Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12775/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/28/2016
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; CRITÉRIO DA EVIDÊNCIA; DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

RELATÓRIO

JOSÉ …………………………. interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que indeferiu a providência cautelar que instaurou contra o MUNICÍPIO DE CÂMARA DE LOBOS com vista a obter (i) “a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Câmara de Lobos de 02 de Julho de 2015” que determinou a manutenção do horário de funcionamento do estabelecimento comercial de que é proprietário e (ii) o reconhecimento do seu direito “a desenvolver a sua actividade comercial no regime de horário livre previsto na legislação nacional e comunitária actualmente em vigor”.

Concluiu assim as suas alegações:
“I. O presente recurso tem por objecto a douta Sentença de 04.10.2015, que julgou improcedente a providência cautelar requerida pelo ora Recorrente com vista à suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, de 02.07.2015, pela qual foi determinada a manutenção do horário de funcionamento do estabelecimento comercial pertencente ao Recorrente;
II. O Recorrente entende que essa douta Sentença de 04.10.2015 padece de erro de julgamento por não ter considerado evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal, nos termos do artigo 120.º, n.º 1, al. a), do CPTA e assim ter decretado a medida cautelar requerida;
III. E, por outro lado, ao decidir pela inexistência de evidente procedência da pretensão do ora Recorrente, a douta Sentença de 04.10.2015 violou os princípios do inquisitório e do dever de gestão processual, pelo facto de o Mmo. Juiz a quo não ter convidado a parte para aperfeiçoar a sua petição, concretizando e provando os factos indiciadores do invocado periculum in mora;
IV. Assim como se entende que a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento, em virtude de os factos considerados provados não permitirem concluir pela improcedência da providência cautelar, devendo ainda ser aditados novos factos que permitam concluir pela peticionada medida cautelar;
V. Na base desta acção, está a legítima pretensão do Recorrente em ver tão-só salvaguardado o direito de exercício da sua actividade profissional em regime de horário livre, nos termos do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, que por sua vez transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, também denominada por “Directiva dos Serviços”;
VI. Para o efeito, o Recorrente alegou e provou ter feito a comunicação prevista no artigo 4.º do citado diploma legal; (Cfr. Doc. 7, da petição inicial e Ponto 10. dos factos assentes);
VII. Direito esse que não estava sujeito a nenhuma decisão, nem a nenhum procedimento administrativo próprio, posto que se trata de uma “mera comunicação” legal enquanto acto unilateral de conteúdo positivo;
VIII. Porém, sem qualquer enquadramento legal, sem qualquer fundamento jurídico, e sem sequer ter notificado o Recorrente para o exercício do direito de audição prévia, veio a Entidade Demandada - i.e., a Câmara Municipal de Câmara de Lobos - praticar tout court o acto deliberativo de 10.07.2015, pelo qual decidiu, sem mais, obstaculizar e impedir o direito de exercício da actividade em regime de horário livre por parte do ora Recorrente “até que fossem auscultadas” determinadas entidades públicas;
IX. Ainda assim, na pendência da acção, a Entidade Demandada acabou mesmo por juntar aos autos os diversos pareceres solicitados a tais entidades públicas, tendo todos esses pareceres sido favoráveis à laboração do estabelecimento do Recorrente, no período nocturno, entre as 24h e as 08h; (Vd. anexos da contestação);
X. O Recorrente entende que mediante a junção de tais pareceres aos autos verificar-se-ia uma inutilidade superveniente da lide, de conhecimento oficioso, na medida que as entidades indicadas no acto impugnado já haviam sido entretanto “auscultadas”, deixando assim de se justificar a restrição ao horário de exercício de actividade do Recorrente, de acordo com a fundamentação apresentada no próprio acto impugnado;
XI. Ainda assim, apesar de o Mmo. Juiz a quo não ter seleccionado para os factos assentes, nem ter feito qualquer referência aos mencionados pareceres, na douta Sentença de que se recorre, a verdade é que todos os pareceres solicitados pela Entidade Demandada foram favoráveis ao exercício do regime de horário livre por parte do estabelecimento do Recorrente;
XII. Facto que o Tribunal a quo não podia ter deixado de ter em consideração na douta Sentença;
XIII. O Recorrente entende, para isso, que devem ser aditados os seguintes factos adicionais aos “Factos Provados” da douta Sentença, pela sua pertinência para a descoberta da verdade material e para o sucesso da lide:
- Por Ofício de 06.07.2015, do Serviço de Defesa do Consumidor, remetido à Câmara Municipal de Câmara de Lobos, foi emitido parecer favorável quanto ao exercício da actividade do Requerente em regime de horário livre; (Cfr. fls. 13 a 15 da Contestação)
- Por Ofício de 04.08.2015, do Comando Regional da Madeira, da Polícia de Segurança Pública, foi emitido parecer favorável quanto ao exercício da actividade do Requerente em regime de horário livre; (Cfr. fls. 16 e 17 da Contestação)
- Por Ofício de 22.07.2015, da Associação Comercial e Industrial do Funchal (ACIF), remetido à Câmara Municipal de Câmara de Lobos, foi emitido parecer favorável quanto ao exercício da actividade do Requerente em regime de horário livre; (Cfr. fls. 18 da Contestação)
- Por Ofício de 13.07.2015, do Sindicato dos Trabalhadores na Hotelaria, Turismo, Alimentação, Serviços e Similares da Região Autónoma da Madeira, remetido à Câmara Municipal de Câmara de Lobos, foi emitido parecer favorável quanto ao exercício da actividade do Requerente em regime de horário livre; (Cfr. fls. 19 da Contestação)
XIV. Acresce que toda a factualidade com interesse para a decisão da causa principal já se encontra junta aos presentes autos de natureza cautelar, não se vislumbrando a existência de nenhum outro facto necessário para a análise da questão decidenda;
XV. A qual, a nosso ver, se resume a uma questão de interpretação e de aplicação jurídica e não factual;
XVI. Salvo melhor opinião, as partes já carrearam para os autos todos os elementos necessários para a decisão do pleito, pelo que o Tribunal a quo estava já em condições de decidir nos termos do artigo 120.º, n.º 1, al. a), do CPTA, tanto mais que, a nosso ver, a questão decidenda é de fácil interpretação jurídica, não havendo qualquer querela doutrinária ou jurisprudencial nesta matéria, assim como a norma aplicável não se reveste de especial complexidade;
XVII. Pelo que, salvo melhor e douta opinião, deve a douta Sentença de 04.10.2015 ser revogada e substituída por outra que, aditando os novos factos acima indicados à fundamentação de facto, decrete a imediata suspensão da eficácia do acto impugnado, nos termos do artigo 120.º, n.º 1, al. a), do CPTA, mais reconhecendo a autorização do Recorrente para o exercício da sua actividade em regime de horário livre, conforme inicialmente peticionado;
Por outro lado,
