Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1025/17.2BESNT
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/10/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL
FORNECIMENTO DE REAGENTES
PROPOSTAS
REQUISITOS TÉCNICOS
DISCRICIONARIEDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário:i) É à Administração, porque melhor preparada e apetrechada do que o tribunal, que compete avaliar se determinado elemento ou requisito técnico, não jurídico, proposto por um concorrente, dá resposta satisfatória às exigências do caderno de encargos e do programa do procedimento.

ii) Neste quadro, e não vindo imputado sequer erro grosseiro da apreciação feita, terá que aceitar-se a posição da Entidade Adjudicante, alicerçada em juízos técnicos efectuados por parte do júri do concurso, de que:

- No subfactor 2.4 de valorização das propostas, o critério fixado é apenas o do “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC=< 500 Ul/ml”, sendo que esse limite mínimo não foi fixado para uma condição especifica, tal como o tipo de amostra ou volume de amostra [e, se assim fosse, teria de ser expressamente fixado no caderno de encargos]; e que

- No subfactor 2.5 relativo a “calibração externa dos ensaios quantitativos”, o texto descritivo admite quaisquer metodologias de calibração externa para a pontuação com 20 pontos no subfactor, seja, v.g., a metodologia da “curva de calibração externa” ou “padrão interno”.

Só ocorre litigância de má-fé se se adquirir nos autos elementos suficientes para o juízo de que o comportamento da parte foi enformado por dolo ou por negligência grosseira.
Votação:COM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A....., lda. (Recorrente) interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra contra o Hospital... e a contra-interessada R….. – Sistemas de Diagnóstico, lda (Recorridos) uma acção administrativa especial de contencioso pré-contratual, tendo em vista a anulação do acto administrativo consubstanciado na deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada, datada de 21.06.2017 que, no âmbito do Concurso Público n.º .../2017, decidiu adjudicar à concorrente, ora recorrida, R..... , lda, o contrato de Fornecimento de reagentes para o serviço de imuniohemoterapia – Virologia (cargas virais). Mais peticionou a condenação do Réu a praticar acto de adjudicação da prestação dos serviços em causa a favor da Autora, A....., lda.

O TAF de Sintra julgou a acção improcedente.

Inconformada com o assim decidido, a Autora recorreu para este Tribunal Central, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:

I. O Tribunal a quo não julgou provada qualquer da matéria enunciada no ponto 6 do § 2.º, mas não justificou a razão pela qual não a julgou provada, em violação do artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

II. Aa sentença recorrida padece de duas nulidades evidentes à luz dos artigos 195.º e seguintes e 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

III. Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), é nula a sentença é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto que justificam a decisão, o que, à luz da referida norma do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), abrange, não apenas a identificação e fundamentação dos factos julgados provados, como a identificação e fundamentação dos factos julgados não provados.

IV. Não contendo a sentença recorrida qualquer identificação dos factos não provados, maxime, dos factos identificados no nº6 deste §2.º supra, nem tão-pouco a fundamentação pela qual assim os terá considerado, a sentença é nula.

V. O Tribunal a quo estava vinculado a atender aos factos admitidos por acordo, aos factos provados por documentos juntos ao processo pelas partes, aos factos provados por confissão aceite pela parte contrária e aos factos que resultam do exame crítico das provas, todos com relevo para o julgamento da causa, de acordo com as diversas soluções possíveis de Direito.

VI. Nos termos dos artigos 607.º, nº4, 413.º, 574.º e 587.º, 423.º e 425.º do Código de Processo Civil o Tribunal devia ter dado como provados os factos descritos no n.º 10 do § 3.º, incorrendo em erro de julgamento ao não o ter feito.

VII. Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do artigo 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Tribunal ad quem deve proceder à ampliação da matéria de facto provada, aditando os factos descritos no n.º 10 do § 3.º, que aqui se dão por reproduzidos.

VIII. Caso se considere que o processo não contém todos os elementos probatórios suficientes a dar como provada a matéria elencada no n.º 10 do § 3.º, supra, deve este Venerando Tribunal revogar a decisão do Tribunal a quo e determinar a baixa dos autos para o competente julgamento à luz dos meios de prova apresentados pela A..... e pelo HOSPITAL, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.

IX. O Tribunal a quo recorreu ao artigo 9.º do Código Civil para indicar de que modo deve ser interpretado o subfactor de avaliação 2.4., não obstante não estar em causa a interpretação de conceitos normativos, mas de conceitos descritivos, o que põe em causa a metodologia adotada pelo Tribunal a quo.

X. O subfactor 2.4. tem como descrição “limite mínimo de deteção do kit de genotipagem de VHC =<500UI/ml”, não se referindo a um “limite mínimo de deteção do kit de genotipagem «em pelo menos uma das amostras biológicas» de VHC =<500UI/ml”, ou seja, não distinguiu entre tipos de amostras biológicas a que se aplica, plasma ou soro, ou entre genótipos.

XI. Ao considerar que o subfactor n.º 4 se basta com o cumprimento da exigência numa das amostras biológicas, o Tribunal a quo violou o artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, por essa interpretação não conter na letra da norma o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, incorrendo em erro de julgamento.

XII. A solução técnica proposta pela R....., no que concerne ao subfactor 2.4., apresenta um limite mínimo de deteção de 1000 UI/ml para o genótipo 5 em amostra de plasma, incumprindo o descritor do subfactor 2.4. de avaliação, pelo que deveria ter recebido 0 pontos.

XIII. Atribuir 20 pontos à proposta apresentada pela R..... implica (i) não aplicar corretamente o modelo de avaliação, violando o Programa de Concurso no seu Anexo V; ou (ii) introduzir tacitamente uma alteração no Anexo V ao Programa de Concurso passando a considerar o limite ali referido apenas para o soro ou para o plasma e não para ambos os tipos de amostra, quando o subfactor não estabelece qualquer distinção ou precisão quanto à respetiva abrangência.

XIV. Ao assim não entender, e concluir pelo não provimento da alegação do A....., o HOSPITAL (i) errou nos pressupostos de facto ou (ii) errou na aplicação do Direito.

XV. Não o entendendo o Tribunal a quo, julgando improcedente a causa de pedir, incorreu em erro de julgamento, violando o subfactor 2.4. de avaliação.

XVI. O subfactor de avaliação 2.5. tem como descrição “calibração externa dos ensaios quantitativos”.

XVII. O HOSPITAL, na sua contestação, confirmou que pretendeu rejeitar a avaliação da “calibração de fábrica”, o que foi aceite pela A..... na réplica.

XVIII. Ao entender que o Júri do Concurso não pretendeu rejeitar a calibração de fábrica, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, deixando de apreciar as posições assumidas pelas partes nos articulados, de apreciar criticamente a prova produzida (v.g. a confissão aceite) e de atender ao esclarecimento que o Júri do Concurso prestou (que, nos termos do artigo 50.º, n.º 5, do Código dos Contratos Públicos, fazem parte integrante das peças do procedimento e prevalece sobre elas em caso de divergência).

XIX. A “calibração externa” tem essa denominação por ser exterior às reações das várias amostras — i.e., por não ter lugar nos tubos físicos onde ocorre a amplificação e deteção, tendo lugar em tubos separados sem amostras de pacientes.

XX. O “padrão interno” é colocado dentro do mesmo tubo que contém as amostras a ser amplificadas e detetadas, ou seja, trata-se de uma metodologia de calibração que não é “externa”.

XXI. Ao não ter compreendido assim e, logo, ao não ter compreendido corretamente o que é a “calibração externa” pretendida no ponto 2.5. do Anexo V ao Programa de Concurso, o Tribunal a quo errou no seu julgamento, violando aquela disposição.

XXII. Nos termos da proposta apresentada pela R....., “A carga viral é quantificada em comparação com um padrão de quantificação de armored ARN (RNA QS) sem HCV, que é introduzido em cada amostra durante a preparação de amostras”, ou seja, o padrão é inserido dentro do tubo em que está a amostra do paciente a amplificar e a detetar.

XXIII. A “calibração em fábrica” da proposta da R..... não é, só por ser realizada fora do centro hospitalar, uma calibração externa no sentido expresso no subfactor de avaliação 2.5. pela entidade adjudicante.

XXIV. Ao assim não entender, atribuindo 20 pontos, em lugar de zero pontos à proposta da R..... neste subfactor 2.5., e concluir pelo não provimento da alegação do A....., o HOSPITAL (i) erra nos pressupostos de facto ou (ii) erra na aplicação do Direito.

XXV. Assim não tendo entendido o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento, violando o 2.5. do Anexo V ao Programa de Concurso.

XXVI. Devendo a proposta apresentada pela R..... merecer zero pontos em cada um dos subfactores 2.4. e 2.5. de avaliação, o HOSPITAL deve ser condenado a adjudicar a proposta apresentada pela A......

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, por provado, e, em consequência:
a) Ser revogada a sentença recorrida;
b) Serem aditados aos Factos Provados os elencados no n.º 10 do § 3.º supra;
c) Ser anulado o ato de adjudicação, por vício de violação de lei;
d) Ser a entidade demandada condenada a praticar o ato de adjudicação da proposta apresentada pela A......

Quando assim não se entenda por se considerar que o processo não contém todos os elementos probatórios suficientes a dar como provada a matéria elencada no n.º 10 do § 3.º, supra, deve este Venerando Tribunal revogar a decisão do Tribunal a quo e determinar a baixa dos autos para o competente julgamento à luz dos meios de prova apresentados pela A..... e pelo HOSPITAL, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.»

O Recorrido, Hospital..., E.P.E contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido. Não formulou conclusões.


A Contra-interessada, R....., Lda. também apresentou contra-alegações, concluindo as mesmas nos seguintes termos:

A. A ora Recorrida, tendo sido notificada, por Ofício datado de 21.12.2017, da interposição do Recurso Jurisdicional da Sentença proferida pelo douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 27.12.2017, veio, através do presente articulado, e na sequência daquele, apresentar as suas Contra- Alegações.

B. Nestes termos, a Recorrida procedeu à divisão das suas Contra-Alegações em 5 (cinco) capítulos, designadamente: I. Considerações Introdutórias; II. Das Alegações de Recurso Jurisdicional – Vertente da Alegada Nulidade; III. Das Alegações de Recurso Jurisdicional – Vertente do Alegado Erro de Julgamento Quanto à Matéria de Facto; IV. Das Alegações de Recurso Jurisdicional – Vertente do Alegado Erro de Julgamento Quanto à Matéria de Direito, e V. Conclusões.

C. No âmbito do capitulo I. Considerações Introdutórias, e a titulo de enquadramento inicial e clarificação do verdadeiro animus da Recorrente (de facto, interesse em agir), começou a Recorrida por demonstrar que a Recorrente é utilizadora do Contencioso Pré-Contratual, com motivações estranhas à defesa da legalidade, mas que antes se prendem, a mais das vezes, com a pretensão de beneficiar os efeitos decorrentes do Efeito Suspensivo Automático resultante da instauração de uma Acção de Contencioso Pré-Contratual, sendo já “figura” conhecida no Tribunal a quo, onde, sem qualquer critério material, tem vindo a deduzir sucessivas Impugnações no âmbito de Procedimentos Pré-Contratuais, sempre que – e tal ocorre na maior parte das vezes – é Concorrente preterida num determinado Procedimento Concursal, o que tem conduzido, a uma proliferação de Acções sem qualquer substrato legitimante, e de que a presente era exemplo.

D. Com este propósito, evidenciou a Recorrida que desde 2016, e só no Tribunal a quo, a Recorrente já instaurou 7 (sete) Acções – seja para conhecimento da pretensa ilegalidade das causas de exclusão das suas Propostas seja para conhecimento da suposta ilegalidade das Decisões de Adjudicação em favor da aqui Recorrida –, a saber: Processo n.º406/16.3BESNT; Processo n.º462/16.4BESNT; Processo nº481/16.0BESNT; Processo n.º257/17.8BESNT; Processo n.º369/17.8BESNT; Processo n.º 482/17.1BESNT, e Processo n.º 1025/17.2BESNT,

E. E que os Processos n.º406/16.3BESNT, 257/17.8BESNT, 369/17.8BESNT e 1025/17.2BESNT, já conheceram decisão de improcedência da Acção, a primeira, inclusive, já transitada em julgado.

F. Mais evidenciou ser facto que a falta de razão da Recorrente em anteriores processos não significava que em algum desses, algum dia, não lhe viesse a ser reconhecida razão, mas que este não parecia – de modo algum – o Processo onde essa tendência seria quebrada, em face, precisamente, da Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância,

G. Tudo para concluir que a actuação da Recorrente, mediante a instauração da presente Acção de Contencioso Pré-Contratual – e, agora, da interposição do presente e infundado Recurso Jurisdicional –, consubstanciava o exemplo cabal da litigância de má-fé, pois que se assistia, por parte da Recorrente, a um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, mediante fraude à lei (artigo 542.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil).

H. Neste sentido, e com relevância para a apreciação da “motivação em agir” da Recorrente, demonstrou a Recorrida que se tem assistido, no Tribunal a quo e noutros Tribunais, a uma sucessão de Acções de Contencioso Pré- Contratual instauradas pela Recorrente contra decisões proferidas no âmbito de Concursos Públicos nos quais se adquirem bens e/ou serviços relativamente aos quais fora a anterior adjudicatária, mas que, ao abrigo de novos Concursos Públicos (os que impugna) deixou de o ser, sendo tal devido, em todos os casos, ao simples facto de, nuns casos, a Recorrente já se encontrar ultrapassada em soluções e/ou fornecimentos que propõe ou, noutros, ter visto outras entidades concorrentes apresentarem soluções e/ou fornecimentos de igual valia técnica e melhor preço, e, nessa medida, as suas Propostas não logram obter a tão almejada posição adjudicatória, por demérito, motivo pelo qual optou por começar a (tentar) obter por via do Processo – em tentativa de alcançar uma decisão favorável em manifesto erro judiciário – o que falta em mérito às suas Propostas.

I. Por outras palavras, evidenciou a Recorrida que a Recorrente passou a impugnar, sem qualquer critério, todos os Concursos Públicos onde ficou classificada em 2.º, ou, até, em 3.º lugar, procurando, repetidamente, “razões de exclusão de propostas” sem qualquer coerência lógica, quanto mais jurídica – como aquelas que apresenta nestes autos e que já se conhecem derrotadas pelo Júri do Concurso, pelo Tribunal a quo e por outros Tribunais –, motivo pelo tem as mesmas têm conhecido sucessivas decisões de improcedência e não acolhimento.

