Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1997/17.7BELSB – S1
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ARTIGO 103.º-A CPTA, INCIDENTE DE LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO
Sumário:I. Constituindo a actividade de prestação de serviços de transporte ferroviário um serviço público para satisfação de uma necessidade essencial à população, carece na sua execução dos indispensáveis meios de telecomunicação, quer para a prossecução da própria actividade ferroviária, nas suas várias expressões e valências concretizadas nos autos, quer no seu relacionamento com o público seu cliente, em desenvolvimento da própria actividade comercial ferroviária, mas também para satisfação das necessidades e conforto dos próprios clientes.
II. As telecomunicações assumem-se como absolutamente essenciais no contexto da segurança e qualidade do serviço ferroviário, que se não forem asseguradas geram efectivamente prejuízos de difícil reparação para o interesse público.
III. Os danos invocados no requerimento de levantamento do efeito suspensivo são em larga medida factos notórios, que, como tal, não carecem de demonstração por meios de prova.
IV. Sendo os serviços de telecomunicações muitíssimo relevantes no exercício da actividade de transporte ferroviário, caso esses serviços de telecomunicações não sejam assegurados, por serem suspensos ou interrompidos, haverá consequências na qualidade do serviço de transporte ferroviário prestado, decorrente de a ora Recorrente não poder usar as telecomunicações no exercício da sua actividade ferroviária e também na sua relação com o cidadão, seu cliente, no âmbito das relações comerciais, sendo maiores os danos decorrentes da manutenção do efeito suspensivo do que os que podem resultar do seu levantamento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

C…. – C… de P…, E..., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 20/11/2017, que no âmbito da ação de contencioso pré-contratual movida pela V… P… – C… P…, SA, contra o Agrupamento de Entidades Adjudicantes, constituído por C… – C… de P…, E…., F… – F… T…, P… A… e C. em T. e P., SA, E… – E. de M. de E. F., SA e S… – S. de M. de S., SA, indeferiu o pedido do levantamento do efeito suspensivo automático deduzido pela C.. – C…. de P…, E...


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Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 30 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. A decisão recorrida padece de erro de julgamento porquanto faz uma incorrecta ponderação dos interesses em confronto, violando, entre o mais, o disposto nos artigos 103.º-A, n.º 4, e 120.º, n.º 2 do CPTA.

2. a C… alega expressa e inequivocamente, no seu requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático, inúmeros danos directamente decorrentes do efeito suspensivo do ato de adjudicação em causa, que o tribunal a quo não considerou, a saber:

- a suspensão do ato impugnado e, consequentemente, do contrato a celebrar é gravemente prejudicial para o interesse público e altamente lesiva de direitos e interesses legalmente protegidos dos passageiros do transporte ferroviário;

- os serviços de rede móvel de voz, dados, e suporte aplicacional são serviços essenciais no âmbito do serviço público de transporte ferroviário de passageiros, porquanto contribuem para garantir quer as comunicações das locais de atendimento ao público da Ré quer as comunicações dos Operadores de Revisão e Venda e dos Maquinistas, a bordo dos comboios, configurando uma necessidade diária indispensável paro garantir os condições de segurança das pessoas e dos bens transportados;

- os serviços em causa abrangem quer os telemóveis utilizados pelos Operadores de Revisão e Venda no desempenho dos suas funções, e que lhes permitem, designadamente, efetuar os contactos necessários em caso de emergência, como chamar o INEM, quer os cartões para aplicações emborcadas, que permitem aos Maquinistas efetuarem e receberem chamadas a bordo também em caso de emergência ou anormalidade;

- sem os serviços em causa, a C… ver-se-ia impedida de difundir as mensagens de IP trafego internas, que consistem na transmissão interna de informação sobre anomalias no circulação ou incidentes;

- a venda de bilhetes ficaria prejudicada, porquanto grande parte dos bilhetes são difundidos via sms, o que deixaria de ser possível;

- deixa igualmente de ser passivei o fiscalização de bilhetes em trânsito e fica prejudicada a venda e reserva a bordo, porquanto as máquinas de venda e reserva o borda funcionam com cartão de telemóvel abrangido pelo contrato sub iudice;

- a manutenção do efeito suspensivo previsto no artigo 103.º-A do CPTA teria, assim, implicações gravíssimas nas comunicações a borda dos comboios, com as consequências daí decorrentes para a segurança da circulação, o que não é concebível.

