ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
19/05.5JELSB.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/26/2011
SECÇÃO 3.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO PROCEDENTE EM PARTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SANTOS CABRAL

DESCRITORES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
IMPEDIMENTOS
JUIZ
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE SANÁVEL
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA INDICIÁRIA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
ILICITUDE
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA

SUMÁRIO I -No caso dos autos, o STJ anulou parcialmente a decisão do Tribunal da Relação, porquanto entendeu que este Tribunal não se tinha pronunciado em relação a matéria de facto cuja sindicância lhe tinha sido solicitada pelo recorrente. Ao mesmo Tribunal foi, então, solicitado que apreciasse matéria em relação à qual não o tinha feito, tendo omitido qualquer juízo valorativo.

II - A pronúncia feita na decisão recorrida, emitida na sequência da determinação do STJ, não tem subjacente uma decisão anterior sobre a mesma matéria, mas sim uma omissão pura e simples, ou seja, a inexistência de uma valoração substancial sobre uma parte do objecto do recurso, o que consubstancia uma patologia concretizada na omissão praticada.

III - Sendo assim, foi essa a razão pela qual o Ac. do STJ na sequência do qual foi proferida a decisão recorrida, expressamente ordena a repetição do julgamento no tribunal recorrido, por forma a conhecer-se dos factos sobre os quais recaiu a omissão praticada.

IV -Entende-se, pois, que o funcionamento da tutela da imparcialidade, ínsito na reformulação operada no art. 40.º do CPP, exige que a decisão de recurso proferida previamente pelo juiz impedido tenha subjacente uma coincidência, ainda que parcial, das mesmas decisões. No caso vertente, a situação é distinta uma vez que a patologia existente é exactamente o facto de o tribunal não ter decidido, ou seja, não ter apreciado a questão sobre a qual é agora chamado a pronunciar-se.

V - Acresce que a existir impedimento, a nulidade em causa estaria sanada. Não se encontrando a nulidade em causa prevista em qualquer das alíneas do art. 119.º do CPP, nem se mostrando cominada a sua insanabilidade em qualquer outra disposição legal, trata-se de nulidade sanável, da qual o recorrente podia ter conhecimento na data em que foi notificado da decisão, mas que só veio a arguir quando interpôs recurso da mesma, consequentemente depois de ultrapassado o prazo de arguição, nos termos dos arts. 120.º e 121.º do CPP.

VI -Indica o recorrente que, invocado o impedimento nos termos do art. 40.º do CPP, deveria o Juiz Relator decidir no prazo de 5 dias, nos termos do n.º 2 do art. 41.º do CPP, o que não aconteceu no caso sub judice. Porém, importa não confundir a irregularidade relativa ao não cumprimento de um prazo processual e a nulidade inscrita na prática de um acto por juiz impedido, tal como prevê o art. 41.º, n.º 3 do citado diploma.

VII - O facto de a decisão sobre o impedimento não ter sido oportunamente decidida não tem qualquer efeito anulatório em relação ao acto processual em que é praticado com observância dos ditames da legalidade formal e substancial. No caso em que eventual irregularidade não afecte a regularidade formal e substancial de nenhum acto processual, a sua declaração não pode ter quaisquer outros efeitos que não a mera constatação da sua existência.

VIII - O art. 410.º do CPP consagra doutrinalmente o recurso de revista ampliada, o que significa que, quando tiver havido renúncia ao recurso em matéria de facto, nas Relações e no STJ, o Tribunal ad quem não tem que se restringir à tradicionalmente denominada questão de direito, mas antes pode alargar o seu conhecimento a questões documentadas no texto da decisão proferida pelo tribunal a quo que contendam com a apreciação do facto.

IX -Consubstancia-se tal recurso de revista ampliada na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico-subsuntivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária, ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal – art. 410.º do CPP.

X - O conceito de erro notório tem de ser interpretado, como o tem sido o de facto notório em processo civil, mormente para os efeitos do art. 514.º, n.º 1, do respectivo Código, isto é, um facto de que todos se apercebem directamente, ou como um facto que adquire carácter notório por via indirecta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos. Erro notório existirá, assim, sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.

XI -Nunca poderá deixar de se considerar o pressuposto base de que a existência daquele vício tem de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos.

XII - A discordância do recorrente fundamenta-se numa profunda discordância em relação aos factos que a decisão recorrida considerou provados e ao modo como formou a sua convicção. O que está em causa é a divergência entre a argumentação lógica que o acórdão tece estribando-se na prova que relaciona para extrair conclusões e o entendimento do requerente sobre a forma como funcionou o silogismo judiciário entendendo que a prova não é suficiente para extrair aquelas conclusões.

XIII - Sendo assim, é evidente que não estamos perante um juízo probatório arbitrário desprovido de senso ou de razão, mas perante uma pura e simples discordância da matéria de facto, o que poderá permitir uma reavaliação da mesma matéria à luz da prova produzida, mas que infirma qualquer afirmação que tenha na génese o pressuposto da existência de erro notório.

XIV - A actividade probatória é constituída pelo complexo de actos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência ou inexistência de uma determinada situação factual. Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos, e as segundas nos permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir.

XV - A prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência, é transversal a toda a teoria da prova, começando pela averiguação do elemento subjectivo do crime, que só deste modo pode ser alcançado, até à própria creditação da prova directa constante do testemunho.

XVI - A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar aqui bem patente, o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária, pois que aqui, e para além do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerentes aos princípios da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indício e a presunção que dele se extrai.

XVII - Como tal, a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base, ou indícios, que se considerem provados e que vão servir de fundamento à dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo.

XVIII - O desenrolar da prova indiciária pressupõe três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.

XIX - No caso vertente, em última análise, a decisão recorrida parte de uma pluralidade de indícios que se consubstanciam em meios de prova de tipos diversos para concluir pela responsabilização criminal do arguido. Sinteticamente, perguntaremos se a disponibilidade injustificada de grandes somas de dinheiro; as viagens ao Brasil e aos locais de expedição da cocaína dissimulada e os contactos com traficantes; a proximidade física e jurídica com a logística relacionada com a droga; a manifesta desproporcionalidade entre o património e os proventos não constituem indícios graves, precisos e convergentes da intervenção criminosa no tráfico de droga. E a conclusão é a de que não só a prova indiciária é suficiente, como também a de que ela se apresenta densa e convergente, ao apontar da autoria pelo recorrente do crime praticado.

XX - No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, a partir do momento em que se demonstram os pressupostos de facto que indicam a prática de actos integrantes do tipo legal imputado, a afirmação do elemento subjectivo é uma questão de dedução lógica, ou seja, e também aqui, de prova indiciária.

XXI - A matéria de facto considerada provada, ao deixar indeterminado se foram os proveitos económicos obtidos com o crime de tráfico pelo qual o arguido foi condenado que possibilitaram uma aquisição de imóveis, relativamente à qual nem sequer está esclarecido se foi antes, ou depois, do início dos factos a que se reportam os autos, incorre na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se reporta o art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.

XXII - A agravação do tráfico de estupefacientes supõe uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base – os arts. 21.º, 22.º e 23.º do DL 15/93, de 22-01 – e, consequentemente, uma dimensão que, referenciada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o círculo base das descrições tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base.

XXIII - No caso sob recurso, considerou-se provado que a quantia objecto de tráfico era de 597,7 kg, o que, considerando os valores de mercado, permite considerar um valor superior à dezena de milhão de euros. Tal facto, por si e independentemente de outras considerações sobre quantias apreendidas, dá uma ideia clara de que a actividade ilícita em que o arguido estava inserido se situava num patamar superior e muito distante de uma organização de modesta ou mediana dimensão. Estamos já no cume da actividade organizatória estruturada para o grande tráfico, com a adequada mobilização de meios e pessoas, logo perante um crime de tráfico agravado.

XXIV - É grande o grau de ilícito em que está em causa um acto ilícito que alimenta a desagregação social na comunidade e a degradação física e psíquica da pessoa. Por igual forma densas são as exigências de prevenção a nível geral nas quais cidadão comum expressa o seu repúdio por uma actividade em que a obtenção de um lucro ilícito é feita à custa do aniquilamento da própria personalidade. A culpa é intensa, revelando uma opção de vida à revelia de valores que deveriam informar o arguido, o qual escolheu o caminho do lucro fácil ainda que ilícito. Tal opção tem subjacente o conhecimento de que a sua actividade se inscrevia numa actividade ilícita situada já num patamar superior em termos de tráfico. Não merece, pois, censura a pena aplicada de 9 anos de anos de prisão.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL                                       Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No processo comum (tribunal colectivo) nº 19/05.5 JELSB da secção única do Tribunal Judicial do Cadaval, vindo pronunciados os arguidos AA, BB como co-autores, em co-autoria material, os crimes de tráfico de droga agravado, p. e p. pelos artigos 21º-1 e 24º-c), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I – B, anexa a este diploma, e de associação criminosa com vista ao tráfico, p. e p. p. artº 28º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, sendo a conduta do arguido AA punida nos termos do nº 3 desta disposição legal, todos com referência à Tabela I – B, anexa ao referido diploma legal submetidos a julgamento, foram condenados:

I. o arguido AA como co-autor de um crime tráfico de droga agravado, p. e p. pelos artigos 21º-1 e 24º-c), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I – B, anexa a este diploma na pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão;

II. o arguido BB, como co-autor de um crime tráfico de droga agravado, p. e p. pelos artigos 21º-1 e 24º-c), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I – B, anexa a este diploma na pena de 9 (nove) anos de prisão.

Inconformados com tal decisão vieram os arguidos AA e BB interpor dela recursos que, no Tribunal da Relação de Lisboa foram objecto de decisão na qual, para além ordenada oficiosamente rectificação da decisão recorrida ao abrigo do disposto no artº 380º do CPP, foi negado provimento a ambos os recursos com excepção do que, no que concerne ao recorrente BB, se refere à redacção do item 7 dos factos assentes.

Deste acórdão interpuseram ambos os arguidos recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde, por doutas decisões constantes de fs. 8283 a 8368 e 8371 a 8434 foi concedido provimento ao recurso de AA, anulando-se o acórdão recorrido na parte que lhe respeita e determinando-se a repetição do mesmo “no tribunal recorrido por forma a aí se conhecer, após convite a aperfeiçoamento das conclusões nos termos apontados (ver fls. 83 e seguintes), da impugnação da matéria de facto”,

Devolvidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa foi proferida decisão confirmando o acórdão de primeira instância quanto ao recorrente BB, salvo quanto à perda a favor do Estado das quantias em depósitos bancários ou em fundos financeiros referidos nos n.°s 110 e 111 dos factos provados, determinando-se a repetição do acórdão  “nesta parte e sem prejuízo do trânsito em julgado das demais decisões… agora com avaliação sobre se a documentação junta pelo recorrente a fls. 1137 a 1142 dos autos ilidiu a presunção legal de que tiveram proveniência ilícita

Ao abrigo do disposto no artº 380º do CPP, rectificar o acórdão recorrido por forma a que da primeira parte do parágrafo da fundamentação onde se refere

“Repare-se ainda no teor de fls. 3, 12 a 23, 36, 39 e 40, 51, 52, 59 a 65, 73 a 81, 85 a 89, 95, do apenso VIII e 3, 12 a 24, 34, 36, 55, 56, 67 a 68, 75 a 81, 88 a 97, 101 a 105, 235 a 240, do Apenso VIII-A…”

passe a constar

“Repare-se ainda no teor de fls. 3, 12 a 23, 36, 39 e 40, 51, 52, 59 a 65, 73 a 81, 85 a 89, 95, do apenso VIII e 3, 12 a 24, 34, 36 (segundo a paginação feita no Brasil, inscrita a preto dentro de um quadro, correspondendo-lhe na numeração portuguesa, manuscrita a azul, a fs. 19, 28 a 39, 50 e 52) e 55, 56, 67 a 68, 75 a 81, 88 a 97, 101 a 105, 235 a 240 (segundo a paginação portuguesa inscrita a azul), do Apenso VIII-A …”.

2. conceder parcial provimento ao recurso do recorrente, na correspondente medida determinando

a) que se elimine da factualidade assente a matéria consignada sob itens 56, 57 e 58.

b) que os seguintes itens dos factos assentes que se assinalam passem a ter a seguinte redacção,

7º. «O arguido AA, quando da apreensão a que se alude no item 5 destes factos provados, disse às autoridades espanholas que os dois milhões quinhentos e quarenta e nove mil euros aí referidos pertencia ao cidadão nacional CC.»   

21º No dia 23/01/2005, o arguido AA dialogou ao telefone com um Indivíduo espanhol (telef. -----------), com quem combinou encontrar-se num bar na 4ª feira seguinte (2610112005).

23º  No dia 1 de Fevereiro de 2005, o arguido AA registou, no gravador de chamadas deste telemóvel, o nome de DD e recebeu uma chamada de voz do cidadão colombiano chamado EE, indivíduo que trabalhava à ordem do referido cidadão colombiano conhecido por Gordo.

   27º Ainda neste dia (10/2), o arguido AA foi contactado pelo "velho" (F...), o qual o questionou sobre a chegada da "filha" (GG), dizendo-lhe que ele ia para a ilha Margarita. O arguido AA respondeu-lhe que a sua “banheira" (barco) estava preparada, fazendo ainda referência a percentagens e lucros.

41º  No dia 3 de Abril, os arguidos AA e BB viajaram para Madrid – Espanha.

 42º   Nesta altura, o arguido BB adquiriu outro telemóvel com o n°. ----.---.--- (o qual passou a ser interceptado sob o Alvo 1E911), para ser utilizado para contactar o telemóvel utilizado pelo arguido AA, vindo a ser interceptado sob o Alvo 26974.

60º  Em 03/06/2005, o arguido AA utilizava já um novo telemóvel com o nº ---.---.---, o qual veio a ser igualmente interceptado sob o Alvo 1F413.

61º Desde então os telemóveis nº ---.---.--- Alvo (1F293) e nº ---.---.---Alvo (1E911), passaram a ser utilizados para os contactos com os elementos das componentes espanhola e colombiana da rede de narcotraficantes.

71º. Foram então efectuados carregamentos de carvão, um que terminou com o carregamento dos contentores CGNU 464774-7 e CGNU 465562-6, os quais foram transportados para o terminal 32 da Mesquita e outro que terminou a 21/07/2005, com o carregamento dos contentores CADU 701.438-1 e GSTU 757.228-2, os quais foram encaminhados para o terminal da RODRIMAR, em Santos, onde posteriormente veio a ser detectada e apreendida cocaína pelas autoridades brasileiras.

77º. De Espanha regressaram todos a Portugal, com excepção do arguido AA, o qual viajou para o Brasil.

c) que se adite à matéria de facto não provada o seguinte:

- que nas circunstâncias referidas no item 7 de matéria de facto assente o arguido AA tenha alegado também que o dinheiro a que aí se alude pertencesse também ao arguido BB e teria como destino a aquisição de propriedades;

- que nas circunstâncias referidas no item 41 da matéria de facto assente os arguidos AA e BB tenham ficado alojados no Hotel I..., sito na Gran Via - Madrid, local onde, pelas 21H30, se encontraram com um membro da organização conhecido por Tomaz

 e

 que, nesse mesmo dia os arguidos tenham adquiriram bilhetes de comboio Para o Percurso Madrid - Paris, tendo efectuado a viagem no dia seguinte, 04/04/2005. De Paris embarcaram para o Brasil, para ali providenciarem pela expedição de cocaína, por via marítima, para Portugal.

