoluto de tal decisão interlocutória. Decisão que impossibilita a reaferição judicial da matéria fáctica dada por assente pelo próprio réu.”.
12)Fá-lo com fundamento no vertido nos parágrafos seguintes dessa página e nos parágrafos das páginas 3 e 4, concluindo que “(…) o despacho em causa e a sentença proferida são claramente inconstitucionais e ilegais na medida em que incorrem em erro de Direito na interpretação e aplicação do artigo 90º/2 do CPTA e violam o direito do Autor a uma tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20º e 268º/4 da Constituição da República Portuguesa, bem como nos artigos 2º do CPTA e 12º do CPA, pelo que deverá ser revogada a sentença proferida, sendo esta substituída por acórdão que ordene a produção da prova testemunhal requerida pelo Autor” - último parágrafo da página 4 do Recurso -, no que lhe falece, qualquer razão.
13)Ora, o Despacho Saneador, na parte que é posta em crise pelo Reclamante, tem o teor “(…) sem necessidade de produção de prova, bastando a já constituída; (…)”.
14)Na p.i., a final, embora se aluda a “Meios de Prova Documentais”, afirma-se aí que “Os documentos probatórios dos factos alegados pelo autor, encontram-se no processo disciplinar, juntos com a contestação (defesa escrita) por si ali deduzida.”, pelo que, em bom rigor, o único meio de prova que é requerido é a prova testemunhal, referida no “Rol de Testemunhas” ali indicado.
15)O despacho saneador há muito transitou em julgado, por se tratar de um despacho interlocutório de que cabe a interposição de um recurso autónomo e imediato, ou de apresentação imediata (nos termos do art. 644º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil- aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho- ex vi art. 142º, nº 5 do CPTA), na medida em que o Recorrente não apresentou recurso desse despacho, em tempo.
16)Sem conceder, e na eventualidade de assim não vir a ser entendido, sempre se dirá que falece qualquer razão ao Recorrente quando alega que “não se encontra preenchido o requisito legal previsto no art. 90º/2 do CPTA, na medida em que o despacho proferido e a decisão ora reclamada não justificaram, minimamente, por que motivos consideraram que a inquirição das testemunhas arroladas pela Autora seria desnecessária.” – 3º parágrafo da página 3 do Recurso.
17)Desde logo, e no que concerne ao despacho saneador, em virtude do disposto no art. 90º/2 do CPTA, não lhe ser aplicável, na medida em que esse número pressupõe que haja “Instrução do processo” - epígrafe desse artigo -, ou seja que o juiz ordene “diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade” – nº 1-, o que não sucede no caso em apreço, em que não houve fase de instrução, ou de produção de prova.
18)Ademais, todo o afirmado em relação à sentença não faz sentido, porquanto a mesma “limitou-se”, e bem, a dar conta da decisão do despacho saneador – no excerto “Foi proferido despacho saneador e entendendo que o estado do processo permitia, sem mais indagações, apreciar o pedido e conhecer do mérito da causa, foram notificadas as partes para, nos termos do art. 91. °, n.° 4 do CPTA, na anterior versão, querendo, apresentarem alegações escritas, prerrogativa que nenhuma das partes usou.”.
19)Também sem conceder em todo o exposto na alínea XV) destas conclusões, e na eventualidade de assim não vir a ser entendido, sempre se dirá que, sendo certo todo o alegado no último parágrafo da página 1 do Recurso, já o alegado no 2º parágrafo da página 2, é totalmente irrelevante.
20)Com efeito, no âmbito do processo disciplinar, foram ouvidas todas as testemunhas indicadas pelo arguido, na defesa por si apresentada (fls. 171 dos autos do processo disciplinar, sendo que posteriormente o mandatário do arguido declarou que “O arguido desiste desde já da inquirição da testemunha E…….”- fls. 216 desses autos), com exceção da testemunha J……….., em virtude do mandatário do arguido ter emitido “Declaração” em que “confirmo, neste ato, a desistência da inquirição” dessa testemunha (fls. 227 dos autos do processo disciplinar).
21)Foram ouvidas, designadamente, as testemunhas - “M………..” - fls. 223 a 226 dos autos – e “C………….” - fls. 228 a 230 dos autos -, constantes do “Rol de Testemunhas”, sendo que o arguido poderia ter arrolado outras testemunhas, designadamente a restante testemunha indicada no “Rol de Testemunhas” (concretamente “A…….. (…) Chefe de Divisão da Direção de Finanças de C…….”), para tentar comprovar o teor da sua defesa, o que o arguido não fez.
22)Só agora, no âmbito da ação administrativa especial, que visa sindicar a legalidade da decisão punitiva, é que o Reclamante indica essas testemunhas.
23)Ora, quer relativamente a esta testemunha “nova”, quer em relação às testemunhas que foram ouvidas em sede de processo disciplinar, não se vislumbra que o resultado da sua inquirição pudesse pôr minimamente em causa a prova constante do processo disciplinar instaurado ao Reclamante, que é abundante, tanto documental como testemunhal (como resulta de todo o vertido no título da Sentença “IV) Do vício procedimental por preterição da audiência prévia do arguido e falta de fundamentação” da douta Sentença, concretamente nos três últimos parágrafos da página 18 da Sentença, nos parágrafos da página 19 e no 1º ao 2º parágrafos da página 20 da Sentença), prova essa do cometimento, por parte do arguido, da infração disciplinar por que foi punido.
24)Com efeito, o teor dos depoimentos das testemunhas de defesa ouvidas, assim como a defesa, foram devida e corretamente apreciados, no Relatório Final, sob o título “X- A Apreciação” (fls. 346 e seguintes do P. D. nº .../2006), em que a Sra. Instrutora menciona, de forma exaustiva, a inúmera prova, documental e testemunhal, constante dos autos que fundamenta o despacho final do Diretor-geral, que está devidamente fundamentado de facto, mas também de direito.
25)Como é afirmado no Parecer nº 94/2009 da DSCJC, que fundamenta o despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico do despacho do Diretor-geral dos Impostos, de 11/03/2009, proferido, a final, no Processo Disciplinar nº …/2006, “(…) foi feita exaustiva investigação em ordem a apurar a veracidade dos factos” - penúltimo parágrafo da página 18 do mesmo, a fls. 443 dos autos de processo disciplinar.
26)A Senhora Instrutora levou a cabo as diligências referidas nos três últimos parágrafos da página 19 desse Parecer – a fls. 444 dos autos de processo disciplinar – e nos 1º e 2º parágrafos da página 20 desse Parecer – a fls. 445 dos autos de processo disciplinar –, sendo que, na acusação, “foram indicados, a cada passo, os depoimentos e documentos comprovativos desses factos, com remissão para a respetiva localização (página ou páginas) no processo de inquérito.”– último parágrafo da página 18 do mesmo, a fls. 443 dos autos de processo disciplinar.
27)Ora, tendo os funcionários referidos na parte inicial da alínea XXI) destas conclusões sido inquiridos, na qualidade de testemunhas de defesa, no âmbito do Processo Disciplinar nº …/2006 instaurado ao ora Recorrente, defesa essa que não saiu “comprovada” face aos elementos probatórios constantes do referido Processo Disciplinar e do Processo de Inquérito, que infirmam a tese da defesa, é fortemente expectável que esses funcionários viessem a reiterar os depoimentos por si anteriormente prestados nesses processos, caso tivessem sido ouvidos, como testemunhas de defesa, na presente ação.
28)Assim, não se vislumbra que da eventual tomada de declarações dessas mesmas testemunhas pudessem resultar comprovados outros factos, com relevância para a decisão da causa, para além dos doutamente fixados pela Meritíssima Juiz.
29)A igual conclusão se chega em relação à não tomada de declarações da outra testemunha arrolada pelo A., na p.i., testemunha essa que não foi indicada na defesa.
30)Sem conceder em todo o exposto, considera a Entidade Recorrida que, numa ação administrativa especial, como a presente, em que se questiona uma decisão disciplinar, não faz qualquer sentido a fase de instrução - ou de produção de prova - que é facultativa.