3. A Autora V…. não invocou quaisquer danos ou prejuízos na sua petição inicial, limitando­se a alegar que tem direito a ser adjudicatária, ainda que alicerçada em argumentos manifestamente improcedentes, e nem sequer se opôs ao requerimento de levantamento do efeito suspensivo apresentado pela ora Recorrente, não tendo, portanto invocado qualquer prejuízo decorrente, para si, do referido levantamento.

4. O próprio Tribunal a quo reconhece a fls. 9 da decisão recorrida a extrema relevância para o interesse público decorrente dos serviços em causa.

5. A decisão recorrida, padece aqui de um claro erro de julgamento, na medida em que fez uma incorrecta ponderação dos interesses em confronto, uma vez que os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo se mostram inequivocamente superiores aos que podem resultar do seu levantamento.

6. O Tribunal a quo parece querer justificar a ausência de consequências do efeito suspensivo automático com o facto de a Recorrente fazer referência, no artigo 16.2 do requerimento do levantamento do efeito suspensivo à actual prestação de serviços por um outro operador.

7. Atente-se a este propósito o sufragado no Acórdão do STA de 05.04.2017, proferido no âmbito do Proc. n.º 031/17 (in www.dgsi.pt), segundo o qual não cabe à Ré, aqui Recorrente, o ónus de alegar e provar que não podia superar a suspensão automática da execução do contrato.

8. À semelhança da situação objecto do citado Acórdão, também aqui, na base do ato de adjudicação impugnado está em causa um serviço a prestar pela Recorrente que impõe imediata continuidade e não se compadece com qualquer espera pelo trânsito da decisão a proferir na ação de contencioso pré-contratual.

9. Mais uma vez se conclui que o Tribunal a quo não fez uma adequada ponderação dos interesses em presença, concluindo-se que o interesse público invocado pela aqui Recorrente implica que os danos resultantes do não levantamento do efeito suspensivo são maiores em relação aos que se produzirão na esfera jurídica da Autora.

10. Acresce ainda que a não produção da prova testemunhal requerida, constitui, neste caso concreto, nulidade processual, uma vez que a sua preterição é suscetível de influir no exame de factos relevantes e, consequentemente, na decisão da causa.”.

Pede a procedência do recurso e a revogação da decisão recorrida, substituindo-se por outra que ordene o levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

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O processo vai, com vistos da Exma. 2.ª Juíza-Adjunta, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

(i) erro de julgamento por uma incorrecta ponderação dos interesses em confronto, em violação dos artigos 103.º-A, n.º 4 e 120.º, n.º 2, do CPTA, por os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo serem superiores aos que podem resultar do seu levantamento e ainda,

(ii) nulidade processual, por não produção da prova testemunhal requerida.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo não deu como assentes quaisquer factos.


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Nos termos do disposto nos artigos 149.º do CPTA e 662.º do CPC, julga este Tribunal ad quem provados os seguintes factos, por falta de impugnação e por serem factos notórios, com relevo para a decisão a proferir:

1. A C…. – C… de P…., E.P.E. é uma empresa pública prestadora do serviço de transporte ferroviário de passageiros, serviço que é de inquestionável interesse público;

2. Transporta milhões de passageiros por ano e milhões por mês, assegurando serviços urbanos, regionais e de longo curso;

3. Os serviços de rede móvel de voz, dados e suporte aplicacional são serviços essenciais no âmbito do serviço público de transporte ferroviário de passageiros, porque contribuem para garantir, quer as comunicações dos locais de atendimento ao público, quer as comunicações dos operadores de revisão e venda e dos maquinistas, a bordo dos comboios, configurando uma necessidade diária indispensável para garantir as condições de segurança das pessoas e dos bens transportados;

