ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
2/06.3RBCTB.C1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 1.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADAS AS REVISTAS
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PAULO SÁ

DESCRITORES CONTRATO DE AGÊNCIA
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
CULPA GRAVE
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA

SUMÁRIO I - São elementos típicos do contrato de agência: a obrigação do agente promover a celebração de contratos; a actuação do agente por conta da outra parte; a actuação do agente numa certa área geográfica ou num determinado círculo de pessoas; a autonomia do agente; o carácter de estabilidade da relação contratual entre as partes; a remuneração paga pelo principal do agente.

II - Assente que autora e réu mantinham o compromisso de o segundo incentivar, de acordo com o seu critério, mas por conta da primeira, a realização de negócios de venda dos produtos da autora, tendo estabelecido a remuneração e o respectivo prazo de vigência, traduzindo-se o conteúdo da obrigação do réu numa prestação de facto, que consiste na prática dos actos necessários à conquista e desenvolvimento do mercado do principal e à conclusão de contratos, actuação esta que é feita por conta do principal, tendo os actos por si praticados por efeito a esfera jurídica da autora, encontram-se preenchidos os elementos típicos do contrato de agência.

III - Tendo ocorrido violação grave do contrato de agência pelo réu, dando desse modo origem à cessação do contrato, fica excluído o direito à indemnização de clientela, nos termos do art. 33.º, n.º 3, do DL n.º 178/86, de 03-07.

IV - Não distinguindo o citado normativo entre a denúncia e a resolução, não há motivos para que o intérprete o faça.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Sociedade Industrial de Confecções AA, S.A. instaurou (27/12/2005), na Comarca de Castelo Branco, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB- F...D...&M..., L.da e CC, na qual pediu a condenação dos Réus, a pagar-lhe:

a) A quantia de € 57.500,22, sendo € 1.875,52 para ressarcimento de danos emergentes, € 43.124,70, de lucros cessantes e € 12.500,00, atribuídos a título de danos não patrimoniais;

b) Os juros que, contados à taxa legal, se venham a vencer, desde a data da citação e até integral pagamento dos valores que a Autora tem direito a receber.

Alegou, para tanto e, em síntese:

A Autora exerce como actividade principal a indústria e comércio de vestuário e acessórios de moda.

No dia 2 de Janeiro de 2000, a Autora celebrou com os Réus um contrato de agência, pelo prazo de três anos, renovando-se automaticamente por sucessivos períodos de um ano, através do qual a BB-F..., D... & M... se obrigou a prestar os seus serviços de venda dos artigos que a AA produza e comercialize, apenas através do seu actual sócio, CC.

Convencionaram que a apresentação das colecções teria sempre de ser efectuada nas instalações próprias da Autora, devendo o agente, além do mais, apresentar-lhe o relatório de gestão de clientes, com a periodicidade, forma e conteúdo definido por ela, fazendo os relatórios parte integrante das funções do agente.

Acordaram, ainda, que, sempre que houvesse necessidade de informar a Autora sobre qualquer irregularidade pontual relativa a qualquer cliente ou sobre o mercado, o Agente deveria usar a "Ficha de Anotação de Irregularidades" e informar a Autora de todas as reclamações recebidas dos clientes, bem como de todas as ocorrências de que tivesse conhecimento e que fossem susceptíveis de modificar a situação relatada nos relatórios e fichas mencionados no contrato.

Tendo promovido uma reestruturação da sua actividade comercial e de implantação no mercado, entre Julho de 2000 e o final de 2004, a Autora permitiu que a apresentação das colecções pudesse ser realizada em show room dos Réus, havendo convencionado que, logo que a aludida reestruturação fosse terminada, a apresentação das colecções voltaria a realizar-se no show room da Autora.

Após a conclusão dessa reestruturação, em finais de 2004, foi transmitido aos Réus a necessidade da apresentação das colecções no show room da AA, mas que eles recusaram e não compareceram ao local onde a Autora tinha colocado todo o material necessário à condigna recepção de todos os clientes na apresentação das colecções.

Em consequência da atitude dos Réus, a Autora foi obrigada a fazer ela a apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/06, no seu show room, a partir do dia 22 de Fevereiro, aos clientes dos Réus, tendo tido a necessidade de fazer deslocar o Sr. DD, chefe do departamento comercial, de Alcains para Lisboa, o que acarretou diversos custos.

Por outro lado, teve a Autora de proceder a várias desmarcações de reuniões com clientes, efectuadas pelos Réus e posteriores remarcações, o que causou uma péssima imagem junto de todos os clientes, muitos dos quais, vieram a efectuar compras mais avultadas em colecções de outras empresas concorrentes, sofrendo a Autora uma diminuição de € 143.749,00 no valor da vendas, o que, em termos de lucro, se veio a reflectir na perda de € 43.124,70.

Também, em 6 de Junho, ainda os Réus não tinham enviado a agenda da marcação com os clientes das datas de apresentação da colecção Primavera/Verão 2006 e desde o início do ano de 2005 que não recebeu dos Réus o relatório de visitas a clientes, nem os relatórios das vendas da estação Outono/Inverno 2005/06 e de outras ocorrências.

Perante a actuação dos Réus, em 5 de Julho de 2005, a Autora comunicou aos Réus, por carta registada com aviso de recepção, a sua vontade de resolução unilateral do contrato, com efeitos imediatos e com fundamento no incumprimento.

Acresce que os Réus violaram a obrigação de não concorrência, após a cessação do contrato, nos termos convencionados.

Citados regularmente, contestaram os Réus e deduziram reconvenção.

Na contestação, invocaram não terem incumprido o contrato de agência, tendo sido antes a Autora quem não cumpriu, desde logo por ter admitido ao seu serviço um colaborador para o sector comercial que passou a actuar na área geográfica da Ré e em prejuízo desta.

Por outro lado, a Ré solicitou, por diversas vezes, à Autora que lhe entregasse o material necessário para efectuar as apresentações, o que esta nunca fez.

Em virtude da posição assumida pela Autora, os Réus foram obrigados a contactar directa e pessoalmente os seus clientes, que já tinham datas marcadas para a apresentação, comunicando-lhes que não o podiam fazer, o que obrigou a enorme dispêndio de tempo e desgaste psicológico do Réu.

Na reconvenção, alegaram que a Autora mantém em atraso o pagamento dos montantes relativos às facturas já recebidas dos respectivos clientes, entre Dezembro de 2002 e Maio de 2004, no montante global de € 5.596.82 e, bem assim, as facturas já recebidas dos respectivos clientes entre os meses de Junho e Dezembro de 2004, que ascende ao montante de € 400,25, suspeitando ainda que outros montantes ficaram por liquidar, pelo menos desde a celebração do contrato, datado de 2 de Janeiro de 2000, uma vez que todas as facturas, guias de remessa e demais documentos que permitirão apurar o valor de todas as comissões devidas aos Réus, estão em poder da Autora; tem ainda a Ré direito a reclamar da Autora todas as importâncias a apurar referentes às encomendas aceites e entregues aos seus clientes, até à data da resolução do contrato, montantes que a Ré está impedida de calcular; como a Autora resolveu unilateralmente o contrato de agência, mas sem justa causa, têm direito à indemnização de clientela.