31)Em casos como os do presente processo disciplinar, em que o arguido apresentou a sua defesa, arrolou testemunhas, que foram ouvidas, e tendo em conta que na presente ação afere-se da legalidade do procedimento disciplinar e respetiva decisão final, através da formulação de um juízo, designadamente, sobre se o processo disciplinar contém, ou não contém, a competente prova da conduta infracional do arguido por que veio a ser punido, não se vislumbra a necessidade de realização de diligências de prova dos “factos em questão”- isto é, da acusação que resultou devidamente comprovada -, pois tal constituiria um verdadeiro “reabrir” do processo disciplinar.
32)Em face do exposto, e bem assim do que se verterá nos artigos seguintes destas alegações, falece qualquer razão ao Recorrente quando alega que “Mais concretamente, a matéria alegada pelo autor referente ao erro quantos aos pressupostos de facto” - último parágrafo da página 2 do recurso.
33)Com efeito, e para além do afirmado nos excertos do Parecer nº …/2009, a que se alude nas alíneas XXV) e XXVI) destas conclusões, reafirma-se, aqui, todo o vertido nos 3º ao 7º parágrafos da página 20 desse Parecer – a fls. 445 dos autos de processo disciplinar –, bem como o vertido no 1º ao 2º parágrafos de página 21 desse parecer- a fls. 446 dos autos de processo disciplinar –, sendo que, como é afirmado no 3º parágrafo dessa página 21, “Os documentos juntos pelo então arguido, não tinham (e não têm), pois, a virtualidade de provarem as supostas deslocações em serviço em causa na situação sub judice.”
34)Nesse Parecer nº …/2009, pode ler-se, também, que “Quanto às duas “testemunhas credíveis” que o recorrente alega ter apresentado e que, no seu entender “depuseram expressamente com afirmação da efetiva execução dos trabalhos e deslocações”, é de salientar que:”, “O então Diretor de Finanças de CB……, M.........., uma dessas invocadas testemunhas, não confirmou a tese do recorrente. Veja-se, designadamente a propósito das supostas ações de inspeção e correspondentes deslocações pretensamente efetuadas pelo então arguido às Câmaras Municipais (…)” - penúltimo parágrafo da página 21- a fls. 446 dos autos-, donde, e também pelos motivos que se passarão a explanar, não existe qualquer irrealismo factual ou erro ostensivo nos fundamentos de facto das decisões impugnadas, não padecendo estas de violação de lei.
35)No ponto 6.3. do Parecer nº …./2009 da DSCJC, em que foi exarada a decisão punitiva, pode ler-se que “Como sublinhado pela instrutora no seu Relatório Final, apesar da exaustiva instrução efetuada em sede do Processo de Inquérito n.º …/2004 (que veio a constituir a fase instrutória dos presentes autos) e das posteriores diligências complementares, as alegadas deslocações do arguido para efeito de ações inspetivas não encontram suporte documental.” - fls. 394 dos autos do processo disciplinar -, que “Não obstante as numerosas e contínuas deslocações registadas nos seus Boletins Itinerário, as mesmas ações não originaram nenhum documento – relatório, informação, parecer.” – mesma folha- e que “O próprio arguido não logrou juntar à sua defesa (apesar dos 34 documentos que anexou), qualquer prova ou mero comprovativo dessas suas atividades” – mesma folha.
36)No mesmo ponto 6.3. pode, também, ler-se que “E, como amplamente referido, os Boletins Itinerário são totalmente omissos em matéria de identificação do objeto das suas supostas deslocações, nada dizendo quanto às entidades e contribuintes visados, fins prosseguidos e, obviamente, autorização superior para a efetivação de tais diligências.” – mesma folha- e que “Isto é, no preenchimento dos citados Boletins Itinerário mais não fez o arguido do que inscrever as menções “serviço de inspeção tributária” e “As diligências foram ordenadas pelo Exmº Sr. Diretor Distrital de Finanças”, nada fazendo constar quanto à identidade dos sujeitos objeto da alegada ação inspetiva e à data e teor da suposta ordem superior (…)”– mesma folha.
37)Por fim, no mesmo ponto 6.3., consta que “Acresce que na acusação encontram-se devidamente identificados (e discriminadas as fls dos correspondentes Autos de Declarações) os contribuintes supostamente inspecionados pelo arguido e que vieram aos autos do Processo de Inquérito nº …./2004 dizer que nunca haviam sido contactados pelo arguido, ou por qualquer outro funcionário, ou que apenas tinham sido ouvidos nas instalações da DF de CB……. pelos funcionários C…….. (v. artigos 8º a 14º)”- 3º parágrafo da pagina 27, a fls. 395 dos autos do processo disciplinar.
38)Como se pode ler no título “XI- A Conclusão” do Relatório Final, “2. Sobre a matéria dos autos levada à acusação, as respetivas faltas dão-se por provadas com base na fundamentação acima descrita (…)”, porquanto o arguido não logrou destruir, refutar ou pôr em causa os fundamentos contra si carreados, como profundamente foi assinalado nos pontos 2., 3. e 4. do título “X- A Apreciação” desse parecer (fls. 351 a 363 dos autos do processo disciplinar), cujo teor aqui, se reafirma.
39)Em face de todo o exposto, resulta que a diligência requerida pelo ora recorrente, na p.i. (inquirição de testemunha), caso tivesse sido realizada, não poderia infirmar a decisão recorrida (despacho do SEAF), nem a decisão punitiva (que está devidamente fundamentada, tanto de facto, como de direito), que a Douta Sentença considerou, e bem, válidas.
40)Resulta, bem assim, que falece qualquer razão ao Recorrente quando alega que “(…) ao restringir intoleravelmente, sem apoio na lei e de forma totalmente infundamentada, os meios de prova de que ele, enquanto autor, pode fazer uso para provar os factos constitutivos da pretensão trazida a juízo, o despacho em causa e a decisão proferida são claramente inconstitucionais e ilegais na medida em que incorrem em erro de Direito na interpretação e aplicação do artigo 90º/2 do CPTA e violam o direito do Autor a uma tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20° e 268°/4 da Constituição da República Portuguesa, bem como nos artigos 2° do CPTA e 12° do CPA” – último parágrafo do título “I. Da não inquirição das testemunhas arroladas e do erro nos pressupostos de facto:” e art.ºs 1º, 2º e 3º das suas Conclusões.
41)Com efeito, não se verificam o invocado erro, nem a violação “do direito do Autor a uma tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos” da Constituição, do CPTA e do CPA por ele mencionados, não se verificando qualquer insuficiência da matéria de facto, fixada na douta Sentença, sendo a fundamentação de facto - assim, como a de direito - expressa, inequívoca e clara, pelo que deve a mesma ser confirmada e não, como requer o Recorrente, “substituída por acórdão que ordene a produção da prova testemunhal requerida pelo autor.”
42)Sob o título “II. Da preterição de formalidades essenciais geradoras da nulidade da decisão impugnada, da violação do princípio do contraditório e da prescrição do procedimento disciplinar:”, o Recorrente, afirmando que “dá aqui por integralmente reproduzida toda a matéria a tal propósito alegada na p.i.”, discorda da douta Sentença na parte em que “A Mma Juiz a quo considerou que no artigo 30º da acusação (…)”, estando, indubitavelmente, a referir-se ao 7º parágrafo da página 12 da sentença (bem como aos dois parágrafos imediatamente anteriores, aos 8º e 9º parágrafos da mesma página e aos 1º a 4º parágrafos da página 13 da Sentença), argumentação que, no essencial, reitera nos art.ºs 4º e 5º das suas Conclusões.
43)Ora, a Sentença, no título “II) Da prescrição do procedimento disciplinar e da alegada continuação criminosa (cfr. artigos 23.” a 41.°da petição inicial)”, apreciou os argumentos vertidos na p.i., a esse propósito, em termos, ou com uma fundamentação profunda e certeira, fundamentação essa que não se resume ao referido pelo Recorrente.
44)Os argumentos do Recorrente (designadamente os contidos nos artºs 7º e 8º das suas Conclusões) não logram pôr em causa, minimamente sequer, essa fundamentação e o segmento decisório da Sentença, não se verificando qualquer “violação dos direitos de defesa geradora da nulidade, por preterição de uma formalidade essencial, ou da anulabilidade, no âmbito do procedimento administrativo, da decisão impugnada nos autos”, nem quaisquer “omissões, na acusação”, como o Recorrente sustenta no art.º 8º das suas conclusões (com referência ao art.º 7º das mesmas), sendo as decisões impugnadas legais.