J. Nesta sequência, demonstrou a Recorrida que a instauração destas Acções de Contencioso Pré-Contratual tem um outro intuito – que roça o uso indevido e abusivo do Processo –, que é o de a Recorrente procurar ser a beneficiária de Ajustes Directos no período durante o qual se mantiver o Efeito Suspensivo Automático associado à instauração das Acções de Contencioso Pré-Contratual, uma vez que, a mais das vezes, a entrada de um novo prestador de serviços significa a necessidade de alteração dos equipamentos médicos, o que significa que se mantem o anterior adjudicatário – a Recorrente – enquanto a Acção não for decidida, o que acarreta manifestos prejuízos para o erário público, mas avultados acréscimos financeiros para a Recorrente,

K. E que nos presentes autos, mais uma vez se verificou a “habitual conduta” que todos os Operadores já associam à Recorrente A....., e que não deixou de ser sublinhado pelo Tribunal de 1.ª instância, através da utilização das seguintes expressões: i) “de simples apreensão, e que radica na interpretação efectuada pela A” (fls. 13, da Sentença); ii) “Verifica-se claramente que o argumento alegatório da A parte de uma extrapolação para extrapolações sucessivas” (fls. 14, da Sentença); iii) “O que se passa é que a A. pretende, através do sentido que dá à «norma» concursal” (fls. 14, da Sentença); iv) “levam-nos à conclusão de que a A. inverte o sentido e o método interpretativo” (fls. 19, da Sentença); v) “a A. acrescenta ao texto «legal», entenda-se à norma procedimental, expressões que dela não constam, e, que, por conseguinte, se procura erigir no papel de «legislador», e em vez de o presumir sabedor e que se soube expressar convenientemente, presume que o mesmo não é sabedor e que, por lapso, e só por lapso, não escreveu a palavra – que à A. conviria que constasse na norma” (fls. 19, da Sentença); vi) “não é juridicamente aceitável pretender o intérprete alterar uma norma, escrevendo o que nela não tem, para depois acomodar o seu interesse” (fls. 19, da Sentença); vii) “o que a A. confunde” (fls. 22, da Sentença); viii) “não pode acrescentar expressões verbais” (fls. 22, da Sentença); ix) “a A. retirou por extrapolação (…) mas não diz isso no texto de resposta e em lado algum.” (fls. 23, da Sentença).

L. Neste seguimento, evidenciou a Recorrida que não obstante a forte reprimenda por parte do Tribunal a quo, que foi particularmente crítico – nos segmentos citados e noutros – da/na actuação da Recorrente, tendo desmascarado todos os artifícios com que a Recorrente pretendeu ludibriar o Tribunal, a Recorrente manteve a sua habitual petulância, dirigindo-se ao Tribunal de 1.ª instância em termos de desrespeito e escárnio a que nunca antes se assistiu, numa conduta desconsiderativa permanente que não pode senão atestar o Síndrome da Superioridade Ilusória – ou efeito Dunning-Kruger – que aparentemente a afecta, e sobre a qual devem o Tribunal de 1.ª ou 2.ª instância retirar as suas ilações a propósito do disposto no artigo 9.º, n.º 2, do CPC.

M. Por conseguinte, e no âmbito do capitulo II. Das Alegações de Recurso Jurisdicional – Vertente da Alegada Nulidade, a Recorrida pronunciou-se a propósito a. Da Alegada Nulidade por Falta de Fundamentação – Pontos 6 a 9, das Alegações do Recurso Jurisdicional, tendo começado por demonstrar que, não obstante ser entendimento da Recorrente que existiria “nulidade por falta de fundamentação” pela circunstância de o Tribunal a quo não ter carreado para a Matéria de Facto Provada os factos constantes do Ponto 6, das suas Alegações de Recurso Jurisdicional, tal entendimento carecida de fundamento, pois que relativamente aos Factos Provados não existe qualquer dever de identificação de todos os factos considerados provados, mas, apenas, dos factos considerados essenciais para a decisão da causa (cf. Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora, em 26.02.2015 e 08.10.2015, no âmbito do Processos n.º 164/14.6T8FAR-A.E1 e 1136/14.6TBEVR.E1).

N. A este propósito demonstrou a Recorrida que a factualidade provada nos presentes autos foi aquela que o Tribunal a quo considerou relevante para a decisão do processo, e que da fundamentação da matéria de facto constava, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão de considerar provados os factos elencados de fls. 9 a 12, da Sentença, assim se dando integral cumprimento ao disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, com o que daí não se poderia retirar qualquer nulidade, o que sempre seria absolutamente distinto da eventual Impugnação da Matéria de Facto que viesse a ser efectuada pela Recorrente.

O. Nesse mesmo sentido, evidenciou a Recorrida que conforme bem deu nota o Tribunal a quo, “as partes discutem questões fundamentalmente de direito, interpretativas e opinativas”, com o que as questões de facto assumiam marginal relevância nos presentes autos, como, de resto a Recorrente não conseguiu carrear para os autos qualquer Jurisprudência e/ou Doutrina em apoio da sua tese, pois que a mesma surgia como absolutamente descabida e infundada,

P. De seguida, demonstrou a Recorrida que tal valia para a Matéria de Facto Não Provada, pois que a circunstância de o Tribunal a quo não ter carreado a matéria de facto constante dos artigos identificados pela Recorrente para os Factos Não Provados não significava que os mesmos tivessem sido dados como tal, mas, apenas, que não foram considerados relevantes para a decisão da causa, motivo pelo qual não se verificava qualquer nulidade na Sentença em apreço.

Q. Por último, veio a Recorrida evidenciar que vem ainda a Recorrente alegar – sem fundamento – que “nenhuma palavra é referida sobre os meios de prova apresentados pela A.....”, procurando daí retirar uma putativa nulidade, quando em 24.10.2017 foi proferido Despacho Saneador, onde o Tribunal a quo indeferiu a produção de prova pericial, mais indeferindo a produção de prova testemunhal e por depoimentos de parte, notificando as Partes para estas informarem o Tribunal sobre se se opunham a que imediatamente fosse proferida Decisão de Mérito, e por Requerimento datado de 06.11.2017, a Recorrente foi a única das Partes a manifestar de forma expressa não se opor a que imediatamente fosse proferida Decisão de Mérito, assim se conformando com a não produção da prova pericial, testemunhal e por depoimentos de parte.

R. Neste sentido, concluiu a Recorrida que tendo sido a Recorrente a manifestar, de forma expressa e clara, não se opor a que fosse proferida Decisão de Mérito com preterição da prova requerida pelas Partes (ou seja, com recurso apenas à prova documental produzida), então, agora não poderia pretender fazer valer-se dessa não produção de outra prova – circunstância que expressamente aceitou – para invocar putativas nulidades à Sentença proferida em 1.ª instância, motivo pelo qual não poderia senão improceder o entendimento (não sério) propugnado pela Recorrente, não recaindo sobre a Sentença em escrutínio qualquer nulidade.

S. No âmbito do capítulo III. Das Alegações de Recurso Jurisdicional – Vertente do Alegado Erro de Julgamento Quanto à Matéria de Facto, a Recorria vem pronunciar-se a propósito a. Do Alegado Erro de Julgamento Quanto à Matéria de Facto – Pontos 10 a 13, das Alegações de Recurso Jurisdicional, demonstrando que de fls. 6 a 8, das suas Alegações, a Recorrente enuncia um conjunto de “factos” que entende que deveriam ter sido carreados para os Factos Provados, mas que esse pretensos “factos” consubstanciam, na sua generalidade, alegações meramente conclusivas que não mereceram qualquer crédito em 1.ª instância, sendo exemplo cabal o pretenso “facto” constante da alínea c), fls. 6, da Sentença, de cuja leitura se percebia tratar-se de uma mera conclusão da Recorrente.

T. No âmbito do presente capitulo, a Recorrida demonstrou também que a Recorrente não deu cumprimento ao disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, pois que não indicou, com a exactidão exigida, quais os meios probatórios de onde retirava os pretensos “factos” que considerava que deveriam ter sido carreados para a Matéria de Facto Assente, sendo estes, na sua generalidade e conforme demonstrado, conclusivos.

U. Neste sentido evidenciou a Recorrida que conforme resultava da Jurisprudência citada e da Lei, não bastava ao Recorrente, que impugna a matéria de facto, remeter o Tribunal de 2.ª instância para os Documentos juntos aos autos, sem proceder a uma individualização em cada um deles, das passagens conexionadas com o Facto que se pretendia aditar à Matéria de Facto Provada.

V. A este propósito, veio a Recorrida cabalmente demonstrar que na alínea a), de fls. 6, a Recorrente pretendia o aditamento à Matéria de Facto Provada de um “facto” que entendia extrair-se do Documento n.º 3, junto com a Petição Inicial, e do Processo Administrativo, sem que indicasse qual o segmento desse documento ou quais as fls. do Processo Administrativo de onde tal resultava, em clara violação do ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;

W. E, que na alínea b), de fls. 6, a Recorrente pretendia o aditamento à Matéria de Facto Provada de um “facto” que entendia extrair-se do Documento n.º 3, junto com a Petição Inicial, e do Processo Administrativo, sem que indicasse qual o segmento desse documento ou quais as fls. do Processo Administrativo de onde tal resultava, em clara violação do ónus imposto pelo artigo 640º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil;

X. E, que na alínea c), de fls. 6, a Recorrente pretendia o aditamento à Matéria de Facto Provada de um “facto” que entendia extrair-se do Documento n.º 4, junto com a Petição Inicial, e do Processo Administrativo, sem que indicasse de qual o segmento desse documento ou quais as fls. do Processo Administrativo de onde tal resultava, em clara violação do ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;

Y. E, que na alínea d), de fls. 6, a Recorrente pretendia o aditamento à Matéria de Facto Provada de um “facto” sem indicar de onde o mesmo se extraía ou resultava, em clara violação do ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil,

Z. Para concluir, nessa medida, que relativamente aos “factos” em causa, não existia qualquer possibilidade de proceder ao seu aditamento à Matéria de Facto Provada, mediante Ampliação, já que a Recorrente não havia cumprido com o ónus que lhe era imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

AA. Por conseguinte, e relativamente às demais alíneas de fls. 6 a 8, das Alegações de Recurso Jurisdicional, evidenciou a Recorrida que importava recordar que a pretensa matéria de facto aí consagrada apenas era relevante na crença da Recorrente, pois que só de acordo com a sua interpretação é que essa factualidade poderia assumir algum relevo, conforme devidamente evidenciado pelo Tribunal de 1.ª instância ao longo de toda a Sentença através da utilização das seguintes expressões: i) “de simples apreensão, e que radica na interpretação efectuada pela A.” (fls. 13, da Sentença); ii) “Verifica-se claramente que o argumento alegatório da A. parte de uma extrapolação para extrapolações sucessivas” (fls. 14, da Sentença); iii) “O que se passa é que a A. pretende, através do sentido que dá à «norma» concursal” (fls. 14, da Sentença); iv) “levam-nos à conclusão de que a A. inverte o sentido e o método interpretativo” (fls. 19, da Sentença); v) “a A. acrescenta ao texto «legal», entenda-se à norma procedimental, expressões que dela não constam, e, que, por conseguinte, se procura erigir no papel de «legislador», e em vez de o presumir sabedor e que se soube expressar convenientemente, presume que o mesmo não é sabedor e que, por lapso, e só por lapso, não escreveu a palavra – que à A. conviria que constasse na norma” (fls. 19, da Sentença); vi) “não é juridicamente aceitável pretender o intérprete alterar uma norma, escrevendo o que nela não tem, para depois acomodar o seu interesse” (fls. 19, da Sentença); vii) “o que a A. confunde” (fls. 22, da Sentença); viii) “não pode acrescentar expressões verbais” (fls. 22, da Sentença); ix) “a A. retirou por extrapolação (…) mas não diz isso no texto de resposta e em lado algum.” (fls. 23, da Sentença),

BB. Tendo concluído que nenhuma relevância apresentava a inclusão da referida factualidade, uma vez que a mesma visava suportar uma posição da Recorrente que não encontrava eco nos elementos concursais; i.e., que o que a Recorrente pretendia com a referida factualidade era consagrar exigências concursais que os documentos do concurso não contemplam, como muito bem identificou o Tribunal a quo.

CC. Por último, demonstrou a Recorrida que não se verificam os pressupostos para que houvesse lugar à ampliação da matéria de facto, como alegado pela Recorrente a fls. 10, pois que – e ao contrário do estatuído no artigo 662.º, n.º 1, do CPC –, no caso vertente os i) “factos assentes” não impunham decisão diversa no sentido de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto; a ii) “prova produzida” também não impunha decisão diversa no sentido de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, e iii) também não existia qualquer “documento superveniente” que impusesse decisão diversa no sentido de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, motivo pelo qual não se verificavam, assim, os pressupostos do dever do Tribunal de 2.ª instância proceder à ampliação da matéria de facto, improcedendo o peticionado pela Recorrente.

DD. Nesta sequência, demonstrou a Recorrida, que de igual forma improcedia o pedido formulado de que haja “a baixa dos autos para o competente julgamento à luz dos meios de prova apresentados pela A..... e pelo Hospital, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil”, seja porque a Recorrente, por Requerimento datado de 06.11.2017, manifestou de forma expressa não se opor a que imediatamente fosse proferida Decisão de Mérito, assim se conformando com a não produção da prova pericial, testemunhal e por depoimentos de parte – com o que não podendo, agora, fazer-se prevalecer dessa não produção de prova, que aceitou, para requerer que fossem realizadas as diligências de prova que concordou não serem necessárias em 1.ª instância – seja, ainda, porquanto claramente não existia qualquer “dúvida fundada sobre a prova realizada”, pressuposto esse basilar para que houvesse lugar à aplicação do artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do CPC,

EE. Tendo concluído, a final, que nos presentes autos, não só inexistiu qualquer inércia, como, ainda, não se verificava qualquer dúvida objectiva, únicos pressupostos para haver lugar à aplicação do artigo 662º, nº2, alínea b), do Código de Processo Civil, motivo pelo qual improcedia tal pedido.

FF. No âmbito do capítulo IV. Das Alegações de Recurso Jurisdicional – Vertente do Alegado Erro de Julgamento quanto à Matéria de Direito, começou a Recorrida por evidenciar que Recorrente não impugnou um segmento essencial da Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, o que inviabiliza qualquer remota hipótese de procedência do seu Recurso Jurisdicional, reportando-se, nessa medida, ao Reportamo-nos ao Ponto 2.5.– fls. 24 a 26 – da Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, onde o Tribunal se debruçou sobre a Questão Prévia/Excepção de Inimpugnabilidade do Acto Administrativo Impugnado, em face do que comumente se designa por “discricionariedade técnica” e/ou “reserva de administração”, nos termos do qual considerou o Tribunal que tal não corresponde a uma verdadeira e própria Questão Prévia/Excepção, mas, antes, a um “limite ao poder jurisdicional”.

GG. Por outras palavras, evidenciou a Recorrida que relativamente a este segmento da Sentença – estarmos perante um “campo de poder discricionário em que não podem os tribunais interferir” e não existiu “na decisão do júri e do Réu qualquer erro apreciativo, e muito menos grosseiro, manifesto ou ostensivo que pudesse legitimar a intervenção conformadora deste tribunal” – nenhuma impugnação do mesmo foi feita pela Recorrente.

HH. Nestes termos, concluiu a Recorrida que não tendo a Recorrente recorrido deste segmento da Sentença, então tal significaria que esse segmento, com a conclusão que lhe está subjacente, foi aceite pela Recorrente, não se podendo dizer que a matéria em apreço surgia impugnada no Ponto 4, das Alegações de Recurso Jurisdicional, pois que a Recorrente aí se havia limitado a, timidamente, ensaiar uma tese impugnatória, que nem sequer obteve consagração nas Conclusões do Recurso Jurisdicional, com as legais consequências daí advenientes, nomeadamente para efeitos de não impugnabilidade desse segmento da Sentença, na hipótese de benevolamente se considerar que esse segmento foi impugnado no Ponto 4, das Alegações de Recurso Jurisdicional, no que não se concedia.