XVIII. Ao não decidir pelo decretamento da providência nos termos do artigo 120.º, n.º 1, al. a), do CPTA, o Tribunal a quo entendeu que não se encontravam alegados e demonstrados factos suficientes que permitissem concluir pela existência de um periculum in mora;
XIX. Com o devido respeito, que é muito!, o Recorrente entende que esta decisão configura uma manifesta injustiça, contrária ao próprio Direito, na medida que o Tribunal a quo refugia-se num falso formalismo contrário ao direito processual moderno e ao próprio princípio da tutela jurisdicional efectiva;
XX. Conforme dispõe o artigo 6.º do Código de Processo Civil, cumpre ao Juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, providenciando, ainda, pelo suprimento oficioso da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinado a realização dos actos necessários à regularização da instância ou convidando as partes a praticá-los;
XXI. Na esteira deste princípio, dispõe mesmo o artigo 590.º do CPC, que incumbe ainda ao Juiz “convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”;
XXII. Este princípio do inquisitório e da gestão processual especialmente atribuído ao Mmo. Juiz, foi não só introduzido no processo civil, através da reforma de 2013, como já há muito que vigoravam no processo administrativo, prevendo-se mesmo, no artigo 118.º, n.º 3, do CPTA, que “o processo é concluso ao juiz, que pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias”;
XXIII. Ou seja, à luz do direito processual administrativo per si e do direito processual civil subsidiariamente aplicável, é ao Mmo. Juiz a quo que cumpre a direcção de todo o processo, devendo convidar as partes para aperfeiçoar os seus articulados, designadamente para concretizar aspectos fundamentais da causa de pedir, assim como ordenar e dirigir as diligências probatórias;
XXIV. No caso concreto, o Recorrente não se conforma com o facto de o Mmo. Juiz a quo ter considerado que não foram alegados nem demonstrados os factos integrantes do invocado periculum in mora (conforme referido a fls. 14 da douta Sentença), sem antes ter convidado o Recorrente para aperfeiçoar o seu requerimento inicial, na matéria respeitante ao periculum in mora, já que, na opinião do Tribunal, tais factos não foram alegados nem demonstrados;
XXV. Salvo melhor opinião, as melhores e mais recentes práticas de gestão processual determinariam que o Mmo. Juiz a quo pudesse e devesse mesmo ter convidado o Autor, ora Recorrente, a concretizar e provar novos factos que permitissem concluir pela existência do invocado periculum in mora;
XXVI. Pelo que, ao decidir pela inexistência de evidente procedência da pretensão do ora Recorrente e da não alegação e demonstração de factos passiveis de configurar uma situação de periculum in mora no presente caso, entende o Recorrente que a douta Sentença de 04.10.2015 violou assim os princípios do inquisitório e do dever de gestão processual, pelo facto de o Mmo. Juiz a quo não ter convidado a parte para aperfeiçoar a sua petição, de forma a melhor concretizar e provar os factos indiciadores do invocado periculum in mora;
Finalmente,
XXVII. Sem prejuízo de entendermos que o decretamento da presente providência cautelar deve ser assegurado por aplicação do disposto no artigo 120.º, n.º 1, al. a), do CPTA, nos termos acima expostos, entende ainda o Recorrente que se encontram demonstrados nos autos factos concretos passiveis de configurar o invocado periculum in mora;
XXVIII. Com efeito, está provado que: “Desde 01/07/2015 o estabelecimento comercial denominado “…………………..” labora durante todo o dia e toda a noite”; (cfr. Ponto 12. dos factos provados)
XXIX. Está provado que: “Em 10/07/2015 o Requerente foi notificado do acto praticado pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos (…)” que determinou o encerramento do estabelecimento do Recorrente a partir das 24h; (cfr. Ponto 13. dos factos provados)
XXX. Está igualmente provado que: “O Requerente contratou trabalhadores para que o estabelecimento “………………..” pudesse laborar toda a noite.” (cfr. Ponto 16. dos factos provados)
XXXI. De onde se conclui que o não decretamento da medida cautelar requerida nestes autos implicará o encerramento do estabelecimento do ora Recorrente às 24h, com o consequente despedimento dos trabalhadores contratados para assegurar o período nocturno;
XXXII. Para além de que representará uma enorme quebra do volume de negócios do estabelecimento “……………………….”, com efeitos naturalmente catastróficos para a actividade e negócio do Recorrente;
XXXIII. O Recorrente entende que, por se afigurar útil e relevante para a boa decisão da causa, deve ser aditado aos factos provados, o seguinte ponto, de acordo com os fundamentos supra alegados:
- O período nocturno do estabelecimento do Requerente é o turno mais rentável do ponto de vista financeiro, porque é no pico alto de vendas, as horas de maior movimento e de maior facturação.”
XXXIV. Ora, pela análise aos factos provados e a este último facto que deve ser aditado à fundamentação de facto da douta Sentença de que se recorre, não restam dúvidas que o não decretamento da medida cautelar requerida irá determinar o despedimento de pelo menos 4 trabalhadores e bem assim uma forte quebra no volume de negócios e nos resultados do Recorrente;
XXXV. Ora, no presente caso é possível concluir desde logo que o despedimento de pelo menos 4 trabalhadores, em virtude de uma decisão administrativa proferida após a sua contratação, será uma medida absolutamente irreversível!;
XXXVI. Pelo que, salvo melhor e douta opinião de Vossas Excelências, o Recorrente entende que a existência de uma situação de despedimento forçado e consumado decorrente do não decretamento de uma medida cautelar de suspensão da eficácia de acto administrativo, tal como acontecerá nos presentes autos, configura um periculum in mora social, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º do CPTA;
XXXVII. E assim se entende pelo concreto e real contexto da economia e da sociedade Portuguesa, cuja taxa de desemprego é elevadíssima chegando a superar os 18% e cujas oportunidades de emprego são escassas, deixando estes trabalhadores do Recorrente numa situação de pobreza e desemprego;
XXXVIII. Para além de que o Recorrente perderá naturalmente a sua clientela do turno da noite em prol de outros estabelecimentos concorrenciais situados na mesma zona, reduzindo substancialmente o seu volume de negócios no período de maior procura e de maior facturação;
XXXIX. Tornando assim de difícil sobrevivência comercial do seu estabelecimento, enquanto terá que aguardar pela tramitação do processo principal, em prazo nunca inferior a 5 anos, para poder ver salvaguardado o respeito pela legalidade por parte da Entidade Demandada;
XL. Em suma e em face de tudo quanto supra se expôs, entende o Recorrente que a douta Sentença de que se recorre deve ser revogada e substituída por outra que julgue a presente providência cautelar procedente, suspendendo a eficácia do acto impugnado e reconhecendo o direito do Recorrente a desenvolver a sua actividade em regime de horário livre.”

Notificado para apresentar contra-alegações, o recorrido ofereceu o merecimento dos autos.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se sobre o mérito do recurso no sentido da sua improcedência.