Concluíram pela improcedência da acção e, em reconvenção, pediram a condenação da Autora a pagar-lhes:

a) A quantia de € 5.997,07 correspondentes às comissões vencidas, já apuradas e não pagas, acrescida dos respectivos juros moratórios desde a data em que deveriam ser entregues até efectivo e integral pagamento;

b) Todas as importâncias que se vierem a apurar em liquidação de sentença;

c) A indemnização de clientela que se vier a apurar, de acordo com os princípios da equidade.

Replicou a Autora, contraditando a defesa por excepção e a reconvenção e treplicaram os Réus.

Foi elaborado o despacho saneador e procedeu-se à fixação dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, sem reclamação das partes.

Os Réus requereram prova pericial colegial, através de exame à escrita da Autora, com a finalidade de responder aos quesitos 65, 66, 67 e 68 da base instrutória.

A Autora a opôs-se.

Por despacho de 10 de Setembro de 2007, decidiu-se indeferir a requerida realização da prova pericial colegial à escrita da autora, por se considerar a mesma impertinente e dilatória, dado que a matéria indicada pela ré é passível de ser provada, quer testemunhal quer documentalmente, não se exigindo, para a percepção ou apreciação da matéria vertida nos artigos 65.º a 68.º da base instrutória, quaisquer conhecimentos especiais que o julgador não possua.

Inconformados, os Réus recorreram de agravo, com subida diferida.

A Autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

Foi realizada audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, tendo o tribunal respondido à matéria constante da Base Instrutória, sem qualquer reclamação.

A final, foi proferida sentença que decidiu:

a) Julgar improcedente a acção e absolver os Réus dos pedidos;

b) Julgar improcedente a reconvenção e absolver a Autora do pedido reconvencional.

Inconformados, Autora e Réus apelaram, mas, sem qualquer êxito, uma vez que a Relação, não só julgou improcedentes as apelações e confirmou a sentença recorrida, como julgou não provido o agravo interposto pelos Réus.

De tal acórdão vieram o a A. e os RR. interpor recurso de revista, recursos que foram admitidos.

A A. apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, na parte em que julgou improcedente o pedido da Autora;

2. Atenta toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal, em sede de audiência de julgamento merecia decisão diversa;

3. A Autora e os Réus celebraram um contrato de agência, onde estes se obrigaram, entre outras coisas, a apresentar aos clientes e potenciais clientes as colecções, promover a venda dos artigos de vestuário e acessórios de moda masculina, produzidos e comercializados pela AA, visitar regularmente os clientes, recolher informação comercial do mercado e do cliente a fim de transmitir para os serviços comerciais da AA mediante o regular preenchimento do documento designado por Relatório de Gestão do Cliente;

4. Nos termos da cláusula 14ª do contrato, ficou convencionado que a apresentação das colecções seria feita de acordo com as directrizes da AA e no local por esta indicado;

5. Os Réus recusaram-se a apresentar a colecção Outono/Inverno 2005/2006 nos moldes definidos pela AA;

6. Nesta sequência, a AA teve a necessidade de fazer deslocar o seu funcionário DD várias vezes a Lisboa para fazer a apresentação da colecção aos clientes que até à altura eram acompanhados pelos Réus, utilizou um veículo automóvel da empresa, tendo a AA suportado as despesas;

7. De entre os clientes atribuídos aos Réus, o valor da facturação reportada à colecção de Outono/Inverno 2004/2005 e o valor do encomendado reportado à colecção de Outono/Inverno 2005/2006 houve uma variação, para menos, no montante de 143 749.00 €;

8. A Autora, ora Recorrente AA tem uma margem de lucro média de 30%;

9. Posteriormente, os Réus continuaram a não fazer o acompanhamento dos clientes, nem a apresentar os relatórios, nem a aparecer às reuniões agendadas com os agentes para analisar as vendas;

10. Assim, depois de algumas considerações, conclui, e bem, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" que "no caso dos autos, em face de toda a factualidade dada como provada atinente à actuação dos réus, ter-se-á de concluir que a mesma é fundamento de resolução do contrato por parte da autora, como foi, por justa causa" sublinhamos.

11. Acrescentando a final que "dado o carácter relevante da obrigação contratual que a ré deixou de cumprir (apresentação da colecção sobredita no local e tempo indicados pela Autora), apesar de sucessivamente alertada e instada para o fazer, não se pode deixar de concluir, por estarmos perante uma violação grave e, naturalmente, culposa do contrato, por parte daquela que, dada a sua natureza, importa legítima quebra de confiança na autora e justifica que lhe deixe de ser exigível a manutenção do vínculo contratual" – sublinhamos.

12. Estabelece o artigo 32º n.º 1 do Decreto Lei n.º 178/86 de 3/07 que "independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações".

13. Ora, por sua vez, o artigo 799º do Código Civil começa por estabelecer que "o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor".

14. 0 n.º 2 do artigo 801º diz que "tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato".

Dos Danos emergentes

15. Como supra se referiu, em consequência dos comportamentos dos Réus, viu-se a Autora AA na contingência de um momento para o outro fazer deslocar um seu funcionário de Castelo Branco para Lisboa para, primeiro, fazer a apresentação das colecções e, depois, fazer o acompanhamento dos clientes.

16. Como disseram as testemunhas, tal funcionário tinha como normal local de trabalho as instalações da AA, em Castelo Branco, pelo que a sua deslocação para Lisboa acarretou necessariamente custos que não teriam sido tidos pela AA não fosse a violação grave e culposa do contrato por parte dos Réus.

17. Esses custos, com deslocações, hotéis, restaurantes, etc, encontram-se devidamente documentados nos autos, apurando-se assim o valor de 498,62 €;

18. De igual forma, quanto ao salário desse funcionário, é verdade que o mesmo seria sempre devido.

19. Acontece que, em consequência do comportamento dos Réus, o mesmo deixou de fazer as suas normais funções.

20. Parece óbvio que de harmonia com a teoria da diferença, não era igual para a AA, caso os Réus tivessem cumprido o contrato, o que não aconteceu.

21. Essa diferença tem forçosamente de ser indemnizável, achando-se justo e equitativo que o prejuízo da AA seja aferido pelo valor do vencimento daquele funcionário, tendo em conta o número de dias em que o mesmo se deslocou a Lisboa para realizar os trabalhos que caberiam aos Réus.

22- Devem, pois, os Réus indemnizar a Autora AA naquele montante de 1 875,52 €.

Dos Lucros Cessantes

23. A principal sanção estabelecida para o não cumprimento consiste na obrigação imposta ex lege ao devedor de indemnizar o prejuízo causado ao credor.