45)Depois, no mesmo título do recurso, o Recorrente afirma que “Mas, ainda sem prescindir do alegado, para além das invocadas ilegalidades, não podendo as alegadas infrações serem consideradas como uma infração continuada, a grande maioria delas estão prescritas ou, melhor, terá caducado relativamente a elas o direito a ser instaurado o processo disciplinar.”- penúltimo parágrafo da página 6- , o que reitera nos art.ºs 9º e 10º das suas Conclusões, no que lhe falece qualquer razão, pelos motivos referidos nesse título II da Sentença.
46)De seguida, o Recorrente afirma que “Assim e ao contrário do decidido na sentença recorrida, também quanto à omissão, na acusação, da expressa intenção de condenação à reposição das verbas que alegadamente teriam sido recebidas indevidamente, foram preteridos os direitos de defesa do ora recorrente.” – 3º parágrafo da página 7-, pelo que se constata que o Recorrente não se refere nem alude a qualquer excerto da Sentença.
47)Assim sendo, o Recorrente não assaca qualquer vício à douta Sentença, pelo que se reafirma todo o vertido nas alíneas IV), V) e VI) destas conclusões, falecendo razão ao Recorrente quanto ao alegado no art.º 6º das suas Conclusões.
48)Também nos parágrafos seguintes desse título do Recurso, concretamente nos 6º ao 9º parágrafos da página 7 e nos 1º ao 3º parágrafos da página 8, o Recorrente não se refere a qualquer excerto da Sentença, nem lhe assaca qualquer vício, pelo que reafirma-se todo o vertido nas alíneas IV), V) e VI) destas conclusões, o que não obsta a que se assinale que falece qualquer razão ao Recorrente quanto ao ali alegado.
49)Sob o título “III. Da desnecessidade do processo de averiguações, do de inquérito e da violação do art. 88º do E.D. (DL nº 24/84, de 16 de Janeiro):”, o ora Recorrente afirma que “Assim, e ao contrário do referido na douta sentença recorrida (…)” – penúltimo parágrafo da página 8 do recurso -, sem que tenha feito referência a qualquer excerto da Sentença, donde o Recorrente não lhe assaca qualquer vício, designadamente à parte da mesma correspondente ao título “II) Da prescrição do procedimento disciplinar e da alegada continuação criminosa (…).”, pelo que reafirma-se todo o vertido nas alíneas IV), V) e VI) destas conclusões.
50)Sem conceder, e na eventualidade de assim não vir a ser entendido, sempre se dirá que não assiste qualquer razão ao Recorrente quanto ao vertido nesse título, bem como nos art.ºs 11º a 16º das suas Conclusões, pelos motivos que se passam a explanar.
51)O Recorrente afirma que, nos termos “do art. 88º do E.D.:”, “um processo de averiguações apenas pode ter um de três desfechos:”, ou “- o arquivamento dos autos;” ou “- a instauração de processo disciplinar;” ou “- a instauração de processo(s) de inquérito se, indiciariamente verificada a (suposta) existência de infração disciplinar, não estiver ainda identificada a presumível identidade do seu autor;”.
52)De seguida, o Reclamante alega que “In casu, apesar de, no termo do processo de averiguações, já se encontrar claramente identificado o(s) alegado(s) autor(es) das alegadas infrações disciplinares (in casu, também o ora recorrente), em lugar de ter sido contra ele determinada, de imediato, a instauração de um processo disciplinar, foi antes determinada a instauração de um processo de inquérito” e que “O que claramente viola o disposto no referido art. 88° do E.D.”, no que, em tudo, lhe falece razão.
53)Conclui, depois, o Reclamante que “Não podia pois in casu também ter sido instaurado o processo de inquérito contra o ora reclamante, devendo antes ter logo sido instaurado o procedimento disciplinar.”, que “Sendo certo que, quando foi instaurado o processo disciplinar, uma vez que o processo de inquérito não podia ter tido lugar, ou sendo desnecessários, já haviam decorrido, total ou parcialmente, os prazos prescricionais ou de caducidade para a instauração de processo disciplinar.” e que “Razão pela qual deve ser considerado procedente o presente recurso, devendo em consequência ser revogada a sentença proferida, sendo alterada por acórdão que considere ter sido ilegal a instauração do processo de averiguações e de inquérito, com as legais consequências.”, sem que lhe assista, adianta-se, qualquer razão.
54)Assim, constata-se que o Reclamante não se refere a qualquer excerto da Sentença, donde o Recorrente não lhe assaca qualquer vício, designadamente à parte da mesma correspondente ao título “II) Da prescrição do procedimento disciplinar e da alegada continuação criminosa (…).”, pelo que se reafirma todo o vertido nas alíneas IV), V) e VI) destas conclusões.
55)Ademais, urge assinalar que na p.i. não é feita qualquer referência ao art. 88º do ED (leia-se, ao art. 88º do EDFAACRL, aprovado pelo Decreto-lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, em vigor à data da instauração - em 14/09/2004 - do Processo de Inquérito nº …/2004, que constitui a fase de instrução do processo disciplinar nº …/2006, em que é arguido o Recorrente), nem se invoca a violação deste artigo (nem é feita qualquer alegação que se reconduza, ou se traduza, na invocação de uma alegada violação desse artigo, que não se verifica), razão pela qual, naturalmente, a Douta Sentença não alude a esse artigo.
56) Sem conceder no vertido nas alíneas XLIX) e LIV) destas conclusões, na eventualidade de assim não vir a ser entendido, e venha a considerar-se que essas alegações devem ser apreciadas pelo Tribunal, o Recorrente não tem qualquer razão, pelos motivos que se passam a indicar.
57)Na verdade, não se verifica a prescrição do procedimento disciplinar, na data de instauração do processo disciplinar, nem “à data da decisão disciplinar” – leia-se, decisão punitiva, ou despacho do Diretor-geral dos Impostos.
58)Por se estar perante uma infração disciplinar que reveste a natureza de infração continuada, o prazo de prescrição (de 3 anos) conta-se a partir do último ato de violação dos deveres profissionais por parte do então arguido, ora Autor.
59)Assim sendo, e como foi corretamente considerado na douta Sentença, “o início da contagem do prazo de prescrição ocorreu em Dezembro de 2005, ou, mais concretamente, em 16 de dezembro de 2005, quando se verificou a prática do último facto gerador da infração disciplinar continuada (cfr. fls. 3001 do processo de inquérito).” – 2º parágrafo da página 13 - , ali se afirmando que “Ora, desde a data de 16 de dezembro de 2005 até 29 de maio de 2006, quando foi instaurado o processo disciplinar sub judice, nem meio ano decorreu. Pelo que, não se verificar a alegada prescrição do procedimento disciplinar.” – 3º parágrafo de página 13 da Sentença.
60)Sem conceder, e caso não procedesse a arguição da infração continuada (o que, não sucede no caso em apreço, porquanto a Douta Sentença sufragou este entendimento), sempre teria de considerar-se suspenso o prazo de prescrição, nos termos do artigo 4º, n.º 5 do EDFAACRL, a partir da data da instauração do Processo de Averiguações n.º .../2004.
61)Na sequência desse processo de averiguações, foi instaurado o processo de inquérito n.º .../04, em 14/09/2004, devido ao facto de, como se refere no ponto 2.2 do Parecer n.º .../2006, elaborado no âmbito desse inquérito (fls. 8 do processo disciplinar nº .../2006) “a complexidade e amplitude das ações de investigação indispensáveis ao apuramento da verdade não serem compatíveis com a natureza sumária de um mero processo de averiguações”, sendo que a instauração de processo de averiguações “não é prejudicada pelo prosseguimento de processos de inquérito ou sindicância, pois que todos se completam” (cfr. Manuel Leal Henriques, “Procedimento Disciplinar”, Rei dos Livros, 3ª edição, nota 6 ao artigo 85º).
62)E a necessidade de averiguação prévia – ou seja, do aludido processo de inquérito - é evidente, se tivermos em consideração que o Gabinete de Auditoria Interna (GAI), face à denúncia anónima de “eventuais situações menos corretas envolvendo funcionários da Direção de Finanças de CB.....”, apresentou, à entidade competente, situações cujo esclarecimento se impunha, factos insuficientemente esclarecidos para aquilatar da sua veracidade e relevância disciplinar (vide ponto 2.1. do Parecer n.º .../2006, a fls. 6 e segs. do processo disciplinar), o que se explicitou no parecer n.º 89/2004, que fundamentou a instauração do processo de Averiguações n.º .../04.