- que, no dia 03/06/2005, o arguido AA se deslocou novamente a Madrid-Espanha, onde se encontrou novamente como HH "PEQUE"

e

 que este encontro teve, pelo menos, como objectivo trocarem de números de telefones

que - na esteira do consignado sob itens 64 a 68 da matéria de facto assente -  já no Brasil o carvão foi transportado para o armazém situado na Rua A... P..., 550, JD. C..., a cerca de 40 Kms de Barretos, arrendado a II e JJ, respectivamente pai e filho, pelo LL a pedido do AA.

- que - na esteira do consignado sob itens 64 a 68 e 70 da matéria de facto assente - tenham sido efectuados vários carregamentos de carvão para o armazém arrendado pelo arguido AA em Candá, iniciando-se um em 21/06/2005 e o segundo em 21/07/2005, tendo-se realizado em período nocturno.

- que o despachante LL tenha negociado como se consigna sob item 74 dos factos provados “directamente com MM, proprietário da empresa aí referida”.

            - que - na esteira do consignado sob item 76 da matéria de facto assente - em Madrid, os arguidos AA e BB se tenham encontrado com o HH – “Peque” e que este e um outro desconhecido tenham transportado o AA até ao aeroporto de Barajas, em Madrid quando ele viajou para o Brasil - como se consigna sob item 77 -  nem que tenha entrado por S. Paulo.

julgando em tudo o mais improcedente o seu recurso e confirmando a decisão recorrida.

As razões de discordância do recorrente encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

1) O recorrente AA vem condenado como autor material, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21° n° 1 e 24° ai. c) do Decreto-Lei n° 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I - B, anexa a este diploma na pena de 10 anos e 6 meses de prisão.

2) Por acórdão de 20 de Novembro de 2008, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Santos Carvalho, foi concedido provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente no que à omissão de pronúncia suscitada por este dizia respeito, tendo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sido anulado, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 379°.

3) Na sequência do referido acórdão proferido pelo STJ, que anulou o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foram os presentes autos remetidos a este Tribunal para repetição de julgamento no que ao Recorrente diz respeito.

4) Foi ainda o Recorrente notificado para aperfeiçoar as suas conclusões de recurso, tendo o mesmo constatado, via telefone junto da secretaria da 9a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que os autos não só foram reenviados para o Tribunal Recorrido como assim se esperava que acontecesse, como foram também atribuídos ao mesmo colectivo de ilustres Juízes Desembargadores que julgara anteriormente o acórdão condenatório anulado pelo STJ.

5) Entendeu o ora Recorrente que, salvo melhor opinião, se verificava o impedimento do ilustre colectivo de Juízes Desembargadores constante do art°. 40° al. c) e d) do C.P.P. para o novo julgamento (repetição) nos presentes autos, na medida em que foi o mesmo colectivo de Juízes que julgou o Recorrente anteriormente.

6) A alegação de impedimento invocada pelo ora Recorrente repousou no facto deste STJ ter ordenado a repetição integral do julgamento realizado pelo Tribunal da Relação de Lisboa e não o esclarecimento de determinadas questões concretas, como por vezes acontece com a existência dos vícios do art°. 410° n° 2 do CP.P.

7) Aliás, actualmente - com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei 48/2007 -, sempre que for determinado o reenvio do processo para novo julgamento por existência de vícios do art°. 410° n° 2 do CP.P. (o que claramente é um m/nus comparativamente com a repetição total do julgamento por anulação do acórdão recorrido, onde para além da apreciação destas questões, terá de se apreciar a matéria de facto impugnada), o art°. 426°-A n° 1, por remissão para o art°. 40° do C.P.P., arreda por completo o colectivo que interveio no julgamento anterior, impedindo-o de participar na repetição.

8) Dito de outro modo, com a nova redacção dada ao artigo 426°-A n° 1 do CP.P. através da alteração legislativa introduzida pela da Lei 48/2007, de 29-08, a questão da competência para o julgamento no caso de reenvio foi definida claramente, com a remissão expressa para o art°. 40° do CP.P., de que quem interveio no julgamento da decisão recorrida, está impedido de participar no julgamento subsequente ao reenvio.

9) Refira-se que, o tratamento desta esta questão já vinha a granjear larga maioria na jurisprudência de que o juiz que interveio no primeiro julgamento não deva intervir na repetição, não por que ele subjectivamente não possa ultrapassar o juízo formulado, exigindo a si próprio maior grau de rigor e objectividade, mas porque, aos olhos do próprio legislador, já teve oportunidade de formar determinada convicção sobre o caso, que apreciou e julgou em toda a sua dimensão, sentenciando sobre o mesmo.

10) O Tribunal “a quo”, pronunciando-se passado mais de dois anos (ignorando, portanto, o disposto no art°. 41° n° 2 do CP.P., pelo qual o juiz deve pronunciar-se no prazo máximo de 5 dias, nulidade que abordaremos infra), em síntese, considerou que a sanação do vício de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia deve ser levada a cabo pelo concreto Tribunal subscritor da decisão declarada nula, mais considerando que só nesse sentido pode ser interpretada a determinação constante do aresto do STJ quando no qual se escreve: "devendo ser repetido no tribunal recorrido.

11) Tal argumentação não pode colher de forma alguma, pois, desde logo, se este Supremo Tribunal de Justiça quisesse que o recurso fosse levado a cabo pelo mesmo colectivo "a quo", teria expressamente dito isso, como, aliás, é consignado por regra e praxe do foro pelos nossos tribunais nesses mesmos termos, ou seja, a ser apreciado pelo colectivo "a quo".

12) É de meridiana clareza que "Tribunal Recorrido" significa a instância que proferiu a decisão sindicada, in casu, Tribunal da Relação de Lisboa.

13) Ademais, a expressão utilizada pelo ST3 foi "no" Tribunal recorrido e não "pelo" Tribunal recorrido, o que sempre ajudaria também à interpretação em sentido diverso ao entendido pelo Tribunal "a quo".

14) Por outro lado, não pode o Tribunal "a quo' acolher uma interpretação inconstitucional e contra legem como fez.

15) Para o cidadão comum e, sobretudo para o recorrente visado pela decisão proferida, objectivamente, os juízes que julgaram o primeiro recurso interposto, voltá-lo-ão a julgar da mesma forma neste segundo recurso, como aliás sucedeu.

16)       Isto porque foi realizado um juízo sobre os factos consubstanciadores da prática do crime, sobre o grau da culpa e, ao confirmar na integra a sentença prolatada em primeira instância, sobre as exigências de prevenção que ao caso se fazem sentir, ficando com uma convicção de tal modo arreigada quanto à sua culpabilidade que, objectivamente — e sem prejuízo da independência interior que os magistrados sejam capazes de preservar   —, ficou inexoravelmente comprometida a independência  e  imparcialidade  desses magistrados no novo julgamento do mesmo recurso.

17)       Acresce que, a decisão que o Ilustre Colectivo "a quo" tomou, tal como sucedeu da primeira vez que apreciou o recurso do ora recorrente, foi uma decisão de mérito de facto e de direito, tendo o Colectivo de juízes logo aí formado uma convicção segura sobre a culpabilidade do arguido, pelo que permite que se formule uma dúvida séria sobre as suas condições de imparcialidade e isenção, gerando uma desconfiança geral sobre essa mesma imparcialidade e independência.

18)       Um Estado de Direito Democrático não se pode compadecer com a visão de que um juiz (ou um colectivo de juízes) pode julgar a mesma causa duas vezes.

19)       Daí que se entenda que a interpretação da ai. c) e d) do art.° 40.° do Código de Processo Penal no sentido de que tendo participado um Colectivo de Juízes em julgamento de recurso e tendo sido o mesmo julgado totalmente nulo por Tribunal Superior, esse mesmo Colectivo de Juízes ao intervir novamente no julgamento do mesmo recurso, julgando de mérito e proferindo novo acórdão, confirmando a sentença recorrida, é inconstitucional por violação dos artigos 1.°, 2.°, 8.°, 16.°, 32.°, n.° 1 e 2, 202.° n.°l e 2 e 203.° da Constituição, por violação do direito a um processo equitativo, do princípio da independência e imparcialidade dos tribunais, do princípio da presunção da inocência e dos direitos de defesa e do recurso e ainda o art.° 6.° da CEDH.

20)       Inconstitucionalidade que desde já se invoca.

21)       Dúvidas não restam que é ilegal por violação do art°. 40° do C.P.P., a apreciação do mérito da causa (seja ela parcial ou total, sendo que no presente caso a apreciação do mérito foi total na medida em que o anterior acórdão foi todo ele declarado nulo, o que é mais grave ainda) efectuada duas vezes pelo mesmo Juiz ou colectivo de Juízes, sendo também por isso inconstitucional a interpretação que não se compadece com tal leitura da norma.

22)       Entende o Recorrente que a decisão recorrida é NULA, porque foi proferida por um ilustre colectivo de Juízes Desembargadores que se encontrava impedido de participar em novo julgamento e subsequente prolação de acórdão ao abrigo do art°. 40° als- c) e dl do C.P.P.

23)       Por outro lado, não só se exigia ao Tribunal Recorrido que declarasse oficiosamente o seu impedimento na repetição do Julgamento e prolação do respectivo novo acórdão, como não o tendo feito a título oficioso, tendo o Recorrente invocado e fundamentado o impedimento do ilustre colectivo "a quo" nos termos supra expostos, cabia ao Juiz Relator proferir despacho no prazo máximo de 5 dias como preceitua o n° 2 do art°. 41° do CP.P.

24)       Não o tendo feito e tendo-se apenas pronunciado a final no novo acórdão de que agora se recorre, entende o ora Recorrente que este é, também ele, nulo nos termos do n° 3 do art°. 41° do C.P.P., na medida em que foi prolatado por um colectivo de juízes que se encontrava impedido de praticar todo e qualquer acto, sem antes proferir despacho quanto ao respectivo impedimento.

25)       Assim, e não obstante a nulidade supra invocada relativa ao impedimento nos termos do art°. 40° do C.P.P. e que se acha evidente atenta a lei e jurisprudência na matéria, crê-se igualmente que todos os actos praticados pelo Tribunal "a quo" após a questão do impedimento ter sido suscitada e fundamentada pelo ora Recorrente e não ter sobre a mesma recaído qualquer despacho no prazo de 5 dias como a lei consigna, devem V. Exas. declará-los nulos e de nenhum efeito,

26)       Erro notório na apreciação da prova nos termos da na alínea c) do n°2 do artigo 410° do C.P.P., verifica-se, quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que normalmente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, tudo por forma susceptível de ser alcançada pelo cidadão comum minimamente prevenido.

27)       O erro notório na apreciação da prova surge assim intimamente ligado ao princípio da livre apreciação da prova, pelo qual o Tribunal não pode sustentar a sua convicção através de uma "operação puramente subjectiva, emocional, imotivávef1, antes a sua resposta "há-de traduzir-se em valoração racionai e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos.

28)       Com referência aos factos postos em crise pelo aqui Recorrente na motivação que dirigiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal recorrido para confirmar o acórdão de primeira instância justificou-se nos termos melhor descritos no aresto de que se recorre, sendo que, no que concerne ao iter formativo da sua convicção, confirma os factos dados como provados através de "saltos" ilógicos, convencendo-se de uma realidade que, admitindo o Recorrente que seja essa a perspectiva factual do Tribunal "a quo", exigir-se-ia que essa certeza fosse minimamente sustentada, através de um especial dever de fundamentação, que torne transparente o iter e/ou o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção (não se exigindo para isso uma indicação exaustiva dos meios de prova, mas pelo menos indicando as razões que o levaram a formar uma convicção segura quanto a tal facto), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.

29)       Ora o art. 127° da lei penal adjectiva visa precisamente delimitar a discricionariedade (convicção) do julgador atento o dever de enformação desta segundo as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

30)       Incumbia, pois, ao Tribunal de recurso verificar se a decisão de primeira-instância sindicada pelo Recorrente, nos concretos pontos que identificou, não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.

31)       É certo que a prova nem sempre é directa, de percepção imediata, infere-se, muitas vezes, como aliás é o caso da alegada participação do Recorrente nos factos subjudice, contudo, mesmo para tais factos presumidos tem o Tribunal de justificar o /ter lógico que, com base nas regras de experiência comum, foi por si percorrido para chegar a determinada realidade e bem assim confirmá-la como facto assente.

32)       No fundo tem o tribunal, ainda que sumariamente, explicar as razões em que fundou a sua convicção que, não podendo ser sindicada pelo Recorrente, tem de ser justificada para se impor a si e aos outros.

33)       Ora, entende o Recorrente que o Tribunal recorrido, que agora se pronunciou sobre a matéria de facto em concreto por si sindicada, comete erro notório na apreciação da prova quando, injustificadamente, de forma puramente arbitrária e sem qualquer sustentação racional, confirma determinados factos dados como provados.

34)       Do texto da decisão recorrida e no que concerne aos pontos 62, 64, 65, 66, 67, 69, 70, 71 e 74 dados como provados e impugnados pelo Recorrente, entende o Tribunal "a quo" que não lhe assiste razão porquanto: Págs. 222 e 223 do aresto recorrido - "Efectivamente, se tudo quanto se refere à proposta da importação do carvão por parte do arguido BB ao dito NN nos termos que lhe foi feita é incontornável face ao depoimento deste, face ao que o mesmo relata quanto a Incentivo para efectuar o negócio por parte do recorrente e entrega de sacos de carvão para experimentar por ambos (transcrição, pasta 2, fs. 468) e quanto a terem andado ambos com ele à procura do armazém (transcrição, pasta 2, fs. 486) no contexto do que se colhe quanto a diligências e conversações relativas à Importação do carvão das Intercepções telefónicas, seja dos arguidos entre si, seja com o despachante LL (vd. Nomeadamente 1E 486, sessão 263, 1F 26974, sessão 48 e sessão 84, sessão 85), resulta patente não apenas o envolvimento de AA nessa importação do carvão, mas mesmo que era ele quem comandava a operação de expedição do contentor com carvão a importar para o nosso país no qual seria dissimulado estupefaciente6." E como nota 16 em pé de página consigna-se o seguinte: "e a intervenção dos dois arguidos recorrentes nos autos nessa operação encontra prova sólido suporte, começando pela documentação efectivamente invocada constante de cartas rogatórias (...), designadamente na medida em que das mesmas resulta, para além do mais, patente a intervenção na expedição desse contentor de LL, perito em questões de comércio externo com o qual, como decorre de forma incontestável da conjugação de outra abundante prova (como sejam as intercepções telefónicas - v.g, no apenso I-F - conjugadas com documentação vária relativa a tais "importações"- que esse individuo chegou a "acompanhar" fisicamente, deslocando-se a Portugal, v.g. na situação em que aqui se deslocou e em que, para além dos contactos telefónicos cuja transcrição bem espelha a concatenação com os recorrentes nessas práticas, existiram mesmo contactos directos no competente relato de diligência externa que inclui registos fotográficos) os recorrentes vinham mantendo contactos relacionados com as "importações" em referência nos autos e fizeram deslocações a locais do Brasil e desenvolveram aí diligências - cf. v.g. documentos apreendidos relativos a essas deslocações a estadias em hotéis - que, em coerência, evidenciam por forma incontestável contactos revelando o fio condutor dos procedimentos levados a cabo por todos (e em conjugação também com outros indivíduos, brasileiros e colombianos, que vária outra prova disponível demonstra - veja-se v.g. o que resulta das escutas várias, concatenado com o que se colhe de relato de diligência externa quanto a contactos do recorrente AA com cidadã brasileira, GG, mencionados nessas escutas) para concretizar a expedição para o nosso país desses produtos importados em cujo "seio" viria dissimulado estupefaciente'.