4. Os serviços em causa abrangem os telemóveis utilizados pelos operadores de revisão e venda no desempenho das suas funções e que lhes permitem efectuar os contactos necessários em caso de emergência, como chamar o INEM, quer os cartões para aplicações embarcadas que permitem aos maquinistas efectuarem e receberem chamadas a bordo em caso de emergência ou anormalidade;

5. Sem os serviços em causa, a C…. vê-se impedida de difundir as mensagens de IP tráfego internas, que consistem na transmissão interna de informação sobre anomalias na circulação ou incidentes;

6. A venda de bilhetes fica prejudicada, porque parte dos bilhetes são difundidos via sms, o que deixa de ser possível;

7. Deixa de ser possível a fiscalização de bilhetes em trânsito e fica prejudicada a venda e reserva a bordo, porque as máquinas de venda e reserva a bordo funcionam com cartão de telemóvel;

8. A proposta vencedora é € 53.700,46 mais barata do que o contrato actual.


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Não resultam demonstrados quaisquer outros factos com relevo para a decisão a proferir.

DE DIREITO

1. Erro de julgamento por uma incorrecta ponderação dos interesses em confronto, em violação dos artigos 103.º-A, n.º 4 e 120.º, n.º 2, do CPTA, por os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo se mostrarem superiores aos que podem resultar do seu levantamento

Os autos em que a decisão recorrida foi proferida respeitam a uma acção de contencioso pré-contratual com vista à impugnação do ato de adjudicação do concurso público com publicidade no JOUE, adotado pelo Agrupamento de Entidades Adjudicantes identificadas nos autos, para a aquisição de serviços de rede móvel de voz, dados e suporte aplicacional às empresas do Grupo C….

No presente recurso vem impugnado o despacho que aprecia o requerimento de levantamento do efeito suspensivo apresentado pela C…, ora Recorrente, denegando o requerido.

Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quanto à questão da ponderação dos interesses em confronto, defendendo que os danos que podem decorrer da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos que resultam do seu levantamento, em violação do disposto nos artigos 103.º-A, n.º 4 e 120.º, n.º 2, ambos do CPTA.

Além de concretizar os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo automático, sustenta a Recorrente que a Autora não invocou quaisquer danos ou prejuízos na sua petição inicial, limitando-se a alegar que tem direito a ser adjudicatária e nem sequer se opôs ao requerimento de levantamento do efeito suspensivo apresentado pela ora Recorrente, não invocando também neste momento qualquer prejuízo decorrente do levantamento.

Invoca que o Tribunal a quo reconhece a extrema relevância para o interesse público decorrente dos serviços em causa, pelo que a decisão recorrida incorre em erro quanto à ponderação dos interesses em confronto, por os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo serem inequivocamente superiores aos que podem resultar do seu levantamento.

Nem se pode opor a este juízo, a actual prestação de serviços por um outro prestador, por não caber à Ré, aqui Recorrente, alegar e provar que não pode superar a suspensão automática da execução do contrato.

Vejamos.

A ora Recorrente veio requerer o levantamento do efeito suspensivo dos atos impugnados nos termos do n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA, alegando que a suspensão desses atos e, consequentemente, do contrato a celebrar, é gravemente prejudicial para o interesse público e altamente lesiva dos direitos e interesses protegidos dos passageiros de transporte ferroviário.

De entre o mais alegado pela ora Recorrente no requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático quanto aos danos decorrentes do efeito suspensivo e com tradução na factualidade que ora se dá como demonstrada em juízo, resulta o seguinte:

- é uma empresa pública prestadora do serviço de transporte ferroviário de passageiros, serviço que é de inquestionável interesse público;

- transporta 112 milhões de passageiros por ano e 9,3 milhões por mês (dados de 2015), assegurando serviços urbanos, regionais e de longo curso;

- os serviços de rede móvel de voz, dados e suporte aplicacional são serviços essenciais no âmbito do serviço público de transporte ferroviário de passageiros, porque contribuem para garantir quer as comunicações dos locais de atendimento ao público, quer as comunicações dos operadores de revisão e venda e dos maquinistas, a bordo dos comboios, configurando uma necessidade diária indispensável para garantir as condições de segurança das pessoas e dos bens transportados;