63)Foi efetuada uma exaustiva instrução em sede do processo de Inquérito n.º .../2004, o qual veio a constituir fase instrutória do processo disciplinar nº .../2006 e, posteriormente, foram efetuadas diligências complementares (fls. 341 a 345 do processo disciplinar).
64)No título “I- A Natureza dos Autos” do Relatório Final, elaborado pela Sra. Instrutora, no âmbito do processo disciplinar aqui em causa, com o nº .../2006 – a fls. 325 desses autos -, pode ler-se que foi o “(…) processo de inquérito nº .../2004, mandado instaurar (…) após a instauração do processo de averiguações nº .../2004 (fls 27 a 109)”.
65)Ora, contrariamente ao que o Recorrente alega, a instauração do referido processo de inquérito impunha-se, como resulta, inequivocamente, do vertido nas alíneas LXII) e LXIII) destas alegações e, bem assim, do vertido no Relatório Final, elaborado pelo Sr. Inquiridor nesse Inquérito (junto aos autos de processo disciplinar nº .../2006, de fls. 325 a 365 deste).
66)Com efeito, logo no ponto 1. do Relatório Final desse Inquérito pode ler-se que “Por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de catorze de setembro do ano de dois mil e quatro, foi determinada a instrução do presente processo de inquérito com a finalidade de se apurar eventuais irregularidades praticadas pelos funcionários (…) A......... (…).” - fls. 28 dos autos de processo disciplinar nº .../2006.
67)No ponto 1.1., do título “I- ORIGEM DOS AUTOS” do Relatório Final, pode ler-se que “(…) o Processo de Averiguações número .../2004, apenso aos presentes autos, tendo este último a sua base no Processo …/2003-DN-NAUD 2 do Gabinete de Auditoria Interna (…)” – fls. 29 dos autos de processo disciplinar nº .../2006-, constando do ponto 1. e respetivos subpontos, do título seguinte (II- A INSTRUÇÃO”) desse Relatório Final, as várias, consideráveis e extensas vertentes do “plano de investigação”, ou seja, as diligências investigatórias que se afigurava necessário levar a cabo nesse inquérito.
68)Daqui resulta não ter o Recorrente qualquer razão quando alega que “Já se sabendo então (ainda que em termos indiciários) a identidade ou autoria dos supostos factos integrantes de uma infração disciplinar.” - penúltimo parágrafo da página 9 -, no términus do referido processo de averiguações, ou à data da instauração desse processo de inquérito.
69)Assim, impondo-se a instauração de um processo de inquérito, à data da conclusão do aludido processo de averiguações, não se poderia instaurar, logo, um processo disciplinar contra o ora recorrente.
70)Em resumo, quer a instauração do Processo de Averiguações n.º .../2004, quer a instauração do Processo de Inquérito n.º .../2004, suspendem o prazo de prescrição, como determina o artigo 4º, nº 5, do Estatuto Disciplinar – leia-se, do EDFAACRL, em vigor à data da instauração do processo disciplinar nº .../2006.
71)Ora, na douta Sentença, foi efetuada uma profunda e correta interpretação e aplicação ao caso do direito, designadamente no 5º e 6º parágrafos da página 13 e no 1º e 3º parágrafo da página 14.
72)Com efeito, e não se verificando qualquer violação do art. 88º do EDFAACRL, nem tendo “decorrido, total ou parcialmente, os prazos prescricionais ou de caducidade para a instauração de processo disciplinar.” – penúltimo parágrafo da página 9-, à data em que foi instaurado o processo disciplinar nº .../2006, em que o Recorrente é arguido, não “(…) deve ser considerado procedente o presente recurso, devendo em consequência ser revogada a sentença proferida, sendo alterada por acórdão que considere ter sido ilegal a instauração do processo de averiguações e de inquérito, com as legais consequências.”, como o Recorrente sustenta – no 2º parágrafo da página 10-, devendo a douta Sentença ser confirmada.
73)Sob o título “IV. Da violação do nº 8 do art. 4º da Lei 58/2008”, o Recorrente afirma que “discorda do decidido relativamente à invocada violação do nº 8 do art. 4º da Lei 58/2008” e que “Tendo a sentença recorrida claramente violado a letra da lei.” - antepenúltimo parágrafo da página 10-, sem que tenha feito referência a qualquer excerto da Sentença, donde o Recorrente não lhe assaca qualquer vício, designadamente à parte da mesma correspondente ao título “III) Da violação de lei em articulação com a aplicação do novo Estatuto Disciplinar (cfr. artigos 42º a 52º da petição inicial), pelo que reafirma-se todo o vertido nas alíneas IV), V) e VI) destas conclusões.
74)Ademais, e sobretudo, nas suas Conclusões do Recurso, que delimitam o âmbito do mesmo, o Recorrente não faz essas alegações, nem outras de conteúdo semelhante, pelo que as referidas alegações não se compreendem no “âmbito” do recurso.
75)Sem conceder, e na eventualidade de assim não vir a ser entendido, sempre se dirá que não assiste qualquer razão ao Recorrente quando afirma, nesse título, que “Logo, ao não ter sido imediatamente suspensa a execução e a produção de quaisquer efeitos da pena aplicada ao arguido, ora recorrente, resultou violado o citado artigo”, que “Não podendo agora vir dizer- se que a decisão de reposição de verbas não integra a decisão disciplinar, porquanto foi proferido no âmbito do processo disciplinar (…)” e que “Logo, também por violação da lei e erro na sua interpretação deverá ser revogada a sentença recorrida, com os legais efeitos.”
76)Em face de todo o exposto, não padecendo a Douta Sentença (que confirmou o Despacho nº …/2009-… do SEAF e a decisão punitiva, ou despacho do Diretor-geral dos Impostos, de 11/3/2009, despachos estes que são válidos, por não enfermarem dos vícios que lhe são assacados na p.i., expressa ou tacitamente, nem de qualquer outro vício) de qualquer vício, deve a mesma ser confirmada por esse Douto Tribunal.
*
O digno magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º, tendo a fls. 755 reiterado o parecer por si emitido a fls. 630 e ss, onde defendeu a procedência do recurso.
*
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cabe, ainda, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou declare nula, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, reunidos que se mostrem no caso os pressupostos e condições legalmente exigidos.
As questões a resolver neste recurso são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS
O tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto:
1
A........., autor nos presentes autos, é Técnico de Administração Tributária Adjunto da Direção de Finanças de CB..... – cfr. fls. 3 do PA.
2
Em 8 de maio de 2006, no âmbito do Processo de Inquérito n.º .../2004 à atuação de vários funcionários da Direção de Finanças de CB....., cujo relatório consta de fls. 28 a 110 do PA, mandado instaurar por Despacho n.º …./2004-….. do SEAF, de 14 de SET/2004, na sequência das Conclusões do Processo de Averiguações n.º .../2004, foi elaborado o Parecer 00.../2006 constante de fls. 4 a 27 do PA – documentos que se dão nesta sede por integralmente reproduzidos.
3
Em 29 de maio de 2006, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais determinou a instauração de processo disciplinar contra o Autor, tendo procedido à designação do respetivo Instrutor – cfr. fls. 3 do pa.
4
Em 23 de fevereiro de 2007, fez-se a juntada ao processo disciplinar n.º .../2006 de cópia do ofício n.º ….. de 30.11.2006, da Direção de Serviços, remetido ao M...... P....... de CB....., bem como os despachos do Diretor de Finanças de CB....., autorizando o arguido a utilizar automóvel próprio, nas deslocações em serviço, durante os anos de 2000 a 2006 – cfr. fls. 115 a 123 do PA.
5
Em 2 de janeiro de 2008 fez-se juntada aos autos do Certificado do Registo Disciplinar e Biográfico do autor, ora arguido – cfr. fls. 130 a 132 do PA.
6
Em 14 de março de 2008 é produzida a acusação - cfr. fls. 136 a 146 do PA que se dá nesta sede por integralmente reproduzida.
7
O autor em 18 de março de 2008 foi notificado do seguinte:
(Texto Integral)