Notificado que foi do parecer do Ministério Público, o recorrente pronunciou-se sobre o mesmo, concluindo pela procedência do recurso que interpôs.

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São as seguintes as questões que cumpre apreciar e decidir, as quais se mostram delimitadas pelas conclusões das alegações (cfr. artigos 635º, n.ºs 3 e 4 do CPC ex vi artigo 140º do CPTA):
(i) Erro de julgamento da matéria de facto (cfr. conclusões IV, V), VI), VII), VIII), IX), X), XI), XII) e XIII) do recurso);
(ii) Erro de julgamento na apreciação do critério plasmado no artigo 120º, n.º 1, al. a) do CPTA (cfr. conclusões II), V), VI), VII), VIII), IX), X), XI), XII), XIII), XIV), XV), XVI) e XVII) do recurso);
(iii) Erro de julgamento na apreciação do requisito do periculum in mora (cfr. conclusões IV), XXVII), XXVIII), XXIX), XXX), XXXI), XXXII), XXXIII), XXXIV), XXXV), XXXVI), XXXVII), XXXVIII), XXXIX) e XL) do recurso);
(iv) Violação do princípio do inquisitório e do dever de gestão processual (cfr. conclusões III), XVIII), XIX), XX), XXI), XXII), XXIII), XXIV), XXV) e XXVI) do recurso).

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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

1.1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1. O Requerente é proprietário do estabelecimento comercial denominado “……………………”, desenvolvendo a sua actividade como empresário em nome individual.
2. Em 17/07/2014 foi emitido o Alvará de Licença de Construção n.º 21/2014, pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, entre o mais, que:
“ (…) é emitido o alvará n.º 21/2014, em nome de José ……………………, contribuinte n.º …………….., através do qual é licenciada uma instalação de uma roulotte e estruturas de apoio que incide sobre o prédio localizado à Estrada ……………………, freguesia e concelho de Câmara de Lobos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o n.º ………………….. da freguesia de Câmara de Lobos.
A instalação de uma roulotte e estruturas de apoio, aprovada por deliberação camarária de 22 de Maio de 2014. (…).”
3. Em 12/01/2015 foi emitido o Alvará de Autorização de Utilização n.º 2/2015, pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, entre o mais, que:
“ (…) O presente alvará titula a utilização do edifício, localizado à Estrada ………………, n.º ………….., freguesia de Câmara de Lobos e concelho de Câmara de Lobos, construído sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o n……………………….. da freguesia de Câmara de Lobos que, corresponde o alvará de Licença de Construção n.º …………… emitido em 17 de Julho de 2014 a favor de José …………………………….
Por deliberação camarária do dia 8 de Janeiro de 2015, foi autorizada a seguinte utilização: Roulotte e Estruturas de Apoio, com área de 50,00 m2. (…).”
4. Ao estabelecimento comercial denominado “………………”, foi atribuído o horário de funcionamento com abertura às 6h00 e encerramento às 24h00, durante todos os dias da semana.
5. O estabelecimento comercial denominado “………………..” encontra-se situado no nó de acesso rodoviário à via rápida, em Câmara de Lobos.
6. O estabelecimento comercial denominado “……………………” encontra-se situado numa zona onde existem residências.
7. O estabelecimento comercial denominado “…………………”, funciona no exterior, em espaço aberto.
8. No estabelecimento comercial denominado “…………………” são prestados serviços de restauração e bebidas, sobretudo refeições rápidas, excluindo a comercialização de bebidas alcoólicas, à excepção de cerveja.
9. Os clientes do estabelecimento comercial “………………….”, no período nocturno, são maioritariamente condutores e ocupantes de veículos.
10. Em 05/06/2015 o Requerente dirigiu uma comunicação ao Presidente da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual consta, entre o mais, que:
“9. (…) por força da entrada em vigor do denominado princípio da livre fixação do horário de funcionamento (…) pretende alargar o seu horário de funcionamento actual, passando a laborar 24 horas por dia.
10. Horário esse que não irá prejudicar absolutamente ninguém, atendendo à localização e às concretas características do estabelecimento do Requerente, que se situa junto ao nó da via rápida em Câmara de Lobos.
11. Para o efeito, o Requerente entende que é suficiente a presente comunicação de alteração de horário de funcionamento, nos precisos termos do disposto no art. 4.º do novo RJACSR, de forma que passará a laborar a partir do dia 01/07/2015 durante todo o dia e toda a noite.
12. Mais informa que, a partir dessa data, será afixado o novo horário de funcionamento, (…).”
11. Em 30/06/2015 o Requerente dirigiu uma comunicação ao Presidente da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual consta, entre o mais, que:
“(…) tendo comunicado a V. Exa., por requerimento apresentado em 06/2015, que irá proceder à alteração do horário de funcionamento do referido estabelecimento de restauração, nos termos do art. 4.º do RJACSR, em vigor, passando a laborar a partir do dia 01/07/2015 durante todo o dia e toda a noite, em regime de 24 horas, salvo recusa legítima e fundamentada dessa Autarquia, a notificar no prazo legal de 10 dias, e uma vez que não obteve qualquer resposta até à presente data, vem, muito respeitosamente, reiterar a comunicação a V. Exa. de que passará a adoptar o referido novo horário de funcionamento já a partir do próximo dia 01/07/2015. (…).”
12. Desde 01/07/2015 o estabelecimento comercial denominado “……………………..” labora durante todo o dia e toda a noite.
13. Em 10/07/2015 o Requerente foi notificado do acto praticado pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta entre o mais que:
“(…) informo V. Exa. que, em reunião camarária do dia 02 de Julho do corrente ano, foi aprovado por unanimidade manter o actual horário de funcionamento, até que sejam auscultadas determinadas entidades, designadamente, o Sindicato dos Trabalhadores na Hotelaria, Turismo, Alimentação, Serviço e Similares da R.A.M., a Associação Comercial e Industrial do Funchal, Serviço de Defesa do Consumidor, a Polícia de Segurança Pública e a Junta de Freguesia local.”
14. Em 10/07/2015 o Requerente solicitou esclarecimentos ao Comandante Regional da Polícia de Segurança Pública, mediante fax, do qual consta, entre o mais, que:
“(…)
Neste contexto, venho solicitar, muito respeitosamente, a V. Exa. se digne esclarecer os concretos motivos e fundamentos pelos quais no passado dia 07/07/2015, um elemento da Esquadra de Câmara de Lobos, da Polícia de Segurança Pública, determinou, sem mais, que o Sr. José ……………………. encerrasse o seu estabelecimento por volta da meia-noite, mais solicitando que me seja facultado e enviado por esta via uma cópia do respectivo Auto de diligência/ocorrência. (…).”
15. Em 27/07/2015 o Requerente foi notificado do ofício n.º 177/SEPO/2015, do Comando Regional da Madeira, da Polícia de Segurança Pública, com indicação de que a Câmara Municipal de Câmara de Lobos havia comunicado que o horário de laboração do estabelecimento fiscalizado não havia sido alterado, continuando, desta forma, com o horário das 6h00 às 24h00.
16. O Requerente contratou trabalhadores para que o estabelecimento “………………………..”, pudesse laborar toda a noite.