II. Neste sentido, não se coibiu a Recorrida de demonstrar que relativamente aos Vícios alegados pela Recorrente, os mesmos se reportam aquilo que foi o juízo técnico – e discricionário –, por parte do Júri do Concurso, quanto ao alegado (in)cumprimento, pela Recorrida, de Requisitos Técnicos (Especificações Técnicas), e que, nessa medida, era entendimento reiterado da Jurisprudência, que o controlo jurisdicional da “Análise” (bem como dos juízos valorativos) efectuados pelo Júri do Concurso – em especial numa área de ciência tão especializada como a subjacente ao presente Concurso Público – encontra-se significativamente limitado, uma vez que tais juízos valorativos se inserem na designada “área de discricionariedade técnica” do Júri do Concurso (Entidade Adjudicante), sendo apenas sindicáveis nos casos limite de “erro grave”, “erro grosseiro” e/ou “erro manifesto”, o que, de resto, não vinha alegado.

JJ. Por outras palavras, evidenciou a Recorrida que a(s) análise(s) de um Júri do Concurso no tocante ao cumprimento de requisitos científicos e técnicos situam-se na zona de liberdade administrativa (em rigor, “justiça administrativa”), no âmbito da qual – e com muito acerto – o Tribunal a quo se escusou pronunciar-se por se tratar de uma área de justiça administrativa, onde incumbe à Administração fazer as análises de mérito.

KK. Neste sentido, e porque, in casu, a Recorrente pretendia que o Tribunal de 1.ª instância se substituísse ao Júri do Concurso e apreciasse se a Proposta apresentada pela Recorrida é apta, ou não, a cumprir com os Requisitos Técnicos (Especificações Técnicas) – cf. resulta claro dos Tal resulta claro dos artigos 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 40.º, 42.º, 43.º, 44.º, 50.º, 57.º, 58.º, 59.º, 65.º, 66.º, 68.º, 69.º, 71.º, 73.º, 74.º, 80.º, 83.º, 84.º, 87.º, 89.º, 91.º, 92.º, 96.º, 97.º, 98.º e 100.º, da Petição Inicial – tal foi devidamente rejeitado pelo Tribunal de 1.ª instância, em segmento decisório que, por sua vez, não foi impugnado pela Recorrente.

LL. A este propósito, recordou a Recorrida que a Recorrente apresentou-se nos presentes autos a pretender discutir as pontuações atribuídas pelo Júri do Concurso em sede do factor de avaliação do “mérito técnico” das Propostas, domínio por demais reconhecido pela Jurisprudência como excluído do controlo jurisdicional.

MM. Nesta sequência, concluiu a Recorrida que embora fosse certo que cai no controlo jurisdicional a análise do cumprimento de requisitos de concurso, caberia saber se no que respeita ao preenchimento de requisitos técnicos, esse controlo se poderia exercer, ou se, pelo contrário, a redacção dos mesmos encerra a consagração de uma área de avaliação restrita por parte do poder administrativo.

NN. Para o efeito, recordou que como se retira da Petição Inicial, a apreciação do cumprimento dos Requisitos Técnicos (Especificações Técnicas) implica uma valoração – i.e., uma valoração do cumprimento, pelas Propostas, dos Documentos Concursais –, a qual depende e exige conhecimentos técnicos próprios da “lex artis” desta indústria, inserindo-se, por conseguinte, na “margem de livre apreciação” ou nas “prerrogativas de avaliação”, que decorre do exercício da discricionariedade técnica, domínio onde a Administração emite juízos de valor de carácter eminentemente técnico-especializado, os quais, nesse medida, se encontram subtraídos à apreciação jurisdicional,

OO. Pelo que, não poderia ser exigido ao Tribunal que sindicasse as razões que, em concreto, conduziram o Júri do Concurso a apurar e concluir se uma determinada Proposta cumpre, ou não, com os requisitos/características mínimos/as exigidos/as nos Documentos Concursais, quando a norma regulamentar é criada para que incumba apenas ao poder administrativo fazer a valoração que incumbe ao próprio poder administrativo.

PP. Nestes termos, conclui a Recorrida que aqueles artigos da Petição Inicial enunciados supra são exemplificativos de que a Recorrente – conforme bem decidiu o Tribunal de 1.ª instância, em segmento decisório que não foi impugnado pela Recorrente – se move no domínio da discricionariedade técnica e na tentativa de submeter a juízo a averiguação sobre se a Proposta da Recorrida cumpre com os requisitos técnico-científicos exigidos, tarefa que integra o âmbito da discricionariedade técnica, sendo, nessa medida, insindicável e insusceptível de controlo jurisdicional, sendo certo, que de toda a Petição Inicial decorre à saciedade a natureza técnica das questões que a Recorrente procurou trazer ao conhecimento jurisdicional, conforme foi rejeitado pelo Tribunal de 1.ª instância, em segmento decisório que não foi impugnado pela Recorrente.

QQ. A este propósito, demonstrou a Recorrida que a Recorrente lança mão de conceitos e expressões que apenas são do conhecimento técnico próprios da “lex artis” desta indústria, como o são “Limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC =< 500 Ul/ml (MT4) – 20%”; “Calibração externa dos ensaios quantitativos (MTS) – 15%”; “Genótipos”; “Amostra em plasma”; “Curva de calibração externa”; “Cobas ® HCV GT Teste de Genotipagem para HCV para utilização no cobas® 4800 system Para diagnóstico in vitro”; “50 a 125Ul/ml (genótipos 1ª, 1b, 2, 3, 4 e 6), 500Ul/mL”; “Limite mínimo de detecção”; “Fontes biológicas”; “Detecção em plasma ou em soro”; “Amostra ou concentração”; “Limite de detecção de 1000 Ul/ml”; “Genótipo 5”; “Calibração de fábrica”; “Calibração por padrão interno”; “Método de calibração dos ensaios quantitativos”; “Teste quantitativo de ácidos nucleicos para utilização no cobas® 4800 System”; “Padrão externo à amostra”; i) “Padrão Internacional de Fábrica”, de onde resulta, de forma muito clara que a Recorrente pretendia que o Tribunal de 1.ª instância – e, porventura, este Tribunal Central Administrativo Sul – sindicasse esses conceitos de carácter técnico e científico, bem como os juízos que sobre os mesmos recaíram por parte do Exmo. Júri do Concurso – o que foi rejeitado pelo Tribunal de 1.ª instância, em segmento decisório que não foi impugnado pela Recorrente.

RR. Nestes termos – e porque é opinião unânime na Jurisprudência superior que o Tribunal não pode sindicar juízos de carácter técnico ou científico, por não dispor de conhecimentos especializados para essa tarefa, na medida em que a sindicabilidade contenciosa do agir da Administração Pública pára exactamente na fronteira da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa, o que é corolário do Princípio da Separação de Poderes, que impõe que os Tribunais Administrativos não se possam substituir às decisões técnicas da Administração – concluiu a Recorrida que a Recorrente poderia ter alegardo, para fins de poder conseguir uma aparência de admissibilidade na sua impugnação, que o que pretendia discutir a propósito da decisão da Entidade Adjudicante quanto à integração dos requisitos técnicos em causa era a aplicação da decisão à luz do erro manifesto, ou do cumprimento dos princípios gerais da actividade administrativa, ou, no limite, que os considerava como conceitos valorativos ainda de carácter legal e, a esse título, passíveis de discussão jurisdicional,

SS. Porém, nenhum destes caminhos foi trilhado pela Recorrente na Petição Inicial, e é a Petição Inicial que fixa os termos da discussão segundo as causas de pedir para fins de decisão (alcance do princípio do dispositivo), motivo pelo qual, não se poderia senão concluir, que o que a Recorrente apresenta é uma mera opinião divergente da do Júri do Concurso e da Entidade Adjudicante quanto à decisão que este tomou, expressão do seu descontentamento por não ser a adjudicatária.

TT. Não obstante, e conforme recordou a Recorrida a mera interpretação divergente – como aquela que foi trazida aos autos pela Recorrente – não poderia traduzir em si um juízo de desconformidade de decisão do Júri do Concurso com os Documentos Concursais, pois que a mera discordância em relação à Análise das Propostas, naturalmente eivada de um juízo subjectivo, não tem virtualidade para permitir ao Tribunal imiscuir-se na margem de livre decisão administrativa, motivo pelo qual se impunha a a conclusão de que o Acto Administrativo Impugnado era juridicamente insindicável – conforme decidiu o Tribunal de 1.ª instância, em segmento decisório que não foi impugnado pela Recorrente.

UU. Por conseguinte, evidenciou a Recorrida que, conforme decidiu o Tribunal de 1.ª instância, em segmento decisório que não foi impugnado pela Recorrente, estando o Júri do Concurso perante a apreciação da valia científica de uma Proposta balizada por critérios de tecnicidade – ou seja, no uso dos poderes dados pela sua “discricionariedade técnica” – só a “grave”, “grosseira” e/ou “manifesta errada” apreciação deveriam ser relevados na sindicância contenciosa, sendo certo que, no caso vertente, nenhum erro “grave”, “grosseiro” e/ou “manifesto” se verifica, nem é sequer aflorado pela Recorrente, menos ainda claramente invocado.

VV. O que se assistia, porém, era a uma limitação, por parte da Recorrente em apresentar meras razões de discordância e não aceitação da Análise que o Júri do Concurso efectuou da Proposta da Recorrida, sem nunca demonstrar, ou sequer alegar, que houve erro “grave”, “grosseiro” e/ou “manifesto” por parte do Júri do Concurso.

WW. Por tudo o exposto, concluiu a Recorrida que não se via, em que termos poderia o restante Recurso Jurisdicional – em matéria de suposto erro de julgamento quanto à matéria de direito – ser conhecido, apreciado e decidido, uma vez que o conhecimento das questões que o Recorrente procura trazer à reapreciação deste Venerando Tribunal consubstanciam questões que o Tribunal a quo considerou estarem excluídos dos poderes de cognição jurisdicional, e, os fundamentos pelos quais essas questões se encontram excluídas do controlo jurisdicional não foram impugnados pela Recorrente nas suas Alegações de Recurso Jurisdicional, existindo, por conseguinte, um fundamento que obsta à apreciação do, suposto, erro de julgamento quanto à matéria de direito.

XX. Por conseguinte, e sem conceder, a Recorrida pronunciou-se a propósito a. Do Alegado Erro de Julgamento “quanto ao limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC (2.4.)” – Pontos 14 a 29, das Alegações de Recurso Jurisdicional, tendo começado por evidenciar que, ainda que a Recorrente procure mascarar sob a égide de um suposto erro de julgamento, o que se limita a fazer é a reiterar as alegações que já constavam da sua Petição Inicial, travestindo-as como se se tratasse agora de um erro de julgamento.

YY. Neste sentido, demonstrou a Recorrida que um observador menos atento poderia ser erradamente levado a concluir que a Recorrente, nas suas Alegações de Recurso Jurisdicional, invoca verdadeiros e próprios erros à Sentença recorrida, mas não é isso que verdadeiramente ocorre, pois que a Recorrente se limita a reproduzir a sua Petição Inicial, procedendo a acertos de pormenor, mascarando as suas já conhecidas alegações de erros de julgamento – conforme resulta claro do Ponto 23, das Alegações de Recurso Jurisdicional, onde chega ao cúmulo de invocar que houve violação do artigo 9º, nº2, do Código Civil, isto é, violação de norma sobre “Interpretação da lei”, assim procurando mascarar que, na verdade, o que ocorre é que a Recorrente tem uma interpretação absolutamente aberrante das normas concursais, as quais já foram explicitadas pela Entidade Demandada e relativamente às quais o Tribunal de 1.ª instância também não teve dúvidas em interpretar,

ZZ. Motivo pelo qual não se poderia senão concluir que, in casu, não há, por isso, qualquer verdadeiro “erro de julgamento”, mas, antes, uma mera discordância face à decisão do Tribunal de 1.ª instância, o que já acontecia relativamente àquilo que havia sido a decisão do Júri do Concurso.

AAA. Não obstante, e porque em sede de Recurso Jurisdicional, não valem meras razões de discordância, à Recorrente caberia o ónus de imputar efectivos erros de julgamento à Sentença, o que, in casu, não existem.

BBB. Sem conceder, começou a Recorrida por demonstrar que nos termos do Concurso em apreço, foi adoptado como Critério de Adjudicação o da “proposta economicamente mais vantajosa”, sendo atribuída a percentagem de 60% ao Factor Preço e a percentagem de 40% ao Mérito Técnico, e que a Recorrente apresentou uma Proposta de valor mais elevado, e, nessa medida, mais oneroso para o Erário Público: € 82.035,00, contra os € 73.765,00 propostos pela Recorrida, tendo sido por isso – incapacidade de concorrer a nível do Preço – que procurou o demérito da Proposta da Recorrida no que respeita ao Factor Mérito Técnico, para assim tentar obter uma Média de Ponderação que lhe fosse mais favorável e que lhe garantisse a posição adjudicatária.

CCC. Por conseguinte, e na medida em que a Recorrente de entre os 8 (oito) Subfactores elementares que integram o Factor Mérito da Proposta – MT1 a MT8 –, se insurgiu contra dois deles, MT4 e MT5, respectivamente “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC =<500 Ul/Ml” e “Calibração Externa dos ensaios quantitativos”, veio a Recorrida pronunciar-se sobre os mesmos.

DDD. Não obstante, veio a Recorrida demonstrar, primeiramente, que a Recorrente procurava que a Proposta da Recorrida fosse avaliada com 0% nos Subfactores MT4 e MT5, porquanto, à excepção do MT2, a mesma obteve a Pontuação máxima em todos os demais, 20, i.e., evidenciou a Recorrida que a Recorrente procurava que houvesse uma declaração de não cumprimento, pela Recorrida, dos enunciados Subfactores, pois que desse incumprimento resultaria a atribuição da avaliação de 0, o que colocaria a Proposta da Recorrida em Avaliação inferior à da Recorrente, garantindo, assim, à Recorrente a tão almejada Adjudicação.

EEE. Assim, e a propósito do Subfactor MT4, veio a Recorrida demonstrar que para a Recorrente, da Proposta apresentada pela Recorrida resulta que o limite de detecção para o genótipo 5 do HCV é de 1000 UI/ml, em plasma, o que significa que é superior a 500 UI/ml, o que implicaria a violação daquele Subfactor MT4.

FFF. Ou seja, a Recorrente centra a sua impugnação no Genótipo 5, em amostra de plasma, que, defendendo que tem um limite de detecção ≥ a 500UI/ml – 1000 UI/ml –, no seu entender, significa o incumprimento parcial do Subfactor MT4, e, nessa medida, a atribuição da pontuação de 0.

GGG. Não obstante, e conforme bem identificou o douto Tribunal a quo – em decisão que não merece qualquer reparo – grassa a confusão na tese da Recorrente, pois que, contrariamente ao que a Recorrente procura defender e fazer perpassar, o que vem exigido no Anexo V, do Programa de Procedimento, é que o limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml, pelo que não corresponde a verdade o que vem alegado pela mesma.

HHH. Com efeito, e conforme demonstrou a Recorrida o que o Programa de Procedimento exige, e é muito claro, é que o limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml, sendo que desse kit de genotipagem fazem parte diversas fontes biológicas, e destas, várias não estão sujeitas à obrigação de que o limite mínimo de detecção seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml.