8

Em 6 de abril o autor apresentou a sua defesa escrita e juntou 34 documentos – cfr. fls. 162 a 212 do PA que se dá nesta sede por integralmente reproduzida.
9
Foram inquiridas as testemunhas arrolados pelo autor, juntos documentos e ordenadas novas diligências complementares de prova – cfr. fls. 218 a 324 do PA que se dão por integralmente por reproduzidas.
10
Em 28 de maio de 2008 foi elaborado o Relatório Final – fls. 325 a 365 do PA que se dão por integralmente por reproduzidas.

11

Em 27 de fevereiro de 2009, pela Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso da Direção –Geral dos Impostos foi elaborado o Parecer n.º 00…/2009 – cfr. fls. 369 a 400 do PA que se dá por integralmente reproduzido.

12

Foi proferido o despacho nº ……./2009-…., de 19 de março de 2009, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com o seguinte teor:

(Texto Integral)

cfr. doc. 1 junto com a petição inicial e fls. 402 do PA.

13

Em 6 de abril de 2009 procedeu-se à notificação do autor, nos seguintes termos:

(Texto Integral)
cfr. doc. 2 junto com a petição inicial e fls. 406 do PA.

14

Desse ato interpôs o A. em 8 de abril 2009 recurso hierárquico para o Senhor Ministro das Finanças – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial e fls. 411 a 424 do PA.
15
Recurso foi decidido pelo despacho nº……../09/M… de Sua Exa. o Ministro do Estado e das Finanças, proferido em 16-6-2009 e notificado ao A. em 9 de julho de 2009 - cfr. a fls.426 a 455 do PA.
16
Através do ofício nº ……., datado de 06-04-09 foram prestados esclarecimentos ao Advogado do autor, a seu pedido, os quais lhe foram comunicados – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial e PA.
17
Em complemento desses esclarecimentos e através do ofício nº ……, datado de 24-04-09, também foi levado ao seu conhecimento o despacho do qual consta a delegação de competência ao abrigo da qual foi praticado o despacho ora impugnado cfr. fls. 460 do PA.