1.2. O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
A - O requerente, por não laborar entre as 24h00 e as 6h00, fica impossibilitado de amortizar o financiamento bancário contraído para instalar o estabelecimento comercial “………………………..”.
B - A procura pelos serviços prestados pelo estabelecimento “……………………..” em períodos de férias escolares e laborais é muito superior às restantes épocas do ano.
C - O estabelecimento comercial “……………………..” tem capacidade para 50 lugares de estacionamento automóvel.


2. Do Direito

2.1. O ora recorrente instaurou no TAF do Funchal a presente providência cautelar com vista a obter (i) “a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Câmara de Lobos de 02 de Julho de 2015” que determinou a manutenção do horário de funcionamento do estabelecimento comercial de que é proprietário e (ii) o reconhecimento do direito “a desenvolver a sua actividade comercial no regime de horário livre previsto na legislação nacional e comunitária actualmente em vigor”.
O TAF do Funchal indeferiu esses pedidos, considerando, no que concerne aos critérios de decisão constantes do artigo 120º do CPTA, que (i) não é evidente a procedência da acção principal, pelo que não se mostra preenchido o requisito da al. a) do n.º 1 do referido preceito, impondo-se, consequentemente, a análise dos demais critérios e (ii) não se verifica o requisito do periculum in mora plasmado na referida al. b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA.
O recorrente discorda da sentença proferida, entendendo que a mesma errou no julgamento da matéria de facto, na apreciação dos critérios plasmados no artigo 120º, n.º 1, als. a) e b) do CPTA e violou o princípio do inquisitório e o dever de gestão processual.
São esses erros de julgamento o objecto do presente recurso.
2.2. Importa referir em primeiro lugar que, atendendo à forma como o recorrente apresentou as suas alegações (e conclusões), o erro de julgamento da matéria de facto mostra-se directamente relacionado com o erro de julgamento na apreciação do critério vertido no artigo 120º, n.º 1, al. a) do CPTA, já que é com base em determinados factos que o recorrente pretende ver aditados ao probatório que o mesmo concluiu que a presente providência deve ser decretada nos termos daquele preceito (cfr. conclusão XVII) do recurso).
Alega o recorrente a este propósito que está em causa o “direito de exercício da sua actividade profissional em regime de horário livre, nos termos do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro”, que pretende ver salvaguardado. Defende que esse direito “não estava sujeito a nenhuma decisão, nem a nenhum procedimento administrativo próprio, posto que se trata de uma “mera comunicação” legal enquanto acto unilateral de conteúdo positivo”, sendo certo que procedeu à “comunicação prevista no artigo 4.º do citado diploma legal”. A verdade é que, sustenta o recorrente, “sem qualquer enquadramento legal, sem qualquer fundamento jurídico, e sem sequer [o] ter notificado (…) para o exercício do direito de audição prévia, veio a Entidade Demandada - i.e., a Câmara Municipal de Câmara de Lobos - praticar tout court o acto deliberativo de 10.07.2015, pelo qual decidiu, sem mais, obstaculizar e impedir o direito de exercício da actividade em regime de horário livre por parte do ora Recorrente “até que fossem auscultadas” determinadas entidades públicas”. Sucede que, continua o recorrente, “na pendência da acção, a Entidade Demandada acabou mesmo por juntar aos autos os diversos pareceres solicitados a tais entidades públicas, tendo todos esses pareceres sido favoráveis à laboração do estabelecimento do Recorrente, no período nocturno, entre as 24h e as 08h”, em face do que o mesmo conclui que se verifica “uma inutilidade superveniente da lide, de conhecimento oficioso, na medida que as entidades indicadas no acto impugnado já haviam sido entretanto “auscultadas”, deixando assim de se justificar a restrição ao horário de exercício de actividade do Recorrente, de acordo com a fundamentação apresentada no próprio acto impugnado”.
O recorrente entende que devem ser aditados ao probatório os factos que se prendem com a remessa à entidade requerida/recorrida dos pareceres por ela solicitados a diversas entidades, todos eles favoráveis à sua pretensão.
E conclui que “as partes já carrearam para os autos todos os elementos necessários para a decisão do pleito, pelo que o Tribunal a quo estava já em condições de decidir nos termos do artigo 120.º, n.º 1, al. a), do CPTA, tanto mais que, a nosso ver, a questão decidenda é de fácil interpretação jurídica, não havendo qualquer querela doutrinária ou jurisprudencial nesta matéria, assim como a norma aplicável não se reveste de especial complexidade”.
2.2.1. Antes de mais, há que dizer que não assiste qualquer razão ao recorrente quando alega que ocorre inutilidade da lide em resultado da junção aos autos de diversos pareceres emitidos a pedido da entidade requerida/recorrida, todos eles favoráveis à sua pretensão de exercer a sua actividade em regime de horário livre, nos termos do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16/01.
A utilidade da lide é aferida em função do juízo que se faça acerca da questão de saber se o prosseguimento da acção trará (ou não) consequências benéficas para o seu autor, tomando por referência a pretensão por ele formulada.
No caso que nos ocupa, recorde-se, o requerente cautelar pediu ao TAF do Funchal que suspendesse a eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Câmara de Lobos de 2/07/2015 que determinou a manutenção do horário de funcionamento do estabelecimento comercial de que é proprietário denominado “…………………….” e reconhecesse o seu direito a desenvolver a actividade comercial no regime de horário livre.
Ora, como é bom de ver, esse pedido mantém toda a utilidade apesar de as entidades a quem a entidade requerida/recorrida solicitou a emissão de parecer sobre a pretensão do requerente/recorrente se terem pronunciado em sentido favorável, pela simples razão de que a deliberação em causa não foi revogada ou substituída por outra que defira a sua pretensão.
2.2.2. Isto posto, vejamos então se a sentença recorrida errou na apreciação que fez acerca do critério de concessão das providências cautelares enunciado no artigo 120º, n.º 1, al. a) do CPTA.
Dispõe este preceito que as providências cautelares são adoptadas “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”.
Nestes casos, em que resulta evidente a procedência da pretensão formulada, ou a formular, no processo principal, a providência é concedida sem mais. Neste tipo de situações, o critério do fumus boni iuris, ou “aparência de direito”, assume um papel verdadeiramente decisivo, já que, conforme resulta do exposto, ele surge como o único factor relevante para a concessão ou não da providência. E porque assim é, nestas situações, aquela é decretada independentemente da prova do fundado receio, ou da produção de prejuízos de difícil reparação. E do mesmo modo, a providência será recusada sempre que resulte evidente e manifesta a improcedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
O legislador introduziu aqui o critério da evidência, entendido no sentido de que apenas quando resulte manifesta, irrefutável, sem margem para quaisquer dúvidas, a procedência ou a improcedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, é que a providência cautelar é concedida ou recusada sem mais. E adiantou alguns exemplos, não taxativos, em que essa situação de evidência se verifica, exemplos esses que ajudam o aplicador do Direito a entender o que o legislador pretendeu com este critério: é o caso de impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou ainda de acto idêntico a outro já anulado ou declarado nulo ou inexistente.