35) Embora o Recorrente tenha contestado o seu envolvimento na importação do carvão que, conforme demonstrou pela prova produzida em audiência de julgamento tal tarefa foi encabeçada e acompanhada pelo seu co-arguido, a verdade é que em termos de convicção o Recorrente tem de aceitar a leitura que da mesma prova é feita pelo Tribunal recorrido.

36)       Não se contestando tal leitura ou perspectiva factual avançada pelo Tribunal Recorrido, ainda assim não se alcança o "salto" que o Tribunal recorrido dá ao identificar o Recorrente com a dissimulação do produto estupefaciente nessa importação de carvão.

37)       Dito de outro modo, ainda que se aceite - até por não ser sindicável - que com base na prova produzida e citada no trecho acima transcrito o Tribunal "a quo" fundamente a convicção que tem de que o Recorrente esteve associado à importação do carvão e de todo o circunstancialismo que rodeou essa importação, desse mesmo facto ou factos, não é possível extrair e imputar ao Recorrente os factos concretos impugnados, nomeadamente, de que este pretendesse essa importação de carvão para dissimular produto estupefaciente.

38)       E essa extrapolação conclusiva levada a cabo pelo Tribunal recorrido - de que o Recorrente pretendia com a importação de carvão dissimular produto estupefaciente - é consequência de manifesto erro na apreciação da prova, porquanto em lado algum do supra citado trecho se retira a indicação de um qualquer meio de prova que permita sustentar esse facto alcançado.

39)       E isso resulta evidente do texto da decisão recorrida porquanto não é dado um único elemento factual ou probatório que permita inferir a conclusão de que o Recorrente quis importar o produto estupefaciente dissimulado no carvão.

40)       Não é suficiente afirmar-se que por o carvão vir do Brasil e nesse contentor ter sido apreendido produto estupefaciente que está demonstrado o envolvimento do Recorrente no crime de tráfico. Crê-se ser ainda necessário demonstrar, para além do envolvimento do Recorrente na importação do carvão (admitindo-se a perspectiva factual do Tribunal "a quo" por não ser sindicável), o seu envolvimento directo na importação e dissimulação do próprio produto estupefaciente.

41)       Por outro lado, quando o Recorrente impugnou os factos 77, 82, 87, o Tribunal “ a quo" ao escalpelizar a prova indicada pelo Recorrente e que impunha decisão diversa da recorrida, curiosamente, dá razão ao Recorrente num segmento que é óbvio - Facto 77 - (pois todas as alegadas movimentações no exterior de Portugal não há qualquer prova que as demonstre), sendo no que concerne aos outros factos 82 e 87 - vide pág. 227 e 228 do aresto recorrido - concluir que, porque o Recorrente viajou para o Brasil, para onde viajou também a sua família, o seu co-arguido e a família deste, aliado às citadas conversações telefónicas com o despachante e entre os arguidos (que nada de comprometedor referem razão pela qual inexiste qualquer citação), certamente que seria para tratar da importação do produto estupefaciente dissimulado.

42)       Uma vez mais o Tribunal "a quo" dá um salto ilógico para retirar uma conclusão pela qual justifica a condenação do Recorrente, sendo certo que essa presunção conclusiva não tem na sua génese qualquer facto que permitisse inferi-la.

43)       Do mesmo passo os factos 91, 92, 93 impugnados pelo Recorrente e que o Tribunal recorrido confirma enfermam também de erro notório na apreciação da prova nos termos do art°. 410° n° 2 ai. c) do C.P.P.

44)       A lógica subjacente à apreciação pelo Tribunal Recorrido é sempre a mesma, é na verdade um círculo vicioso, cujo vício presuntivo reside na conclusão que é retirada sem que qualquer facto ou elemento probatório esteja na sua génese para o suportar.

45)       E neste segmento factual o vício é quanto a nós ainda mais pernicioso, porquanto a justificação acolhida pelo Tribunal Recorrido e plasmada no texto da decisão para confirmar aqueles factos dados como provados reside nos outros factos que já confirmou tendo por base a mesma falta de racionalidade ou de lógica.

46) Trata-se de sedimentar factos assentes viciados com base noutros factos assentes viciados.

47) Na pág. 230 do aresto de que se recorre o Tribunal "a quo" culmina a sua apreciação consignado o seguinte: "Perante o que se descreve sob itens da matéria assente (...) e bem assim perante os elementos probatórios que sustentam tal factualidade" [precisamente a factualidade cuja a apreciação é manifestamente errada, isto é, que não permite a conclusão alcançada pelo que se acabou de expor], "considerando o que de tudo o vindo de expor resulta quanto a ter o recorrente não apenas intervenção na importação de estupefaciente dissimulado nos contentores em causa (...) mas mesmo um papel preponderante nessa importação."

48)       Como se não bastasse o Tribunal recorrido acrescenta ainda, dando aquele que bem pode ser o exemplo perfeito do manifesto erro na apreciação da prova, e que resulta apenas do texto da decisão - pág. 230 e 231 do acórdão de que se recorre: "atentando no depoimento da testemunha OO que refere que no dia da apreensão viu o recorrente AA com o co-arguido BB, antes do almoço, junto ao escritório da Fenoca (depoimento que, por sua vez, estrutura o referido pela testemunha QQ que, relatando o circunstancialismo em que surgiu a operação que culminou naquela apreensão, refere que o coordenador que determinou que se avançasse para a mesma, tendo Indicações obtidas por diversas equipas de vigilância do que se ia passando no terreno, lhe referiu que o recorrente estivera no locai, tendo ele próprio passado pelo recorrente e pelo co-arguido BB na zona, concretamente na EN que liga Alcochete ao Cadaval'

49)       A testemunha OO refere que antes do almoço viu o ora Recorrente junto ao escritório da Fenoca; a testemunha QQ refere que o Recorrente estivera no local (sabe-se lá quando e onde!), tendo ele se cruzado com aquele na EN que liga Alcochete ao Cadaval.

50)       Com esta prova que consta do texto da decisão recorrida dão-se como provados os factos 91, 92 e 93 transcritos supra, pelos quais se consigna, incompreensivelmente, que no dia 25 de Julho o Recorrente estava na Fenoca. Dir-se-ia que a ficção presuntiva não tem limites mas, efectivamente, em processo penal não é a ficção factual que serve de base à presunção, mas antes o facto real que, a não existir não permite que a presunção se realize, sob pena de violação da livre apreciação da prova (art°. 127° do C.P.P.) por manifesto erro notório na apreciação da mesma (art°. 410° n° 2 ai. c) do C.P.P.)

51)       Mais rigor se exigia ao Tribunal Recorrido quando este STJ no acórdão em que anulou a anterior decisão do TRL (a título de exemplo e em jeito de crítica ao ora Recorrente) colocou algumas questões, entre as quais, a de saber se o Recorrente estava ou não presente na Fenoca no dia em que foi apreendida a droga?

52)       A prova produzida e constante do texto da decisão agora recorrida não é suficiente para dar como provados os factos assentes impugnados, tendo o Tribunal a "quo" incorrido no vício de erro notório na apreciação da prova nos termos do art°. 410° n° 2 ai. c) do C.P.P. por ostensiva violação do princípio da livre apreciação da prova (art°. 127° do C.P.P.).

53)       No que concerne aos factos que constituem o elemento subjectivo do tipo também impugnados pelo Recorrente sob os números 126,127 e 128 lê-se na decisão recorrida o seguinte: " No que a factos descritivos de acção típica se refere impugna ainda o recorrente o consignado sob itens 126, 127 e 128, relativos ao demento subjectivo do tipo considerado, convocando para fundamentar tal impugnação toda a argumentação expendida para impugnar o que concerne à materialidade respectiva. Ora, não tendo a sua argumentação, como resulta do exposto, tido acolhimento no que concerne aos factos relativos a esta materialidade, e bem assim a sua impugnação, não o poderá também ter neste segmento, já que, também no que lhes respeita, a prova atendível e considerada, nomeadamente a que se veio referindo, suporta, de acordo com um juízo razoável, também os factos consignados sob itens 126, 127 e 128, Improcederá pois no que se lhes refere a impugnação do recorrente."

54)       Ora, salvo melhor entendimento, também aqui o Tribunal "a quo" incorre manifestamente em erro notório na apreciação da prova nos termos do art°. 410° n°2 ai. c) do C.P.P. quando faz consignar tal argumentação no texto da decisão, segundo a qual se abstém de apreciar os factos impugnados atinentes ao alegado dolo do Recorrente com base na materialidade factual assente, incorrendo assim no denominado dolo presumido (dolus in re ipsa).

55)       Ora se a falta de efectivo conhecimento da importação do produto estupefaciente foi um dos pontos fulcrais de toda a impugnação do Recorrente, o Tribunal "a quo" não podia reapreciar a impugnação de tais factos com a leviandade com que fez, remetendo para a materialidade fáctica adquirida, sem dar cabal resposta, com base na prova produzida, da actuação do Recorrente, designadamente consubstanciar em factos que este bem sabia e quis importar produto estupefaciente.

56)       Quanto aos bens apreendidos ao Recorrente, tendo sido contestada a factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido (factos 99, 103, 108, 112 e 117 dados como provados), nomeadamente, a sua obtenção ou relação com a descrita actividade de tráfico, também não pode colher a argumentação que é dada pelo Tribunal "a quo" segundo a qual, por dos factos anteriores concluir que o Recorrente se dedica ao tráfico de estupefacientes, então tudo o que foi encontrado na posse do Recorrente provém desse tráfico.

57)       O Tribunal recorrido chega mesmo a afirmar a págs. 236 no que aos bens sindicados concerne que "na medida em que a sua impugnação aos mesmos decorria do pretendido afastamento do acolhido quanto ao seu envolvimento na actividade de tráfico, desatendida que foi esse afastamento, claudicará, necessariamente tal pretensão'.

58)       Ora, o Tribunal recorrido nem sequer se digna a reapreciar a matéria sindicada conforme solicitado pelo Recorrente, explicando o paradoxo em que assentou a decisão de primeira-instância, nomeadamente, se o único carregamento de produto estupefaciente foi apreendido, como é possível os bens adquiridos em momento bastante anterior a tal actividade serem, ainda assim, produto do tráfico?!

59)       Esta argumentação seguida pelo Tribunal "a quo" insere-se na linha que temos vindo a expor, isto é, na construção de autênticos "castelos de areia" cuja solidez é nenhuma, aparentando uma construção inabalável.

60)       Trata-se na verdade de um ciclo vicioso que, partindo da conclusão indemonstrável, segundo a qual as importações às quais o Recorrente estava associado serviam para dissimular produto estupefaciente, cuja manifesta falta de fundamentação tenta passar despercebida no acórdão recorrido, todos os restantes factos provados que o Tribunal "a quo" confirma servem apenas e só para circunstanciar e dar corpo a essa conclusão sofismável.

61)       Os factos sublinhados por este STJ no aresto pelo qual se anulou o anterior acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e que constituem o núcleo factual essencial dos presentes autos permanecem inalterados não obstante a sindicância do Recorrente, o que só é explicável pelo juízo prévio de culpabilidade existente por parte deste ilustre Colectivo de Juízes do Tribunal "a quo", que pelo presente acórdão recorrido mais não fez do que confirmar a sua convicção já alcançada na decisão anterior anulada pelo vício formal de omissão de pronúncia, ainda que para tanto seja manifesto o erro na apreciação da prova em que a decisão recorrida incorre, na medida em que o caminho seguido para a reapreciação da matéria de facto solicitada foi o inverso, ou seja, o Tribunal recorrido reapreciou a prova produzida não para concluir pela criminalidade da conduta do Recorrente, mas antes reapreciou os factos (deixando intocável o núcleo essencial dos mesmos) para justificar a sua convicção de culpabilidade previamente adquirida, já desde o momento em que havia proferido o anterior acórdão objecto de anulação.

62)       Face ao supra exposto, deverão V. Exas. declarar o vício de erro notório na apreciação da prova nos termos do art°. 410° n° 2 al. O do C.P.P. e bem assim reenviar os presentes autos para correcção do mesmo.

63)       Não obstante tudo quanto acima se expôs, a verdade é que a convicção de culpabilidade que o ilustre colectivo "a quo" já havia adquirido sobre o Recorrente é tão forte, aliada ao facto de, teimosamente, não querer dar qualquer razão ao Recorrente ainda que, eventual e residualmente alguma razão lhe assista,

64)       O Tribunal recorrido socorre-se da fundamentação ínsita no acórdão de primeira instância no que à medida concreta da pena concerne para, como se nada se tivesse alterado, justificar e manter a pena de 10 anos e seis meses de prisão ao Recorrente.

65)       Desde logo o Tribunal recorrido é o único e exclusivo responsável por, volvidos quase dois anos e meio sobre a decisão proferida por este STJ, só agora ter sido proferida nova decisão em virtude da anulação verificada.

66)       Mais: conforme se disse no ponto A), o Recorrente quando notificado para apresentar conclusões aperfeiçoadas, logo nessa peça processual como questão prévia, suscitou o impedimento do colectivo que, sobre o mesmo, deveria ter sido proferido despacho no prazo máximo de 5 dias (art°. 41° n° 2 do C.P.P.), o que não fez.

67)       Dito de outro modo, nem com o impulso processual a que o Recorrente deu azo com o seu fundamentado requerimento a suscitar o impedimento foi per se suficiente para que o Colectivo "a quo" se pronunciasse mais rapidamente nos presentes autos, sendo que, como é óbvio, tal situação processual reflecte-se negativamente no Recorrente.

68)       E agora, volvidos estes quase dois anos e meio, o Tribunal recorrido nem sequer pondera o tempo decorrido e, sobretudo, a postura do Recorrente na sociedade em que se encontra inserido, cumprindo escrupulosamente todas as medidas de coacção impostas e não existindo qualquer notícia de que alguma vez mais tenha prevaricado.