18

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais detém poderes delegados para o efeito pelo Sr. Ministro das Finanças, como resulta do despacho nº …../2008, publicado no DR. nº 45, 2ª série, de 4 de março – cfr. fls. 458 do PA.
*
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Aqui chegados, há, pois, condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter omnipresentes, “inter alia”, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade da administração pública, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas, que têm todas a mesma dignidade; (iii) certeza e segurança jurídicas; e (iv) tutela jurisdicional efetiva dos direitos das pessoas.
*
Assim, o presente recurso de apelação demanda que se resolva o seguinte contra a decisão jurisdicional recorrida:
- Ilegalidade da passagem do procedimento de averiguações a procedimento de inquérito, em vez de logo se passar para o procedimento disciplinar;
- Erro de direito na decisão interlocutória de não produzir prova testemunhal;
- Erro de direito quanto à falta de referência na acusação à reposição das quantias, bem como quanto à incompetência da A.P. para determinar tal reposição por tal caber ao TdC (cf. Lei do Tribunal de Contas);
- Erro de direito quanto à “convolação” a final – no ato administrativo punitivo - da acusação, no que diz respeito á qualificação dos factos como ilícito disciplinar continuado (alegada violação do contraditório);
- Erro de direito quanto à inexistência de prescrição (ou caducidade) do direito de iniciar o procedimento disciplinar.
*
Vejamos.
*
1 - Da suposta ilegalidade da passagem do procedimento de averiguações a procedimento de inquérito, em vez de logo se passar para o procedimento disciplinar
O desencadeamento do processo de averiguações “não é prejudicado pelo prosseguimento de processos de inquérito ou sindicância, pois que todos se completam” (Manuel Leal-Henriques, procedimento Disciplinar, Rei dos Livros, 3ª edição, 1997, nota 6 ao artigo 85º do ED).
E a necessidade de “averiguação prévia” é evidente se tivermos presente que, aqui, o GAI (Gabinete de Auditoria Interna), face à denúncia anónima de eventuais situações menos corretas envolvendo vários funcionários da Direção de Finanças de CB....., apresentou à entidade competente situações cujo esclarecimento se impunha, factos insuficientemente esclarecidos, para que se pudesse, então, determinar a sua veracidade e eventual relevância disciplinar (cfr. termos do ponto 3.1 do Parecer n.º 00.../2006, a fls.8 e 9 do processo disciplinar). O que, aliás, se explicitou no parecer n.º …/2004, que fundamentou a instauração do processo de Processo de Averiguações n.º .../04 (também junto ao PA).
Nesse parecer, depois de se citar o Relatório de Auditoria, onde se refere que: “Conclui-se, assim, face à situação anteriormente descrita, pela existência de indícios de alguma lassidão nos procedimentos de controlo interno, os quais se estendem à falta de transparência e eventual dúvida dos serviços realizados e, consequentemente, quanto à legitimidade das ajudas de custo pagas aos técnicos para os períodos em causa”; diz-se que: “No termo da auditoria subsiste, assim uma grande margem de indefinição, quer do ponto de vista objetivo, pela incerteza quanto às irregularidades verificadas, que, no entanto, se indiciam extensas quer, consequentemente, também, do ponto de vista da imputação subjetiva. Só, portanto, através de um processo de averiguações será eventualmente possível suprir tal carência”.
Portanto, nenhuma ilegalidade existe neste ponto. Era obviamente necessário agir como o réu agiu, utilizando os trâmites previstos na lei.
Cf. ainda o Ac. do STA de 09-09-2009, pr. Nº 010/09, aqui aplicável: “II- O processo de inquérito só tem aptidão para suspender o prazo de prescrição nos termos do nº 5 do citado preceito legal, quando a sua instauração se mostre necessária ou indispensável à obtenção de elementos destinados a apurar se certo comportamento é ou não subsumível a uma determinada previsão jurídico-disciplinar.”.
2 – Erro de direito na decisão interlocutória de não produzir prova testemunhal
2.1.
Uma das questões a resolver colocadas no recurso diz respeito à não produção de prova testemunhal (além da prova testemunhal indicada no p.d. e da documental produzida nesta ação), decidida pelo TAC na fase intermédia dos autos.
Foi proferido despacho saneador e entendendo que o estado do processo permitia, sem mais indagações, apreciar o pedido e conhecer do mérito da causa, foram notificadas as partes para, nos termos do art. 91.º, n.º 4, do CPTA, na anterior versão, querendo, apresentarem alegações escritas, prerrogativa que nenhuma das partes usou.
Ora, não sendo líquido que tal situação caiba no artigo 142º/5 do CPTA, vejamos.
O recorrente invoca o artigo 90º/2 do CPTA.
Mas não tem razão. Isto sem pormos em crise que, (i) sem prejuízo da autonomia do processo administrativo disciplinar em relação ao processo jurisdicional e (ii) vice-versa, e (iii) sem prejuízo do Princípio da economia de meios, o princípio da tutela jurisdicional efetiva:
(1) impede que hoje exista a chamada “liberdade probatória da A.P.” e
(2) impõe ao tribunal, em certos moldes especiais, o controlo direto dos factos referentes ao ilícito disciplinar e da exatidão ou suficiência da prova constantes do p.d., bem como o controlo da avaliação da prova produzida no p.d., embora com limites muito importantes decorrentes (i) do ónus alegatório fáctico densificado exigível ao autor impugnante, já ouvido no p.d., e (ii) da proibição jurídico-sistemática e jurídico-teleológica de se jurisdicionalizar o procedimento disciplinar;
(3) permite, ainda, a renovação em juízo da prova produzida no p.d., se tal se justificar, embora com limites muito importantes (os moldes especiais a que nos referimos supra) decorrentes
(i) do ónus alegatório fáctico densificado exigível ao autor impugnante já ouvido no p.d. e
(ii) da proibição de jurisdicionalizar o procedimento disciplinar.
Por exemplo, tendo havido contraditório e produção de prova no p.d., não basta ao autor, para haver factos controvertidos, alegar na p.i., sem mais nada, que “os factos provados constantes do ato administrativo disciplinar não aconteceram”.
Cf. o Ac. do STA de 12-07-2006, pr. 01106/05: “I - A inserção nos autos de processo disciplinar de certidão de declarações prestadas por testemunha noutro processo e que já havia deposto no processo disciplinar (mas que não continham nada de novo relativamente à matéria daquele depoimento), sem que de tal tivesse sido notificado, e a alusão ao seu conteúdo no relatório final, não corporizou qualquer ofensa ao direito de audiência e defesa, degradando-se em irregularidade não invalidante. II - Em sede da fixação dos factos que funcionam como pressuposto de aplicação das penas disciplinares, a Administração não atua no âmbito da denominada justiça administrativa, devendo a prova coligida no processo disciplinar legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, incluindo o seu elemento subjetivo. III - Incorre em erro de julgamento o acórdão recorrido que (por defeituoso entendimento dos poderes referidos em 2.) julgou improcedente o recurso contencioso sem curar saber do acerto das arguições do recorrente contencioso em que questionou a verificação do elemento subjetivo da infração”.
2.2.
Além disso, é essencial não se confundir “o erro nos pressupostos de facto da decisão administrativa punitiva” (aliás, raramente invocado de modo suficientemente denso nas p.i. das ações impugnatórias de atos disciplinares punitivos, apesar de a exatidão dos factos ser sempre um aspeto vinculado do ato administrativo) com “a não averiguação pela A.P. dos factos relevantes para o ato administrativo punitivo”.
2.3.
Ora, o decisivo aqui é que o TAC não fixou base instrutória, ou seja, considerou inexistir factualidade relevante controvertida (que o recorrente não identifica).
Sem factos controvertidos, não faz sentido falar em instrução, isto é, em produção de prova em audiência final (cf. artigo 341º do CC e artigo 513º do CPC/2007).
E foi isto o decidido na fase do saneador, como vimos. Em suma, o TAC decidiu não haver factualidade relevante controvertida.