III. Assim, o que releva para efeitos de cumprimento do Programa de Procedimento é que o limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml.

JJJ. Ora, a Recorrente não nega que a Proposta da Contra-Interessada cumpra esse requisito, procurando, antes, a consagração do entendimento de que existe a obrigação – que não se vê de onde resulte do Programa de Procedimento – de que cada uma das fontes biológicas tenham um limite mínimo de detecção igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml, sendo certo que o Programa de Procedimento não o exige e – como acertadamente decidiu o Tribunal de 1.ª instância – a Recorrente faz uma leitura das normas concursais que não apresenta qualquer correspondência com a sua letra e teor, quando o Júri do Concurso já esclareceu que não pretendeu que cada uma das fontes biológicas tivesse um limite mínimo de detecção igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml, mas, sim, que o limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC – no seu global – fosse igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml.

KKK. Nestes termos – e conforme concluiu a Recorrida –, o raciocínio é precisamente o contrário do da Recorrente: quisesse a Entidade Adjudicante que cada uma das fontes biológicas, individualmente considerada, tivesse um limite mínimo de detecção igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml, então certamente o teria exigido, mas o que exigiu foi por referência ao limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC – no seu global –, no sentido de ser igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml.

LLL. Assim, não houve, por isso, qualquer distinção por parte do Júri do Concurso, nem qualquer modificação das peças do procedimento, como vem alegado pela Recorrente.

MMM. Em face do exposto, e como bem decidiu o Tribunal de 1.ª instância, - em decisão que não merece qualquer reparo –, não se pode senão concluir que a Recorrente procedeu a uma interpretação do Subfactor MT4 que não encontra qualquer eco/apoio no Programa de Procedimento, sendo que, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, pois que o que a Entidade Demandada consagrou quanto ao kit de genotipagem de VHC foi que o mesmo, na sua globalidade, apresentasse um limite mínimo de detecção igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml, e não, como pretende a Recorrente, que tal limite fosse cumprido para uma condição específica, entendimento que, de resto, não encontra qualquer apoio no Programa de Procedimento

NNN. Assim – e conforme concluiu a Recorrida – a posição da Recorrente não é de acompanhar, pois que o critério fixado no Programa de Procedimento é o do “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC=< 500UI/ml”, o que o kit oferecido pela concorrente ora Recorrida respeita, ou seja, contrariamente ao entendimento propugnado pela Recorrente, o critério não foi fixado para uma condição específica, caso do genótipo “x” ou “y”, mas, antes, foi fixado para o kit - tivesse sido pretendida a fixação do critério para uma condição específica, tal teria que ter sido expressamente fixado no Programa de Procedimento, o que não ocorreu, circunstância que a Recorrente não consegue ultrapassar, mas que implica a falência da sua tese, em 1.ª, e, certamente, em 2.ª instância –.

OOO. Nesta sequência, a Recorrida deu ainda nota de um dado muito relevante para a apreciação deste Venerando Tribunal que se pretendia com o facto de este tipo de teste poder ser realizado tanto em amostras de soro como de plasma sem qualquer impacto na segurança e qualidade dos resultados e com o mesmo grau de facilidade, e com o facto de a Recorrida cumprir, nessa medida, com este requisito para todos os genótipos em amostras de soro, em cumprimento do critério – conforme Documento n.º 3, da Petição Inicial.

PPP. Mais evidenciou a Recorrida que o facto de o Júri do Concurso não ter especificado a amostra biológica a ser analisada só poderia ser indicativo de que o que se pretendia era conseguir testar a amostra, para todos os genótipos, com um limite de sensibilidade igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml, em pelo menos um dos tipos de amostra biológica, até porque a amostra biológica originalmente retirada aos doentes é o sangue, sendo que deste tanto se pode obter soro como plasma, que, nesse sentido, são amostras biológicas derivadas,

QQQ. Motivo pelo qual não podia senão ser considerada como manifesta a improcedência do entendimento propugnado pela Recorrente, com o que nenhuma censura impende sobre a decisão proferida em 1.ª instância.

RRR. Não obstante, e a este propósito, recordou a Recorrida que a Recorrente nunca solicitou qualquer Pedido de Esclarecimentos ao Júri do Concurso quanto ao que era exigido – e, nessa medida, como se alcançava o cumprimento – no Subfactor MT4, i.e., nunca questionou o Júri do Concurso quanto à forma como este entendia e interpretava o (in)cumprimento do Subfactor MT4, para efeitos da Avaliação das Propostas.

SSS. Nestes termos, não estaríamos perante uma daquelas situações em que um Concorrente dirige um Pedido de Esclarecimentos ao Júri do Concurso e este vem clarificar a forma como interpreta um requisito, e, depois, admite a Proposta de Concorrentes que não cumprem com o requisito no sentido interpretativo que lhe foi dado pelo Júri do Concurso em Resposta ao Pedido de Esclarecimentos – não – no caso vertente, e como tem vindo a acontecer, a Recorrente move-se no domínio daquilo que considera ser a exigência do Programa de Procedimento, que nunca procurou clarificar perante o Júri do Concurso, apresentando-se como uma interpretação que é só sua e que a Entidade Demandada já disse não ser a que presidiu à elaboração do Programa de Procedimento, nem corresponde ao que é exigido por este, quando, o Tribunal de 1.ª instância já conclui, com assinalável acerto, nenhuma lógica jurídica ter a tese propugnada pela Recorrente.

TTT. Em face de todo o exposto, concluiu a Recorrida que de forma muto clara – e não sendo a primeira vez – vem a Recorrente defender que o Júri do Concurso e a Entidade Adjudicante não sabem o que pretendem, nem do que falam, quem o sabe é a Recorrente, que, pese embora nenhuma intervenção tenha tido na elaboração das Peças do Procedimento (segundo se presume e se quer acreditar), se arroga no direito de definir aquilo que é pretendido pela Entidade Adjudicante e de que forma os requisitos por esta estabelecidos se encontram cumpridos, motivo pelo qual é manifesta a improcedência do entendimento propugnado pela mesma, pois que não houve qualquer erro nos pressupostos de facto nem erro na aplicação do direito, inexistindo qualquer erro de julgamento.

UUU. De seguida, veio a Recorrida pronunciar-se a propósito b. Do Alegado Erro de Julgamento “quanto à calibração externa dos ensaios quantitativos (2.5.)” – Pontos 30 a 45, das Alegações de Recurso Jurisdicional, tendo evidenciado, uma vez mais, que a Recorrente limita-se a reiterar as alegações que já constavam da sua Petição Inicial, travestindo- as como se se tratasse agora de um erro de julgamento; não sendo esse o caso.

VVV. Neste sentido, demostra a Recorrida que em todo este segmento do Recurso Jurisdicional, a Recorrente procura fazer perpassar a ideia de que o Tribunal a quo “não entendeu” a questão em discussão nos autos, discorrendo em considerandos, que, bem vistos e analisados, permitem perceber que, mais uma vez, o que a Recorrente pretende é fazer perpassar o seu muito próprio entendimento quanto ao que foi ou não exigido nos Documentos Concursais, insurgindo-se também contra a circunstância de não ter sido produzida a prova requerida, quando foi a própria Recorrente a expressar não se opor à não produção da referida prova.

WWW. Sem conceder, começou a Recorrida por evidenciar que a Resposta do Júri do Concurso ao Pedido de Esclarecimentos apresentado pela Recorrida foi clara ao rejeitar o entendimento desta segundo o qual o Subfactor MT5 pretendia valorizar soluções com metodologias de calibração que garantam a redução do número de testes gastos e da alocação de recursos, não obstante, e contrariamente ao entendimento propugnado pela Recorrente, não rejeitou nenhuma metodologia de calibração em concreto.

XXX. Mais evidenciou que o Júri do Concurso esclareceu claramente na sua Resposta o que pretendia valorizar com este critério – reprodutibilidade de resultados nos limites baixos da técnica –, não fazendo nenhuma referência ao tipo de calibração que é considerada externa ou não, sendo patente e manifesto que a “calibração de fábrica” não foi objecto de rejeição por parte do Júri do Concurso na Resposta ao Pedido de Esclarecimentos apresentado pela Recorrida.

YYY. Em face do exposto, concluiu a Recorrida – sem margem para dúvidas – que o entendimento propugnado pela Recorrente não encontra qualquer correspondência face ao que resulta da Resposta ao Pedido de Esclarecimentos, contrariamente à leitura enviesada que esta leva a cabo nas suas Alegações de Recurso Jurisdicional e que já havia sido julgada improcedente pelo Tribunal de 1.ª instância, e que as dúvidas que a Recorrente permanentemente considera terem existido no Júri do Concurso apenas resultam da sua ânsia impugnatória.

ZZZ. Neste sentido, vem a Recorrida demonstrar ser absolutamente imperceptível como é que a Recorrente afirma que a Resposta ao Pedido de Esclarecimento rejeita uma “calibração de fábrica”, pois que i) a questão colocada foi: sobre se o requisito estava orientado para uma valorização de soluções com metodologias de calibração que garantam a redução do número de testes gastos e da alocação de recurso, tendo a Recorrida dado como exemplo dessas a calibração de fábrica, e ii) a resposta do Júri do Concurso foi: no sentido negativo, isto é, que o Subfactor MT5 não se orientava para valorizar esse tipo de soluções, o que é coisa distinta de uma rejeição da admissibilidade de tais soluções.

AAAA. Assim, concluiu a Recorrida que a conclusão retirada pela Recorrente sobre a inadmissibilidade da solução da Recorrida – retirada a propósito da sua leitura errada do que se estabeleceu em esclarecimentos – é, por conseguinte, uma conclusão errada, bem como errado é, também, o entendimento da Recorrente quanto ao método de “padrão interno”, pois que contrariamente à posição da Recorrente, o que esta apelida de “padrão interno” não se encontra proibido pelas regras do Concurso.

BBBB. Neste seguimento, vem a Recorrida evidenciar que a Recorrente manifesta desconhecer, em absoluto, aquilo que se encontra em discussão nos presentes autos, em face daquilo que vem alegado no Ponto 42, das suas Alegações de Recurso Jurisdicional, sendo tal o desnorte que esta chega ao ponto de invocar que os cartões de códigos de barra QR – cartões de papel – são colocados dentro de amostras durante a sua preparação.

CCCC. Ou seja, para a Recorrente, a transmissão de dados informáticos para um software de equipamento de análises clínicas pode ser feita através da introdução de um código de barras dentro de um tubo de amostra, entendimento que atesta a “credibilidade” da tese da Recorrente.

DDDD. A este propósito, veio ainda a Recorrida esclarecer quais os métodos de calibração utilizados pela Recorrida, em face do alegado pela Recorrente, pese, embora, a improcedência do alegado já tivesse sido evidenciada pelo Tribunal de 1.ª instância, mediante decisão que não merece qualquer censura ou reparo.

EEEE. Neste sentido, começou por demonstrar que o cobas® HCV (P/N: 06979602190), cobas® HBV (P/N: 06979564190) e cobas® HIV-1 (P/N:06979599190) são, como é do conhecimento do Júri do Concurso e do mercado em geral, testes de amplificação in vitro de ácidos nucleicos, e que os kits de reagentes em questão são prontos a usar e foram alvo de uma calibração externa e prévia no local de produção, razão pela qual nenhuma calibração adicional tem de ser realizada no laboratório do “cliente”, pelo que este produto cumpre os Requisitos Essenciais da Directiva de Diagnóstico In Vitro (IVDD) como definidos no Anexo I da Directiva Europeia n.º 98/79 EC para dispositivos médicos de diagnóstico in vitro.

FFFF. De seguida, demonstrou que a “R..... (R…..)” identificou a EN ISSO 17511:2003 como um padrão relevante para os requisitos gerais sobre a rastreabilidade dos valores atribuídos a calibradores e/ou controlos, e que de acordo com a ISSO 17511:2003 Rastreabilidade Metrológica de valores atribuídos a material de controlo e calibradores, o conceito de rastreabilidade é definido como a “propriedade do resultado de uma medição ou o valor de um padrão por meio do qual pode ser relacionado com referências especificadas, normalmente padrões nacionais ou internacionais, através de uma cadeia ininterrupta de comparações, todas elas com incertezas especificadas (…)”, sendo que a R….. assegura a rastreabilidade do resultado de uma medição à mais elevada ordem do padrão primário que é o Padrão Internacional da OMS.

GGGG. Por conseguinte, evidenciou que os testes cobas® HCV (P/N: 06979602190), cobas® HBV (P/N: 06979564190) e cobas® HIV-1 (P/N:06979599190) determinam automaticamente a concentração do alvo (RNA do HVC, DNA do HBV ou RNA do HIV-1 respectivamente) para as amostras e controlos, e que os padrões utilizados durante o desenvolvimento e produção destes testes incluem os seguintes: i) para cobas® HCV: 4.ºPadrão Internacional da OMS para Vírus de Hepatite C para Técnicas de Amplificação de Ácidos Nucleicos (NIBSC 06/102), o Padrão Secundário da R….. para HCV e o Painel de Calibração de HCV da R…..; ii) para cobas® HBV: 2.º Padrão Internacional da OMS para DNA de Vírus da Hepatite B para Técnicas de Amplificação de Ácidos Nucleicos (NIBSC 97/750), o Padrão Secundário da R….. para HBV e o Painel de Calibração de HBV da RMS, e iii) para cobas® HIV-1: 2.º Padrão Internacional da OMS para RNA do HIV-1 (NIBSC code: 97/650), o Padrão Secundário da R….. para HIV-1, e o Painel de Calibração de HIV-1 da R….., sendo que a cadeia de rastreabilidade desde o Padrão Internacional da OMS até à medição do resultado realizado com os kits finais calibrados encontra-se ilustrada na Figura 1, do Documento n.º 5, junto com a Contestação.

HHHH. Mais evidenciou a Recorrida que encontra, através deste processo, um painel de calibração da R….. (R.....), específico para cada kit, e que este Painel de calibração R….. é diferente do Padrão Internacional e é o processo que todas as empresas executam para produzir o seu próprio painel de calibração, que a Recorrente designa por “calibração de fábrica”, sendo que este processo, designado pela Recorrente como “calibração de fábrica”, destina-se a produzir o material usado para a calibração de cada lote de reagente.

IIII. Tudo para concluir que é a partir desse painel de calibração R….. que a Recorrida, no local de produção, realiza a calibração de cada lote de reagentes, encontrando dessa forma o modelo matemático que vai permitir o cálculo do resultado final do paciente, e que é desta calibração que resulta a produção de um código de barras QR com a definição de coeficientes de calibração específicos de cada lote, e que são esses cartões que são enviados para os laboratórios para serem lidos pelo equipamento e os coeficientes da curva de calibração são aplicados no cálculo do resultado final da amostra.

JJJJ. Neste sentido, demonstrou a Recorrida que é opção sua realizar esta curva de calibração no local de produção dos kits de reagentes, como é opção de outras empresas fornecer a cada laboratório um painel de calibração que produziram a partir do Padrão Internacional, para que a calibração de cada kit seja feita, internamente, no local da execução dos testes, sendo que ambos estes produtos (no caso da Recorrente, frascos de reagente contendo calibradores, no caso da Recorrida, cartão de código de barras QR) são enviados para o laboratório, sendo que no caso dos frascos, estes vão ser usados para realizar uma curva de calibração e no caso dos cartões de códigos de barras QR essa mesma calibração foi já realizada no local de produção.