Como se refere no acórdão do STA de 25/8/2010, processo n.º 637/10, “ (…) a ilegalidade do acto só é «evidente» se algum dos vícios arguidos contra o acto for manifesto, indubitável, claro num primeiro olhar. «Evidente» é o que se capta e constata «de visu», sem a mediação necessária de um discurso argumentativo cuja disposição metódica permitirá o conhecimento, «in fine», do que se desconhecia «in initio». Porque as evidências não se demonstram, nunca é evidente a ilegalidade do acto fundada em vícios cuja apreciação implique demonstrações, ou seja, raciocínios complexos através dos quais se transite de um inicial estado de dúvida para a certeza de que o vício afinal existe”.
Por outro lado, importa ter presente que a “evidência da procedência da pretensão a formulada ou a formular no processo principal” terá necessariamente que resultar de uma análise e prova sumária do direito ameaçado, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares; tanto mais que, não compete ao julgador cautelar apurar se os vícios assacados ao acto suspendendo ocorrem ou não, sob pena de o processo cautelar se transformar, na prática, no próprio processo principal. Ao invés, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, o juiz cautelar apenas tem de apreciar se os vícios invocados são ostensivos, evidentes.
Isto porque, este meio processual tem unicamente em vista garantir a tutela jurisdicional efectiva das pretensões dos particulares, evitando-se que os mesmos vejam impossibilitada a concretização dos seus direitos em caso de procedência da acção principal.
Aplicando os considerandos vindos de expor ao caso dos autos, forçoso é concluir não ser possível lançar mão do critério vertido na al. a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA para decidir a presente providência cautelar, já que não é evidente, ao contrário do que entende o recorrente, a procedência da pretensão a formular no processo principal.
É que, as ilegalidades pelo mesmo invocadas, a par da posição assumida pela entidade requerida/recorrida, colocam questões jurídicas controversas cuja apreciação e solução pressupõe uma análise mais profunda e detalhada que não se compadece com a situação de evidência exigida na al. a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, sendo que tal conclusão não resulta beliscada pelo facto de o Tribunal a quo não ter dado como provados os factos que o recorrente entende que devem ser aditados ao probatório.
Alegou o mesmo no requerimento inicial, a propósito da “ilegalidade do acto praticado pela entidade demandada” (cfr. artigos 21º a 69º), em síntese, que:
- No dia 1/03/2015 entrou em vigor o novo regime jurídico de acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração, previsto no Decreto-lei n.º 10/2015, de 16/01, o qual passou a consagrar no ordenamento jurídico português o princípio de que os estabelecimentos de restauração e bebidas têm um horário de funcionamento livre;
- Assim, nos termos do disposto nos artigos 3º, n.º 1 e 4º, n.º 1, als. l) e m), o acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração não estão sujeitos a qualquer permissão administrativa, bastando a mera declaração ou comunicação prévia; só há lugar a procedimento de autorização nos casos em que se levantem problemas associados à capacidade da infra-estrutura e ao local onde se pretende instalar o estabelecimento, o que não sucede na situação dos autos;
- É certo que, nos termos da nova redacção dada ao artigo 3º do Decreto-lei n.º 48/96, de 15/05, as câmaras municipais podem restringir os períodos de funcionamento em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de protecção da qualidade de vida dos cidadãos, sendo que para o efeito a nova redacção conferida ao artigo 4º do mesmo diploma veio estabelecer que os órgãos municipais devem adaptar os regulamentos municipais sobre horários de funcionamento em função do previsto no artigo 1º ou do disposto no artigo anterior; sucede que, a Câmara Municipal de Câmara de Lobos nada fez no prazo que dispunha para o efeito e não alterou, sequer os seus regulamentos municipais, de onde se conclui que as limitações na fixação dos horários previstas no anterior regulamento municipal foram revogadas pelo Decreto-lei n.º 10/2015, de 16/01 ou, a não se entender assim, tais limitações apresentam-se contrárias a uma norma jurídica de grau hierárquico superior e mesmo ao Direito Comunitário;
- Ainda que assim não se entenda, o certo é que no caso concreto não existem quaisquer elementos objectivos que inviabilizem a aplicação da regra geral, posto que não se colocam quaisquer obstáculos de segurança ou de protecção da qualidade de vida dos cidadãos, na medida em que o estabelecimento comercial de que é proprietário situa-se no nó de acesso à via rápida e não tem quaisquer outros prédios contíguos designadamente no segmento habitacional;
- Conclui o recorrente que a consulta efectuada pela entidade requerida/recorrida a diversas entidades passados mais de 6 meses após a publicação do Decreto-lei n.º 10/2015, de 16/01, configura um manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium; que a decisão não se mostra fundamentada; que foram violados os princípios da colaboração, da boa administração e da proporcionalidade e que não foi assegurada a sua participação no procedimento.
Diversa é a posição defendida pela entidade requerida/recorrida, a qual sustenta, em síntese, que:
- Caducou a autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei n.º 29/2014, de 19/05 para simplificar o regime de acesso e de exercício de diversas actividades de comércio, serviços e restauração, pelo que o Decreto-lei aprovado é inconstitucional;
- Na Região Autónoma da Madeira vigora o regime previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 6/99/M, de 2/03, o qual não foi revogado; estipula este diploma que compete às câmaras municipais, ouvidos os sindicatos, as associações patronais, comerciais e de consumidores, restringir ou alargar os limites de funcionamento dos estabelecimentos comerciais da RAM;
- O regulamento do horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais situados no Município de Câmara de Lobos estipula que o período de abertura dos restaurantes e bares se situa entre as 6h e as 24h, podendo ser alargado verificados que sejam determinados requisitos; contudo, o alargamento não pode ser concedido aos bares que se encontrem instalados em zonas predominantemente residenciais, sendo essa a situação do estabelecimento do requerente/recorrente, o qual desrespeita a segurança, a tranquilidade e o repouso dos cidadãos aí residentes, devido às manobras dos veículos na estrada para aí acederem, aliada ao facto de o mesmo ser a céu aberto.
Como resulta de forma bem patente deste resumo das posições defendidas pelas partes, colocam-se nos autos questões jurídicas complexas, que exigem do julgador uma laboriosa actividade interpretativa das normas aplicáveis e de subsunção, o que significa que os vícios invocados pelo requerente/recorrente estão longe de apresentar as características de evidência enunciadas no referido Acórdão do STA de 25/08/2010.
Aliás, essa falta de evidência resulta de forma patente da posição assumida pelo próprio requerente no requerimento inicial, já que, se começa por defender a tese de que ao caso dos autos se aplica a regra geral de que os estabelecimentos de restauração e bebidas têm um horário de funcionamento livre, não necessitando de autorização administrativa, o certo é que acaba por aduzir argumentos para rebater o entendimento de que a situação pode cair no âmbito das excepções a essa regra geral, o que significa que não é assim tão evidente que seja essa a regra aplicável.