24. Este prejuízo compreende tanto o dano emergente como o lucro cessante (artigo 564º do Código Civil) todo o interesse contratual positivo, na hipótese de a obrigação provir de contrato e é determinado em função dos danos concretamente sofridos pelo credor,

25. Os Réus, ao contrário do que estavam obrigados, não fizeram a apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/2006, que deveria ter ocorrido em Janeiro de 2005.

26. Nessa colecção, a AA, tal como resultou provado, de entre os clientes atribuídos aos Réus, o valor da facturação reportada à colecção anterior e o valor do encomendado reportado a essa colecção Outono/Inverno 2005/2006 houve uma variação, para menos, no montante de € 143 479,00.

27. Sendo o margem de lucro média da AA de 30% teve assim um prejuízo que se calculou de 43 124.70 € e que devem os Réus indemnizar.

28. Como se disse no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/01/2010, processo n.º 1593/04.9TVLSB.L1-1, em que foi relator o ILUSTRE JUIZ DESEMBARGADOR MANUEL MARQUES, "admite-se, todavia, que em casos excepcionais se podem ainda indemnizar os danos positivos se tal for exigido pela justa composição do litigio contratual – vide sobre esta problemática Brandão Proença, A Resolução Do Contrato No Direito Civil, 1982, pags. 199/214. "

29. E mais à frente acrescenta "Já sustentada por Vaz Serra (BMJ 47,40), foi detalhadamente defendida, entre outros, por Batista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 175), Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, 208) e Ana Prata (Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, 479). Brandão Proença admite uma flexibilização da jurisprudência com admissão da indemnização pelos danos positivos "quando assim for exigido pelos interesses em presença" (A Resolução do Contrato no Direito Civil, 196) e Galvão Teles afirma que se concebe todavia "que o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias." (Direito das Obrigações, 7.ª ed, 463, nota de pé de página).

30. Nos presentes autos, como já se referiu e de deu como provado, está em causa a violação grave dos Réus do contrato de agência, na medida em que deixaram de promover as vendas da Autora AA e posterior acompanhamento dos clientes.

31. Em consequência dessa conduta provocaram diminuição nas vendas dos clientes que lhe estavam adstritos e consequentemente nos lucros da AA no que se refere à colecção de Outono/Inverno de 2005.

32. Foram os Réus os únicos e principais responsáveis por essa diminuição nas vendas e perda de lucros, pelo é justo e equitativo que sejam os mesmos a responder por esses prejuízos.

Dos Danos não patrimoniais

33. Todas as testemunhas, cujos depoimentos se encontram supra transcritos, foram peremptórias a descrever a MÁ IMAGEM que o comportamento dos Réus deixou da AA junto dos seus clientes, que não estavam habituados.

34. O marcar, desmarcar reuniões, as desculpas aos clientes, o esforço para não lavar roupa suja em público, a reorganização das tarefas atribuídas a outros vendedores, funcionários, originou sérios e graves transtornos à marca, à empresa, à sociedade, aos seus administradores, funcionários e colaboradores.

35. Acresce ainda, a AA vem de um longo processo de reestruturação, com fortes investimentos na marca e prestígio AA.

36. É uma empresa com mais de 400 trabalhadores, que de um momento para o outro se vê na situação de perder as vendas por uma birra de um vendedor.

37. Se não há vendas não há lucros. Os Réus esqueceram-se de toda aquela organização empresarial, dos funcionários que também estão à espera das suas encomendas para poder trabalhar e consequentemente vender o produto e gerar lucro.

Sem isso nada feito.

38. Para além dos danos patrimoniais, é assim evidente que tais transtornos, arrelias e principalmente a má imagem deixada pelos Réus da AA juntos dos clientes devem ser indemnizados autonomamente aos danos patrimoniais, no montante de 12 500,00 €.

Sem prescindir,

39. É certo que se tem firmado na jurisprudência de que a responsabilidade por danos não patrimoniais também ocorre no âmbito do ilícito contratual, sendo também certo que a MÁ IMAGEM comercial da Autora AA deixada pelos Réus constitui um facto concreto.

40. Acontece que, de acordo com uma corrente jurisprudencial "os prejuízos estritamente morais implicados na ofensa do bom nome e reputação apenas calham aos indivíduos e às pessoas morais, para os quais a dimensão ética é importante, independentemente do dinheiro que poderá valer, não às sociedades comerciais, pois a estas o bom nome e a reputação apenas interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar, apenas podendo produzir a ofensa do crédito e do bom nome, para as sociedades comerciais, quando muito, um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opera aquela ofensa".

Ora,

41. Mesmo a assim a entender-se, terá sempre a Autora AA direito a ser indemnizada, pois como se viu, o comportamento dos Réus, a MÁ IMAGEM que criaram da Autora com esse seu comportamento, fez com que a mesma perdesse no imediato, uma diminuição nas vendas e consequentemente nos lucros que se estipula numa quantia nunca inferior a 43 124,70 €.

42. Por aqui, apesar de o ser com um fundamento diferente, sempre deverão os Réus ser condenados a pagar à AA aquela quantia.

43. Ao assim decidir, violou o Acórdão Recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, entre outros, os artigos 515º, 655º, 659º do Código de Processo Civil, 432º e seguintes, 564º, 798º, 799º, 801º do Código Civil e 32º do Decreto Lei n.º 178/86 de 3 de Julho.

44. Pelo que deve ser revogado e substituído por um outro que condene os Réus nas quantias peticionadas pela Autora, aqui Recorrente, AA.

Por sua vez, os RR. concluíram, do seguinte modo, o seu recurso:

1. Não se verificou qualquer fundamento para a resolução do contrato de agência celebrado entre autora e réus. Nomeadamente, não podia a autora impor aos réus que passassem a apresentar as suas colecções no seu show room, até porque, tal resulta do teor do documento nº 2 junto com a petição inicial, do qual resulta a vontade expressa de ambas as partes, a necessidade de obtenção de consenso.

2. A lei exige que a falta de cumprimento que justifica a resolução se revista de especial importância, quer pela gravidade, quer pelo carácter reiterado, o que não se verifica no caso sob apreciação e não tido em consideração no Acórdão recorrido.

3. Estamos assim perante o incumprimento contratual imputável exclusivamente à Autora, pelo que, esta deverá indemnizar a parte não culposa, ou seja, os Réus.

4. A resolução operada não se encontra fundamentada, sendo ilícita e ilegítima.

5. Contrariamente ao que consta da sentença recorrida, estão verificados os requisitos para a determinação da indemnização de clientela que deve ser reconhecida aos Réus.

6. Quanto ao exame pericial indeferido, também não se consegue encontrar fundamento válido para o efeito, ficando nitidamente prejudicada a descoberta da verdade e a realização da justiça.

7. Estamos perante situação que justifica a repetição do julgamento nos termos do disposto nos artºs 722º, 729º e 730º do CPC.

8. Deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente e o pedido reconvencional procedente.

9. O Acórdão recorrido faz errada interpretação e aplicação do disposto no DL. Nº 178/86 de 3/7, modificado pelo D.L. nº 118/93 de 13/4, em conformidade com a Directiva 86/053/CEE de 18 de Dezembro, nomeadamente no que respeita aos seus artºs 1º nº 1, artº 33º nº 1 e artº 34º.

10. Bem assim, fez o acórdão recorrido errada interpretação do regime legal de produção de prova, nomeadamente o artº 578º do CPC.

A A. apresentou contra-alegação ao recurso dos RR, concluindo pela total improcedência deste recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A) De Facto

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

1. A Autora tem como actividade principal a indústria e comércio de vestuário e acessórios de moda (A).

2. No dia 2 de Janeiro de 2000 foi celebrado entre a Autora e os Réus um acordo que denominaram "contrato de agência", segundo o qual os últimos se obrigaram a prestar à primeira os seus serviços de venda dos artigos que a AA produzisse ou comercializasse, em regime de exclusividade, obrigando-se a proporcionar-lhe o resultado do seu trabalho mediante uma contrapartida designada por comissão (B).

3. Apesar de se ter realizado uma reunião entre a Autora e o segundo Réu, que esteve presente a título pessoal e em representação da 1ª Ré, a qual ocorreu na sede da Autora no dia 4 de Fevereiro, os Réus mantiveram as suas posições, o que motivou que lhes fosse endereçada uma nova carta ainda no mesmo dia de 04/02/2005 (B).

4. Como resposta veio no entanto a Autora a receber uma carta datada de 18 de Janeiro de 2005 onde os Réus, acusando a recepção de uma circular informativa referente à apresentação das colecções, comunicaram à primeira a sua recusa em fazer a apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/06 no show room que esta Autora preparara (C).

5. E insistindo na apresentação em instalações próprias dos Réus (D).

6. A autora, por carta datada de 20 de Dezembro de 2004, endereçada à primeira Ré, informou-a que a partir daquela data a apresentação de colecções, atendimento a clientes e sua domiciliação, deveria ser feita no show room da empresa, situado na Av. da R... n.º ..., ....º Esq., ... ... Lisboa (E).

7. A remuneração que a Autora se obrigou a pagar à Ré era de 3,5% + 05% sobre o valor das vendas por esta promovidas (F).

8. Sendo que, a Autora assumiu a obrigação de entregar, pelo menos, 80% de todas as notas de encomenda, por si aceites e confirmadas (G).

9. Além daquela remuneração, a Autora obrigou-se ainda a pagar à Ré um prémio por objectivos (H).

10. A autora procedeu a uma reestruturação da sua actividade comercial e implantação do mercado e permitiu que a apresentação das colecções pudesse ser realizada no "show-room" dos réus, o que efectivamente aconteceu desde a estação Outono/Inverno 2000/2001 e a que antecedeu a de Outono/Inverno 2005/2006 (r.q. 1.º e 12.º)

11. O contrato referido em 2. correspondeu à renovação da relação estabelecida entre autora e réus desde pelo menos, 1994 (r.q. 2.º).

12. Tendo o mesmo sido assinado pelo Senhor CC a titulo pessoal e como sócio gerente da primeira Ré, qualidade que sempre manteve até à actualidade (r.q. 3.º).

13. O contrato teve início em 2 de Janeiro de 2000 e foi celebrado por três anos, renovando-se automaticamente por sucessivos períodos de um ano (r.q. 4.º).

14. Do contrato de agência constava ainda na sua cláusula 3ª que o agente ficava se obrigava, no mínimo, a:

"Apresentar aos clientes e potenciais clientes da AA as colecções Primavera/Verão e Outono/ Inverno e promover a sua venda;

Apresentar aos clientes e potenciais clientes da AA, com regularidade, os artigos de vestuário e acessórios de moda masculina, produzidos e comercializados pela AA, promovendo a sua venda;

Visitar regularmente, os clientes e potenciais clientes com o objectivo de promover e desenvolver as vendas dos artigos produzidos e/ou comercializados pela AA bem como recolher informação comercial do mercado e do cliente a fim de a transmitir para os serviços comerciais centrais da AA mediante o regular preenchimento do documento designado por Relatório de Gestão do Cliente, de acordo com o disposto na cláusula décima sexta, do presente contrato; Informar os clientes e potenciais clientes dos preços e condições de venda dos artigos produzidos e/ou comercializados pela AA, em conformidade com as condições financeiras de venda estabelecidas por esta;

Preencher as propostas de notas de encomenda, fazê-las assinar pelos clientes e remetê-las ou entregá-las à AA no prazo máximo de quatro dias;

Respeitar e promover o bom-nome da AA e das marcas e produtos comercializados por esta, junto do mercado;

Prestar informação regular à AA sobre o mercado e seriedade comercial, solvabilidade dos clientes, em conformidade com a cláusula décima sexta;

Colaborar com a AA no esforço de cobrança junto dos clientes; Informar a AA sobre eventuais reclamações de clientes, em conformidade com o estipulado na cláusula décima sexta;

Observar as condições de venda e pagamento que lhe são fornecidas pela AA;

Solicitar amostras, dependendo a sua entrega de prévia análise e aceitação pela AA;

Passar factura e/ou recibo de quitação de todas as importâncias pagas e postas à sua disposição pela AA, aquando do respectivo pagamento, sob pena de esta última lhe o recusar" (r.q. 5.º).

15. No n.º 1 da cláusula 14.ª do contrato referido em 2. ficou convencionado que a apresentação das colecções, nos meses referidos no n.º 3 da cláusula 6.ª, "será sempre feita de acordo com as directrizes da AA e no local por esta indicado...devendo o agente participar directa e pessoalmente em tais eventos...", através do 2.º réu (r.q. 6.º).

16. Por seu lado, de acordo com o disposto na cláusula 16.ª do contrato, o agente obrigou-se a apresentar à AA o Relatório de Gestão de Clientes, com a periodicidade, forma e conteúdo que for definido pela AA (r.q. 7.º).

17. Tendo ainda ficado convencionado, nos números 2 da cláusula 16.ª, que os Relatórios de Gestão de Clientes eram parte integrante das funções do agente e constituíam tácito acordo entre as partes de que uma boa prática comercial passava, "pela realização, de visitas regulares a cada cliente....., à excepção dos períodos relativos à apresentação das colecções...." (r.q. 8.º).

18. Constava do contrato, na cláusula 16.ª/3 que, sempre que houvesse necessidade de informar a AA sobre qualquer irregularidade pontual relativa a qualquer cliente ou sobre o mercado, o agente tinha ao seu dispor a "Ficha de Anotação de Irregularidades" (r.q. 9.º).

19. Também que, independentemente do preenchimento deste documento, o Agente deveria informar a agora Autora de todas as reclamações recebidas dos clientes, também de todas as ocorrências de que tivesse conhecimento e que fossem susceptíveis de modificar a situação relatada nos relatórios e fichas mencionados no contrato (r.q.10.º).

20. A autora exigia aos seus agentes que enviassem os aludidos relatórios com uma periodicidade mínima trimestral, o que era do conhecimento dos réus (r.q.11.º).