KKKK. Tendo também evidenciado que com uma calibração pretende-se encontrar os coeficientes do modelo matemático que permite o cálculo do resultado final do paciente, independentemente de a calibração ser feita no local de produção ou no local da execução dos testes, motivo pelo qual não se poderia senão concluir que quer a Recorrente quer a Recorrida utilizam metodologias de calibração similares até ao ponto da produção de um painel de calibração específico de cada empresa e teste.

LLLL. Por outras palavras, começou a Recorrida por demonstrar que a partir desse ponto a Recorrente envia esse mesmo padrão para o laboratório sob a forma de reagente em frasco, sendo que a no caso da Recorrida, é enviado para o laboratório um cartão com um código de barras QR, para vir concluir que, quer num caso, quer noutro, a função de cada um desses materiais é a mesma, isto é, ter no Software do equipamento os coeficientes de calibração necessários para o cálculo do resultado final das diferentes amostras, sendo que quer no caso da Recorrente, quer no caso da Recorrida, esses coeficientes de calibração assentam num padrão externo à amostra – sendo certo que no caso da Recorrida, é ainda adicionada automaticamente a cada amostra e controlo, durante a preparação da amostra, um standard de quantificação (QS) que funciona simultaneamente como controlo interno e como uma aferição das condições específicas de cada amostra.

MMMM. Nesta sequência, concluiu a Recorrida que no seu caso, os coeficientes que definem a curva de calibração que é utilizada no cálculo do resultado final de cada amostra são estabelecidos contra o Padrão de calibração da R….., padrão completamente externo à amostra, tudo conforme a Recorrida demonstrou na sua Resposta ao Pedido de Esclarecimentos (junta como Documento n.º 5, com a Contestação) – onde a Recorrida demonstrou o cumprimento das necessidades colocadas a Concurso e do requisito em causa, designadamente pela dispensa de calibrações sucessivas devido a existir uma calibração externa prévia por lote de kits, no local de produção –, esclarecimentos, esses, que foram admitidos pelo Exmo. Júri do Concurso.

NNNN. Por tudo o exposto, concluiu a Recorrida ser manifesta a improcedência do entendimento propugnado pela Recorrente, com o que não houve, por parte do Júri do Concurso, qualquer violação do Programa de Procedimento, nem qualquer introdução tácita de uma alteração ao Programa de Procedimento, como não houve qualquer rejeição do método de calibração “calibração de fábrica”, com o que a avaliação da Proposta da Recorrida foi a correcta, não existindo, por isso, erro nos pressupostos de facto e/ou nos pressupostos de direito, e nem nenhum erro nos pressupostos de facto ou na aplicação do direito existe, não havendo qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.



Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146, nº1 e 147º, ambos do CPTA, nada disse.


Após vistos da Exma. 2.ª Adjunta, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber:

- Se a sentença recorrida é nula por falta de fundamentos de facto que justificam a decisão;

- Se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto ao não ter incluído no probatório os factos admitidos por acordo, os provados por documentos e os confessados;

- Se o tribunal errou no julgamento de direito ao não ter considerado inválido o acto impugnado, concretamente no que respeita à avaliação da solução técnica apresentada (subfactor de avaliação 2.4.) e ao preenchimento efectuado do requisito de “calibração externa dos ensaios quantitativos” (subfactor 2.5.)



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual se reproduz ipsis verbis:

1)- A Autora [A], A....., Lda, [A.....], tem sede na E....., A….., Edifício ….., Amadora.

2)- O Réu [R], Hospital ….

3)- A contra-interessada [CI], R....., Lda, [R.....], tem sede na E....., Amadora.

4)- O Réu lançou e publicou no Diário da República [DR], II Série, nº 180, de 19/09/2016, junto a fls 26 do PA Anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, através do anúncio de procedimento nº 5801/2016, o Concurso Público Nº .../2017, visando um contrato de aquisição de bens móveis, tendo por objecto o «fornecimento de reagentes para o Serviço de Imunohemoterapia–Virologia (Cargas Viricas)» e sendo o critério de adjudicação o da «proposta economicamente mais vantajosa», sendo os «fatores e eventuais subfatores acompanhados dos respetivos coeficientes de ponderação: Preço-60%»; e «Mérito Técnico -40%».

5) - O Programa do Concurso [PC ou PP] foi publicitado e encontra-se junto de fls 3 a 10 vº do PA anexo, e, entre o mais, regula no Anexo V a metodologia de avaliação [e pontuação] das propostas, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual ora se destaca o seguinte:
«(….) 2-Mérito Técnico (MT)-40%. 2.1.Limite de linearidade mínimo de (….).
2.4.Limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC =< 500 Ul/ml (MT4)- 20%. Não – 0 pontos; Sim – 20 pontos.
2.5.Calibração externa dos ensaios quantitativos (MT5)-15%. Não- 0 pontos; Sim - 20 pontos. (….)».

6)- O artigo 11 do PC, como já referido no Anúncio, estabelece como critério de adjudicação o da “proposta economicamente mais vantajosa, e estabelecido como fatores de avaliação das propostas: (i) o preço; e, (ii) o mérito técnico.

7)- O Caderno de Encargos [CE], e anexos, foi publicitado e encontra-se junto de fls 11 a 19 do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8)- Através deste Concurso Público nº .../2017 pretende o Réu, como supra referido, celebrar o referido contrato público de aquisição dos seguintes reagentes para o serviço de Imunohemoterapia do Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães, cfr Cláusula 5ª, nº 1, e Anexo I [«Cláusulas especiais»], do CE, de cujo mapa a fls 18 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta, entre o mais:
Posição 1 (….) Deteção da Carga Viral de VIH1 por biologia molecular; (….);
Posição 2 (….) Deteção da Carga Viral de VHC por biologia molecular; (….);
Posição 3 (….) Deteção da Carga Viral de VHB por biologia molecular; (….);
Posição 4 (….) Determinação de genotipagem de VHC por biologia molecular. (….).

9)- Na sequência da abertura do Concurso, somente o A, A....., e a CI, R....., apresentaram proposta ao concurso --cfr docs PA anexo.

10)- Em 23/09/2016, a CI, R....., dirigiu ao Júri o pedido de esclarecimento de fls 20, doc da PI, fls 34 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual ora se destaca:
«Relativamente ao Concurso Público nº02004/2017, Programa de Procedimento, Anexo V, Ponto 2.5,
- Calibração externa dos ensaios quantitativos, é correto o entendimento da R..... de que se pretende valorizar soluções com metodologias de calibração que garantam a redução do número de testes gastos e da alocação de recursos, como por exemplo uma calibração de fábrica?»

11)- Em 29/09/2016, o Júri respondeu ao pedido de esclarecimento acabado de referir, mediante a «Acta Nº 1, Esclarecimentos (R.....)», de fls 33 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual ora se destaca o seguinte:
« (….) Face ao pedido atrás exposto, é do nosso entender prestar o seguinte esclarecimento:
Não. Com a valorização da calibração externa pretende-se obter uma melhor reprodutibilidade de resultados, principalmente nos limites baixos da técnica. A redução do número de testes gastos em calibração é valorizada no ponto 2.6. do critério de avaliação “Mérito Técnico no qual se pretende uma solução que implique calibração apenas na mudança do lote ou por um período mínimo de 6 meses.».

12)- Em 20/12/2016, o Júri solicitou à CI, R....., conforme a «Acta nº 2 - Pedido de Esclarecimentos (R.....)», de fls 626 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, «No seguimento do esclarecimento solicitado (….), quais os critérios técnicos de validação das curvas de calibração e sua correlação com os diferentes lotes de reagentes», a qual respondeu pelo requerimento de fls 628 do PA, e fls 28 doc da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13)- Em 25/01/2017, o Júri elaborou o Relatório Preliminar de fls 532 a 534, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca a grelha/mapa de classificação, [escala 0 a 20] de fls 534 do PA, propondo a classificação final da CI, R....., em 1º lugar sendo pontuada a «R.....: Preço: (60%) 1,80; Mérito Técnico: (40%) 7,36; Média Ponderação: 9,16 Classificação 1º», e a Autora, «Ab.....: Preço: (60%) 0,66; Mérito Técnico: (40%) 7,36; Média Ponderação: 8,02 Classificação 2º»; resultando, quanto à R....., da seguinte classificação do Mérito Técnico [MT] e seus subfatores:
EmpresaMT1MT2MT3M T4M T5MT6MT7MT8TotalPontuação
8%8%8%20%15%21%10%10%100%
R…..20,000,0020,0020,0020,0020,0020,0020,0018,40
A…..0,0020,0020,0020,0020,0020,0020,0020,0018,40
14)- A A..... apresentou resposta em audiência prévia, mediante o requerimento de fls 537 a 535, do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, discordando da pontuação da R..... nos subfactores 2.4 e 2.5 [MT4 e MT5], acima referidos, com fundamentos similares aos da presente acção.

15)- Em 22/05/2017, através da «Acta Nº 3 – Reclamação (AB.....)», de fls 546 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o Júri respondeu à A, deliberando que:
«(….) No que concerne ao alegado incumprimento por parte do candidato R..... (….), do limite de detecção de 500 Ul/ml previsto no subfactor 2.4 de valorização das propostas, consideramos que, tendo em conta que o critério fixado é apenas o do “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC=< 500 Ul/ ml” o mesmo não foi fixado para uma condição especifica, tal como o tipo de amostra ou volume de amostra e, se assim fosse, tal teria sido expressamente fixado no caderno de encargos.
Relativamente às alegações do candidato A..... (….), face às pontuações atribuídas no âmbito do subfactor 2.5, entende o Júri que as peças processuais não referem, nem delas subentende em momento algum a obrigatoriedade de apresentar soluções que utilizem o método de calibração por curva de calibração externa. Pelo que as soluções apresentadas a concurso e que são do conhecimento do serviço de Imunohemoterapia, foram ambas validadas como satisfazendo os requisitos técnicos obrigatórios e nesse pressuposto foram igualmente atribuídas as respectivas pontuações.
Face ao exposto, é do entender do Júri não dar provimento à reclamação apresentada pelo candidato AB..... (….), e desta forma manter o sentido de adjudicação proposto no relatório preliminar, devendo o presente procedimento ser enviado ao Conselho (….), órgão competente para decidir, notificando-se todos os candidatos do teor da presente acta. (….)»

16)- Em 22/05/2017, o Júri elaborou o Relatório Final de fls 547v, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual, atenta a resposta à reclamação/ audição prévia da A, constante da Acta Nº 3, para que remete e dá aqui por integralmente reproduzida, manteve a proposta do Júri no Relatório Preliminar de 25/01/2017, supra referido.

17)- Em face da Acta nº 3 e do Relatório Final e demais elementos que verificou na plataforma eletrónica respetiva, a A deduziu a impugnação administrativa de fls 551 a 569, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com fundamentos similares aos da audição prévia e aos da presente ação, não tendo tido resposta expressa -docs da PI, fls 17/ss.

18)- A Autora tomou conhecimento da adjudicação, aqui impugnada.

19)- Em 31/07/2017, a A deu entrada em Juízo à presente acção – fls 2 e 3.

20)- Em 31/07/2017, o Réu celebrou com a CI, R....., o contrato nº 52/2017, de fls 608, do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Consta ainda da sentença recorrida, a propósito da factualidade não provada, que “com interesse para a decisão da causa não há.

E sob a epígrafe “Motivação” escreveu-se que o “tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto antecedente, cuja genuinidade não é impugnada ou controvertida, nem deixa dúvida, no alegado e contra-alegado e acordado pelas partes, tudo conjugado com o disposto nos artigos 341, 342/ss e 362/ss, do CC e ainda 607-4, do CPC.

As partes discutem questões fundamentalmente de direito, interpretativas e opinativas.


II.2. De direito

Começa a Recorrente por suscitar a nulidade da sentença recorrida, com fundamento de nesta não ter sido consignada factualidade não provada, bem como neste particular não se encontrar esta fundamentada. Alega a Recorrente que “[n]ão contendo a sentença recorrida qualquer identificação dos factos não provados, máxime, dos factos identificados n0 nº 6 deste §2.º supra [art.s 13.º, 14.º, 25.º, 26.º, 68.º, 79.º, 83.º e 84.º da p.i., art.s 69.º e 88.º da contestação do Hospital, e dos art.s 247.º-249.º, 253.º, 254.º e 264.º da contestação da Ab.....] nem tão-pouco a fundamentação pela qual assim os terá considerado, a sentença é nula.

Mas não lhe assiste razão.

A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, como a falta do exame crítico das provas previsto no art. 607.º, n.º 4, do CPC. No entanto, a discriminação dos factos não provados como a dos factos provados, só será necessária relativamente a factos alegados que possam relevar para a apreciação da causa, como se extraí dos art.s 596.º, nº 1, e 607.º, nºs 2 e 4 do CPC.

Ora, bem ou mal, a sentença recorrida referiu o seguinte: “factos não provados, com interesse para a presente decisão: não há”. Ou seja, foi entendido pelo Mmo, juiz a quo que a matéria levada ao probatório como provada era suficiente para a decisão da causa, aliás na sequência dos temas da prova enunciados (ainda que não de forma sistemática) no despacho saneador de fls. 290-297.

Assim, o vício assinalado, gera não a nulidade da decisão mas eventual erro no julgamento nela firmado. Para além de que a nulidade que vem suscitada só se verificará quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto essencial para a apreciação da questão jurídica analisada e decidida, o que está longe de se verificar.

E se com a arguição da presente nulidade a Recorrente pretende assacar ao tribunal recorrido uma pretensa nulidade processual por omissão de decisão sobre os meios de prova que apresentou, como parece resultar da conclusão VIII do recurso interposto, é também manifesto que ela não se verifica. E não se verifica porque no despacho saneador foi fundamentadamente indeferida a ulterior produção de prova que havia sido requerida – pericial, testemunhal, incluindo o depoimento de parte -, considerando o tribunal que estava habilitado a proferir decisão de mérito, do que foram as partes notificadas, tendo vindo precisamente a ora Recorrente a manifestar-se favoravelmente.

Improcede, assim, o recurso nesta parte.

Continuando, vejamos agora se o tribunal a quo errou no julgamento tirado sobre a matéria de facto.

Pretende a Recorrente a ampliação da matéria de facto, como decorre das conclusões VI. e VII.: “Nos termos dos artigos 607.º, nº4, 413.º, 574.º e 587.º, 423.º e 425.º do Código de Processo Civil o Tribunal devia ter dado como provados os factos descritos no n.º 10 do § 3.º, incorrendo em erro de julgamento ao não o ter feito. // Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do artigo 149.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Tribunal ad quem deve proceder à ampliação da matéria de facto provada, aditando os factos descritos no n.º 10 do § 3.º, que aqui se dão por reproduzidos. Essas conclusões referem-se ao alegado nos pontos 10. a 13. do recurso.

Ora, ao imputar à sentença sob recurso um erro de julgamento da matéria de facto, a Recorrente vinculou-se a cumprir os ónus que sobre si incidem, nos termos do artigo 640º do CPC, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Porém, a Recorrente não indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, limitando-se a remissões para as peças processuais respectivas. E se refere que o tribunal a quo errou ao não seleccionar e dar como provados os factos “acima elencados” (cfr. 12. da sua alegação), certo é que não concretiza afinal quais são esses factos que deviam constar do probatório e que não constam.