- os serviços em causa abrangem os telemóveis utilizados pelos operadores de revisão e venda no desempenho das suas funções e que lhes permitem efectuar os contactos necessários em caso de emergência, como chamar o INEM, quer os cartões para aplicações embarcadas que permitem aos maquinistas efectuarem e receberem chamadas a bordo em caso de emergência ou anormalidade;

- sem os serviços em causa, a C… vê-se impedida de difundir as mensagens de IP tráfego internas, que consistem na transmissão interna de informação sobre anomalias na circulação ou incidentes;

- a venda de bilhetes fica prejudicada, porque parte dos bilhetes são difundidos via sms, o que deixa de ser possível;

- deixa de ser possível a fiscalização de bilhetes em trânsito e fica prejudicada a venda e reserva a bordo, porque as máquinas de venda e reserva a bordo funcionam com cartão de telemóvel abrangido pelo contrato sub iudice;

- a manutenção do efeito suspensivo tem implicações gravíssimas nas comunicações a bordo dos comboios, com as consequências daí decorrentes para a segurança da circulação;

- a proposta vencedora é € 53.700,46 mais barata do que o contrato actual;

- a Autora não invocou quaisquer prejuízos na petição inicial, limitando-se a alegar que tem direito a ser adjudicatária, segundo o interesse e a qualidade abstrata de vencida no concurso.

Resulta do teor da decisão ora recorrida que a Autora, notificada do requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático, “nada veio dizer” em 1.ª instância, não tendo apresentado resposta ao incidente deduzido pela Entidade Demandada, nos termos do artigo 103.º-A do CPTA.

Assim sendo, quanto aos prejuízos ou danos que podem resultar do levantamento do efeito suspensivo automático na esfera jurídica da Autora tem de se considerar unicamente o que foi alegado na petição inicial.

Do mesmo modo, a Autora, ora Recorrida, não apresentou contra alegações ao recurso apresentado pela Recorrente contra a decisão de manutenção do efeito suspensivo, pelo que nada veio alegar em sede de recurso jurisdicional no sentido do acerto da decisão recorrida e da sua manutenção, nem pugnar pelo não provimento do recurso.

Por sua vez, no que se refere ao juízo de ponderação de interesses, constitui a fundamentação de direito vertida na decisão ora recorrida, o que se extrai, na parte relevante:

Ora, quer a R., quer o CI estribam a pretensão que ora reclamam em juízo no facto de a proposta apresentada por este último no concurso público sub judice permitir aos RR uma poupança de EUR 53.700,46, o que corresponderia a cerca de 20% do valor contratual actua circunstância que, sustentam, habilitaria este Tribunal a decretar o levantamento do efeito suspensivo inerente aos presentes autos de contencioso pré­ contratual.

No entanto, não lhes assiste razão.

(…)

Neste pressuposto, entende este Tribunal que a mera circunstância de a proposta apresentada pelo CI permitir aos RR. uma poupança de EUR 53.700,46, correspondente a cerca de 20% do actual valor contratual, não se afigura, sem mais, gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para os interesses envolvidos nem, a fortiori sensu, traduz uma qualquer situação em que os danos decorrentes da manutenção do efeito suspensivo sejam muito superiores aos que resultam do seu levantamento (cf. artigo 103.º-A, nos 2 e 4, do CPTA).

Este entendimento pode ser extraído, desde logo, do n.º 3 do artigo 2.º-D da Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de l l.12, cujo racional, ainda que incidente sobre a privação de efeitos dos contratos, pode e deve, in casu, ser importado para a apreciação do levantamento do efeito suspensivo associado às acções de contencioso pré-contratual de actos de adjudicação, no sentido de que “O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excepcionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. // No entanto, não deve constituir razão imperiosa de interesse geral o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa. O interesse económico directamente relacionado com o contrato inclui, designadamente, os custos resultantes de atraso na execução do contrato, os custos resultantes da abertura de um novo procedimento de adjudicação, os custos resultantes da mudança do operador económico que executa o contrato e os custos das obrigações legais resultantes da privação de efeitos”.