Porém, o recorrente vem impugnar a consequência lógica daquela decisão, aliás não recorrida, ou seja, impugna o juízo de desnecessidade de produção de – mais – prova após o saneador. Vem dizer que era necessária uma fase de instrução (produção de meios de prova para demonstrar factos controvertidos), apesar de o recorrente não impugnar a decisão do TAC de não fixar base instrutória. Apesar de nem indicar factos concretos controvertidos.
Não tem razão, logicamente, porque simplesmente não havia base instrutória, como vimos.
Assim, concluímos que o recorrente não tem razão.
Outra coisa é o juízo do TAC sobre a inexistência de factos controvertidos, juízo não impugnado. E, com efeito, não vemos que factos concretos relevantes controvertidos possam existir em consequência da mera negação na p.i. dos factos discutidos no processo disciplinar.
E outra ainda é a aparente nulidade processual decorrente da omissão da fase de instrução. Esta, porém, parece ser mera decorrência daquele primeiro juízo.
Mas há mais. E decisivo: aqui, o autor não atacou a prova produzida no p.d., nem a sua avaliação pelo R.
2.4.
Porém, ainda se acrescenta o seguinte contra a relevância de ouvir mais testemunhas do autor (é esta a questão), além das testemunhas que o autor indicou no p.d. e que aí foram ouvidas:
a) - as testemunhas indicadas pelo autor no p.d. depuseram em sentido contrário ao defendido pelo autor;
b) - na p.i. nada se refere ou se alega de material, de palpável e ou de documentado pelo autor ou outrem que vá em sentido diferente do ato disciplinar aqui impugnado;
c) - no p.d., aliás, foi produzida muita prova testemunhal e documental no sentido do incluído na fundamentação do ato administrativo impugnado (vd., por ex., o artigo 20 da acusação e as fls. 1937-1959, 2072-2090, 2259-2263 e 2975 do processo de inquérito, bem como fls. 225 ss e 234 ss do p.d.).
Isto demonstra a importância de se ter afirmado que o controlo jurisdicional da decisão administrativa disciplinar tem limites muito importantes como os decorrentes (i) de um exigível ónus alegatório fáctico densificado ao autor impugnante e (ii) da proibição jurídico-sistemática e jurídico-teleológica de se jurisdicionalizar ou simplesmente repetir o procedimento disciplinar.
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3 - Do erro de direito quanto à falta de referência na acusação à reposição das quantias, bem como quanto à incompetência da A.P. para determinar tal reposição por tal caber ao TdC (cf. Lei do Tribunal de Contas)
Apesar de o recorrente não indicar qualquer preceito legal da LOPTdC, o certo é que o dever de reposição das quantias resulta do artigo 39º do DL 106/98 – “Estabelece normas relativas ao abono de ajudas de custo e de transporte pelas deslocações em serviço público” (artigo 39º: 1 - Os funcionários ou agentes que recebam indevidamente quaisquer abonos de ajudas de custo e subsídio de transporte ficam obrigados à sua reposição, independentemente da responsabilidade disciplinar que ao caso couber. 2 - Ficam solidariamente responsáveis pela restituição das quantias indevidamente abonadas os dirigentes do serviço que autorizem o abono de ajudas de custo e transportes nos casos em que não haja justificação para tal). E não do E.D.
Ainda assim, o DL 106/98 foi expressamente referido na acusação que foi notificada ao arguido ora recorrente.
Por outro lado, é de sublinhar que a reposição de quantias (“remunerações” em sentido lato) não é uma sanção, apenas um dever legal de devolver o indevidamente recebido. Como tal, não é parte integrante de um tipo legal de ilícito disciplinar e da respetiva sanção.
Assim, não tem de constar da acusação. Embora aqui constasse.
Com base no mesmo DL 106/98, a competência para exigir a devolução cabe mesmo à A.P. e não ao TdC (cf. artigo 39º do DL 106/98, cit.).
Cf.:
- Ac. do STA de 14-01-1999, p. nº 036573 (“A ordem de reposição de quantias pelo funcionário encontrado em "alcance ou desvio de dinheiro" insere-se no exercício da função administrativa, não violando os princípios da suficiência do processo penal e de coesão, conforme art. 7, 8, e 71 CPP, nem o princípio constitucional de reserva da função jurisdicional, ora em conformidade com o art. 202 - CRP.”);
- Ac. do STA de 15-03-1990, p. nº 027715 (“A reposição de quantias a que se referem os arts. 65, n. 1 e 91, n. 1, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL 24/84, de 16/1, respeita apenas a quantias que a Administração, pelos seus meios próprios, cabe averiguar (nomeadamente, objeto de alcance ou desvio) e não as consistentes em indemnização por outros danos, cuja determinação cabe aos Tribunais”).
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4 - Do erro de direito quanto à “convolação” a final – no ato administrativo punitivo - da acusação, no que diz respeito à qualificação dos factos como ilícito disciplinar continuado (violação do contraditório)
Também aqui, em sede de ilícito continuado, o recorrente não tem razão.
É que esta questão de qualificação jurídica – e não factual -, a “violação continuada” (sic) dos deveres profissionais pelo recorrente, consta expressamente da acusação (artigo 30º) e de fls. 363-365 do relatório final, base do ato punitivo.
Não se pode, assim, falar em convolação da acusação pelo ato final, nem sequer com aspas; portanto, ao contrário do que faz o recorrente.
E, por ser uma qualificação jurídica, não é correto o recorrente falar em reaferir a matéria de facto e, ainda, em não se ter podido defender dos respetivos factos. Estes sempre foram os mesmos desde a acusação que lhe foi notificada, cujos meios de prova estavam claramente indicados na mesma, bem como a final.
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5 - Do erro de direito quanto à inexistência de prescrição (ou caducidade) do direito de iniciar o procedimento disciplinar
O recorrente aborda aqui várias questões interligadas: não haveria infração disciplinar continuada; o direito de instaurar o procedimento disciplinar estaria prescrito (ou caducado, como também diz o recorrente).
Vejamos.
5.1.
Tendo presente o disposto no artigo 30º/2 do C. Penal (aqui aplicável por analogia favorável aos arguidos: “a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”), a factualidade provada no p.d. constitui, efetivamente, uma infração disciplinar continuada.
O que, na verdade, o recorrente não censura com clara e frontal argumentação.
5.2.
O processo disciplinar teve início muito antes da entrada em vigor do novo ED/2008 (01-01-2009).
Ao caso presente aplica-se, pois, o ED/1984 e não o ED/2008 (vd. os artigos 7º e 118º da Lei 12-A/2008, o artigo 23º da Lei 59/2008 e o artigo 4º da lei que aprovou o ED/2008, Lei 58/2008: 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Estatuto é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa. 3 - Os prazos de prescrição do procedimento disciplinar e das penas, bem como os de reabilitação e o período referido no n.º 4 do artigo 6.º do Estatuto 4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável., contam-se a partir da data da entrada em vigor do Estatuto, mas não prejudicam a aplicação dos prazos anteriormente vigentes quando estes se revelem, em concreto, mais favoráveis ao trabalhador. 4 - O disposto no n.º 5 do artigo 6.º do Estatuto(2) 5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente:
a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;
b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e
c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar. não se aplica: a) Aos processos de inquérito e de sindicância que se encontrem instaurados, no que se refere ao prazo ali previsto para a sua instauração; b) Aos procedimentos disciplinares comuns que se encontrem instaurados, no que se refere ao prazo ali previsto para a sua instauração. ”).
Assim, de acordo com o artigo 4º do E.D./1984:
1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida.
2 - Prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço (aqui, o Diretor-Geral dos Impostos), não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses.
3 - Se o facto qualificado de infração disciplinar for também considerado infração penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.
4 - Se antes do decurso do prazo referido no n.º 1 alguns atos instrutórios com efetiva incidência na marcha do processo tiverem lugar a respeito da infração, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último ato.
5 - Suspendem nomeadamente o prazo prescricional a instauração do processo de sindicância aos serviços e do mero processo de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.