69)       Ora, esta apreciação era imposta ao Tribunal "a quo" atento o disposto na ai. e) do n° 2 do art°. 71° e al d) n° 2 do art°. 72° ambos do Código Penal, o que não fez.

70)       Só por aqui se verifica desde logo a violação dos supra referidos normativos e, por consequência, também a violação do disposto no art°. 40° do CP.

71)       Acresce ainda que, embora não tendo sido alterado o núcleo essencial dos factos provados foi, contudo, alterada matéria de facto que, não tendo mais nenhuma consequência, mesmo na perspectiva do Tribunal Recorrido, poderia e deveria reflectir-se na medida concreta da pena, uma vez que a alegada culpabilidade do agente é diversa, o que também não sucedeu.

72)       Na verdade, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo levar-se em conta que, nos termos prevenidos no art. 40.°, do mesmo diploma, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

73)       É que embora a pena privativa da liberdade possa corresponder a uma expectativa geral da sociedade, como meio de retribuir o mal causado à comunidade, o sistema legal não pode esquecer que a este anseio colectivo tem sempre de sobrepor a necessidade de ressocializar o infractor.

74)       De acordo com o disposto nos art.°s 70.° a 82.° do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo tribunal conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito.

75)       A acrescer ao que supra se disse, apurou-se que a quantidade de droga apreendida (597,7 kgs de cocaína) é tudo menos diminuta, insignificante ou desrazoável.

76)       Contudo, todo o circunstancialismo fáctico apurado relativamente ao Recorrente que culminou com a referida apreensão do produto estupefaciente, faz com que a análise objectiva e singular da quantidade de droga apreendida não seja por si só suficiente.

77)       A conduta do arguido tem de ser perspectivada e avaliada na relação com a dita apreensão.

78)       A condenação do Recorrente estribou-se como o próprio acórdão de primeira instância admite e assume em prova indiciária (terminologia utilizada no próprio acórdão), pela qual foram dados como provados os factos subjudice, pelo que não parece curial afirmar-se, sem mais, que o dolo é intenso, apenas tendo por base a quantidade de produto estupefaciente apreendido.

79)       Acresce ainda que, para além desta apreensão, nenhuma outra operação de tráfico logrou ser provada.

80)       Em relação aos factos ocorridos no Brasil e que vieram culminar com a apreensão nesse país de contentores de carvão com droga dissimulada no seu interior, também ficou demonstrado que o recorrente é de todo alheio, como ficou afastada a ideia de rede nacional ou internacional.

81)       Relativamente a outras importações que eram realizadas pela "Fenoca" designadamente, de fruta, pese embora as especulações, não se logrou provar que juntamente com esta, alguma vez poderia ter vindo produto estupefaciente dissimulado.

82)       Curioso é que até hoje se desconhece a proveniência da droga apreendida junto da "Fenoca", sabendo-se contudo que, a Polícia Judiciaria vinha fazendo uma apertada vigilância aos arguidos desde o início de 2005.

83)       A tudo isto o Tribunal da Relação, não deu como lhe competia resposta fundamentada, tendo mesmo desvalorizado os argumentos apresentados, e pronunciando-se pela improcedência do recurso no que a esta matéria diz respeito.

84)       A nível profissional o arguido desempenhava funções, explorando um couto de caça. O arguido não tem antecedentes criminais, muito menos nesta matéria. O ora Recorrente é casado e tem duas filhas, sempre esteve inserido profissional e socialmente, encontrava-se a gozar uma licença sem vencimento para se dedicar àquela que foi sempre uma grande paixão - a caça - tendo um passado de guarda prisional imaculado e prestigiante.

85)       Aliás, devolvido à liberdade e dentro das limitações que lhe se encontram impostas, o Recorrente tem tentado seguir a sua vida profissional, continuando a explorar o couto de caça e daí retirando os seus rendimentos, contando com o apoio incondicional da sua família.

86)       O arguido é uma pessoa calma, bem formada, com elevado espírito de coesão e inter-ajuda para com os seus amigos e familiares.

87)       Em resumo, considera o recorrente a medida concreta da pena desajustada, contribuindo activamente todos os argumentos que militam a seu favor para uma pena concreta próxima dos mínimos legais, sendo que actualmente, face ao período de tempo decorrido e a sua inserção sócio-familiar mais sentido faz que a punição se concretize perto dos seus limites mínimos na medida em que a finalidade da punição (ressocialização) está já plenamente alcançada.

Conclui pedindo que::

A) Devem declarar a nulidade do acórdão recorrido ao abrigo do art°. 40° als. C) e d) do C.P.P. Porque a decisão foi proferida por um ilustre colectivo de juízes desembargadores que se encontrava impedido de participar em novo julgamento e subsequente prolação de acórdão, por terem participado e produzido decisão de mérito em acórdão anterior declarado nulo.

B)         Não obstante a nulidade supra invocada do impedimento nos termos do art°. 40° do C.P.P, devem. Igualmente declarar a nulidade de todos os actos praticados pelo tribunal "a quo" após a questão do impedimento ter sido suscitada e fundamentada pelo ora recorrente e não ter sobre a mesma recaído qualquer despacho no prazo de 5 dias como a lei prevê no artigo 41º n° 2 do C.P.P.

C)        Caso assim não entendam, declarar o erro notório na apreciação da prova previsto no art°. 410° n° 2 al. C) do C.P.P. Nos termos supra enunciados e em consequência determinar o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art°. 426° n°1 do C.P.P.

D)        Caso ainda assim não considerem, e uma vez que o tribunal na quo' violou os art°s. 40° n° 1 e 71° do CP. Aplicando uma pena de prisão desajustada, devem Revogar tal decisão, aplicando uma pena pelos mínimos legais.

                 Foi produzida resposta pugnando pela manutenção do recurso.

                  Procede-se a julgamento com observância das formalidades legais

                                                               *

                                      A instância mantêm-se regular.

       Em sede de primeira instância resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 3 de Janeiro de 2005, o arguido AA, na altura ainda em exercício de funções de guarda prisional no Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária em Lisboa, encontrou-se em Alcoentre com elementos suspeitos de pertencerem a uma rede internacional de narcotráfico, a saber os cidadãos colombianos RR e SS, bem como com o cidadão de nacionalidade espanhola TT.

2. O TT conduzia a viatura da marca M... Sprinter, com a matrícula ...BSF, enquanto os cidadãos colombianos se transportavam na viatura de marca V... G..., com a matrícula ...CVH. O arguido AA, por sua vez, deslocou-se para o local na viatura de marca F... T..., com a matrícula ...-...-FC.

3. Após conversa entre estes indivíduos, o veículo de marca M... Sprinter foi estacionado junto ao bairro residencial pertencente ao corpo de Guardas Prisionais do Estabelecimento Prisional de Alcoentre.

4. Dois dias depois, a 5 de Janeiro, na sequência do combinado nos contactos então estabelecidos, o arguido AA dirigiu-se a Espanha, na referida viatura de marca F... T....              

5. Nesta altura, a movimentação do arguido AA em Espanha já era seguida pelas autoridades policiais desse país, pelo que, na sequência de um controle a que foi sujeito pela Guardia Civil, em Badajoz, quando se aprestava para regressar a Portugal, foi-lhe apreendida a quantia de €2.549.000.000 (dois milhões, quinhentos e quarenta e nove mil euros).

6. Este evento veio, aliás, a ser noticiado na imprensa portuguesa e espanhola.

7. Instado pelas autoridades espanholas sobre a proveniência do dinheiro, o arguido AA alegou que tal dinheiro pertenceria aos cidadãos nacionais CC e ao arguido BB, e teria como destino a aquisição de propriedades.   

8. Alguns dias depois, no dia 14 de Janeiro, na sequência da descrita apreensão de dinheiro, o TT, RR e SS, fazendo-se transportar nas viaturas C... C15, com a matrícula M-...-WU e M... C.., com a matrícula ...CXP, deslocaram-se à zona de Santa Eulália, em Elvas, onde se encontraram novamente com o arguido AA.

9. Nesta altura, o então suspeito AA revelou-se muito cuidadoso com a organização do encontro, uma vez que, antes de se reunir com os referidos indivíduos junto à Praça de Touros, local onde manusearam alguns volumes que se encontravam na mala do veículo C... C15, realizaram algumas inversões de marcha e percorreram algumas das mais estreitas e pacatas ruas da localidade de Santa Eulália, procurando detectar a presença de um qualquer dispositivo policial de vigilância.

10. Após esta reunião, o cidadão espanhol TT regressou a Espanha na viatura C... C15, enquanto que os colombianos RR e o SS se deslocaram para a área de serviço de Estremoz, no M... C..., onde aguardaram pela chegada do arguido AA, o qual, nesta altura, circulava com a viatura de marca T... L... C... (matrícula - ...-...-QL), da sociedade Fenoca.

11. Daqui seguiram os três para a Quinta do Conde e depois para o Centro Comercial Amoreiras, em Lisboa, onde os colombianos RR e SS parquearam o veículo M... C..., juntando-se ambos de seguida ao arguido AA.

12. Seguiram então os três na viatura de marca T... L... C... para a Praça dos Restauradores, onde os colombianos efectuaram novo contacto telefónico a partir de uma cabina telefónica. Jantaram no restaurante G... e seguiram depois para uma cabina telefónica instalada na Av.ª Duque de Loulé, onde realizaram outro contacto telefónico. Seguiram para a Praça José Fontana, onde efectuaram novo contacto telefónico, também de uma cabina telefónica. Imediatamente após, foram buscar o veículo M... C... ao Centro Comercial Amoreiras e seguiram para o Jardim da Rua Camilo Castelo Branco, onde o arguido AA, também de uma cabina telefónica, realizou um contacto telefónico.

13. Seguidamente, os colombianos RR e SS dirigiram-se para o Hotel E..., onde pernoitaram, enquanto o arguido AA regressou à sua casa na Quinta do Conde.

14. No dia seguinte, os colombianos abandonaram o Hotel e deslocaram-se para o Centro Comercial Amoreiras, onde se encontraram, de novo, com o arguido AA. Dirigiram-se todos à loja da V..., onde o arguido AA, recorrendo a uma identidade não verdadeira, adquiriu os telemóveis de marca N..., com n.º------------ e n.º---------, tendo solicitado o carregamento imediato de 25,00 €uros. Estes equipamentos vieram a ser utilizados posteriormente e alvo de intercepção telefónica, correspondente aos alvos 1E147 e 1E148.

15. Dirigiram-se de seguida para Sesimbra, onde os três (o arguido AA, o RR e o SS) vieram a almoçar no restaurante R..., na companhia do arguido BB.

16. Após a refeição, deslocaram-se todos para o passeio marítimo, onde os colombianos realizaram dois contactos telefónicos de cabinas telefónicas.

17. De regresso e já na Quinta do Conde, os mesmos indivíduos efectuaram outros dois contactos telefónicos, também de cabinas, por razões de segurança.

18. Estes contactos telefónicos tiveram como destino telefones instalados em Medellin, na Colômbia (n.º ..., n.º ..., n.º... e n.º ...).

19. O arguido AA, para a realização dos seus contactos telefónicos e como resulta da actividade já descrita, utilizava vários postos telefónicos móveis, denotando, desta forma, o recurso a cuidados extremos para se eximir a eventuais controlos ou vigilâncias policiais.

20. Para além do recurso a postos fixos de cabines telefónicas públicas, utilizava, nesta altura, os seguintes telefones móveis, os quais vieram a ser interceptados no âmbito da investigação em curso: nº ... - Alvo(1E150), nº .... - Alvo(1E149), nº ... - Alvo(1E146), nº ... - Alvo(1E147) e nº  ... - Alvo(1E148).

21. No dia 23/01/2005, o arguido AA dialogou ao telefone com um indivíduo espanhol (telef. ...), com quem combinou encontrar-se num bar na 4.ª feira seguinte (26/01/2005), para tratar de questões logísticas relativas à realização de um desembarque de produto estupefaciente na costa marítima portuguesa de que estava incumbido.

22. Entretanto, o arguido AA, passou a utilizar um outro telemóvel, da operadora TMN, com o nº ..., o qual veio a ser igualmente interceptado e ao qual foi atribuído o Alvo(1E394).

23. No dia 1 de Fevereiro de 2005, o arguido AA registou, no gravador de chamadas deste telemóvel, o nome de DD e recebeu uma chamada de voz do cidadão colombiano chamado EE, indivíduo que trabalhava à ordem do referido cidadão colombiano conhecido por Gordo. No entanto o arguido AA negociava a aquisição de droga com o EE.

24. Ainda neste dia, o arguido AA ligou para o telefone ...-...-... (Brasil) e falou com um indivíduo brasileiro, não identificado, a quem disse, referindo-se a um barco, que o seu pessoal está chamando para entrar na água. Fez uma alusão ao EE e ao facto deste estar a caminho com os papéis.

25. No dia 9/02/2005, o arguido AA foi contactado por um brasileiro (Telef. ...), o qual, referindo-se ao colombiano EE, lhe disse que “a VV está-nos esperando lá na ilha Margarita”. Falaram ainda de outros elementos da rede “gordito” (Gordo) e à “filha” (GG), filha do FF, a qual se deveria deslocar a Portugal nos dias seguintes.

26. No dia 10/02/2005, o arguido AA foi contactado pela GG, filha do FF, através de telefone instalado em Espanha, com o nº 34915595471, a qual lhe disse ter indicações do “velho” (seu pai FF), para ir buscar umas coisas (dinheiro).

27. Ainda neste dia (10/02), o arguido AA foi contactado pelo “velho” (FF), o qual o questionou sobre a chegada da “filha” (GG), dizendo-lhe que ele ia para a ilha Margarita. O arguido AA respondeu-lhe que a sua “banheira” (barco) estava preparada, fazendo ainda referência a percentagens, referindo-se aos lucros de ambos com a operação de importação de cocaína que estavam a levar a cabo.

28. Efectivamente, no dia seguinte (11/02/2005), o arguido AA veio a encontrar-se com a brasileira GG, também conhecida por “magnólia e filha”, a qual se deslocara a Portugal para receber dinheiro do arguido AA

29. Nesse dia (11/02), o FF telefonou ao arguido AA e perguntou-lhe sobre a “menina”, sua filha GG, e, na altura, comprometeu-se a enviar-lhe o número de telefone do EE. No decurso do encontro entre o arguido AA e a GG, o qual teve lugar no Centro Comercial Vasco da Gama, no dia 11 de Fevereiro, foi possível verificar que estes indivíduos abandonaram aquele local no carro do arguido AA e seguiram em direcção ao Hotel R..., sito no Campo Grande – Lisboa, local onde a cidadã brasileira estava hospedada.

30. No decorrer da estada da GG em Portugal, uma outra mulher, não identificada e com funções de vigilância, manteve-se sempre por perto durante o seu encontro, no Centro Comercial Vasco da Gama, com o arguido AA, denotando cautelas nos seus encontros e recorrendo a acções de contra vigilância, pela detecção que conseguiram fazer dos elementos de vigilância da Polícia Judiciária. A GG pediu então ao arguido AA que fosse buscar o dinheiro que estava no Hotel ao que este respondeu, aconselhando a GG a ir de táxi para Badajoz.