Motivo pelo, conclui-se, a arguida poupança associada à proposta apresentada pela Cl não traduz, per se, justificativo bastante para o peticionado levantamento do efeito suspensivo.


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Paralelamente ao argumento acabado de analisar, a R sustenta ainda que é prestadora de um se1viço de inquestionável natureza pública e que, nesse âmbito, os se1viços de rede móvel de voz, dados e supo1te aplicacional em questão se mostram essenciais à prossecução das atribuições que sobre si impendem, sendo que a manutenção do efeito suspensivo inerente à propositura da presente acção teria implicações gravíssimas nas comunicações a bordo dos comboios.

(…)

Aceitando perfeitamente este Tribunal que a prestação dos serviços objecto do contrato ora em crise se revelem absolutamente fundamentais à prestação de serviços de transporte ferroviário pela R., o que esta não logra, no entanto, fazer é alegar, por forma alguma, se e em que termos é que essa mesma prestação resulta prejudicada ou colocada em risco pela suspensão daquele procedimento concursal sendo certo que a parte se refere, inclusive, à actual prestação de serviços de telecomunicações por um outro operador (assim, vide, expressamente, o artigo 16.º do douto requerimento de levantamento de efeito suspensivo apresentado).

Da incontrovertida relevância dos serviços de telecomunicações que é sindicada pela R. no requerimento apresentado não decorre, automática e inelutavelmente, um qualquer prejuízo para a prossecução da sua actividade de prestação de serviços de transportes ferroviários e, por conseguinte, para o interesse público a equacionar na ponderação exigida pelo artigo 103.º-A do CPTA.

Motivo pelo que tal fundamento arguido pela R. também não poderá ser atendido.

Não tendo a R e a CI alegado nem, por conseguinte, demonstrado uma qualquer situação de grave prejuízo para o interesse público ou que se mostrasse geradora de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, não restam alternativas a este Tribunal que não julgar as suas pretensões improcedentes, o que se faz de seguida.”.

Considerando: (i) a alegação da Entidade Demandada, ora Recorrente, na contestação e no requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático apresentado, (ii) a alegação da Autora na petição inicial, (iii) em face do objecto do procedimento pré-contratual, considerando as concretas prestações contratuais que estão em causa e (iv) os factos que resultam provados em juízo, é de pugnar por um juízo de ponderação de interesses diferente daquele que foi formulado na decisão recorrida, no sentido de a manutenção do efeito suspensivo automático acarretar para o interesse público danos maiores do que resultam do seu levantamento.

Não é por isso de sufragar, no caso concreto, o entendimento assumido na decisão recorrida de que da “incontrovertida relevância dos serviços de telecomunicações que é sindicada pela R. no requerimento apresentado não decorre, automática e inelutavelmente, um qualquer prejuízo para a prossecução da sua actividade de prestação de serviços de transportes ferroviários e, por conseguinte, para o interesse público a equacionar na ponderação exigida pelo artigo 103.º-A do CPTA”.

De resto, apresenta-se totalmente insustentado este julgamento, por ter sido dispensada a produção de prova testemunhal que assim permitisse concluir e por não ter sido fixada a matéria de facto relevante para a decisão a proferir pelo Tribunal a quo.

A actividade de prestação de serviços de transporte ferroviário constituindo um serviço público para satisfação de uma necessidade essencial à população, carece na sua execução dos indispensáveis meios de telecomunicação, quer para a prossecução da própria actividade ferroviária, nas suas várias expressões e valências, tal como alegado pela Ré no requerimento de levantamento do efeito suspensivo apresentado e nos termos supra sumariados, quer no seu relacionamento com o público seu cliente, em desenvolvimento da própria actividade comercial ferroviária, mas também para satisfação das necessidades e conforto dos próprios clientes.

Além disso, as telecomunicações assumem-se como absolutamente essenciais no contexto da segurança e qualidade do serviço ferroviário, que se não forem assegurados geram efectivamente prejuízos de difícil reparação para o interesse público.

Acresce que os danos invocados pela ora Recorrente no requerimento apresentado são em larga medida factos notórios, que, como tal, não carecem de demonstração por meios de prova.