Por outro lado, e no que concerne a essas excepções, não é verdade que não existam quaisquer elementos objectivos que inviabilizem a aplicação da regra geral, como pretende o recorrente, já que resultou provado que o seu estabelecimento comercial se encontra situado numa zona onde existem residências, funciona no exterior, em espaço aberto e no período nocturno os seus clientes são maioritariamente condutores e ocupantes de veículos (cfr. pontos 6), 7) e 9) do probatório).
Deste modo e seguindo a posição vertida no aludido Acórdão do STA de 25/08/2010 e reiterada no Acórdão de 10/08/2011, proc. n.º 0617/11, “segundo a qual na providência cautelar se pode fazer uma declaração genérica de que não é evidente a procedência ou improcedência de nenhum dos vícios arguidos, não se tendo de os enfrentar de modo discriminado, apontando em cada um as razões por que carecem dessa evidência, por esta solução brigar com a natureza e os fins deste meio cautelar, que não se ordena a um exame dos vícios do acto – salvo na situação extrema em que eles claramente existam ou não existam – por isso constituir a tarefa própria da acção principal”, concluímos pela falta de evidência da procedência da pretensão formulada na acção principal, em virtude de não serem manifestas as ilegalidades invocadas pelo requerente.
Improcedem, assim, as conclusões formuladas sob as alíneas II), IV, V), VI), VII), VIII), IX), X), XI), XII) e XIII), XIV), XV), XVI) e XVII) das alegações de recurso.
2.3. O recorrente imputa ainda à sentença recorrida erro de julgamento na apreciação feita a respeito do requisito do periculum in mora, na medida em que entende que “se encontram demonstrados nos autos factos concretos passíveis de configurar o invocado periculum in mora”, designadamente:
- Desde 01/07/2015 o estabelecimento comercial denominado “…………………………” labora durante todo o dia e toda a noite (cfr. ponto 12) do probatório);
- Em 10/07/2015 o Requerente foi notificado do acto praticado pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos (…) que determinou o encerramento do estabelecimento do Recorrente a partir das 24h (cfr. ponto 13) do probatório); e
- O Requerente contratou trabalhadores para que o estabelecimento “……………………..” pudesse laborar toda a noite (cfr. ponto 16) do probatório).
Resulta destes factos, no entender do recorrente, que “o não decretamento da medida cautelar requerida nestes autos implicará o encerramento do estabelecimento do ora Recorrente às 24h, com o consequente despedimento dos trabalhadores contratados para assegurar o período nocturno; para além de que representará uma enorme quebra do volume de negócios do estabelecimento “…………………….”, com efeitos naturalmente catastróficos para a actividade e negócio do Recorrente”; ou seja, sustenta o recorrente que aqueles factos são suficientes para demonstrar a verificação do requisito do periculum in mora.
Por outro lado, pretende o mesmo que seja “aditado aos factos provados, o seguinte ponto (…):
- O período nocturno do estabelecimento do Requerente é o turno mais rentável do ponto de vista financeiro, porque é no pico alto de vendas, as horas de maior movimento e de maior facturação”.
E conclui que, “pela análise aos factos provados e a este último facto que deve ser aditado à fundamentação de facto da douta Sentença de que se recorre, não restam dúvidas que o não decretamento da medida cautelar requerida irá determinar o despedimento de pelo menos 4 trabalhadores e bem assim uma forte quebra no volume de negócios e nos resultados do Recorrente” (…) o que configura “um periculum in mora social, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º do CPTA”.
2.3.1. A finalidade própria das providências cautelares é assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. É que, a demora na tomada da decisão final pode acarretar a inutilidade da mesma, em virtude de se ter, entretanto, criado uma situação de facto consumado com ela incompatível, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar.
Como refere o Professor Vieira de Andrade, a função própria da tutela cautelar é a “prevenção contra a demora” (in A Justiça Administrativa (Lições), 4ª edição, pág. 295).
Assim, prescreve o artigo 120º, n.º 1, al. b) do CPTA que as providências cautelares são adoptadas “Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.
Este preceito impõe a verificação cumulativa de dois requisitos para que seja concedida uma providência conservatória, como é o caso da suspensão da eficácia de acto: o fumus boni iuris e o periculum in mora.
O requisito do periculum in mora ter-se-á por preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Daí que, como refere o Professor Vieira de Andrade (in ob. cit.) “o julgador deverá fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dele deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumada ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada.
2.3.2. No que concerne a esta questão, o tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
“Dos elementos constantes dos autos, não resulta que uma vez obtida a decisão pretendida pelo Requerente na acção principal não seja possível proceder ao restabelecimento no plano dos factos da situação conforme à legalidade, reintegrando-se de forma específica a esfera jurídica do Requerente. Por outras palavras, não se configura a constituição de uma situação de facto consumado.
É que, obtido provimento na acção principal em que se impugnem os actos administrativos cuja eficácia agora se pretende ver suspendida, e anulados aqueles actos por sentença judicial transitada em julgado, por força do regime de execução de sentença anulatória, previsto nos artigos 173.º e seguintes do CPTA, a Administração ficará constituída no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no facto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado podendo ficar constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroactiva (…) bem como no dever de remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação,- vide art. 173.º, n.º 1 e n.º 2, do CPTA.
Sendo possível, assim, em sede execução de sentença proceder à reintegração específica da esfera jurídica do Requerente.
Porém, da alínea b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, resulta que existe também periculum in mora quando haja fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal. Ou seja, mesmo que não seja impossível em razão da mora do processo, a reintegração da situação em conformidade com a legalidade, considera-se verificado o - periculum in mora – se “a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente ”, - vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, 2010, Almedina, pág. 806-807.
Analisada a causa de pedir, verifica-se que o Requerente considera que os danos em que incorre assentam na diminuição dos seus rendimentos, sem que os qualifique como prejuízos de difícil reparação ou irreparáveis.
As alegações do Requerente são claramente insuficientes para que o Tribunal possa qualificar os alegados danos como prejuízos de difícil reparação ou irreparáveis. Por outro lado, o Requerente alega de forma conclusiva, sem trazer aos autos a factualidade necessária para consubstanciar, por exemplo, a não rentabilização da sua actividade se o estabelecimento ……………………….. estiver encerrado no período compreendido entre as 24h00 e as 6h00 ou quanto à viabilização do negócio e à sua alegada eventual insolvência.