  31. O arguido AA recebeu ainda uma chamada do FF, através do telefone nº ..., no qual este lhe disse que a GG tinha um cartão para lhe entregar (chave electrónica do quarto do hotel) e lhe pediu que desse o dinheiro à GG, ao que o arguido AA lhe respondeu que ia receber a chave noutro sítio e que já lhe tinha entregue o dinheiro.

32. A entrega de dinheiro, por parte do arguido AA, à GG, foi feita no parque de estacionamento do Centro Comercial Vasco da Gama.

33. No dia 12/02/2005, o FF, através do telefone nº -------------, deixou uma mensagem ao arguido AA, fornecendo-lhe o número de telefone do EE (---------).

34. Entretanto, o arguido AA, durante o mês de Fevereiro de 2005, começou a utilizar os telefones n.º------------ – confidencial e o n.º--------, instalado no restaurante X..., sito na Rua de S... M... nº ...-E, em Lisboa, nas proximidades do Estabelecimento Prisional junto da PJ onde o arguido AA desempenhava, na altura, as funções de Guarda Prisional. 

35. Nessa altura, os contactos feitos pelo arguido AA tinham como destino, em Espanha, o telefone nº ---------, no Brasil, os telefones nºs. ------------ e ---------------- e, na Colômbia, os telefones nºs. ------------------, ------------------, ----------------- e --------------------.

36. Para a realização destes contactos o arguido AA recorreu, principalmente, a cabinas telefónicas e telemóveis, mas também ao telefone instalado no Café P..., sito na Av.ª da L..., lote ..., na Q... do C..., nas proximidades da sua residência.

37. No dia 16 de Março de 2005, o arguido AA foi contactado, telefonicamente, de Espanha, por alguém a falar espanhol e do telefone nº ---------------- – na altura alvo de intercepção telefónica em Espanha, com quem combinou encontrar-se no dia seguinte em local que designaram por “estação”, algures em Portugal, com vista a trocarem de telefones que utilizariam em futuros contactos, sempre com o intuito de se eximirem a quaisquer possíveis intercepções, por parte das Autoridades Portuguesas e Espanholas.

38. No dia 17/03/2005, na zona de Santa Eulália, em Elvas, teve lugar um encontro entre, por um lado, os arguidos AA e BB, os quais se fizeram transportar para o local no veículo M... S... L200 2.5 TD, com a matrícula ...-...-ZP, também pertencente à empresa Fenoca, e, por outro lado, dois elementos não concretamente identificados, um de nacionalidade espanhola e outro de nacionalidade colombiana, os quais se faziam transportar no veículo V... P..., com a matrícula ...-DDW.

39. Depois deste encontro, o arguido AA começou a efectuar os contactos para Espanha, através de um novo número de telefone móvel da operadora V..., n.º--------------, o qual viria a ser interceptado posteriormente sob o Alvo 26974.

40. Alguns dias mais tarde, a 01/04/2005 (6.ª feira), o arguido AA foi contactado, de Espanha, por um indivíduo a falar espanhol, a partir dos nºs. ------------ e ---------------, (ambos os telefones alvo de intercepção telefónica em Espanha), com quem combinou encontrar-se num hotel no domingo seguinte (03/04/2005) pelas 20H00, juntamente com um tal Charlie e um tal Peque.

41. No dia 3 de Abril, os arguidos AA e BB viajaram para Madrid-Espanha, tendo ficado alojados no Hotel I..., sito na Gran Via – Madrid, local onde, pelas 21H30, se encontraram com um membro da organização conhecido por Tomaz.

42. Neste mesmo dia, os arguidos adquiriram bilhetes de comboio para o percurso Madrid-Paris, tendo efectuado a viagem no dia seguinte, 04/04/2005. De Paris embarcaram para o Brasil, para ali providenciarem pela expedição de cocaína, por via marítima, para Portugal. Nesta altura, o arguido BB adquiriu outro telemóvel com o n.º ------------ (o qual passou a ser interceptado sob o Alvo 1E911), para ser exclusivamente utilizado para contactar o telemóvel utilizado pelo arguido AA, vindo a ser interceptado sob o Alvo 26974.

43. No dia 20 de Abril de 2005, os arguidos AA e BB chegaram ao aeroporto de Lisboa, regressados do Brasil, onde já eram aguardados pelas arguidas XX e ZZ.

44. No dia seguinte ao regresso, 21 de Abril de 2005, o arguido AAA, em conversa telefónica com o seu pai, o arguido BB, perguntou-lhe acerca da possibilidade de substituir a lima por laranja, ao que lhe foi respondido não haver hipótese, pois já estava tudo apanhado e a transferência estava já feita por aquele valor.

45. Nos dias 26 e 27 de Abril, o arguido AA estabeleceu contactos telefónicos com um indivíduo (o qual utilizava o telef. nº ---------------- – alvo de intercepção telefónica em Espanha), falando a língua espanhola e fazendo referências a contactos com outros indivíduos, conhecidos pelos nomes de Índio, Charlie e Nemo.

46. Após o seu regresso do Brasil, o arguido BB iniciou uma série de contactos com um ajudante de despachante, o arguido BBB, o qual desempenha funções na empresa CCC-“T... L... - Despachante Oficial, Lda”, sediada em Lisboa, a quem pediu, com alguma insistência, que acompanhasse o percurso de dois contentores de fruta que estavam a caminho de Portugal, ao que este respondeu, garantindo que tudo correrá bem e acompanhará o serviço.

47. Entretanto, no dia 7 de Maio de 2005, chegou ao aeroporto de Lisboa, proveniente num voo do Brasil, o cidadão brasileiro LL, titular do passaporte CM..., indivíduo especializado em assessoria e logística em comércio exterior, importações e exportações, ligado à firma DDD- JA B..., o qual trazia consigo a documentação relativa à importação do referido contentor com limas, provenientes do Brasil.

48. Logo que chegado a Portugal, e por indicação do arguido AA, o LL apanhou um táxi que o levou até ao Cadaval, tendo permanecido em território nacional até ao dia 13 de Maio, tudo para, aparentemente, controlar a chegada de um contentor, contendo apenas fruta e com o valor comercial de apenas € 6.576,54. Imediatamente após, o LL regressou ao Brasil.

    49. Na viagem do despachante LL a Portugal, este teve também a oportunidade de acordar com os arguidos AA e BB os procedimentos necessários relativamente a outro processo de dissimulação da cocaína importada, através de sacos de carvão, cuja aquisição seria providenciada pelo despachante nos meses seguintes de Junho e Julho de 2005, altura em que os arguidos se iriam deslocar ao Brasil.

50. O contentor com limas chegou no dia 10 de Maio de 2005 e, três dias depois, no dia 13, pelas 15H15, foi transportado num camião, das instalações da Alfândega de Lisboa, para as instalações da empresa Fenoca, sitas na localidade de Pragança-Cadaval, onde foi descarregado.

51. Na altura da chegada do referido contentor, a Polícia Judiciária efectuou uma fiscalização ao contentor constatando-se que, para além das paletes com limas, transportava-se ainda, em caixas perfeitamente visíveis, algumas garrafas de aguardente/caipirinha e piri piri.

52. No dia seguinte, 11/05, o arguido BB manteve uma conversa telefónica com o arguido BBB sobre a vinda dos próximos dois contentores. Ainda neste contacto, o arguido BB mostrou-se muito incomodado com a fiscalização e a possibilidade de futuras importações serem alvo de fiscalização. O arguido BB disse ainda que “se não desmancharem mesmo tudo, não viam também.”

53. Alguns dias depois, no dia 16/05, o arguido BB estabeleceu uma conversação telefónica com o LL, dizendo-lhe que o arguido AA lhe ia telefonar e que o outro contentor a seguir às mangas já só pode vir quando eles estiverem lá no Brasil, reportando-se ao contentor de carvão que veio a ser apreendido posteriormente, ainda no Brasil e no porto de Santos, com cerca de 1400 Kgs. de cocaína, conforme se descreverá infra.

54. O arguido BBB, para além das suas funções enquanto ajudante de despachante, no dia 13 de Maio, alertara já o arguido BB, telefonicamente, para um possível seguimento e controlo do contentor por autoridades policiais, aconselhando-o a retirar algo que pudesse estar no seu interior referindo-se, contudo, à presença de produtos sujeitos a tributação e não constantes do manifesto e não facturados.

55. Dias depois, o arguido BB substituiu o cartão telefónico utilizado no telemóvel interceptado sob o Alvo (1E485I), pelo número n.º ------------------ e começou a usar o cartão telefónico n.º ------------, destinado única e exclusivamente a contactar o arguido AA, este por sua vez interceptado sob o Alvo (1E911).

56. Os arguidos AA e BB, no dia 23 de Maio, deslocaram-se ao Centro Comercial Xanadu, em Madrid - Espanha, onde se encontraram com HH, conhecido por “Peque” e EEE, os quais circulavam na viatura de marca V... P..., com a matrícula ----CCF.

57. Após o almoço, o HH e o EEE seguiram para o aeroporto de Barajas, onde adquiriram passagens aéreas para o voo IB – ... de dia 24, com destino a Málaga.

58. No dia 31/05/2006, os arguidos AA e BB, fazendo-se ambos transportar no veículo de marca M... ML270CDI, com a matrícula ...-...-SC, da empresa Fenoca, deslocaram-se novamente a Espanha, onde, no mesmo local (Centro Comercial Xanadu), se encontraram com o HH. A partir deste local, o HH passou a conduzir o veículo e dirigiram-se para Navalcarnero, local onde o arguido AA e o HH, efectuaram, em simultâneo, chamadas de duas cabinas telefónicas existentes na Calle Constitución.       

58. Nos dias 1 e 2 de Junho de 2005, o arguido AA contactou o indivíduo conhecido por ÍNDIO, o qual falava em língua espanhola e a partir do telef. nº ------------ – (alvo de intercepção telefónica em Espanha), com quem combinou encontrar-se no dia seguinte, 3 de Junho.

59. No mesmo dia 1 de Junho, o arguido AA foi contactado por outro indivíduo da rede, o qual falava em língua espanhola e a partir do telefone nº ------------- (igualmente alvo de intercepção telefónica em Espanha), a quem disse que havia sido contactado pelo INDIO e que a sua banheira estaria perto, referindo-se à proximidade de um barco.

60. Efectivamente, no dia 03/06/2005, o arguido AA deslocou-se novamente a Madrid-Espanha, onde se encontrou novamente com o HH – “PEQUE”. Durante o encontro, o arguido AA utilizava já um novo telemóvel com o n.º ---------------, o qual veio a ser igualmente interceptado sob o Alvo 1F413.              

61. Este encontro teve, pelo menos, como objectivo trocarem de números de telefones, sendo que desde então os telemóveis n.º-------------- Alvo (1F293) e n.º --------------- Alvo(1E911), passaram a ser utilizados única e exclusivamente para os contactos com os elementos das componente espanhola e colombiana da rede de narcotraficantes.

62. Os arguidos AA e BB começaram a implementar diligências com vista à colocação do carvão que pretendiam importar, como forma de dissimularem a cocaína que importavam da América do Sul.

63. O arguido BB, no dia 6 de Junho de 2005, contactou, telefonicamente, NN id. a fls. 1271, proprietário da Churrasqueira “O C...”, sita em Évora, a quem propôs um encontro para lhe falar de um negócio onde aquele poderia ganhar umas coroas.

64. Com efeito, já anteriormente, em meados de Maio de 2005, os arguidos AA e BB haviam proposto ao BB a realização de um negócio de importação de carvão vegetal do Brasil, no qual este último deveria assumir a total responsabilidade por todos os procedimentos relativos à importação. Como justificação para tal, invocaram razões relativas ao divórcio do arguido BB. Os arguidos, no entanto, não deram a conhecer ao BB - interessado no carvão para o utilizar na sua churrasqueira - o real propósito de introduzir cocaína nos contentores onde seria acondicionado o carvão e que este último produto apenas se tratava de uma forma de ocultar a cocaína transportada. Na altura, os arguidos aliciaram-no com algumas amostras de carvão que haviam sido enviadas no interior do contentor de limas importado do Brasil e que chegara a Portugal em Maio de 2005, nos termos supra descritos.

65. Na verdade, os arguidos BB e AA apenas pretenderam utilizar o estabelecimento do BB para importar carvão e dessa forma introduzir a cocaína no país.

66. O BB acabou por aceitar o negócio, nos termos em que este lhe havia sido proposto, tendo acompanhado os arguidos BB e o AA, nas visitas a vários armazéns no Alentejo, onde seriam colocados os contentores de carvão, tendo aqueles acordado com o proprietário de um armazém, sito na estrada da Igrejinha, o seu arrendamento por um período de dois meses. Para liquidar o pagamento da renda de €1.200,00, bem como as despesas inerentes à importação do carvão, o arguido BB entregou ao BB a quantia de € 13.750,00 (treze mil, setecentos e cinquenta euros).

67. Com efeito, a vinda de diversos sacos de carvão vegetal no contentor de limas, importado em meados de Maio de 2005, teve como objectivo aliciar o BB para um negócio de importação de carvão, manobra esta cuidadosamente planeada pelos arguidos AA e BB, os quais apenas pretenderam utilizar a empresa do BB na actividade de narcotráfico, por forma a que se pudessem eximir a todas e quaisquer responsabilidades, caso a cocaína fosse detectada e apreendida pelas autoridades policiais.

68. Na verdade, o arguido BB não se limitou a aliciar o BB para o negócio de carvão, tendo-o acompanhado, designadamente, ao escritório do despachante oficial, FFF, id. a fls. 1492, para tratar do processo de importação dos contentores de carvão.

  69. Já no Brasil o carvão foi transportado para o armazém situado na Rua A... P..., ..., JD. Candá, a cerca de 40 Kms de Barretos, arrendado a II e JJ, respectivamente pai e filho, pelo LL a pedido do AA.

70. Na verdade, no Brasil e para os apoiar nos procedimentos necessários para a exportação de contentores com cocaína dissimulada em outros produtos legais, designadamente carvão, os arguidos AA e BB contaram, também, com o apoio do despachante LL.

71. Foram então efectuados vários carregamentos de carvão para o armazém arrendado pelo arguido AA em Candá. Um desses carregamentos iniciou-se em 21/06/2005 e terminou em 30/06/2005, com o carregamento dos contentores CGNU 464774-7 e CGNU 465562-6, os quais foram transportados para o terminal 32 da Mesquita. O segundo carregamento foi realizado no período nocturno e iniciou-se em 18/07/2005 e terminou a 21/07/2005, com o carregamento dos contentores CADU 701.438-1 e GSTU 757.228-2, os quais foram encaminhados para o terminal da RODRIMAR, em Santos, onde posteriormente veio a ser detectada e apreendida cocaína pelas autoridades brasileiras, conforme se descreverá infra.