Por isso, não se pode sufragar a fundamentação da decisão recorrida na parte em que reconhece que a prestação de serviços do contrato em crise se revela absolutamente essencial à prestação de serviços de transporte ferroviário, mas que em caso da suspensão dos serviços de telecomunicações não se encontra demonstrado que será prejudicada ou colocada em risco a prestação do serviço de transporte ferroviário.

Sendo os serviços de telecomunicações muitíssimo relevantes no exercício da actividade de transporte ferroviário, nos termos que resultam supra concretizados, caso esses serviços de telecomunicações não sejam assegurados, por serem suspensos ou interrompidos, haverá consequências na qualidade do serviço de transporte ferroviário prestado, decorrente de a ora Recorrente não poder usar as telecomunicações no exercício da sua actividade ferroviária e também na sua relação com o cidadão, seu cliente, no âmbito das relações comerciais.

Neste sentido, embora se acolha a fundamentação vertida na decisão recorrida acerca da natureza ope legis da suspensão do efeito da decisão de adjudicação impugnada e da diferenciação de regime que foi introduzida no ordenamento jurídico com a alteração legislativa introduzida pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, não se sufraga o juízo de ponderação dos interesses expendido, que foi formulado em desfavor do interesse público ferroviário.

De acordo com o n.º 1 do artigo 103.º-A do CPTA, “A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”.

O n.º 2 do artigo 103.º-A do CPTA permite o levantamento do efeito suspensivo nos casos em que o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.

Tal acarreta que o citado novo regime legal vem consagrar o efeito suspensivo das acções impugnatórias de actos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual, por força da lei ou decorrente ope legis da sua mera instauração, permitindo-se às entidades demandadas e aos contrainteressados obviar a esse mesmo efeito, mediante a dedução de pedido de levantamento.

Assumindo-se inequivocamente a vontade legislativa de o efeito suspensivo não ficar dependente de qualquer juízo de ponderação de interesses, mas se impor como uma mera decorrência da impugnação do ato de adjudicação no âmbito da acção de contencioso pré-contratual, apenas se atribui o poder de obstar a esse efeito num segundo momento, já na pendência da acção.

Por isso, diversamente com o que sucede com a adopção de providências cautelares, a ponderação de interesses a que se faz alusão nos artigos 103.º-A e 120.º, n.º 2, ambos do CPTA, não consubstancia um pressuposto para a atribuição de efeito suspensivo à acção impugnatória, o qual, ocorre de forma automática.

Apenas para o seu levantamento se realiza o controlo do juízo de ponderação dos interesses envolvidos, com as devidas consequências daí advenientes ao nível do ónus de alegação e de prova, que passa a recair sobre a entidade que peticiona o levantamento de efeito suspensivo.

Embora assim seja, recaindo sobre o interessado no levantamento do efeito suspensivo o ónus de alegar os factos concretizadores do grave prejuízo para o interesse público, em face da alegação realizada no requerimento de levantamento de efeito suspensivo é de entender que logrou a Entidade Demandada, ora Recorrente, proceder à demonstração dos pressupostos de facto e de direito que devem ditar efeito jurídico diferente daquele que resultou por mera aplicação da lei.

Assim, não se sufraga a fundamentação de direito da decisão recorrida no que refere à aplicação dos pressupostos do regime previsto no artigo 103-º-A do CPTA ao caso concreto, por a fundamentação antecedente não dever conduzir a um juízo de ponderação dos interesses em confronto nos termos em que foram decididos pelo Tribunal a quo.

Em consequência, será de conceder provimento ao recurso, no tocante ao erro de julgamento a respeito do juízo de ponderação de interesses para efeito do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, por serem maiores os prejuízos decorrentes da sua manutenção em comparação com os que podem resultar do seu levantamento, pelo que, será de revogar a decisão recorrida e, em substituição, determinar o levantamento do efeito suspensivo automático da decisão de adjudicação impugnada no procedimento pré-contratual em causa.