21. Na mesma ocasião em que autora comunicou a alteração referida em 10. também comunicou que tal situação se manteria até que "se encontrassem reunidas as condições para se realizar a reestruturação das novas zonas comerciais..." (r.q. 13.º).

22. Sendo que, com a aludida reestruturação, pretendeu a Autora melhorar e uniformizar a imagem de marca junto de todos os clientes, como forma de valorizar o produto e lutar de forma mais eficiente contra a concorrência no sector da confecção (r.q.14.º).

23. A reestruturação ficou concluída em finais de 2004, pelo que, em reunião havida nas instalações da empresa com todos os vendedores da Autora na data de 29/11/2004, lhes foi transmitido a necessidade da apresentação das colecções no show room da AA (r.q. 15.º).

24. Tendo assim tal decisão também sido transmitida aos agora réus, através da pessoa do Senhor CC, que se encontrava presente (r.q. 16.º).

25. Tendo o 2.º réu manifestado reservas à decisão tomada pela empresa foi então decidido por parte da autora remeter-lhe uma comunicação escrita. (r.q. 17.º).

26. Aproximando-se a data de apresentação das colecções sem que os réus dessem qualquer indício de pretender apresentar as colecções aos clientes, a autora solicitou aos Réus a marcação de uma reunião, sugerindo-lhe que estivesse presente o seu advogado (r.q. 18.º).

27. Através de carta datada de 20/01/2005, a autora reiterou o pedido, feito aos réus, de reunião, já antes formulado, "a fim de tentar dirimir definitivamente as dúvidas e questões que subsistiam no relacionamento comercial de ambas as empresas" (r.q. 20.º).

28. Por carta datada de 27-01-2005 a ré comunicou à autora, "com vista à apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/2006, a necessidade de lhe ser facultado todo o material a ela destinada, a fim de organizar e iniciar a apresentação da mesma no seu próprio show-room" (r.q. 21.º).

29. A autora, conforme programado, deu início à apresentação da colecção aos clientes do outro vendedor, em 9 de Fevereiro de 2005 (r.q. 22.º).

30. Depois da data referida em 22, a autora solicitou à ré que a informasse "quais as datas que havia marcado com os seus clientes, para que lhe fosse possível planificar o seu atendimento por parte dos seus vários agentes e vendedores" (r.q. 23.º).

31. A autora comunicou aos réus, em 15 de Fevereiro que, caso a situação de recusa de apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/06 se mantivesse até dia 21 do mesmo mês, seria ela a assumir o contacto, marcação e apresentação das colecções directamente (r.q. 25.º)

32. Os réus, em carta datada de 18/02/2005, comunicaram à autora a sua decisão de não acompanhar os clientes que se dispusessem a deslocar-se ao show-room daquela (r.q. 26.º).

33. Nenhum dos réus compareceu ou se fez representar, nem justificou a sua ausência, no local onde a autora tinha colocado o material com vista à recepção dos clientes, na apresentação da colecção (r.q. 27.º).

34. A autora fez pelos, seus meios, a apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/06 no seu show room a partir do dia 22 de Fevereiro, aos clientes dos Réus (r.q. 28.º).

35. Nesta sequência, DD, Chefe de Departamento Comercial na sede da autora se deslocou a Lisboa, por várias ocasiões, para acompanhar a apresentação da colecção aos clientes que, até à altura, eram acompanhados pela ré (r.q. 29.º e 31.º).

36. O DD utilizou, para o efeito, um veículo automóvel propriedade da autora (r.q. 32.º).

37. A autora suportou as despesas, de valor não apurado, inerentes ao transporte e estadia do DD de Alcains para Lisboa (r.q. 33.º).

38. No Mês de Março de 2005 o salário ilíquido do Sr. DD foi de 2.477,10 (r.q. 34.º).

39. A Autora, através do Sr. DD e de outros colaboradores, contactou directamente os seus clientes (r.q. 35.º).

40. A ré procedeu a marcações com alguns clientes, para fazer a apresentação da colecção, em local da sua responsabilidade (r.q. 37.º).

41. A autora veio a desmarcar tais apresentações (r.q. 38.º).

42. De entre os clientes atribuídos à ré, o valor da facturação reportada à colecção de Outono/Inverno 2004/2005 e o valor do encomendado reportado à colecção de Outono/Inverno 2005/2006 houve uma variação, para menos, no montante de 143.749,00 (r.q. 41.º)

43. A autora tem uma margem de lucro média de 30% (r.q. 42.º).

44. Em 08/04/2004 a autora voltou a pedir aos réus os relatórios de venda da colecção Outono/Inverno 2005/06, de visitas a clientes e de outras ocorrências (r.q. 43.º).

45. Entretanto a autora agendou uma reunião com todos os agentes para 12/5/05, destinada a analisar as vendas relativas à estação Outono/Inverno 2005/06, as substituições a efectuar das referidas colecções e a primeira abordagem da colecção Primavera/Verão 2006 (r.q. 44.º)

46. A Autora informou e convocou os réus mas estes voltaram a estar ausentes, sem terem apresentado qualquer tipo de justificação (r.q. 45.º)

47. Sendo que, em 6 de Junho ainda os réus não tinham enviado a agenda da marcação com os clientes das datas de apresentação da colecção Primavera/Verão 2006 (r.q. 46.º).

48. Desde o início do ano de 2005 que a autora não recebeu dos réus o relatório de visitas a clientes, nem os relatórios das vendas da estação Outono/Inverno 2005/06 e de outras ocorrências (r.q. 47.º).

49. A elaboração e entrega desses documentos constituíam deveres da ré (r.q. 48.º).

50. A autora em 5 de Julho comunicou aos Réus, por carta registada com aviso de recepção, a sua vontade de resolução unilateral do contrato, com efeitos imediatos e com fundamento no incumprimento (r.q. 49.º).

51. Estava também contratado na cláusula 18.ª do contrato de agência a obrigação de não concorrência, por parte de ambos os Réus, após a cessação do presente contrato, pelo período de um ano e circunscrita à lista de clientes que estivessem a ser assistidos na ocasião (r.q. 50.º).

52. Sendo certo que a Autora continuou a pagar-lhes os valores de todas as comissões relativas às vendas promovidas pelos réus e cobradas após a resolução do contrato (r.q. 51.º).

53. Para além da actividade desenvolvida pela ré no âmbito do contrato de agência, também prestou serviços para a Autora que, consistiram na "selecção e escolha de tecidos, contactando com os respectivos fornecedores, prospectar a moda em feiras de tecidos e de moda", "criar e preparar colecções de moda e acessórios produzidos ou comercializados pela primeira outorgante (aqui Autora)", colaboração "no processo de marcação de preços, informar a primeira outorgante dos preços e condições de venda praticados no mercado concorrencial" (r.q. 53.º).