72. O aviso para pagamento da mercadoria foi processado por fax, tendo a empresa GGG- Me “enviado as facturas para o importador através do fax -----------, sendo que, após o envio do primeiro fax, verificou-se uma transferência bancária para conta da referida empresa com o nº ----------, agencia 0174 do Banco Unibanco de Barretos (Brasil).

73. O pagamento do segundo carregamento não se processou já que o BB, após ter conhecimento da detenção dos arguidos AA e BB, nos termos subsequentemente descritos, bem como da detecção de droga nos contentores de carvão, recusou-se a efectuar o pagamento respectivo.

74. O contrato para o transporte dos contentores foi negociado directamente pelo despachante LL com MM, proprietário da empresa transportadora HHH-T... – Transportes Rodoviários Ltda. e consistia no transporte de quatro contentores de Santos para Bebedouro e retorno a Santos.

75. No dia 13/06/2005, o arguido AA foi contactado telefonicamente, por um indivíduo não identificado que falava em língua espanhola e a partir do telefone nº --------------- – (alvo de intercepção telefónica em Espanha) a quem disse ir encontrar-se no dia 15 com o INDIO e que, no dia 16, estaria na “capital grande”, referindo-se à cidade de São Paulo, no Brasil, para onde iria viajar nos dias seguintes.

76. Assim, no dia seguinte, 14/06/2005, os arguidos AA, BB e ZZ, deslocaram-se a Madrid – Espanha, na viatura de marca Land Cruiser, com a matrícula ...-...-QL. 

77. Em Madrid, os arguidos AA e BB encontraram-se com o HH – “Peque”. De Espanha regressaram todos a Portugal, com excepção do arguido AA, o qual foi transportado pelo HH e um outro desconhecido até ao aeroporto de Barajas, em Madrid, de onde viajou para a cidade de São Paulo – Brasil.

78. No dia 01/07/2005, o arguido AA, do Brasil, contactou o arguido BB, a partir dos telefones -------------- instalado na localidade Bebedouro e ------------------- instalado na cidade de São Paulo, dando-lhe instruções para que viajasse para aquele país, no dia 06/07/2005, esclarecendo que o aguardaria em Fortaleza.

79. Ainda segundo as instruções dadas pelo arguido AA, a arguida Inocência AA, sua esposa, bem como as suas duas filhas, deveriam viajar com o arguido BB para o Brasil.

 80. Assim, no dia 04/07/2005, os arguidos BB, ZZ e XX, esta acompanhada de uma das suas filhas, deslocaram-se à delegação de viagens do Centro Comercial El Corte Inglês, em Lisboa, onde adquiriram 4 (quatro) passagens aéreas, em classe executiva, uma para o arguido BB, outra para a arguida XX e duas para as filhas desta, III e JJJ, tendo como destino Fortaleza-Brasil, com partida marcada para 07/07/2005 e regresso no dia 20/07/2005.

81. O arguido BB pagou a sua passagem aérea em numerário, no valor de € 1.530,02. Por seu lado, a arguida XX optou por liquidar a sua passagem aérea e das suas filhas através de cartão Maestro, tendo pago a quantia de €4.250,06.

82. No dia 07/07/2005, registou-se o embarque no aeroporto de Lisboa, no voo TP163, com destino ao Brasil, dos arguidos BB e XX, bem como das filhas desta, JJJ e III.

82*. No dia 21/07/2005, dia do regresso, desembarcaram no aeroporto de Lisboa os arguidos BB e XX, bem como as suas duas filhas, todos oriundos do Brasil, onde se encontravam desde o passado dia 07/07/2005, sendo que no aeroporto já eram aguardados pela arguida ZZ. O arguido AA, por sua vez, haveria de permanecer mais uns dias no Brasil, onde já se encontrava desde meados de Junho, em diligências com vista à expedição de contentores com cocaína.

84. Ainda neste dia, os arguidos BB e ZZ seguiram para a residência do arguido AA, sita em Brejos de Azeitão, onde permaneceram toda a manhã. Cerca das 14h00, viajaram os dois até às Caldas da Raínha, para o apartamento da arguida ZZ, onde permaneceram cerca de meia hora. Ainda no mesmo dia, dirigiram-se os dois para Évora.

85. No dia 22/07/2005, o arguido AAA, por indicação do arguido BB, seu pai, dirigiu-se ao rent-a-car “A...”, sita nas Caldas da Rainha, para alugar um veículo comercial, da marca F..., modelo Transit, com a matrícula ...-...-TT,

86. Esta viatura seria utilizada mais tarde no carregamento e transporte de cocaína

87. No dia 23/07/2005, os arguidos BB e AA, o qual ainda se encontrava no Brasil, estabeleceram entre si diversos contactos telefónicos, falando acerca da actividade em curso, no sentido de providenciar pelo transporte e armazenamento da cocaína que acabava de chegar a Portugal, nos seguintes termos:

01H07 - Sessão 824 Alvo(1E911) – O arguido AA telefonou ao arguido BB, a partir do Brasil (551733420253) e este informou-o que no dia em que chegou, foi logo entregar o esquema e os papéis. O AA perguntou se também o Carlos entregou os papéis dele, ao que este respondeu que sim. O arguido BB informou-o ainda que teve que arranjar (alugar) uma carrinha e que o rapaz voltou lá à tarde a informá-lo que não conseguira reconhecer a assinatura, mas que se comprometera para segunda-feira, às cinco da tarde.

 15H00 - Sessão 828 Alvo(1E911) –  O AA informa o BB, de que já falou com o rapaz e que está tudo bem. O Carlos diz-lhe que “quer que ele saiba as coisas “. O AA tranquiliza-o, dizendo-lhe que está tudo bem. O BB volta a insistir que “lhe compete dizer-lhe a ele como estão as coisas”. Seguidamente combinam encontrar-se no Shopping em Madrid, para onde o arguido AA viajaria, do Brasil, no dia seguinte (24/07/2005), pelas 14H00.

88. Efectivamente, no dia seguinte (24/07/2005), o arguido AA viajou de São Paulo-Brasil, pelas 06H45 locais, para Madrid, no voo IB 6824. No aeroporto desta cidade, o arguido AA, depois de depositar a sua bagagem num cacifo, deslocou-se para a porta do aeroporto, onde aguardou pela chegada de EEE. Apanharam então o metropolitano em direcção ao centro de Madrid, onde se reuniram com o PEQUE e dois desconhecidos, durante cerca de 4 ou 5 minutos.

89. Durante cerca de 50 minutos, o arguido AA, o PEQUE e o EEE passearam num parque próximo. Daqui, o arguido AA saiu sozinho, de táxi, em direcção ao aeroporto de Madrid, onde recolheu a sua bagagem, seguindo depois para o Centro Comercial XANADU, vindo a depositar a sua bagagem no “El Corte Inglês “, onde se identificou como agente de autoridade português.

90. Pelas 14H30 de Espanha, chegaram ao Centro Comercial XANADU, em Madrid os arguidos BB, ZZ, e XX, bem como as filhas desta, na nova viatura (do arguido BB) da marca T..., modelo L... C... de cor azul clara e matrícula ...-...-.... Depois de se encontrarem com o arguido AA, dirigiram-se a uma marisqueira, onde almoçaram todos, sendo o prato escolhido lagosta, regressando a Portugal pelas 18H15.

91. Cerca das 15H30 do dia seguinte, 25 de Julho, o arguido AA, ao volante da viatura de marca T... L... C..., com a matrícula ...-...-QL e o arguido BB, ao volante da viatura da mesma marca e modelo, com a matrícula ...-AE-..., dirigiram-se em direcção ao Cadaval. Cerca das 16h45, o arguido AA, nesta altura ao volante da viatura com a matrícula ...-AE-..., entrou nas instalações da empresa Fenoca, logo seguido pelo arguido BB, o qual conduzia agora a viatura de marca F... T..., com a matrícula ..-...-TT, alugada à firma A... pelo arguido AAA. 

 92. Nesta altura, a carrinha de marca F... T..., onde já era transportada a cocaína, recolhida em local não apurado, conduzida pelo arguido BB, foi introduzida num barracão existente no interior das instalações da Fenoca, de onde retiraram o produto referido e a colocaram noutra viatura, de marca T..., modelo D..., com a matrícula ...-...-UU, pertencente à empresa Fenoca.

93. Alguns momentos depois, o arguido AAA, ao volante da viatura F... T..., com a matrícula ...-...-TT, acompanhado pelo arguido BB, seu pai, no lugar do passageiro, saíram das instalações da Fenoca, logo seguidos pelo arguido AA, este ao volante da viatura T... L... C... ...-AE-....

94. Cerca das 19h00 do mesmo dia, os arguidos AAA e BB, já depois do primeiro se ter deslocado às Caldas da Raínha devolver a viatura F... T... à firma de aluguer de viaturas A..., dirigiram-se de novo às instalações da Fenoca, transportando-se ambos na viatura T... L... C..., com a matrícula ...-AE-....

95. A movimentação dos arguidos, no entanto, era vigiada por elementos da Polícia Judiciária, pelo que, naquela altura, se iniciou uma operação – denominada operação zebra – com a realização de intercepções, detenções, buscas e apreensões, em simultâneo com a realização de uma operação idêntica das autoridades espanholas, relativamente aos indivíduos que naquele país levavam a cabo as suas acções.

96. Em Espanha vieram a ser detidos os seguintes indivíduos com ligação ao narcotráfico:     

- HH, nascido a 15/08/1969, em Yupil Tepeque Jutiapa – Guatemala, titular da autorização de residência n.ºX...C e residente na Calle M..., n.º... Centro ....º C, Madrid;

- EEE, titular da autorização de residência n º X ... B, nascido a 27.05.1978 em Giradot – Colómbia, com morada em Calle J... M... L..., nº ... C ..º - ..., em Madrid;

 - LLL, titular da autorização de residência n º X ... S, nascido a 01.08.1970 em Monacal – Colómbia, com domicilio em Calle J... M... P..., nº... - ...º ..., Madrid;

 - RR, titular do passaporte colombiano nº CC ..., nascido a 16.1..1965, com domicilio em Calle B... de A... ...-...- ..º .., em Madrid;

- SS, com a autorização de residência nº X ... S, nascido a 31.07.1970 em Pereira – Colómbia, com domicilio em C... L...de A..., nº ... – ...º em Madrid;

- TT, com o DNI nº..., nascido a 13.09.1954 em Madrid e residente em Calle F..., nº ... – ...º ... em Madrid.

97. Assim, nas instalações da empresa Fenoca, situadas na Quinta da S... da L..., em Pragança-Cadaval, propriedade do arguido BB, onde este se encontrava, juntamente com o seu filho AAA, foram então encontrados e apreendidos:

- O veículo da marca T..., modelo D..., com a matrícula ...-...-UU, de câmara isotérmica, em cujo interior se encontravam 15 fardos envoltos em serapilheira, contendo uma substância que se determinou ser cocaína, com o peso líquido de 597,7 kgs.

- Veículo de marca M..., modelo S..., matrícula ...-...-ZP;

- Moto 4, da marca P..., modelo Sport 400, com a matrícula ...-...-NA;

- Veículo de marca T... L... C..., matrícula ...-AE-..., em cujo interior foram encontradas e apreendidas 339 notas de €50,00, perfazendo a quantia de €16.950,00;

- Dois telemóveis de marca N... e cartões telefónicos;

- Um relógio da marca R...;

- 11(onze) livretes, 10 (dez) armas de caça e uma arma de defesa;

- Grande quantidade de munições e acessórios para caça;

- Caderneta predial urbana, referente ao artigo 2979, em nome de BB;

- Diversa documentação.

98. O arguido BB, na altura, detinha consigo e foram-lhe apreendidos, os seguintes artigos, todos eles ou obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

- a quantia, em numerário de €2.995,00 em notas de €50,00 e €5,00;

- 1 navalha com cabo preto da marca “S... P...”;

- 2 cartões telefónicos da operadora A..., com os nºs --------- e ---------;

- 1 cartão telefónico T...Card PT;

- 1 cartão B... Card de €5,00, com o nº ---------;

- 1 cartão de segurança do telemóvel ----------;

- 1 cartão de carregamento para o telemóvel nº -----------;

- 1 telemóvel da marca N..., modelo 2600, IMEI-.../.../.., contendo o cartão SIM da operadora TMN com o nº ...e PIN-...;

- 1 telemóvel de marca S..., IMEI-.../00/.../5, contendo o cartão da operadora T... com o nº ...e PIN-...;

- 1 telemóvel da marca N..., modelo 3100;

- 1 telemóvel da marca N..., modelo 1100;

- 1 relógio da marca E... A... .

99. Na residência do arguido AA, situada na Rua J... V..., nº ..., em Brejos de Azeitão, este detinha consigo e foram apreendidos, os seguintes artigos, obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico :

- €8.300,00 em notas de €20;

- €49.000,00, em notas de €50, que se encontravam dentro de um cofre;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 1100, da operadora V..., com o nº ...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 1100, da operadora V..., com o nº ...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 6820, e respectivo cartão da operadora T..., com o PIN ...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 2300, com cartão da operadora V... ;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 3100, com cartão da operadora T... (Brasil);

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 2100, com cartão da operadora T... (Brasil);

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 1100-A, com cartão da operadora T...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 3120, com cartão da operadora V...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 3300, sem cartão;

- Documentação em nome de Dr. CC acerca da genuinidade de várias notas;

- 2(dois) relógios da marca R...;

100. Na garagem da residência, encontrava-se ainda o veículo da marca M..., modelo E270Cdi Avangarde, com a matrícula ...-...-ZJ.

101. Nas imediações da residência do arguido AA, encontrava-se estacionado o veículo de marca T... L... C..., com a matrícula ...-...-QL, registado em nome da empresa Fenoca, em cujo interior se encontravam, para além de uma caixa contendo 50 munições 6.35 m/m da marca “L...B...”, os seguintes artigos, obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

- 2 cartões da operadora V..., com os nºs de PIN e PUK , ...-... e ...-..., respectivamente;

- 1 chip de telemóvel da operadora brasileira T...;

- 2 cartões de carregamento de telemóvel da operadora T...;

- 2 cartões telefónicos “supernature”;

- 1 folha impressa por computador, contendo as matrículas de vários veículos em nome do arguido BB, bem como de outros em nome da firma Fenoca, LDA;

- 1 envelope, tamanho A-4, com as inscrições “WR T... LTDA, Embratur 148150041 2”, em cujo interior se encontrava: 1 livrete com o título “Condições Gerais Plano Turista Básico”, com um cartão emitido em nome de MMM; 1 bilhete electrónico aéreo de viagem de São Paulo-Lisboa, com partida de São Paulo-Guarulhos, no dia 19/04/2005, em nome do arguido AA; 1 bilhete electrónico aéreo de viagem de São Paulo-Lisboa, com partida de São Paulo-Guarulhos no dia 24/05/2005, em nome do arguido BB; 1 “e-ticket” de voo interno entre Ribeirão Preto-São Paulo efectuado a 19/04/2005, em nome do arguido AA; 1 “e-ticket” de voo interno entre Ribeirão Preto-São Paulo efectuado a 19/04/2005, em nome do arguido BB.