A este propósito, tem que relembrar-se que não é a este Tribunal de recurso que está cometida a tarefa de descortinar no corpo alegatório qual a factualidade impugnada e concretamente qual aquela que deve ser dada como provada. É sim ao impugnante da matéria de facto que cabe entre outros o ónus de indicar os concretos meios de prova que suportam a sua impugnação, ónus que não é cumprido quando se remete para os documentos juntos aos autos, sem a devida individualização e sem a indicação concreta do que daqueles se extrai como facto provado.

A razão assiste, pois, à Recorrida R..... quando alega que:

i) Na alínea a), de fls. 6, a Recorrente pretende o aditamento à Matéria de Facto Provada de um “facto” que entende extrair-se do Documento n.º 3, junto com a Petição Inicial, e do Processo Administrativo, sem que haja qualquer indicação de qual o segmento desse documento ou quais as fls. do Processo Administrativo de onde tal resulta, em clara violação do ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;

ii) Na alínea b), de fls. 6, a Recorrente pretende o aditamento à Matéria de Facto Provada de um “facto” que entende extrair-se do Documento n.º 3, junto com a Petição Inicial, e do Processo Administrativo, sem que haja qualquer indicação de qual o segmento desse documento ou quais as fls. do Processo Administrativo de onde tal resulta, em clara violação do ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;

iii) Na alínea c), de fls. 6, a Recorrente pretende o aditamento à Matéria de Facto Provada de um “facto” que entende extrair-se do Documento n.º 4, junto com a Petição Inicial, e do Processo Administrativo, sem que haja qualquer indicação de qual o segmento desse documento ou quais as fls. do Processo Administrativo de onde tal resulta, em clara violação do ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;

iv) Na alínea d), de fls. 6, a Recorrente pretende o aditamento à Matéria de Facto Provada de um “facto” sem indicar de onde o mesmo se extrai ou resulta, em clara violação do ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

Não o tendo feito, não pode este Tribunal conhecer do suposto erro.

Mas mesmo se fosse suficiente – que não é - para cumprir o ónus processual relativo à impugnação da matéria de facto a remissão para os “factos descritos no n.º 10 do § 3.º, que aqui se dão por reproduzidos”, como feito pela Recorrente no recurso que interpôs, também o recurso não lograria proceder neste capítulo.

Com efeito, a pretensa factualidade a aditar por este tribunal, nenhuma relevância apresenta para a decisão da causa. A mesma visa tão-somente suportar uma posição da Recorrente que, como devidamente explicitado pelo tribunal a quo não encontra eco nos elementos concursais. Como afirmado pela mesma Recorrida: “(…) o que a Recorrente pretende com a referida factualidade é consagrar exigências concursais que os documentos do concurso não contemplam, como muito bem identificou o Tribunal a quo.”

Acresce que o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que dispõe que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Ora, no caso vertente, os factos assentes não impõem decisão diversa.

Necessário é não perder de vistas que “os julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC, pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que significa que deve especificar-se não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada” (cfr. o ac. de 14.06.2017 do TR de Guimarães, proc. nº 620/13.3TTVCT.G1).

E como se afirmou no ac. de 9.07.2014 do TR de Lisboa, proc. nº 1021/09.3 T2AMD.L1-1: “(…) exigível é, também, que se constate verificar-se qualquer um dos pressupostos previstos no artº 662º nº 1 do Código de Processo Civil (anterior artº 712º nº 1, als. a), b) e c) que tinha, no entanto, alguns contornos diferentes) ou seja, a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Tendo presentes tais regras e pressupostos orientadores e exigíveis, para que ao Tribunal da Relação seja lícito alterar a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, e tal como bem nota Abrantes Geraldes (in “ Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 2010, pg. 152), dir-se-á que o legislador (“maxime” com as alterações introduzidas na lei adjectiva aquando da publicação do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/8) veio introduzir mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto (…)”.

Pelo que não se antevê motivo justificativo para aditar, ainda que parcialmente, o probatório fixado em 1.ª instância, o qual é o efectivamente relevante para a decisão da causa.

Vejamos agora, naquilo que se apresenta como o objecto nuclear do recurso, se o tribunal a quo errou incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado inválido o acto impugnado, concretamente no que respeita à avaliação da solução técnica apresentada (subfactor de avaliação 2.4.) e ao preenchimento efectuado do requisito de “calibração externa dos ensaios quantitativos” (subfactor 2.5.). É este o ponto central do recurso.

Na sentença recorrida, após explicitação de diversas regras e princípios que regem os procedimentos concursais, foi exarado, ao que aqui importa reter, o seguinte discurso fundamentador:

No caso que nos ocupa, não se trata de interpretar o texto de uma proposta mas sim de interpretar o texto do PC. Deste modo não se aplicam as regras interpretativas da declaração negocial, mas sim as regras de hermenêutica das normas jurídicas.

O texto normativo do PC diz: «2-Mérito Técnico (MT)-40%. (….). 2.4.Limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC =< 500 Ul/ml (MT4)- 20%. (….). 2.5. Calibração externa dos ensaios quantitativos (MT5)-15%. (….)».

Ora, aplicando, mutatis mutandi, o critério da interpretação das normas jurídicas, deve dizer-se que a interpretação não deve cingir-se à letra [da lei], mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9, do CC] [Para melhor desenvolvimento da doutrina aqui vertida pode ver-se o “Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, dissertação de doutoramento, Prof. MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, 4ª Ed. 1987, Arménio Amado, Editor Sucessor, Colecção Studium, que incorpora a fls.110/ss, a obra “Interpretação e Aplicação das Leis”, do Prof. FRANCESCO FERRARA, traduzida pelo referido Mestre de Coimbra. Vide também Prof Doutor JOÃO DE CASTRO MENDES, in “Introdução ao Estudo do Direito, Lições do Prof Doutor JOÃO DE CASTRO MENDES», 197 7, Título V, Lisboa, Ed da FDL, pp 339 a 401. Ainda sobre a interpretação da lei, vd, v.g, Acórdão do STA, de 22/04/2015, Procº 01004/14 (relator: Consª Ana Paula Portela), definindo cada um dos seus elementos.]

Por conseguinte, o intérprete deve procurar descobrir a vontade de quem legislou, do ”legislador”, conformando-a depois ao caso concreto, partindo desde logo do texto legal, pois não pode considerar como pensamento legislativo algo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Não pode, pois, o intérprete substituir-se ao legislador, mas apenas descobrir a vontade daquele, socorrendo-se, dos pertinentes elementos da interpretação. Deve, assim, ter em conta os elementos literal, --já que a letra da lei é o primeiro estádio da interpretação, funcionando simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação para determinar o alcance de uma lei; lógico, sistemático, histórico, teleológico. Como se refere, a dado passo, no Acórdão do STA, de 22/04/2015, Procº01004/14, in www.dgsi.pt, acima citado em rodapé, e sem necessidade de mais desenvolvimento, pode resumir-se que na tarefa de fixar o sentido e alcance com que deve valer uma norma jurídica, intervêm, para além do elemento gramatical [o texto, a letra da lei], elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. Neste conjunto de elementos sobressai o elemento teleológico, pois consiste na razão de ser da lei [ratio legis], o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma.

Ora, estas regras que se concentram no artigo 9, do CC, aqui adaptadas, levam-nos à conclusão de que a A inverte o sentido e o método interpretativo, porque começa por partir de da realidade para determinar o alcance da norma, em vez de previamente determinar, em abstrato o alcance desta para nela subsumir ou não a realidade. Depois, porque, a A acrescenta ao texto “legal”, entenda-se à norma procedimental, expressões que dela não constam, e, que, por conseguinte, se procura erigir no papel de “legislador”, e em vez de o presumir sabedor e que se soube expressar convenientemente, presume que o mesmo não é sabedor e que, por lapso, e só por lapso, não escreveu a palavra -- que à A conviria que que constasse na norma, a palavra «curva», para nela subsumir o seu entendimento. Em suma, não é juridicamente aceitável pretender o intérprete alterar uma norma, escrevendo nela o que ela não tem, para depois acomodar o seu interesse.

Mas foi, a nosso ver, o que aconteceu. E não se tratou de erro ou lapso do “legislador” do PC, ao não escrever ali a palavra «curva», mas sim de errónea figuração da A.

Com efeito, quanto ao texto descritivo do subfator 2.4, que diz «Limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC =< 500 Ul/ml (MT4)- 20%» a A extrapolou que não é do «do kit de genotipagem». Para a A do que se trata é de enfocar o genótipo 5, e daí extrapolar que a CI apresenta uma proposta, em amostra de plasma, que tem um limite mínimo de deteção 1.000UI/ml, e, portanto, tem mais do que os <500Ul/ml, para a seguir concluir, logo, não devia ter 20 pontos como a sua proposta, mas sim 0 pontos.

Ora, não é isso do que se trata mas sim do «Limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC =< 500 Ul/ml (MT4), que, como foi transparentemente explicitado pelo júri, e pelos demandados.

Relativamente ao subfactor 2.4, na formulação do seu descritivo [“Limite mínimo de detecção do Kit de genotipagem de VHC =< 500UI/ml”] a letra aponta logo o seu objeto, o kit de genotipagem de VHC, pelo que fica cumprido este requisito desde que o limite mínimo de genotipagem de =< 500UI/ml ocorra pelo menos com uma das amostras biológicas, pois não distingue entre o tipo de amostras biológicas, soro ou plasma.

O júri diz na resposta à A que do limite de detecção de 500 Ul/ml previsto no subfactor 2.4 de valorização das propostas, considera que, tendo em conta que o critério fixado é apenas o do “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC=< 500 Ul/ml”, esse limite mínimo não foi fixado para uma condição especifica, tal como o tipo de amostra ou volume de amostra e, se assim fosse, teria de ser expressamente fixado no caderno de encargos. De facto assim é. Para que houvesse clareza e igualdade entre concorrentes, teria tal regra se fosse exigível e atinente a todas as amostras, ou se fixação de limite mínimo não fosse para efeitos do «kit» em si mesmo, então isso teria de ter ficado expresso, nesse sentido na norma e não ficou.

No que respeita às pontuações atribuídas no âmbito do subfactor 2.5, também o Júri explica, corretamente, que as peças processuais não referem, nem delas se subentende em momento algum qualquer obrigatoriedade de apresentar soluções que utilizassem o método de calibração por «curva» de calibração externa. Donde, as soluções das propostas da A e da CI foram ambas validadas por ambas satisfazem os requisitos técnicos obrigatórios e, por isso, foram igualmente atribuídas as pontuações.

Como resulta dos elementos juntos e se encontra harmónica e corretamente explicitado pelo júri, pelo R e pela CI, a amostra biológica originária retirada dos doentes a avaliar é o sangue, sendo que, do sangue, tanto se pode obter o soro como o plasma, que, nesse sentido, são ambas amostras biológicas derivadas, podendo a garantia da qualidade da genotipagem ser alcançada através da análise de qualquer uma destas amostras [plasma ou soro], porque tecnicamente existe são absolutamente equivalentes, de tal modo que o técnico analista pode escolher, com a idêntica segurança, realizar a análise com o soro ou com o plasma, ambas extraídas do sangue.

Donde, o que interessa para a valorização das propostas no subfactor 2.4, é o facto de elas atingirem “Limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC =< 500Ul/ml” em pelo menos uma das amostras [plasma ou soro], na medida em que, havendo essa alternativa de amostras, para se proceder à análise, basta usar a amostra que permita realizar a “genotipagem de VHC =<500UI/ml”, assim ficando garantida a qualidade da genotipagem, não se exigindo, portanto, que a “genotipagem de VHC =< 500UI/ml” se tenha de obter através da análise da ambas as amostras [plasma e soro].

E por isso alega o R e faz todo o sentido, que, tal como não foi exigido um tipo de amostra biológica em concreto [soro ou plasma], também não foi imposto, por exemplo, um volume de amostra, o que permite concorrer, em igualdade de circunstâncias, os concorrentes que possuam diferentes equipamentos exigindo diferentes volumes de amostra.

Assim, é indiferente que, em execução do contrato, se realizasse a análise através do soro ou através do plasma, o que resulta da letra do subfactor, ao não especificar nenhuma amostra, bem como também resulta da referida Ata 3, e o Relatório Final.

Portanto, uma vez que o método da CI cumpre o limite de deteção exigido pela norma em pelo menos um dos tipos de amostras biológicas derivadas [soro ou plasma] nada mais que isso exigindo o PC, a mesma foi pontuada com 20 pontos no subfactor elementar 2.4.

No subfactor 2.5 [“calibração externa dos ensaios quantitativos”], o texto descritivo é também claro pois não estabelece limites, antes admitindo quaisquer metodologias de calibração externa para a pontuação com 20 pontos no subfactor, seja, vg, a metodologia da “curva de calibração externa” ou “padrão interno”.

Sendo a “curva de calibração externa” e o “padrão interno” metodologias diferentes, mas sendo, ao mesmo tempo, ambas metodologias de calibração externa, a norma do subfactor 2.5 não pressupõe apenas a metodologia de “curva de calibração externa”, mas antes qualquer metodologia de calibração externa, incluindo a “curva de calibração externa”, mas admitindo, igualmente, a metodologia de “padrão interno”. Donde, uma vez que a proposta da CI, R....., apresenta o método de calibração de “padrão interno”, “ que é uma das metodologias de “calibração externa” dos ensaios quantitativos, segue-se que preenche o requisito e foi corretamente pontuada no subfactor 2.5, com 20 pontos.

“Padrão interno” e “calibração de fábrica” não são realidades equivalentes nem se excluem reciprocamente, como refere a CI, o que a A confunde. Pois a “calibração em fábrica” pode ser efetuada pelo método de “padrão interno”, mas pode também, depois, ser efetuada novamente pelo mesmo método “padrão interno” no laboratório.

Ora, uma vez quer a proposta da CI, R....., faz a calibração externa, na modalidade de “padrão interno”, no local de fabrico [na fábrica], mas também permite que, depois, a mesma seja feita no laboratório do cliente [por “padrão interno”], como se resulta do folheto informativo que acompanha a proposta desta, segue-se que a mesma cumpre o requisito exigido pela norma, pelo que foi devidamente pontuada com 20 pontos.

Que, a redação do texto descritivo do subfactor 2.5, no dizer do demandado, e faz todo o sentido, atento o princípio da concorrência e do interesse público a prosseguir, «omite intencionalmente qualquer referência a “Curva”». O intérprete, e, no caso, um concorrente como vimos, não pode acrescentar expressões verbais, tais como «curva» ou «curva de calibração externa» ou qualquer outro, aos textos normativos do Concurso, sendo claro e lógico que, não distinguindo, quis que fossem admissíveis todas as metodologias de calibração externa, e não apenas a alegada “curva de calibração externa”, a que a A procura reduzir o texto em questão. Donde a proposta da CI, ao propor a metodologia de “padrão interno”, foi legal e corretamente pontuada com 20 pontos.

O júri, no esclarecimento que prestou, não disse aquilo que a A pretende dele retirar. A CI, R....., perguntou ao Júri se “é correcto o entendimento da R..... de que se pretende valorizar soluções com metodologias (…..)”, a que o Júri respondeu que: “Não. Com a valorização da calibração externa pretende-se (….)” [vide probatório].