Portanto, à luz do cit. artigo 4º/1/5 do E.D./84 e tendo presentes as datas referidas no probatório - e estando aliás a A.P. autorizada a considerar os factos como burla qualificada (cf. artigos 217º, 218º e 118º/1-b) do C. Penal) – e, designadamente a instauração de processo de inquérito e a data do início do p.d., conclui-se que, manifestamente, não se verificou a prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar.
O mesmo ocorreria, caso a lei permitisse a aplicação ao caso do ED/2008, desde 01-01-2009.
Cf.:
- Ac. do STA de 07-01-2009, p. nº 0223/08: O processo disciplinar é distinto e autónomo do processo penal, assentando essa autonomia, fundamentalmente, na diversidade de pressupostos da responsabilidade criminal e disciplinar, bem como na diferente natureza e finalidade das penas nesses processos aplicáveis.
- Ac. do STA de 13-02-2008, p. nº 0167/07: A Administração, no exercício do poder disciplinar, não está impedida de proceder à qualificação dos factos imputados ao arguido como integrando também um ilícito criminal, pelo que não se verifica vício de usurpação de poder na apreciação de certas condutas na exclusiva vertente disciplinar, muito embora as haja também qualificado daquele modo; Independentemente de alguma deficiência narrativa e/ou de particularização, desde que a acusação satisfaça o mínimo indispensável à vinculação temática da autoridade decidente e o arguido dê mostras de haver entendido o sentido e alcance da acusação, não há lugar a nulidade insuprível por falta de audiência do arguido (cf. artigo 42.º do ED).
- Ac. do TCA Sul de 27-09-2007, p. nº 07209/03: A interpretação correta da norma do artigo 4º, nº 3 do ED vai no sentido de que a mesma confere competência à Administração para avaliar se determinados factos podem integrar crime, e decidir, em conformidade, se aplica ao procedimento disciplinar o prazo de prescrição mais longo, correspondente ao prazo de prescrição do procedimento criminal, sujeitando-se sempre, como é evidente, ao controlo jurisdicional da sua decisão.
- Parecer do C.C./PGR de 07-12-1995, p. nº 24/1995.
*
III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, julgá-lo improcedente.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 14-06-2018

(Paulo Pereira Gouveia - relator)

(Catarina Jarmela)
Voto a decisão, mas não integralmente os seus fundamentos, pois maxime considero que o recorrente teria de ter reclamado para a conferência do despacho saneador para poder recorrer do mesmo no recurso final.

(Conceição Silvestre)
Voto Vencido: concederia provimento ao recurso e revogaria a sentença recorrida, pois entendo que procede o erro de julgamento invocado nas conclusões 1ª a 3ª na medida em que há matéria de facto controvertida relevante para a decisão da causa, pelo que deveria ter sido determinado a abertura de um período de produção da prova.


4 - Suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável.
(2) 5 - A suspensão do prazo prescricional apenas opera quando, cumulativamente:
a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;
b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e
c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.