Por exemplo, desconhece-se em concreto qual o impacto nas receitas do estabelecimento da não abertura do mesmo no período entre as 24h00 e as 6h00? Se o Requerente durante o período em que o estabelecimento comercial laborava das 6h00 às 24h00 não conseguia cumprir com as alegadas amortizações de financiamento bancário (o qual, aliás, resultou como não provado)? Se conseguia cumprir (ou não) com os compromissos financeiros assumidos com os trabalhadores e fornecedores?
Tratam-se de factos não alegados e não demonstrados, com claro significado e importância para formular o juízo de que se verificam prejuízos de difícil reparação ou irreparáveis.
Conclui-se pela não verificação do fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação.
Não existe, pois, periculum in mora”.
Ou seja, o TAF do Funchal concluiu pela não verificação do requisito em apreço, considerando que: (i) não se verifica uma situação de facto consumado, na medida em que é possível, em sede execução de sentença, proceder à reintegração específica da esfera jurídica do requerente/recorrente; (ii) o mesmo alega de forma conclusiva e não invoca factos concretos dos quais resulte a verificação de prejuízos de difícil reparação.
É acertado este julgamento?
Vejamos.
O requerente/recorrente alegou a este propósito que o não decretamento da providência cautelar requerida o impediria de “rentabilizar devidamente a sua actividade, conduzindo muito provavelmente à sua própria insolvência”, bem como de “obter os rendimentos que tanto espera para viabilizar o seu negócio já instalado, permitindo-lhe amortizar o financiamento bancário que contraiu para a respectiva instalação” (cfr. artigos 76º e 78º do requerimento inicial).
Considera, assim, verificar-se o requisito do periculum in mora na vertente da “produção de prejuízos de difícil reparação”, prejuízos esses que se traduzem na impossibilidade de rentabilizar a actividade que desenvolve no estabelecimento comercial de que é proprietário, situação que pode levar à sua insolvência.
Alega ainda que essa situação se deve ao facto de não poder exercer a sua actividade a partir das 24h, que é precisamente o “período de maior procura e funcionamento”, já que “nos encontramos em plena época de Verão, (…) e em período de férias escolares e laborais, onde a procura pelo [seu] estabelecimento, durante a noite, é muito superior às restantes épocas do ano”, sendo certo que o seu “estabelecimento (…), pela sua localização, por ter capacidade para 50 lugares de estacionamento automóvel e pelos serviços de restauração que presta, consegue captar diversa clientela durante a noite” (cfr. artigos 70º, 71º, 72º e 73º do requerimento inicial).
Refere, por outro lado, que “dimensionou e programou todo o seu negócio para a época de Verão (…), designadamente assumindo acordos com fornecedores e com trabalhadores de modo a laborar durante toda a noite” (cfr. artigo 74º do requerimento inicial).
É manifesto que o requerente/recorrente não alegou quaisquer factos concretos que permitissem ao tribunal aferir do preenchimento do requisito em análise.
Certo é que a impossibilidade de manter o estabelecimento aberto após as 24h acarreta diminuição das vendas, pela simples razão de que as que se realizavam a partir dessa hora deixaram de se poder fazer.
E pela mesma razão, é também certo que o facto de o estabelecimento não poder estar aberto a partir das 24h torna a actividade menos rentável.
Ou seja, o requerente/recorrente enunciou os motivos que sustentam a conclusão de que a execução do acto suspendendo o impede de “rentabilizar devidamente a sua actividade” e de “obter os rendimentos que tanto espera para viabilizar o seu negócio já instalado”. Porém, não concretiza, através da alegação de factos, em que medida é que essa situação lhe causa prejuízos de difícil reparação, sendo certo que do simples facto de o estabelecimento não poder funcionar a partir das 24h não é possível extrair a conclusão de que essa situação pode acarretar a insolvência do requerente/recorrente.
E esta conclusão não se altera ainda que se considere o facto que o mesmo pretende ver aditado ao probatório, a saber, que “O período nocturno do estabelecimento do Requerente é o turno mais rentável do ponto de vista financeiro, porque é no pico alto de vendas, as horas de maior movimento e de maior facturação”. Trata-se, mais uma vez, de uma alegação manifestamente conclusiva, desacompanhada de qualquer facto que a concretize, designadamente qual o valor da facturação no período diurno e no período nocturno.
Na verdade, o que importa saber, além do mais, é qual o montante da facturação do estabelecimento no período que medeia entre as 24h e as 6h e qual o montante total da facturação, por forma a poder aferir do impacto que a execução do acto suspendendo terá na facturação. Importa também saber que rendimentos é que o requerente/recorrente aufere e se aufere outros rendimentos para além dos que retira do exercício desta actividade comercial. Bem como os investimentos que fez no estabelecimento em causa. E ainda qual o valor do financiamento bancário que terá contraído para a instalação do estabelecimento, quanto está ainda por amortizar e se paga pontualmente as respectivas prestações. É também relevante saber que acordos fez com fornecedores e com trabalhadores a fim de poder exercer a sua actividade após as 24h.
Ora, nenhum destes factos foi dado a conhecer ao tribunal pelo requerente/recorrente, que os não alegou, pelo não se mostra possível aferir se a execução do acto suspendendo acarreta para o requerente/recorrente prejuízos de difícil reparação.
Importa, por fim, referir que o prejuízo para os trabalhadores só agora vem alegado pelo recorrente, já em sede de recurso, pelo que não revela, na medida em que os recursos jurisdicionais visam apreciar a decisão recorrida, revogando-a, modificando-a ou confirmando-a, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de questão nova que nela não tenha sido apreciada, salvo se a mesma for de conhecimento oficioso, o que não é o caso.
Concluímos, assim pela improcedência das conclusões IV), XXVII), XXVIII), XXIX), XXX), XXXI), XXXII), XXXIII), XXXIV), XXXV), XXXVI), XXXVII), XXXVIII), XXXIX) e XL) do recurso.
2.4. Sendo certo que a matéria alegada pelo requerente/recorrente com referência ao periculum in mora é conclusiva e genérica, importa agora apreciar se a sentença recorrida errou ao “não ter convidado a parte para aperfeiçoar a sua petição, de forma a melhor concretizar e provar os factos indiciadores do invocado periculum in mora”.
2.4.1. O artigo 114º, n.º 3 do CPTA determina que o requerimento cautelar deve observar determinados requisitos, entre os quais a especificação, de forma articulada, dos fundamentos do pedido [cfr. al. g)]. E o n.º 4 do mesmo preceito prescreve que na falta de indicação de algum desses elementos, deve o interessado ser notificado para suprir a falta no prazo de 5 dias.
Por seu lado, o artigo 116º do mesmo diploma, estipula que “sobre o requerimento do interessado recai despacho de admissão ou rejeição” (cfr. n.º 1) e que “constituem fundamento de rejeição: a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito” (cfr. n.º 2).
Se não houver fundamento para rejeição, “o requerimento é admitido, sendo citados para deduzir oposição a entidade requerida e os contra-interessados, se os houver, no prazo de 10 dias” (cfr. artigo 117º, n.º 1 do CPTA).
Juntas as contestações ou decorrido o respectivo prazo, o processo é concluso ao juiz, que pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 118º do CPTA.