Em nenhum lado o júri disse rejeitar, ou sequer apontou nesse sentido, uma solução de mera calibração de fábrica, designada por “padrão interno”. O júri, em face da norma, não rejeitou nenhuma metodologia de calibração em concreto, como vimos, apenas esclareceu que pretende valorizar com este critério a reprodutibilidade de resultados nos limites baixos da técnica, sem fazer qualquer referência ao tipo de calibração, externa ou não, não tendo rejeitado qualquer “calibração de fábrica”. [sublinhado nosso]

A CI colocou a questão colocada ao júri sobre se o requisito estava orientado para uma valorização de soluções com metodologias de calibração que garantam a redução do número de testes gastos e da alocação de recurso, e deu o exemplo da calibração de fábrica, mas a resposta do Júri foi que «não», e, explicitando, disse que o Subfactor 2.5 [MT5] referido, não se orientava para valorizar esse tipo de soluções. Daí, a A retirou por extrapolação que o júri rejeitou disse rejeitar uma solução de calibração de fábrica, mas não diz isso no texto de resposta e em lado algum.

O que vem de ser dito vala, mutatis mutandi, para a questão da calibração usada pela CI, no “teste quantitativo de ácidos nucleicos para utilização no cobas® 4800 System”, que se mostra em conformidade com as regras do Concurso.

É opção da CI realizar a curva de calibração no local de produção dos kits de reagentes; e é opção de outras empresas fornecer a cada laboratório um painel de calibração que produziram a partir do Padrão Internacional, para que a calibração de cada kit seja feita, internamente, no local da execução dos testes. Ambos os produtos [no caso da A, frascos de reagente contendo calibradores, no caso da CI, cartão de código de barras QR] são enviados para o laboratório, sendo que no caso dos frascos, estes vão ser usados para realizar uma curva de calibração e no caso dos cartões de códigos de barras QR essa calibração foi já realizada no local de produção.

Como refere a CI, com uma calibração pretende-se encontrar os coeficientes do modelo matemático que permite o cálculo do resultado final do paciente, independentemente de a calibração ser feita no local de produção ou no local da execução dos testes. A Autora e a CI utilizam metodologias de calibração similares até ao ponto da produção de painel de calibração específico de cada empresa e teste. A partir desse ponto a A envia esse mesmo padrão para o laboratório sob a forma de reagente em frasco; e a CI envia para o laboratório um cartão com um código de barras QR; num e noutro caso a função de cada um desses materiais é a mesma: ter no Software do equipamento os coeficientes de calibração necessários para o cálculo do resultado final das diferentes amostras. [sublinhado nosso]

Assiste razão, em suma, ao Réu e à CI, R....., mas não assiste razão à Autora.

2.5. No que se refere ao poder discricionário, já dissemos no saneador que o mesmo não constitui uma verdadeira excepção mas antes um eventual limite ao poder jurisdicional. Esta matéria do poder discricionário, em sede pré-contratual, é recorrente. E tal como temos entendido, entre muitas, na AAEPC/Procº 1211/14.7 BEPRT e na AAEPC/Procº 2533/15.5 BESNT, e mantemos, por coerência e por não haver razão para modificar, também aqui diremos que os Júris e Adjudicantes, embora sujeitos ao dever de legalidade, e autovinculados às regras do PC e do CE, podem dispor de alguma margem de poder discricionário, para, na apreciação, valorar e desconsiderar [ou considerar] propostas e justificações apresentadas pelos concorrentes, não podendo o tribunal imiscuir-se nessa competência administrativa, a não ser quando se trate de caso de erro grosseiro ou palmar, ou seja, quando se trate de uma decisão arbitrária.

De facto, a discricionaridade, não se pode confundir com arbitrariedade. Mas não vemos que a decisão questionada seja arbitrária. A discricionaridade é sindicável apenas quando o juízo apreciativo efectuado pelo respectivo órgão se revelar enfermo de erro grosseiro ou palmar, revelador de evidente violação da lei, e, nessa medida, arbitrário, mas não nos casos em que compete legalmente ao respectivo órgão ajuizar apreciativamente e fazer as suas opções [Vd Acs do STA, de 26/09/2013, Procº 01127/13, e de 21/06/2011, Procº 0250/11, ou ainda de 29/11/ 2012, Procº01031/12, quanto à insindicabilidade jurisdicional, todos in www.dgsi.pt]. Nesses casos, a decisão jurisdicional limita-se, pois, ao controlo da legalidade e equidade do respectivo procedimento, não podendo invadir o poder administrativo de julgar o mérito das propostas concorrentes, sob pena de violar o princípio da separação e interdependência de poderes, inscrito nos artigos 2º e 111, da CRP e no artigo 3º, do CPTA.

Sumariou o Ac do STA de 20/10/2016, Procº 01472/14, in www.dgsi.pt, a dado passo:

«I- Os procedimentos específicos e rígidos previstos pelas diretivas comunitárias relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos aplicam-se unicamente aos contratos cujo valor ultrapassasse o limiar previsto expressamente em cada uma das diretivas, pelo que as normas destas não se aplicam aos contratos cujo valor não atinja o limiar por elas fixado.

(….) VII. A atividade desenvolvida pelo júri na avaliação das propostas pode corporizar-se não só em operações materiais mas também em operações jurídicas, e comporta momentos que, sob o ponto de vista jurídico, podem ser vinculados ou discricionários.

VIII. O júri do concurso na atividade de avaliação das propostas encontra-se vinculado ao estrito respeito daquilo que são as regras que se prendam com observância de formalidades e garantias procedimentais, das regras disciplinadoras da competência para a emissão de atos, da instrução probatória e fixação de factualidade que funcionem como pressuposto dos atos procedimentais [mormente, da avaliação das propostas e/ou da adjudicação], bem a todos e apenas aos fatores e subfatores densificadores do critério de adjudicação fixado no programa do procedimento ou decorrente de imposição constante de norma legal, não podendo fazer apelo a outros critérios ou a outros fatores/subfatores que não constem daquele programa ou que contrariem disposição legal imperativa, ou sequer atribuir-lhes ponderações e/ou pontuações/ classificações diversas daquelas que se mostram fixadas no mesmo programa, ou ainda fazer apelo a sensibilidades, a juízos dubitativos ou assentes em opiniões veiculadas.

IX. O exercício de atividade caraterizada como envolvendo momentos de discricionariedade ou de exercício de poderes discricionários, do domínio da denominada “justiça administrativa”, mostra-se também ele abrangido pela fiscalização jurisdicional, disso sendo exemplos, a ilegalidade por desvio de poder, a admissão da impugnação fundada no erro de facto ou na existência ou inexistência dos pressupostos de facto, na violação dos princípios gerais de direito, na violação de regra de competência, do dever de fundamentação, ou, ainda, na infração do direito de audiência/participação.

X. No estrito âmbito da atividade de valoração e pontuação quanto a cada fator e subfator da grelha classificativa por parte do júri de propostas apresentadas nos procedimentos de contratação pública situamo-nos no domínio dum juízo de discricionariedade técnica, da referida “justiça administrativa”, em termos da livre apreciação sobre a valia das propostas ou da margem de livre apreciação de conceitos jurídicos indeterminados, e, como tal, os limites da sua sindicabilidade contenciosa, não respeitando a aspetos vinculados, mostram-se restringidos às situações de legalidade externa, ao erro grosseiro ou manifesto e/ou ao desrespeito dos princípios gerais que enformam o procedimento em questão e a atividade administrativa em geral. XI. Constitui “erro grosseiro” ou “erro manifesto” aquele erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de refletir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de atuação não vinculadas.».

Ora, como nos dizem MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS [Prof MARCELO REBELO DE SOUSA e Dr ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in Direito Administrativo Geral, Ed. D. Quixote, 2007, Tomo III, pg. 87-88.], «o grau de liberdade da administração em face da lei varia inversamente à densidade normativa desta. Assim, os actos administrativos podem ser predominantemente vinculados ou predominantemente livres (discricionários ou praticados ao abrigo de margem de livre apreciação); não existem actos administrativos totalmente livres, devido às vinculações permanentes da actividade administrativa (que implicam sempre o carácter vinculado da competência, do fim, da vontade e do exercício da margem de livre decisão: (…)».

Vale isto que vimos de expor por dizer que, além de não vermos onde é que a decisão impugnada, tenha violado qualquer preceito do PC, do CE ou do CCP, sempre se estaria num campo de poder discricionário em que não podem os tribunais interferir, a não naquelas situações acima referidas, mas não é o caso dos autos.

Na verdade, não vislumbramos na decisão do júri e do Réu qualquer erro apreciativo, e muito menos grosseiro, manifesto ou ostensivo que pudesse legitimar a intervenção conformadora deste tribunal. [sublinhado nosso]

O artigo 266-2, da CRP, estabelece que os órgãos e agentes da Administração Pública estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé [artigos 3 e 5/ss, do CPA e 1º-4, CCP: princípios da transparência, da igualdade e da concorrência] [Sobre este ponto, para maior desenvolvi mento veja-se, inter alia, Prof MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in Contratos públicos - Direito Administrativo Geral, Torno III, Ed Dom Quixote, 2008, pg 75/ss]

Mas também não vemos violados estes ou outros alegados princípios.

Apreciando, da análise da alegação de recurso o que se retira é que os vícios alegados pela Recorrente se reportam a juízos técnicos efectuados por parte do júri do concurso, quanto ao alegado (in)cumprimento, pela ora Recorrida, de requisitos técnicos (Especificações Técnicas).

Neste ponto afirmou-se na sentença recorrida que sempre se estaria num campo de poder discricionário em que o poder judicial não poderia interferir, a não ser nem situações de legalidade externa, de erro grosseiro ou manifesto e/ou de desrespeito dos princípios gerais que enformam o procedimento em questão e a actividade administrativa em geral. O que não era o caso dos autos.

Precisamente sobre esta questão, pronunciou-se recentissimamente este TCAS, no acórdão de 5.04.2018, proc. nº 369/17.8BESNT (nesse processo, em que é a mesma a Autora ora recorrente e a mesmo a ora contra-interessada, estando aí em causa o Concurso Público Internacional nº 1 – 1 – 5001/2017), nos seguintes termos:

“(…)

Na chamada discricionariedade da atividade de administração pública há o poder-dever jurídico de escolher a medida ótima do ponto de vista da salvaguarda do bem comum. É um espaço de liberdade, funcional e materialmente jurídico. Nada tem a ver com arbítrio ou com o princípio da liberdade (dos particulares).

Corresponde a casos em que a norma jurídica que prevê a competência concreta a exercitar (i) tem uma natureza facultativa ou permissiva, (ii) em que a estatuição dessa norma permite optar por diferentes alternativas, (iii) em que essa norma é atuante mediante certos conceitos indeterminados, vagos ou técnicos, ou (iv) em que essa norma atribui prerrogativas de avaliação.

Mas já não cabem na discricionariedade administrativa os conceitos classificatórios, ou seja, já não há discricionariedade administrativa na interpretação-aplicação de conceitos que podem ser precisados através (i) de regras de experiência comum (ex.: urgência imperiosa), (ii) de conhecimentos técnico-científicos ou prova pericial (ex.: material tóxico), de conhecimentos de Direito (ex.: cônjuge) ou (iii) de considerações baseadas nos chamados usos da terra. Ali não há liberdade administrativa.

Ora, o controlo jurisdicional da validade da utilização da discricionariedade administrativa em sentido amplo (margem de livre decisão administrativa), sob a égide do princípio da juridicidade, é feito com a aplicação dos seguintes filtros e limites específicos da discricionariedade dos atos administrativos predominantemente discricionários:

1 - a competência legal (cf. princípio da legalidade da A.P. e consequente princípio da competência);

2 - o respeito pelo fim ou objetivo da lei aplicada (sob pena de desvio de poder);

3 - uma fundamentação de facto e de direito, com justificação expressa, clara, coerente e suficiente nos aspetos vinculados do ato e com motivação expressa, clara, coerente e suficiente nos aspetos discricionários do ato;

4 - o acerto nos pressupostos de facto;

5 - o acerto nos pressupostos de direito;

6 - uma apreciação e uma motivação-explicação sem erro notório;

7 - uma concretização de conceitos – não classificatórios - sem erro manifesto;

8 - o respeito pelos direitos-liberdades-e-garantias; e

9 - o respeito pelos princípios gerais da atividade administrativa consagrados no artigo 266º da CRP e nos artigos 3º ss do CPA (especialmente: proibição de discriminação e obrigação de diferenciação, adequação da medida adotada ao fim de interesse público prosseguido, proibição do excesso na escolha e aplicação dessa medida, ponderação expressa e equilibrada dos elementos conducentes à escolha feita, imparcialidade subjetiva, imparcialidade objetiva, proteção da confiança legítima, conformidade material das condutas com os objetivos da ordem jurídica).

Tais filtros e limites são, em rigor, aspetos vinculativos do poder discricionário.

1.4.

Ora, a Recorrente limita-se a advogar a semelhança de conceitos, sem, contudo, haver prova da tese por si defendida.

Mais, se, como afirma, a semelhança entre conceitos podia ser confirmada “por qualquer técnico com um mínimo de experiencia no fabrico ou comercialização de reagentes”, menos se percebe que se tenha conformado com o despacho do Tribunal a quo que decidiu pela dispensabilidade da produção de prova testemunhal. Com efeito, impendia sobre si a prova da tese que expende desde a sua P.I. (artigo 342º/1 do CC).

E, estando-se na presença de conceitos técnicos em matéria não jurídica, e considerando que tanto o Júri do procedimento como o INFARMED (entidades seguramente melhor preparadas para o efeito do que este Tribunal) alinharam pela dissonância entre os conceitos de “limite de quantificação” e “sensibilidade funcional”, não pode este Tribunal, ainda para mais, dado o silêncio da Recorrente quanto à sua necessidade de prova, vir afirmar a coincidência de tais conceitos.

Em conclusão, não só não ocorre o apontado erro de facto, como estamos perante conceitos técnicos diferentes, como entendido pelo júri e pelo INFARMED.

Transpondo este entendimento para o caso presente, mostra-se acertada a posição da 1.ª instância – com fundamentação válida e consistente -, uma vez que não pode ocorrer a substituição do júri do concurso com a finalidade de apurar se a proposta apresentada pela Recorrida era ou não apta a cumprir com os requisitos técnicos (especificações técnicas), estando subtraído ao controlo jurisdicional a discussão das pontuações atribuídas por aquele júri em sede da avaliação do “mérito técnico” das propostas.

Como alegado pela ora Recorrida, conforme decidiu o Tribunal a quo, a análise agora pretendida pela Recorrentemove-se no domínio da discricionariedade técnica e na tentativa de submeter a juízo a averiguação sobre se a Proposta da Recorrida cumpre com os requisitos técnico-científicos exigidos, tarefa que integra o âmbito da discricionariedade técnica, sendo, nessa medida, insindicável e insusceptível de controlo jurisdicional”. Sendo que, reitera-se, nenhum erro manifesto vem sequer alegado, nem a violação de princípio(s) geral(is) da actividade administrativa.

Sem prejuízo do que se acaba de dizer, considerando assim devidamente os poderes de cognição deste tribunal, certo é que não procede o alegado erro de julgamento quanto ao “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC (2.4.)” (conclusões VIII a XVI). Vejamos porquê.