54. A ré não aceitou a proposta de reformulação do contrato de agência, fazendo incluir neste a actividade prevista no contrato de prestação de serviços correspondentes a "selecção e escolha de tecidos, contactando com os respectivos fornecedores, prospectar a moda em feiras de tecidos e de moda", "criar e preparar colecções de moda e acessórios produzidos ou comercializados pela primeira outorgante (aqui autora)", colaboração "no processo de marcação de preços, informar a primeira outorgante dos preços e condições de venda praticados no mercado concorrencial" (r.q. 54.º).

55. A ré transmitiu à autora desagrado por os seus clientes terem de trabalhar num ambiente ruidoso e em que se escutavam mutuamente as pessoas que partilhavam o mesmo espaço (r.q. 57.º).

56. A ré comunicou à autora que não aceitava proceder à alteração do local para apresentação das colecções (r.q. 59.º).

57. Para o efeito, a Ré solicitou por diversas vezes à Autora que lhe entregasse o material necessário (r.q. 60.º).

58. A autora não entregou à ré a colecção Outono/inverno 2005/2006, que esta pretendia apresentar no seu show-room, apesar das solicitações que lhe foram dirigidas nesse sentido (r.q. 61.º).

59. Não dispondo de material para apresentar a colecção, os Réus contactaram directa e pessoalmente os seus clientes, que já tinham datas marcadas para a apresentação, comunicando-lhes que não o podiam fazer (r.q. 62.º).

60. O descrito no ponto anterior causou ao réu desgaste psicológico ao réu (r.q. 63.º).

61. A autora continuará a beneficiar dos clientes angariados e desenvolvidos pela Ré, depois da cessação do contrato de agência, cessando o recebimento da sua comissão (r.q. 67.º).

62. A Ré angariou novos clientes e aumentou o volume de negócios com a clientela já existente (r.q. 68.º).

B) De Direito

1. São suscitadas seis questões:

a) Direito da A. às indemnizações peticionadas, a título de lucros cessantes, danos emergentes e danos não patrimoniais;

b) Inexistência de fundamento para a não ordenação da perícia requerida e consequente imposição da repetição do julgamento;

c) Violação dos comandos dos artigos 722.º, 729.º e 730.º do CPC;

d) Ilicitude e ilegitimidade da resolução do contrato por parte da A.

e) Consequente direito dos RR. a serem indemnizados por tal facto;

f) Direito dos RR à indemnização da clientela.

2. Começaremos pelas questões enumeradas nas alíneas b) e c), porquanto, delas, a serem decididas em sentido favorável aos recorrentes, decorreria a necessidade de fazer baixar o processo à 1.ª instância, para realização das diligências tidas por necessárias.

Quanto à questão da alínea b), dir-se-á, no entanto, que dela se não conhecerá, por ter sido tratada no âmbito de um agravo, excluído, ex vi do disposto no artigo 754.º, n.os 2 e 3 do CPC, da apreciação pelo STJ.

A questão suscitada na 1.ª instância foi objecto de recurso de agravo de que a Relação conheceu e, não se lhe aplicando as excepções previstas no n.º 3 do citado artigo, nem tendo sido invocada a da segunda parte do n.º 2, tem plena aplicação a regra da primeira parte do mesmo n.º 2.

3. Quanto à da alínea c) não se invoca no recurso qualquer situação que se integre no n.º 2 do artigo 722.º do CPC.

Segundo o n.º 1 do artigo 721.º do CPC, “[c]abe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa”.

O fundamento específico do recurso de revista é, nos termos do n.º 2 do citado normativo, “a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; acessoriamente, pode alegar-se, porém, alguma das nulidades previstas nos artigos 668.º e 716.º”.

Consideram-se como lei substantiva, para os efeitos deste artigo – diz-se no seu n.º 3 – “as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de carácter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais.”

Por seu lado, prescreve o n.º 1 do artigo 722.º que, “[s]endo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação de lei de processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754.º, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso”.

Diz-se ainda no n.º 2 do citado normativo que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Importa ainda citar o n.º 3 do artigo 722.º do CPC, onde se estatui:

“Se o recorrente pretender impugnar a decisão apenas com fundamento nas nulidades dos artigos 668.º e 716.º, deve interpor recurso de agravo.”

E finalmente apelar, para esta análise, ao disposto no n.º 2 do já citado artigo 729.º, do mesmo Código, que dispõe:

“A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º”.

No caso dos autos não foi invocado no recurso de apelação qualquer erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto, enquadrável na parte final do n.º 2 do artigo 722.º do CPC.

Trata-se, pois, de uma questão insusceptível de apreciação neste recurso, por sobre ela se ter formado caso julgado.

Quanto à insuficiência ou contradição da matéria de facto provada, ela, patentemente, inexiste, pelo que não há fundamento para recorrer ao disposto no artigo 729.º do CPC.

4. Os factos provados configuram um contrato de agência.

Trata-se de uma afirmação incontroversa e que, por isso, não merece que sobre essa caracterização se perca mais tempo.

O contrato de agência é regulado pelo Dec.Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Dec.Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva Comunitária 86/653/CEE do Conselho de 18/12/86 (cf. o respectivo preâmbulo).

O actual artigo 1.º, n.º 1 do referido diploma caracteriza o contrato de agência como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado numero de clientes”.

Trata-se de um contrato bilateral e oneroso de que resultam para o agente e para o agenciado (principal) obrigações recíprocas: o primeiro assume a obrigação de promover por conta da outra parte a celebração de contratos, que "envolve toda uma complexa e multifacetada actividade material, de prospecção do mercado, de angariação de clientes, de difusão dos produtos e serviços, de negociação, etc., que antecede e prepara a conclusão dos contratos, mas na qual o agente já não tem de intervir"; o segundo obriga-se a pagar a retribuição convencionada, que se "determina, fundamentalmente, com base no volume de negócios conseguido pelo agente, revestindo assim um carácter variável, sob a forma de comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos negócios, podendo cumular-se, no entanto, com qualquer importância fixa acordada entre as partes" (António Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, Coimbra, 2001, pp. 84, 85 e 96).

No que respeita à cessação desse contrato prescreve o art. 24.º do Dec.Lei n.º 178/86 que "o contrato de agência pode cessar por: a) acordo das partes; b) caducidade; c) denúncia; d) resolução".

No que concerne à respectiva resolução, estabelece o seu art. 30.º que "o contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia".

São elementos típicos do contrato de agência: a obrigação do agente promover a celebração de contratos; a actuação do agente por conta da outra parte; a actuação do agente numa certa área geográfica ou num determinado círculo de pessoas; a autonomia do agente; o carácter de estabilidade da relação contratual entre as partes; a remuneração paga pelo principal do agente.

Atentas as previsões legais e a matéria fixada ressalta que se encontram preenchidos todos os elementos descritos.

Assim, o A. e R. mantinham o compromisso de o segundo incentivar segundo o seu critério, mas por conta da primeira, a realização de negócios de venda dos produtos da AA.

Foi estabelecida a remuneração e o respectivo prazo de vigência.