102. O arguido AA, na altura, detinha consigo os seguintes telemóveis, destinados a serem por si utilizados nos contactos que realizava com terceiros vendedores/compradores de droga:

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 7610, com o IMEI nº .../00/.../6, com o cartão da operadora T... nº ...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 6310i, com o IMEI nº .../00/.../5, sem cartão de operadora;

- 1 cartão “B... Card”.

103. Na Herdade das C..., em Portalegre, o arguido AA detinha consigo os seguintes artigos, obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

- €20.000,00 (vinte mil euros) em notas de €50 do BCE;

104. Na sua residência, sita na Rua P... V... de C..., nas Caldas da Rainha, a arguida ZZ detinha consigo os seguintes artigos e valores, todos obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

- Duas malas de viagem, pertencentes ao arguido BB, contendo a quantia, em numerário, de €844.300,00 (oitocentos e quarenta e quatro mil e trezentos euros);

- €50.320,00

- €1.500,00 em numerário;

- 700,00 reais brasileiros em numerário;

- 2(dois) recibos de depósito em nome dos filhos da arguida ZZ, “NNN” e “OOO”, no valor de €2.000,00 cada, referentes a depósitos efectuados em 26/04/2005

- Documentação sobre importação de limas do Brasil;

- Facturas da loja “M... & A..., Lda”, no valor de €11.639,64 e €2.608,70.

105. Na altura, a arguida ZZ detinha consigo:

- um telemóvel da marca  S..., modelo SGH - P 100, com o IMEI ... 4/7 02, com um chip da operadora T... com os nºs 0..., referente ao nº ...;

- Documentação diversa.

106. Face à detenção dos arguidos BB e AA, o BB, conhecedor dessa situação, alguns dias depois, em princípios de Agosto de 2005, por sua iniciativa, contactou telefonicamente a empresa exportadora de carvão no Brasil, a quem disse que ”queria carvão, não queria droga” (sic).

107. Facto este que esteve na origem de uma operação policial, denominada “Pescador”, desencadeada no dia 06/08/2005, pelas Autoridades Policiais Brasileiras e que culminou com a apreensão de 1.279 tabletes que continham 1.441,60 Kgs de uma substância que se determinou ser cocaína e que se encontrava dissimulada em carvão vegetal no interior do contentor GSTU 757.228-2, (já referido) o qual se encontrava no Terminal da Rodrimar SA, Transportes e Equipamentos Industriais e Armazéns Gerais, sita na AV.ª Engenheiro A... A... F..., s/n.º, em Santos - Brasil, e que tinha como destino a empresa do BB, em Portugal.

108. Com a actividade descrita, os arguidos AA e BB, ao longo do tempo, auferiram elevadas quantias pecuniárias, para além das que lhes foram apreendidas em numerário, supra descritas.

109. Não obstante, os arguidos AA e XX, na altura em que ocorreu a operação que levou à detenção do primeiro, eram titulares das seguintes contas bancárias e respectivos quantitativos:

-Banco M... G...:

Contas n.º...-4 D/O e n.º...-4 D/P – co-tituladas pelo casal AA e XX – Fls.1217; Nas quais se encontra apreendida a quantia de € 326,35;

-Banco C... P... ( Millenium BCP )

Contas n.º... e n.º... co-tituladas pelo casal AA e XX – Fls.1219; Nas quais foram apreendidas as quantias de €963,50 (...), €10.730,92(...) e €2.683,89(...)

- Banco Santander Totta

Conta n.º.../001–bt - co-titulada pelo casal AA e XX – saldada.

- C... G... de D...

Conta n.º... – titulada pelo AA e autorizada pela XX – Na qual foi apreendida a quantia de €0,007,

110. O arguido BB, por sua vez, na altura em que foi detido, era titular das seguintes contas bancárias e respectivas quantias:

- Banco C...P... (M... B...)

Conta n.º... e n.º... – tituladas pelo BB na qual foi apreendida a quantia de € 10,26;

Conta n.º... – co-titulada pelo BB, na qual foi apreendida a quantia de € 1,79;

- Banco S... T...

Conta nº.../001-BT - D/O – particulares – na qual foi apreendida a quantia de € 28,65.

- Banco BPI

Contas tituladas pelo BB

N.º .../000/001 – D/O; - Na qual foi apreendida a quantia de € 246,66, Fls.1399

N.º .../160/001 – D/P; - Na qual foi apreendida a quantia de € 166,67, Fls.1399.

111. Em contas co-tituladas pela empresa Fenoca e da qual o arguido BB é sócio e gerente e através da qual exercia a sua actividade de narcotráfico nos termos supra descritos, detinha as seguintes quantias e títulos:

2252710/000/001 – D/O – na qual foi apreendida a quantia de € 7.636,58, (sete mil, seiscentos e trinta e seis euros e cinquenta e oito cêntimos)

2252710/160/007 – D/P –

2252710/160/008 – D/P –

2252710/160/009 – D/P –

2252710/160/011 – D/P –- na qual foi apreendida a quantia de € 491.326,99 (quatrocentos e noventa e um mil, trezentos e vinte e seis euros e noventa e nove cêntimos) (encontrando-se tal montante dado como penhor, para garantia do contrato a crédito com o Plano/Empresas celebrado em 12/05/2003);

2515712/000/001 – D/O;

Para além da apreensão das contas bancárias, foram ainda apreendidos:

41,00 Unidades de Participação BPI Liquidez que se encontram afectas ao NUC ..., co-tituladas pelo BB;

41,00 Unidades de Participação BPI Liquidez que se encontram afectam ao NUC ..., co-tituladas pela Fenoca;

- C.. G..de D...

Conta n.º... – Figura como autorizado o BB –Na qual foi apreendida a quantia de €260,25,

- Banco C... P... (M... BCP)

Conta n.º... – titulada pela empresa Fenoca, constando como representante legal o BB – na qual foi apreendida a quantia de € 4.385,34 (quatro mil, trezentos e oitenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos);

112. Os arguidos, com os proventos obtidos na descrita actividade, procederam também à aquisição de diversos imóveis.

113. Assim, os arguidos BB e ZZ, compraram o apartamento de habitação sito na Rua P... V... de C..., nº ..., ...º A, Santo Onofre, Caldas da Rainha, por escritura datada de 17 de Janeiro de 2005, pelo montante de €138.750,00 (cento e trinta e oito mil, setecentos e cinquenta euros) pagos integralmente em numerário proveniente do tráfico de drogas e entregue, directamente, pelos arguidos, ao vendedor, em momento posterior à realização da escritura.

114. Os arguidos BB e ZZ, porque o primeiro estava em processo de divórcio e partilha de bens, com o intuito de ocultarem o facto de que o dinheiro provinha do BB, pediram a PPP, id. a fls. 1678, sobrinho da segunda, para que acedesse em realizar a escritura em seu nome. O PPP, acreditando nas razões que lhe foram invocadas, relativas à sua tia, acedeu a figurar na escritura como comprador.

115. O arguido BB, adquiriu em Maio/Junho de 2005, a QQQ, is. a fls. 1674, quatro terrenos rústicos inscritos na Conservatória do Registo Predial do Cadaval sob os números (.../... com 1.920m2, .../... com 2.640m2, .../... com 1.840m2 e 2209/280795 com 4.200m2) e um terreno misto (.../... com 6.640m2) nas imediações da Quinta da Sr.ª da L... - Cadaval.

116. Tais imóveis foram negociados e transaccionados pelo valor 90.000,00 Euros, importância essa integralmente paga em numerário, proveniente da actividade de tráfico de droga, entregue pessoalmente pelo arguido BB a RRR, id. a fls. 1656, intermediário da transacção.

117. O arguido AA, por sua vez, em Janeiro de 2005, adquiriu 20 lotes de terrenos urbanos, sitos na Quinta da S..., G..., em Setúbal pelo preço unitário €35.000, correspondente ao valor global de €700.000,00 (setecentos mil euros). Com a celebração do contrato de promessa de compra e venda, datado do dia 9 de Janeiro de 2005, o arguido AA, o qual se apresentou como sendo agente da Polícia Judiciária, entregou a SSS, id. a fls. 1643, a quantia, em numerário, obtida na descrita actividade de tráfico de droga, de €300.000,00 (trezentos mil euros), correspondente ao sinal, comprometendo-se a entregar o remanescente (€400.000,00) em cheque, no momento da assinatura da escritura definitiva.

118. O arguido AA adquiriu ainda, pelo preço de € 205.000,00 (duzentos e cinco mil euros), dois lotes de terreno, sitos na Quinta dos F..., Vila Rica-Azeitão.

119. Um dos lotes de terreno, inscrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º..., com uma área de 464m2, foi adquirido a TTT, id. a fls. 1865, em meados de Abril de 2005, a quem o arguido AA entregou, pessoalmente, e no interior da viatura T... L... Cruiser de cor verde, no dia da escritura, 06/05/2005, a quantia de €107.500,00 (cento e sete mil e quinhentos euros) em numerário, a qual levou no interior de uma caixa de sapatos. A compra do terreno, no entanto, foi escriturada por um valor significativamente inferior ao declarado na escritura, já que foi declarada a venda do lote por € 28.000,00, quando, na realidade, o negócio foi concretizado por € 107.500,00.

120. O outro lote de terreno, também inscrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal mas sob n.º..., foi adquirido a UUU, id. a fls. 1886, em meados de Maio de 2005, por intermédio de VVV, id. a fls. 1707, pessoa com quem acordou o negócio do terreno pela verba de €97.500,00 (noventa e sete mil e quinhentos euros).

121. O pagamento do lote foi concretizado no dia da escritura, sendo que também neste caso o arguido AA pediu aoUUU para que o acompanhasse à sua viatura de marca T... L... C... de cor verde, onde lhe entregou um saco com a referida quantia em numerário. Na altura o arguido AA apresentou-se como Inspector da PJ de licença sem vencimento, tendo alegado que o dinheiro era proveniente de negócios de petróleo.

122. A viatura ...-...-QL de cor verde e marca T..., modelo L... C..., mostra-se registada em nome da Fenoca mas foi vendida pela mesma ao AA por 35.000 € sem que, contudo, a transmissão de propriedade haja sido registada.

123. Posteriormente à detenção do arguido AA, este combinou com a arguida XX, sua esposa, proceder à venda dos dois lotes de terreno da Quinta dos F..., por preço inferior ao de aquisição, como mera forma de obter dinheiro e evitar eventual acção das autoridades, no sentido da apreensão de tais imóveis. O arguido AA, para esse efeito, aconselhou a sua esposa e arguida XX, a apresentar-se na venda aparentando desespero e invocar ter sido abandonada pelo seu marido.

124. Assim, a arguida XX contactou VVV, o qual intermediara já a compra de tais terrenos, tendo-lhe pedido que a acompanhasse ao Estabelecimento Prisional de Santarém, onde o arguido AA se encontrava, o que acabou por ser feito, tendo sido combinado publicitar a venda dos lotes pelo preço de €152.000 (cento e cinquenta e dois mil euros), valor substancialmente inferior ao preço de compra (€205.000

125. Assim, o arguido AA passou uma procuração à arguida XX, para o representar na escritura de compra e venda, tendo sido comprador dos dois lotes de terreno à sociedade “F... L... & B..., Lda. “, pelo preço de €157.000 (cento e cinquenta e sete mil euros). A escritura acabou por ser celebrada por €120.000 (cento e vinte mil euros) valor inferior ao real.

126. Bem conheciam, os arguidos AA e BB, a natureza e características da substância que importaram e pretendiam importar para Portugal, em elevadas quantidades, designada por cocaína.

127. AA e BB, com as suas condutas, pretenderam auferir ou proporcionar a outros elevados ganhos pecuniários, através dos diferenciais entre os preços de aquisição e venda da tal produto.                      

128. Agiram os arguidos de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo serem proibidas todas as suas descritas condutas.

129. A arguida XX exerce a profissão de secretária há 4 anos na L... Ldª em Lisboa.

130. Padece de doença do foro psiquiátrico apresentando um quadro compatível com uma depressão major, tendo sido sujeita a internamentos no Hospital Miguel Bombarda e Júlio de Matos, aquele durante 15 dias.

131. DO CRC dos arguidos nada consta.

132. A M... S... ...-...-ZP foi oferecida ao arguido AAA pelo pai, arguido BB, que lhe tinha dado 2.000 € para a sinalizar e tinha depositado 28.000 € na sua conta para que ele a pagasse, o que fez, sendo que o veículo tinha 2 meses aquando da apreensão.

(numeração nossa para mais fácil referenciação).

             No que concerne a matéria de facto não provada consignou-se o seguinte:

Não se provou que:

Os arguidos AA e BB, desde data não concretamente apurada, mas seguramente desde há alguns anos, integraram uma organização transnacional de indivíduos que se dedicavam à actividade de tráfico de drogas, designadamente cocaína, em elevadas quantidades, com o intuito de auferirem elevados lucros nessa actividade, obtidos através dos diferenciais entre os preços de aquisição e venda de tal produto.

 A cocaína era proveniente da Colômbia, país produtor, de onde era transportada para o Brasil e, deste país, remetida por via marítima, no interior de contentores, para a Europa, designadamente Portugal.     

Esta rede era integrada, para além dos arguidos referidos, de nacionalidade portuguesa, por indivíduos de nacionalidade colombiana, espanhola e brasileira, abaixo indicados, alguns deles detidos já, nos termos subsequentemente descritos, no Brasil, em Espanha e em Portugal, por força da referida actividade de narcotráfico.

 No Brasil, a organização transnacional era liderada pelo cidadão brasileiro José Maria FF, id. a fls. 300, do Apenso VIII A, o qual usava o nome de JOSÉ LUÍS SOUZA GOMES, por se encontrarem pendentes contra si mandados de detenção das Autoridades Brasileiras.

Esta organização criminosa, por sua vez, havia sido “contratada” por cartéis colombianos, para efectuar o transporte de grandes quantidades de cocaína para a Europa, em particular para Portugal.

Neste contexto, a organização liderada, no Brasil, pelo FF assumiu particular importância nos transportes de droga feitos para Portugal, por solicitação dos arguidos AA e BB. Para tal recorria a um dos seguintes modus operandi:

1- Lançando a droga na costa marítima do Suriname por aeronaves, onde era recolhida por embarcações da frota pesqueira do FF, que a transportava até Cabo Verde e Belém;

2- Através de camionetas que transportavam a cocaína produzida na Colômbia até aos portos brasileiros de Santos e Recife, de onde era escoada, através de contentores e por via marítima, com destino a Portugal, dissimulada noutros produtos legais e que constituíam o objecto aparente e legal da importação.

A actividade da organização internacional era ainda assegurada por um indivíduo chamado XXX, conhecido por “INDIO“, o qual actuava sob ordens directas de um indivíduo de nacionalidade colombiana conhecido por “GORDO”.

Em Portugal, a actividade da organização era assegurada pela associação constituída entre os arguidos AA e BB, com a colaboração dos arguidos XX, esposa do primeiro, ZZ e AAA, namorada e filho do segundo, respectivamente.