O que vem exigido no Anexo V, do Programa de Procedimento, é que o limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml; isto contrariamente ao que vem alegado pela Recorrente. Com efeito, como avançado pela Recorrida R....., o Programa de Procedimento não exige que o limite mínimo de detecção de todas as fontes biológicas seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml. O que o Programa de Procedimento exige é que o limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml. E desse kit de genotipagem fazem parte diversas fontes biológicas, sendo que destas, várias não estão sujeitas à obrigação de que o limite mínimo de detecção seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml.

Como decidido, o que releva para efeitos de cumprimento do Programa de Procedimento é que o limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC seja igual ou inferior (≤) a 500 UI/ml. E a Recorrente não nega que a Proposta da Contra-Interessada cumpra esse requisito.

Como deu nota o Júri do Concurso em resposta à Audiência Prévia exercida pela Autora e ora Recorrente ao Relatório Preliminar – Acta n.º 3 (cfr. o provado em 15).

“(….) No que concerne ao alegado incumprimento por parte do candidato R..... (….), do limite de detecção de 500 Ul/ml previsto no subfactor 2.4 de valorização das propostas, consideramos que, tendo em conta que o critério fixado é apenas o do “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC=< 500 Ul/ ml” o mesmo não foi fixado para uma condição especifica, tal como o tipo de amostra ou volume de amostra e, se assim fosse, tal teria sido expressamente fixado no caderno de encargos”.

Efectivamente, o critério que foi fixado apenas foi o do “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC=< 500 Ul/ ml”, não tendo o mesmo sido fixado para uma condição especifica, tal como o tipo de amostra ou volume de amostra, É que, se assim fosse, tal teria sido expressamente fixado no caderno de encargos e não foi.

Pelo que não ocorre o erro de julgamento nesta parte.

E também não há erro de julgamento no que se refere às pontuações atribuídas no âmbito do subfactor 2.5 (conclusões XVI a XXV). O júri entendeu que as peças processuais não referem, nem delas subentende em momento algum a obrigatoriedade de apresentar soluções que utilizem o método de calibração por curva de calibração externa. Pelo que as soluções apresentadas a concurso e que são do conhecimento do serviço de Imunohemoterapia, foram ambas validadas como satisfazendo os requisitos técnicos obrigatórios e nesse pressuposto foram igualmente atribuídas as respectivas pontuações (cfr. o mesmo facto 15.).

O subfactor elementar 2.5. consagra no seu descritivo: “Calibração externa dos ensaios quantitativos”.

Veja-se o que o Recorrido Hospital... alegou neste âmbito:

O método de "padrão interno" é, como referido, uma metodologia de calibração externa, com a qual a carga virai dos doentes é quantificada em comparação com um padrão de quantificação (que tem um valor obtido e definido pelo laboratório produtor) que é introduzido em cada amostra aquando da sua preparação no laboratório do cliente.

Por sua vez, a "calibração de fábrica", é, também como já explicitado, a calibração "básica" realizada pelos produtores de reagentes antes da comercialização dos mesmos.

É dizer: todos os reagentes são objeto de "calibração de fábrica"; mas nem todos os reagentes permitem o uso da metodologia (de calibração externa) "padrão interno".

Acresce que os dois conceitos não são excludentes entre si, não se esgotando um no outro: a "calibração em fábrica" pode ser feita por método de "padrão interno", por exemplo, sem prejuízo de poder igualmente, posteriormente, ocorrer a calibração novamente pelo mesmo método "padrão interno" no laboratório do cliente”.

E relembra-se o que vem escrito na sentença recorrida.

“(…)

No subfactor 2.5 [“calibração externa dos ensaios quantitativos”], o texto descritivo é também claro pois não estabelece limites, antes admitindo quaisquer metodologias de calibração externa para a pontuação com 20 pontos no subfactor, seja, vg, a metodologia da “curva de calibração externa” ou “padrão interno”.

Sendo a “curva de calibração externa” e o “padrão interno” metodologias diferentes, mas sendo, ao mesmo tempo, ambas metodologias de calibração externa, a norma do subfactor 2.5 não pressupõe apenas a metodologia de “curva de calibração externa”, mas antes qualquer metodologia de calibração externa, incluindo a “curva de calibração externa”, mas admitindo, igualmente, a metodologia de “padrão interno”. Donde, uma vez que a proposta da CI, R....., apresenta o método de calibração de “padrão interno”, “ que é uma das metodologias de “calibração externa” dos ensaios quantitativos, segue-se que preenche o requisito e foi corretamente pontuada no subfactor 2.5, com 20 pontos.

“Padrão interno” e “calibração de fábrica” não são realidades equivalentes nem se excluem reciprocamente, como refere a CI, o que a A confunde. Pois a “calibração em fábrica” pode ser efetuada pelo método de “padrão interno”, mas pode também, depois, ser efetuada novamente pelo mesmo método “padrão interno” no laboratório.

Ora, uma vez quer a proposta da CI, R....., faz a calibração externa, na modalidade de “padrão interno”, no local de fabrico [na fábrica], mas também permite que, depois, a mesma seja feita no laboratório do cliente [por “padrão interno”], como se resulta do folheto informativo que acompanha a proposta desta, segue-se que a mesma cumpre o requisito exigido pela norma, pelo que foi devidamente pontuada com 20 pontos.

Que, a redação do texto descritivo do subfactor 2.5, no dizer do demandado, e faz todo o sentido, atento o princípio da concorrência e do interesse público a prosseguir, «omite intencionalmente qualquer referência a “Curva”». O intérprete, e, no caso, um concorrente como vimos, não pode acrescentar expressões verbais, tais como «curva» ou «curva de calibração externa» ou qualquer outro, aos textos normativos do Concurso, sendo claro e lógico que, não distinguindo, quis que fossem admissíveis todas as metodologias de calibração externa, e não apenas a alegada “curva de calibração externa”, a que a A procura reduzir o texto em questão. Donde a proposta da CI, ao propor a metodologia de “padrão interno”, foi legal e corretamente pontuada com 20 pontos.

O júri, no esclarecimento que prestou, não disse aquilo que a A pretende dele retirar. A CI, R....., perguntou ao Júri se “é correcto o entendimento da R..... de que se pretende valorizar soluções com metodologias (…..)”, a que o Júri respondeu que: “Não. Com a valorização da calibração externa pretende-se (….)” [vide probatório].

Em nenhum lado o júri disse rejeitar, ou sequer apontou nesse sentido, uma solução de mera calibração de fábrica, designada por “padrão interno”. O júri, em face da norma, não rejeitou nenhuma metodologia de calibração em concreto, como vimos, apenas esclareceu que pretende valorizar com este critério a reprodutibilidade de resultados nos limites baixos da técnica, sem fazer qualquer referência ao tipo de calibração, externa ou não, não tendo rejeitado qualquer “calibração de fábrica”.

A CI colocou a questão colocada ao júri sobre se o requisito estava orientado para uma valorização de soluções com metodologias de calibração que garantam a redução do número de testes gastos e da alocação de recurso, e deu o exemplo da calibração de fábrica, mas a resposta do Júri foi que «não», e, explicitando, disse que o Subfactor 2.5 [MT5] referido, não se orientava para valorizar esse tipo de soluções. Daí, a A retirou por extrapolação que o júri rejeitou disse rejeitar uma solução de calibração de fábrica, mas não diz isso no texto de resposta e em lado algum.

O que vem de ser dito vala, mutatis mutandi, para a questão da calibração usada pela CI, no “teste quantitativo de ácidos nucleicos para utilização no cobas® 4800 System”, que se mostra em conformidade com as regras do Concurso.

É opção da CI realizar a curva de calibração no local de produção dos kits de reagentes; e é opção de outras empresas fornecer a cada laboratório um painel de calibração que produziram a partir do Padrão Internacional, para que a calibração de cada kit seja feita, internamente, no local da execução dos testes. Ambos os produtos [no caso da A, frascos de reagente contendo calibradores, no caso da CI, cartão de código de barras QR] são enviados para o laboratório, sendo que no caso dos frascos, estes vão ser usados para realizar uma curva de calibração e no caso dos cartões de códigos de barras QR essa calibração foi já realizada no local de produção.

Como refere a CI, com uma calibração pretende-se encontrar os coeficientes do modelo matemático que permite o cálculo do resultado final do paciente, independentemente de a calibração ser feita no local de produção ou no local da execução dos testes. A Autora e a CI utilizam metodologias de calibração similares até ao ponto da produção de painel de calibração específico de cada empresa e teste. A partir desse ponto a A envia esse mesmo padrão para o laboratório sob a forma de reagente em frasco; e a CI envia para o laboratório um cartão com um código de barras QR; num e noutro caso a função de cada um desses materiais é a mesma: ter no Software do equipamento os coeficientes de calibração necessários para o cálculo do resultado final das diferentes amostras.

E lida a matéria de facto, também nós podemos subscrever a conclusão tirada pelo tribunal a quo de que o júri do concurso não rejeitou nenhuma metodologia de calibração em concreto, esclarecendo aliás que pretendia valorizar com este critério a reprodutibilidade de resultados nos limites baixos da técnica, sem fazer qualquer referência ao tipo de calibração, externa ou não, não tendo rejeitado qualquer “calibração de fábrica”.

Isto para além de estarmos aqui perante uma realidade técnica complexa, pelo que, a menos que houvesse um erro grosseiro da apreciação feita pela Administração, será esta e não o Tribunal, que cabe avaliar se determinado elemento técnico – não integrável na ciência do Direito – contido em certa proposta dá ou não dá uma resposta satisfatória às exigências do caderno de encargos e do programa do procedimento (cfr. supra, a propósito dos limites de cognição do tribunal e do espaço de discricionariedade). E, como já se disse, não existe, nem sequer se invocou, erro grosseiro da apreciação feita pela Administração.

Pelo que, também, não se verifica o erro de julgamento quanto a esta questão, improcedendo igualmente o recurso nesta parte e assim na sua totalidade.

Por fim, temos que a Recorrida R..... imputa à Recorrente litigância de má fé (art.s 2.º a 23.º das contra-alegações).

Para que possa falar-se de litigância de má fé e se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação no art. 542.º do CPC, deverá ter-se como assente que essa aplicação só é de efectivar quando se concluir que a actuação de alguma das partes desrespeita de modo grave o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo.

Decorre do explanado – aliás em sintonia com o que tem sido o entendimento quer da doutrina, quer da jurisprudência – que a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange assim situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência. A este propósito escreveu Alberto dos Reis que “não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada” e, ainda, que a “simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a iniciativa da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir” (in CPC Anotado, II, p. 263). É esse o sentido revelado, entre muitos outros, pelo Acórdão do STJ de 11.04.2000, in Revista nº 212/00, 1ª, onde se escreveu que “a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo, não bastando uma lide temerária ou ousada ou uma conduta meramente culposa” (v., ainda, o Acórdão do STA de 17.06.2009, proc. n.º 914/08).

Assim, nesta linha de rumo, é também óbvio que se o tribunal for colocado ante situação pouco definida na lide (entre dolosa ou temerária), por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos para que possa concluir-se com segurança, pela existência de dolo, a condenação por litigância de má fé não deve decretar-se. Na verdade, o manifesto gravame jurídico-social que se lhe associa impõe que não haja dúvidas ao qualificar-se a conduta da parte como dolosa ou gravemente negligente.

Donde, para que a conduta da parte se possa integrar no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave (art. 542.º do CPC), o que só se verifica quando a concreta apresentação dos argumentos jurídicos prefigure uma intencional distorção das circunstâncias de facto invocadas e/ou do quadro normativo aplicável e não quando se está perante o esgrimir de argumentos susceptíveis de debate no quadro da discussão jurídica da causa.

Ora, quer o dolo, quer a negligência grave, carecem de ser demonstrados, não podendo ser presumidos.

Aqui chegados, dos autos não resulta, sem margem para dúvidas, que a discussão jurídica da causa pela ora Recorrente não esteja respaldada por argumentos viáveis e susceptíveis de debate. Ao invés e como se referiu supra, estamos perante realidades técnicas complexas.

E, por outro lado, não vislumbramos na conduta processual da Recorrente um uso manifestamente reprovável do direito ao recurso.

Pelo que não há litigância de má-fé.

Uma última palavra a propósito do dever de correcção, chamado à colação pela Contra-interessada ora Recorrida (cfr. o alegado em 20.º a 23.º das contra-alegações de recurso).

Este dever, consagrado no art. 9.º do CPC, estipula que as partes não devem usar nas suas peças escritas, ou alegações orais, expressões que constituam ofensa, à honra ou bom nome da parte contrária, ou do respeito devido às instituições, sem que para tanto tenham a devida justificação (nº 2 do art. 9.º do CPC). Sendo que a violação de tais bens jurídicos, importará, caso se verifiquem os necessários pressupostos, o direito a indemnização nos termos gerais, para além do procedimento criminal e disciplinar a que possa haver lugar.

Mas a utilização de afirmações desnecessárias e injustificadas, mesmo se as reputamos por deselegantes (como as adjectivações contidas nos pontos 2., 3. e 4. do corpo alegatório), que nada têm a ver com a finalidade subjacente, só por si, podem não consubstanciar a violação deste dever. Será o caso.



III. Conclusões

Sumariando (adoptando-se parcialmente o sumário do ac. de 5.04.2018 deste TCAS, citado):

i) É à Administração, porque melhor preparada e apetrechada do que o Tribunal, que compete avaliar se determinado elemento ou requisito técnico, não jurídico, proposto por um concorrente, dá resposta satisfatória às exigências do caderno de encargos e do programa do procedimento.

ii) Neste quadro, e não vindo imputado sequer erro grosseiro da apreciação feita, terá que aceitar-se a posição da Entidade Adjudicante, alicerçada em juízos técnicos efectuados por parte do júri do concurso, de que:

- No subfactor 2.4 de valorização das propostas, o critério fixado é apenas o do “limite mínimo de detecção do kit de genotipagem de VHC=< 500 Ul/ml”, sendo que esse limite mínimo não foi fixado para uma condição especifica, tal como o tipo de amostra ou volume de amostra [e, se assim fosse, teria de ser expressamente fixado no caderno de encargos]; e que

- No subfactor 2.5 relativo a “calibração externa dos ensaios quantitativos”, o texto descritivo admite quaisquer metodologias de calibração externa para a pontuação com 20 pontos no subfactor, seja, v.g., a metodologia da “curva de calibração externa” ou “padrão interno”.

iii) Só ocorre litigância de má-fé se se adquirir nos autos elementos suficientes para o juízo de que o comportamento da parte foi enformado por dolo ou por negligência grosseira.




IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de Maio de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos


Voto de vencido:

Salvo o devido respeito pelo entendimento que obteve vencimento, relativamente à questão suscitada nos itens VI e VII das conclusões de recurso entendemos que o Recorrente cumpriu o ónus prescrito no artº 640º nº 1 al. c) CPC no que respeita à expressão da “decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto” no tocante à ampliação do probatório.
Efectivamente, o sentido da decisão a aditar ao probatório vem elencado no § 3º nº 10 alíneas a) a p) do corpo alegatório – fls. 342vº a 343vº dos autos.
Nestes termos, apreciaria da bondade do efeito probatório sustentado pelo Recorrente, concluindo em favor, ou não, dos aditamentos das alíneas a) a p) referidas, razão pela qual não se acompanha o julgado.

Lisboa, 10.MAI.2018

(Cristina dos Santos)