O conteúdo da obrigação dos RR. traduz-se numa prestação de facto, que consiste na prática dos actos necessários à conquista e desenvolvimento do mercado do principal e a concluir contratos.

Esta actuação dos RR. é feita por conta do principal e não por si. Os actos por si praticados, nos seus efeitos, têm por efeito a esfera jurídica da A.

“A actividade do agente caracteriza-se tipicamente pela promoção de celebração de contratos: o agente faz prospecção de mercado, angaria a clientela através de publicidade dos produtos, de acordos e negociações directas, encaminhando para o principal as propostas dos clientes, que este se limitará em principio a aceitar. Não pertence, assim, ao núcleo típico da actividade do agente a própria celebração de contratos, a qual constitui uma tarefa de consumação normalmente pertença do principal” (M. Januário C. Gomes, “Apontamentos sobre o contrato de agência”, in Trib. Just. nº 3 Abril/Maio, 1990, p. 15).

O contrato de agência “não confere, por si só, ao agente poderes para celebrar contratos. Este limita-se a fomentar a sua conclusão e a prepara-‑los, mas não lhe cabe a celebração de contratos que promove, excepto se lhe tiverem sido conferidos os indispensáveis poderes para tal (Pinto Monteiro, Contrato de Agência, Almedina, Coimbra, 5.ª edição, p. 45).

Caracterizado que está o contrato, importa saber se a Autora tem direito à sua resolução.

A Autora, por carta de 5 de Julho de 2005, resolveu unilateralmente o contrato, com fundamento no incumprimento dos Réus e no disposto no art.º 30.º, alínea a), do DL n.º 178/86.

Celebrado o contrato o mesmo deve ser pontualmente cumprido como estatui o art. 406.º C. Civil e do principio aí consignado “Pacta sunt servanda”.

No cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de agência estão o agente e a outra parte adstritas a proceder de boa fé, conforme dispõem os art.os 6.º e 12.º do DL 178/86, imposição que resulta do art.º 762.º, n.º 2, do CC.

De acordo com o citado 6.º do DL. 178/86. “no cumprimento da obrigação de promover a celebração de contratos, e em todas as demais, o agente deve proceder de boa-fé, competindo-lhe zelar pelos interesses da outra parte e desenvolver as actividades adequadas à realização do fim contratual”.

E estabelece art. 7.º, al. a) do mesmo diploma que “o agente é obrigado, designadamente a respeitar as instruções da outra parte que não ponham em causa a sua autonomia”.

Disse-se no acórdão recorrido:

Impõe-se averiguar se existe “justa causa” para a resolução.

Diferentemente dos contratos de execução instantânea, os de execução continuada ou periódica criam uma relação contratual mais complexa, que apresenta aspectos particulares no que se refere à valoração do incumprimento para efeitos de resolução, por pressuporem uma relação de confiança e de estreita colaboração.

Na verdade, o direito de resolução por "justa causa" há-de aqui ser apreciado em função da "inexigibilidade". Como salienta BAPTISTA MACHADO “Será uma “ justa causa” ou um “fundamento importante” qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim (…). A “justa causa “representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um “incumprimento”): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual“ (“Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, João Baptista Machado, Obra Dispersa, vol.I, pág.143 e 144).

Nesta perspectiva, a apreciação do incumprimento implica uma “análise global do contrato inexecutado (da natureza e das suas cláusulas) e na consideração do “comportamento” total dos contraentes (particularmente da situação de expectativa do credor)” (BRANDÃO PROENÇA, A Resolução do Contrato no Direito Civil, pág.142), pois a inexigibilidade tem a ver com o prognóstico do risco e com a frustração do fim do contrato, sendo que, nestes casos, a existência de justa causa excluiu a necessidade do recurso ao mecanismo da interpelação admonitória do art.808 do CC.

As partes convencionaram (cláusula 14ª) que a apresentação das colecções nos meses referidos no nº 3 da cláusula sexta, “ será sempre feita de acordo com as directrizes da AA e no local por esta indicado (…) devendo o agente participar directa e pessoalmente em tais eventos“.

A interpretação que se colhe do contrato, em face do critério estabelecido nos arts.236 e 238 do CC, é no sentido de competir à Autora a escolha do local da apresentação das colecções, bem como a orientação da própria apresentação, pelo que, como correctamente se afirma na sentença, “ a escolha que, naturalmente, deveria ser acolhida pelos réus, sendo a mesma, nos termos contratuais, subtraída à autonomia do agente e não se reconduzindo à mera organização e concretização do seu trabalho de promoção de contratos por conta da autora.”

Sabe-se que a Autora, em virtude da reestruturação da sua actividade permitiu que a apresentação das colecções pudesse ser realizada no “show room” dos Réus, o que aconteceu desde a estação Outono/Inverno 2000/2001 e a que antecedeu a de Outono/inverno 2005/2006 (cf. r.q. 1º e 12º).

Provou-se que a reestruturação ficou concluída em finais de 2004, pelo que, em reunião havida nas instalações da empresa com todos os vendedores da Autora na data de 29/11/2004, lhes foi transmitido a necessidade da apresentação das colecções no show room da AA, decisão transmitida aos Réus (cf. r.q.15º e 16º).

Comprovou-se, no entanto, que o Réu CC manifestou reservas à decisão da Autora, o que motivou uma reunião, tendo a Autora reiterado a sua posição por carta de 20/1/2005 (cf. r.q. 17º, 18º e 20º). Verifica-se que os Réus para além de se recusarem à apresentação da colecção no local indicado pela Autora, comunicaram-lhe até (por carta de 18/2/2005) que não acompanhariam os clientes que se dispusessem a deslocar ao show room da Autora, o que efectivamente fizeram (cf. r.q. 26º e 27º) .

E como nenhum dos Réus compareceu, nem justificou a ausência, teve que ser a Autora, pelos seus meios, a proceder à apresentação da colecção no seu show room aos clientes dos Réus (cf. r.q. 27º e 28º).

Contrariamente ao alegado pelos Réus, não ficou demonstrado que a alteração do local da apresentação das colecções dependesse sequer do consentimento dos Réus.

Para além disso, comprovou-se também que os Réus, desde início do ano de 2005, não enviaram os relatórios de visitas a clientes e de vendas (cf. r.q. 47), sendo que já em 8/4/2004 pedira os relatórios de venda da colecção Outono/inverno de 2005/2006 (r.q.43º)

Neste contexto, ponderando a factualidade apurada, houve uma clara violação das obrigações contratuais por parte dos Réus, designadamente, do acordado nas cláusulas 3ª nº1 a) e g), 14ª nº1 e 16ª, ou seja, incumprimento culposo, que pelas suas implicações se revelam graves comprometendo a subsistência da relação contratual (considerando, além do mais, a natureza e finalidade do contrato), constituindo fundamento de “justa causa” de resolução.

Conclui-se, portanto, ter existido fundamento para a resolução voluntária e unilateral do contrato.”

Acompanhamos in totum a fundamentação aduzida.