Por fim, “o juiz ou relator profere decisão no prazo de 5 dias contado da data da apresentação da última contestação ou do decurso do respectivo prazo, ou da produção de prova, quando esta tenha tido lugar” (cfr. artigo 119º, n.º 1 do CPTA).
No caso dos autos, não foi proferido despacho nos termos do disposto no artigo 114º, n.º 4 do CPTA e, a final, foi proferida sentença que indeferiu o pedido de adopção de providência cautelar por não se mostrar preenchido o requisito do periculum in mora, dado que se entendeu que “as alegações do requerente são claramente insuficientes para que o Tribunal possa qualificar os alegados danos como prejuízos de difícil reparação ou irreparáveis” e que “o requerente alega de forma conclusiva”.
Será que a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao indeferir a providência com esse fundamento, sem que antes tenha sido proferido despacho a convidar o requerente/recorrente a suprir a falta?
Entendemos que não.
Desde logo, era sobre o requerente/recorrente que impendia o ónus de alegação e prova dos factos concretos integradores do requisito do periculum in mora.
Por outro lado, os processos cautelares não comportam um despacho de aperfeiçoamento posterior à apresentação dos articulados, o qual apenas pode ter lugar no momento do despacho liminar.
Referem, a este propósito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha: “Como é evidente, o n.º 4 deste artigo 114º, ao prever um despacho de aperfeiçoamento em momento prévio à citação, afasta a aplicabilidade do artigo 508º, n.º 3, do CPC, que só seria aqui porventura de admitir, por analogia, em caso de lacuna. O despacho de aperfeiçoamento precede, assim, necessariamente o despacho liminar de admissão ou rejeição do requerimento cautelar, e, caso não seja proferido, o despacho liminar de admissão consolida-se, de modo que as irregularidades ou deficiências do requerimento que possam existir e não tenham sido detectadas só poderão depois porventura determinar o indeferimento da providência em decisão de mérito” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista, 2010, pág. 768).
No mesmo sentido pronunciou-se este TCAS no Acórdão de 28/10/2004, proc. n.º 00273/04, no qual se refere: “Estabelecendo a lei o momento processual em que poderá ter lugar o despacho de aperfeiçoamento e fixando rigorosamente as consequências do despacho de admissão e a subsequente tramitação processual, afigura-se-nos que após ter sido proferido despacho de admissão e juntas as contestações já não se poderá convidar o requerente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, por ter sido intenção do legislador concentrar num único momento processual o suprimento das irregularidades ou deficiências do requerimento inicial.
Aliás, se o CPTA tal como o C.P. Civil após a reforma de 1995/96 aboliu a necessidade de ser proferido despacho liminar, só o mantendo em sede de providências cautelares, parece-nos que a manutenção deste despacho só encontra justificação na celeridade deste meio processual que deve ser encarado pelo juiz como um meio simples e rápido que permite acautelar, sem delongas, os prejuízos decorrentes da demora na obtenção de uma decisão definitiva favorável.
Ora, sendo assim, e sabido que o aperfeiçoamento do requerimento inicial, na sequência de despacho proferido após a apresentação dos articulados, implicará a anulação do despacho que admitiu aquele requerimento e ordenou a citação dos requeridos, bem como do processado posterior, visto estes terem direito a apresentarem novas contestações (cfr. n.ºs 2 e 3 do art. 88º do CPTA), entendemos ser ele incompatível com o carácter urgente e célere das referidas providências. Além disso, em rigor, esta situação traduzir-se-ia no conhecimento oficioso de uma nulidade processual (a omissão do despacho de aperfeiçoamento a que alude o n.º 4 do art. 114º do CPTA) fora dos casos em que a lei o permite (cfr. art. 202º, do C.P. Civil)”.
Igual entendimento teve o STA no Acórdão de 5/12/2013, proc. n.º 01357/13, em cujo sumário se pode ler: “Numa providência cautelar, após a citação da entidade requerida, nos termos do art. 117º, n.º 1, do CPTA, não é possível proferir o despacho de correcção mencionado no art. 114º, n.º 4”.
Acresce que, o despacho de aperfeiçoamento proferido nos termos do n.º 4 do artigo 114º do CPTA não pode servir para suprir falhas cometidas pelo requerente cautelar que contendam com o preenchimento dos requisitos de cuja verificação depende o decretamento da providência, criando condições favoráveis à procedência da acção, sob pena de violação do princípio da igualdade das partes.
A função do despacho de aperfeiçoamento não é essa mas antes garantir que o requerimento inicial contém todos os elementos necessários com vista ao prosseguimento da acção. É isso que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 114º do CPTA, onde são enumerados os requisitos externos ou formais que o requerimento inicial deve observar, sendo justamente a sua falta que o despacho de aperfeiçoamento visa suprir.
É certo que uma das falhas que pode ser objecto de suprimento nos termos do n.º 4 do artigo 114º do CPTA diz respeito aos “fundamentos do pedido”. Estão aí em causa, porém, as situações em que o requerimento inicial apresenta uma total falta de fundamentação e não as situações em que o requerente especifica os fundamentos do pedido, mas fá-lo de forma deficiente, designadamente porque não concretiza os factos relevantes para aferir o periculum in mora. Se assim não se entendesse, defendendo-se que o tribunal deveria proferir despacho de aperfeiçoamento de modo a permitir ao requerente suprir a falta, estar-se-ia a criar condições favoráveis à procedência da acção, o que implicaria uma violação do princípio da igualdade das partes.
Sucede que, no caso dos autos foram alegados no requerimento inicial factos destinados à demonstração de todos os requisitos de concessão da providência requerida, incluindo o periculum in mora, pelo que não havia justificação para que o tribunal proferisse despacho de aperfeiçoamento.
Improcedem, em face do exposto, as conclusões do recurso em análise.

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SUMÁRIO (artigo 663º, n.º 7 CPC):

I - O critério da evidência plasmado no artigo 120º, n.º 1, al. a) do CPTA significa que apenas quando resulte manifesta, irrefutável, sem margem para quaisquer dúvidas, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, é que a providência cautelar é concedida sem mais.
II - A evidência da procedência da pretensão a formulada ou a formular no processo principal terá necessariamente que resultar de uma análise e prova sumária do direito ameaçado, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares.
III - Impende sobre o requerente cautelar o ónus de alegar e provar os factos concretos integradores do requisito do periculum in mora.
V - Os processos cautelares não comportam um despacho de aperfeiçoamento posterior à apresentação dos articulados, o qual apenas pode ter lugar no momento do despacho liminar.
VI - O despacho de aperfeiçoamento não pode servir para suprir falhas cometidas pelo requerente cautelar que contendam com o preenchimento dos requisitos de cuja verificação depende o decretamento da providência, criando condições favoráveis à procedência da acção, sob pena de violação do princípio da igualdade das partes.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 28 de Janeiro de 2016


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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)


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(Catarina Jarmela)