2. Nulidade processual, por não produção da prova testemunhal requerida

Nas conclusões do recurso sustenta ainda a Recorrente a nulidade da decisão recorrida, por falta de produção da prova testemunhal requerida, por ter sido requerida no requerimento de levantamento do efeito suspensivo.

A decisão recorrida indeferiu a produção de prova testemunhal com a fundamentação de que “compulsado o teor do antedito requerimento, bem como a factualidade essencial que aí é alegada pela parte com vista à pretensão que reclama (…) a inquirição da referida testemunha não apresenta qualquer pertinência para a boa decisão da presente questão, indeferindo-se, assim, a requerida produção de prova.”.

Nos termos que resulta do julgamento antecedente, concluiu este Tribunal ad quem pela procedência das razões apresentadas pela Recorrente, no sentido da produção de prejuízos de difícil reparação para a entidade contratante, decorrentes da manutenção do efeito suspensivo automático e de serem maiores os prejuízos decorrentes dessa manutenção do que do seu levantamento, não só atenta a falta de alegação de factos concretizadores dos danos por parte da Autora, seja pela consideração de factos notórios relativos à prestação do serviço ferroviário, nos termos da alegação da Entidade Demandada, ora Recorrente e como vertido na seleção da matéria de facto assente ora fixada por este Tribunal de recurso, pelo que, não se configura como nulidade processual a dispensa da produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente.

Não obstante, nos termos antecedentes, não poderia o Tribunal a quo ter indeferido a prova testemunhal requerida e, simultaneamente, indeferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo, sob alegação de que não existe “qualquer prejuízo para a prossecução da sua actividade de prestação de serviços de transportes ferroviários e, por conseguinte, para o interesse público”, pois tais prejuízos foram efectivamente alegados e de forma suficientemente concretizada e precisa pela Entidade Demandada, ora Recorrente, para que o Tribunal os tivesse ponderado no âmbito da decisão que foi chamado a proferir.

Neste sentido, nos termos da fundamentação antecedente, considerando-se estarem em causa factos notórios, que não carecem de prova, não se configura o indeferimento da prova testemunhal como uma nulidade processual, pelo que, improcede a conclusão do recurso, por não provada.


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Pelo exposto, nos termos e pelas razões antecedentes, conclui-se pela procedência das conclusões do presente recurso no que respeita ao erro de julgamento de direito em relação ao juízo de ponderação de interesses, sendo de julgar procedente o presente recurso, em revogar a decisão recorrida e determinar o levantamento do efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 103.º-A do CPTA.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Constituindo a actividade de prestação de serviços de transporte ferroviário um serviço público para satisfação de uma necessidade essencial à população, carece na sua execução dos indispensáveis meios de telecomunicação, quer para a prossecução da própria actividade ferroviária, nas suas várias expressões e valências concretizadas nos autos, quer no seu relacionamento com o público seu cliente, em desenvolvimento da própria actividade comercial ferroviária, mas também para satisfação das necessidades e conforto dos próprios clientes.

II. As telecomunicações assumem-se como absolutamente essenciais no contexto da segurança e qualidade do serviço ferroviário, que se não forem asseguradas geram efectivamente prejuízos de difícil reparação para o interesse público.

III. Os danos invocados no requerimento de levantamento do efeito suspensivo são em larga medida factos notórios, que, como tal, não carecem de demonstração por meios de prova.

IV. Sendo os serviços de telecomunicações muitíssimo relevantes no exercício da actividade de transporte ferroviário, caso esses serviços de telecomunicações não sejam assegurados, por serem suspensos ou interrompidos, haverá consequências na qualidade do serviço de transporte ferroviário prestado, decorrente de a ora Recorrente não poder usar as telecomunicações no exercício da sua actividade ferroviária e também na sua relação com o cidadão, seu cliente, no âmbito das relações comerciais, sendo maiores os danos decorrentes da manutenção do efeito suspensivo do que os que podem resultar do seu levantamento.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provado, revogando a decisão recorrida e, em substituição, em determinar o levantamento do efeito suspensivo da decisão de adjudicação impugnada, nos termos do artigo 103.º-A do CCP.

Sem custas nesta instância de recurso.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão Marques)


(Helena Canelas)