Com efeito, perante a matéria de facto fixada, as instâncias entenderam, e bem, que os RR. incumpriram, no essencial, as suas obrigações contratuais, violando, também o princípio da boa-fé.

A violação dos deveres decorrentes de tal princípio é clara, sendo certo que o escrupuloso cumprimento do contratualizado foi objecto de periódica insistência por parte da A, o que implica que o incumprimento assume um carácter de gravidade tal, que não é exigível a subsistência do vínculo contratual.

E o incumprimento não foi apenas grave como reiterado, o que reforça a conclusão anterior da não exigibilidade da subsistência do vínculo.

Assim, ao abrigo do disposto no já citado art. 30.º, a A. pôde legitimamente resolver o contrato.

5. Quanto aos danos reclamados pela A. temos mais uma vez, que comungar do entendimento do acórdão recorrido, que é o seguinte: nenhuma prova foi feita sobre a existência de danos de que a conduta dos RR. seja causa adequada.

Quanto aos lucros cessantes, muito embora se tivesse provado que “[d]e entre os clientes atribuídos à ré, o valor da facturação reportada à colecção de Outono/Inverno 2004/2005 e o valor do encomendado reportado à colecção de Outono/Inverno 2005/2006 houve uma variação, para menos, no montante de 143.749,00”, não se demonstrou que essa redução das vendas tenha causado à Autora um prejuízo de € 43.124.70.

Também se não provou que, em consequência da actuação dos Réus, os clientes se deslocassem para outras empresas concorrentes.

Ou seja, não há danos provados susceptíveis de integrar o conceito de lucros cessantes, independentemente de poder ou não, no caso vertente, ser indemnizado o interesse contratual positivo.

No que concerne a danos emergentes, foi dado como provado que o funcionário da Autora, DD, chefe do Departamento Comercial, se deslocou a Lisboa, em várias ocasiões, para apresentação da colecção aos clientes que até à altura eram acompanhados pela Ré, suportando a Autora as despesas de valor não apurado, inerentes à estadia e transporte e que o referido funcionário no mês de Março de 2005 auferiu o salário ilíquido de € 2.477,10.

Mas desta factualidade não se extraem, também, os danos em causa, pois que o acompanhamento de clientes está intimamente ligada à actividade comercial da Autora, à qual o referido funcionário estava afecto, traduzindo-‑se tal acompanhamento na apresentação e promoção dos seus produtos, e, consequentemente, em despesas normais dessa actividade da principal.

Por outro lado, o salário desse funcionário sempre seria devido, independentemente do incumprimento dos Réus, pelo que nenhum acréscimo derivou, para a A, de o seu trabalho ter sido prestado em Lisboa ou em Alcains.

Não logrou a A. demonstrar ter sofrido danos não patrimoniais, designadamente, no que concerne à má imagem que teria sido produzida na sua clientela, decorrente da actuação dos RR.

6. As alíneas d) e e), atento o que supra se deixou dito sobre a legitimidade da A. em resolver o contrato, dispensam-nos de repetir a argumentação relativamente a estas pretensões dos RR, sendo que, se a resolução foi considerada legítima e lícita, não há fundamento para que aos RR. seja atribuída qualquer indemnização, por via da invocada ilicitude e ilegitimidade da resolução.

7. Quanto à indemnização de clientela:

Nos termos do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, para além da comissão, o agente tem direito, após a cessação do contrato (e sem prejuízo de qualquer outra) a uma indemnização de clientela.

A indemnização de clientela destina-se, tal como se diz no relatório preambular do referido diploma a "compensar o agente dos proveitos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele."

A indemnização de clientela é uma compensação “pelos benefícios de que o principal continua auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. É como que uma compensação pela “mais valia” que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência” (PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência, citado, p.133).

Não se trata, em rigor, de uma verdadeira indemnização, uma vez que não se dirige à reparação de um dano, encontrando o seu fundamento no “ganho obtido pelo principal em virtude (à custa) do incremento da clientela proporcionado pelo agente, o qual, na vigência do contrato lhe estava (parcialmente) “destinado” ou “reservado” sob a forma de retribuição“ (CARLOS LACERDA BARATA, Sobre o Contrato de Agência, Almedina, Coimbra, p. 95).

Segundo MENEZES LEITÃO (A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, Almedina, Coimbra, 2006, p. 91 e ss.) «a indemnização de clientela funda-se na ideia de não ser justo o principal conservar, após o fim do contrato, os benefícios da actividade desenvolvida pelo agente, tendo este deixado de auferir a correspondente remuneração, o que justifica a atribuição de uma prestação suplementar»

Sobre este entendimento é abundante e incontroversa, quer a doutrina, referindo-se, além das obras citadas, Contratos de Distribuição Comercial, de PINTO MONTEIRO, pp. 149-168;“Contrato de Franquia e Indemnização de Clientela”, apud Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida e Costa, de ELSA VAZ DE SEQUEIRA, 2002, p. 480; A indemnização de Clientela do Agente Comercial, de CAROLINA CUNHA, 2003, quer a jurisprudência, de que se citam, entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 9.1.2007, proc. 06A4416, de 16.6.2009, proc. 128/09.1YFLSB, de 23.2.2010, proc 1407/04.0TBRG-A.C1.S1, de 4.11.2010, proc. 2916/05.9TBVCD.P1.S1, de 14.6.2011, proc. 4883/05.4TVLSB.L1.S1 e de 6.10.2011, proc. 459/09.0TVLSB.S1.S1, todos em www.dgsi.pt.

Mas o direito à indemnização por aquele dano implica a verificação cumulativa dos do n.º 1 do citado artigo 33.º, que estabelece:

Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:

a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato da actividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”.

Ficou provado que a ré angariou novos clientes para a autora e aumentou o volume de negócios com a clientela já existente, mas não se provou que a autora tivesse beneficiado "consideravelmente após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente"

Também não ficou ficado demonstrado o requisito exigido pelo artigo 33.º, n.º 1, c) do Decreto-Lei n.º 178/86.

Como a prova de todos os ditos requisitos competia aos réus, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, por integrar facto constitutivo do seu direito, não poderiam os RR. obter a requerida compensação.

Mas, independentemente disto, sempre seria recusada a indemnização da clientela que se apresenta prévia relativamente à falta de prova dos factos constitutivos do seu direito.

É que o n.º 3 do artigo 33.º, que temos vindo a citar, se estatui:

"Não é devida indemnização de clientela, se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou, se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual.”

Não distinguindo o citado normativo entre a denúncia e a resolução, não há motivos para que o intérprete o faça.

Em consequência, tendo-se concluído pela violação grave do contrato de agência pelos RR, dando desse modo origem à cessação do contrato, excluído fica o invocado direito à indemnização de clientela.

III Termos em que se acorda em negar as revistas.

Custas a suportar por A. e RR, nos respectivos recursos.


Lisboa, 15 de Dezembro de 2011.



Paulo Sá (Relator)

Garcia Calejo

Hélder Roque