O arguido AA era quem chefiava todas as acções em Portugal, procedendo aos necessários contactos com os outros elementos da rede na Colômbia e na Venezuela e decidindo o momento oportuno para a realização de viagens ao estrangeiro, designadamente ao Brasil, sozinho ou acompanhado pelo arguido BB, com vista a providenciar pela expedição e transporte da cocaína para a Europa.

Nas viagens que realizou ao Brasil, os arguidos AA e BB estabeleceram contactos com os indivíduos que integravam a rede internacional de narcotráfico, designadamente os colombianos EE, ÍNDIO e GORDO, bem como com o brasileiro FF, este último chefiando a organização responsável pelo transporte da cocaína da Colômbia para o Brasil, onde a mesma era entregue ao arguido AA que ali se deslocava para o efeito.

A licença sem vencimento do arguido AA foi a forma por este encontrada para ficar mais livre para o exercício da actividade para a organização.

Os arguidos XX, ZZ e AAA prestavam a sua colaboração pontualmente, as duas primeiras no âmbito da gestão dos proventos obtidos na actividade de narcotráfico, que bem conheciam, ora procedendo a depósitos de dinheiro, ora providenciando e tomando parte em escrituras de compra e venda de imóveis, ora fruindo os proventos obtidos em tal actividade, enquanto o arguido AAA colaborava no âmbito do transporte e armazenamento da cocaína importada, acobertado ainda pelo trabalho que exercia na empresa Fenoca.

No âmbito da actividade exercida no âmbito da organização por eles criada em Portugal, os arguidos AA e BB, desde o ano de 2003, realizaram diversas viagens ao Brasil, alegadamente para realização de “negócios de importação”.

O dinheiro obtido na deslocação do AA a Espanha, a 5 de Janeiro, era proveniente da venda de cocaína por si importada da Colômbia, via Brasil.

O telefonema de 23.01.2005 foi com um indivíduo pertencente à rede internacional de narcotraficantes.

Em Fevereiro de 2002 o AA contactou a componente espanhola da rede tráfico.

No Brasil, os arguidos, em implementação do plano que haviam delineado, providenciaram pela importação de limas.

A inspecção ao contentor das limas foi muito ligeira, pois tal operação incidiu apenas nas caixas que se encontravam imediatamente à porta do contentor (na altura, o perigo da acção de fiscalização ser detectada era elevada e podia-se colocar-se em causa o sucesso da investigação)

A conversa mantida com o BBB a 11.05 foi sobre a vinda de contentores “limpos”, ou seja, não contendo estupefacientes.

A conversação a que se refere a sessão 33, do alvo 1E146 é com um indivíduo pertencente a uma rede de tráfico de droga e que o barco ali referido iria transportar cocaína.

O dinheiro entregue pelo AA a GG haja sido obtido em transacções de cocaína.

As referências a banheiras fossem a barcos contendo cocaína

O encontro de 03.06.2005 entre o AA e o Peque foi para combinarem pormenores da importação de cocaína em curso,

O primeiro contacto realizado pelo arguido AA, com a finalidade de importar cocaína dissimulada em carvão, datava já de meados de Fevereiro de 2005, quando telefonou para a empresa “GGG-ME”, sita em Barretos, no Estado de São Paulo-Brasil, manifestando interesse em exportar carvão para Portugal.

Algum tempo depois, no Brasil e em representação do arguido AA, dirigiu-se às instalações da empresa “GGG-ME”, o despachante LL, o qual exigiu que os sacos de carvão contivessem apenas as inscrições “carvão” e “10kg” e que fossem entregues cerca de 300 sacos vazios para substituir os danificados e que o carvão fosse entregue num armazém alugado pelo arguido AA, onde teria já alguns empregados preparados para tratar do carregamento de um contentor.

Chegado ao Brasil em meados de Junho de 2006, o arguido AA encontrou-se com ZZZ – conhecido por “ZEZINHO”, procurador da empresa “GGG-Me”, com quem terá acertado os detalhes do negócio, o qual previa a venda do carvão em duas etapas. Foi ainda acordada a utilização de sacos de 10 Kgs em vez dos habitais de 3 Kgs, muito embora inicialmente tenha exigido sacos de 20Kgs com revestimento.

O carvão foi transportado para o armazém situado na Rua A... P..., ..., JD. Candá, a cerca de 40Kms de Barretos, por indicação do arguido AA,

Na altura do segundo carregamento de carvão, o arguido AA pressionou o procurador da firma GGG - ME para que entregasse rapidamente o carvão e que, juntamente, entregasse 250 sacos vazios para substituir os danificados na viagem para o armazém. Os arguidos AA e BB, o qual entretanto viajara também para o Brasil, foram buscar tais sacos, pessoalmente, à empresa, em Barretos, no dia 18/07/2005.

Na altura, o despachante LL contactou frequentemente Luiz Felipe Rangel Da Silva, auxiliar de importação e exportação da HHH -T... – Transportes Rodoviários Ltda para acelerar a chegada dos camiões com os contentores ao armazém, em Bebedouros, onde se encontrava na altura o arguido AA.

A cocaína apreendida chegou a Portugal, proveniente da América do Sul tendo a sua expedição sido assegurada, do Brasil, pelos arguidos AA e BB.

O encontro do arguido AA com os referidos colombianos em Madrid, logo após a sua chegada do Brasil, teve como objectivo a necessidade de os pôr ao corrente das suas actividades no Brasil e das acções de importação de cocaína em curso.

O arguido AAA, na altura, detinha consigo seguintes artigos, obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

            * €155,00 (cento e cinquenta e cinco euros) em numerário;

            * uma navalha com cabo preto da marca “S... P...”;

            * um telemóvel de marca N..., modelo 6100, da operadora T..., com o nº        ... e PIN-... .

Na Herdade das C..., em Portalegre, o arguido AA detinha consigo os seguintes artigos, obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

- Diversas espingardas e munições.

Com a actividade descrita, as arguidas XX e ZZ, ao longo do tempo, auferiram elevadas quantias pecuniárias, para além das que lhes foram apreendidas em numerário, supra descritas.

Os arguidos BB e ZZ, com o intuito de ocultarem a origem ilícita do dinheiro com o qual pagaram o apartamento, bem como de que eram os seus verdadeiros proprietários, pediram a PPP, sobrinho da segunda, para que acedesse em realizar a escritura em seu nome, alegadamente pelo facto de a arguida ZZ se encontrar com um processo de divórcio em curso.

O arguido BBB, ao proceder pela forma descrita no ponto 66, não obstante ter perfeito conhecimento de que os contentores continham cocaína, ajudou os restantes arguidos a levarem a cabo os seus intentos.

 Ao longo do tempo, a organização constituída, em Portugal, pelos arguidos AA e BB, com a colaboração dos arguidos XX, ZZ e AAA, revelou possuir os meios indispensáveis ao prosseguimento da sua finalidade, ou seja, providenciar pela importação de elevadas quantidades de cocaína proveniente da América do Sul e obter elevados lucros pecuniários com os diferenciais entre os preços de aquisição e venda de tal produto.

Estes arguidos, em todos os actos que praticaram, supra descritos, sempre o fizeram com a perfeita consciência de que integravam uma organização, liderada em Portugal pelo arguido AA, o qual tomava todas as decisões e as impunha a todos os elementos.    

 Bem conheciam, os arguidos XX, AAA, ZZ e BBB, a natureza e características da substância que importaram ou pretendiam importar para Portugal, em elevadas quantidades, designada por cocaína.

 Os arguidos XX, AAA, ZZ e BBB, com as suas condutas, pretenderam auferir ou proporcionar a outros que auferissem, elevados ganhos pecuniários, através dos diferenciais entre os preços de aquisição e venda da tal produto.                     

As relações entre o casal AA e XX encontravam-se perto da ruptura, havendo distanciamento emocional sendo que, à data da detenção do AA, adivinhava-se iminente a separação do casal.

O AA conhecia o estado clínico da mulher e a sua incapacidade para exercer quaisquer funções no âmbito do tráfico da droga

                                                             *

         A decisão recorrida alterou a factualidade descrita nos seguintes termos:

Ao abrigo do disposto no artº 380º do CPP, rectificar o acórdão recorrido por forma a que da primeira parte do parágrafo da fundamentação onde se refere

“Repare-se ainda no teor de fls. 3, 12 a 23, 36, 39 e 40, 51, 52, 59 a 65, 73 a 81, 85 a 89, 95, do apenso VIII e 3, 12 a 24, 34, 36, 55, 56, 67 a 68, 75 a 81, 88 a 97, 101 a 105, 235 a 240, do Apenso VIII-A…”

passe a constar

“Repare-se ainda no teor de fls. 3, 12 a 23, 36, 39 e 40, 51, 52, 59 a 65, 73 a 81, 85 a 89, 95, do apenso VIII e 3, 12 a 24, 34, 36 (segundo a paginação feita no Brasil, inscrita a preto dentro de um quadro, correspondendo-lhe na numeração portuguesa, manuscrita a azul, a fs. 19, 28 a 39, 50 e 52) e 55, 56, 67 a 68, 75 a 81, 88 a 97, 101 a 105, 235 a 240 (segundo a paginação portuguesa inscrita a azul), do Apenso VIII-A …”.

2. conceder parcial provimento ao recurso do recorrente, na correspondente medida determinando

a) que se elimine da factualidade assente a matéria consignada sob itens 56, 57 e 58.

b) que os seguintes itens dos factos assentes que se assinalam passem a ter a seguinte redacção,

7º. «O arguido AA, quando da apreensão a que se alude no item 5 destes factos provados, disse às autoridades espanholas que os dois milhões quinhentos e quarenta e nove mil euros aí referidos pertencia ao cidadão nacional CC.»   

21º No dia 23/01/2005, o arguido AA dialogou ao telefone com um Indivíduo espanhol (telef. ...), com quem combinou encontrar-se num bar na 4ª feira seguinte (2610112005).

23º  No dia 1 de Fevereiro de 2005, o arguido AA registou, no gravador de chamadas deste telemóvel, o nome de DD e recebeu uma chamada de voz do cidadão colombiano chamado EE, indivíduo que trabalhava à ordem do referido cidadão colombiano conhecido por Gordo.

   27º Ainda neste dia (10/2), o arguido AA foi contactado pelo "velho" (FF), o qual o questionou sobre a chegada da "filha" (GG), dizendo-lhe que ele ia para a ilha Margarita. O arguido AA respondeu-lhe que a sua “banheira" (barco) estava preparada, fazendo ainda referência a percentagens e lucros.

41º  No dia 3 de Abril, os arguidos AA e BB viajaram para Madrid – Espanha.

 42º   Nesta altura, o arguido BB adquiriu outro telemóvel com o n°. ... (o qual passou a ser interceptado sob o Alvo 1E911), para ser utilizado para contactar o telemóvel utilizado pelo arguido AA, vindo a ser interceptado sob o Alvo 26974.

60º  Em 03/06/2005, o arguido AA utilizava já um novo telemóvel com o nº ..., o qual veio a ser igualmente interceptado sob o Alvo 1F413.

61º Desde então os telemóveis nº 914.733.604 Alvo (1F293) e nº ... Alvo (1E911), passaram a ser utilizados para os contactos com os elementos das componentes espanhola e colombiana da rede de narcotraficantes.

71º. Foram então efectuados carregamentos de carvão, um que terminou com o carregamento dos contentores CGNU 464774-7 e CGNU 465562-6, os quais foram transportados para o terminal 32 da Mesquita e  outro que terminou a 21/07/2005, com o carregamento dos contentores CADU 701.438-1 e GSTU 757.228-2, os quais foram encaminhados para o terminal da RODRIMAR, em Santos, onde posteriormente veio a ser detectada e apreendida cocaína pelas autoridades brasileiras.

77º. De Espanha regressaram todos a Portugal, com excepção do arguido AA, o qual viajou para o Brasil.

c) que se adite à matéria de facto não provada o seguinte:

- que nas circunstâncias referidas no item 7 de matéria de facto assente o arguido AA tenha alegado também que o dinheiro  a que aí se alude pertencesse também ao arguido BB e teria como destino a aquisição de propriedades;

- que nas circunstâncias referidas no item 41 da matéria de facto assente os arguidos AA e BB tenham ficado alojados no Hotel I..., sito na Gran Via - Madrid, local onde, pelas 21H30, se encontraram com um membro da organização conhecido por Tomaz

 e

 que, nesse mesmo dia  os arguidos tenham adquiriram bilhetes de comboio Para o Percurso Madrid - Paris, tendo efectuado a viagem no dia seguinte, 04/04/2005. De Paris embarcaram para o Brasil, para ali providenciarem pela expedição de cocaína, por via marítima, para Portugal.

- que, no dia 03/06/2005, o arguido AA se deslocou novamente a Madrid-Espanha, onde se encontrou novamente como HH "PEQUE"

e

 que este encontro teve, pelo menos, como objectivo trocarem de números de telefones

que - na esteira do consignado sob itens 64 a 68 da matéria de facto assente -  já no Brasil o carvão foi transportado para o armazém situado na Rua A... P..., ..., JD. Candá, a cerca de 40 Kms de Barretos, arrendado a II e JJ, respectivamente pai e filho, pelo LL a pedido do AA.

- que - na esteira do consignado sob itens 64 a 68 e 70 da matéria de facto assente - tenham sido efectuados vários carregamentos de carvão para o armazém arrendado pelo arguido AA em Candá, iniciando-se um em 21/06/2005 e o segundo em 21/07/2005, tendo-se realizado em período nocturno.

- que o despachante LL tenha negociado como se consigna sob item 74 dos factos provados “directamente com MM, proprietário da empresa aí referida”.

            - que - na esteira do consignado sob item 76 da matéria de facto assente - em Madrid, os arguidos AA e BB se tenham encontrado com o HH – “Peque” e que este e um outro desconhecido tenham transportado o AA até ao aeroporto de Barajas, em Madrid quando ele viajou para o Brasil - como se consigna sob item 77 -  nem que tenha entrado por S. Paulo.

 

I

Questão previa.

            Alega o recorrente que, de harmonia com o disposto no art. 40 al. c) e d) do CPP, na sua redacção actual, o Colectivo de juízes que subscreve a decisão recorrida estava impedido de intervir na sua elaboração por ter participado, igualmente, na elaboração do primitivo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

             Efectivamente,

            Dispõe o artigo 40 do Código de Processo Penal, na redacção conferida pela Lei 48/07, que nenhum juiz pode intervir em recurso relativo a processo em que tiver participado em decisão de recurso anterior. A norma em causa assume uma específica dimensão processual que tem por objectivo essencial o de assegurar uma das finalidades últimas do processo penal que é o da garantia da imparcialidade que caracteriza o processo justo a que tem direito qualquer arguido.

     Sobre a matéria em análise este Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar em Acórdão de 4 de Junho de 2008 [1].Refere-se na mesma decisão que:                Como refere Mouraz Lopes (A tutela da Imparcialidade Endoprocessual…… pag 40 e seg) se é na afirmação do princípio da imparcialidade, como um dos princípios estruturantes da jurisdição processual penal que radicará a compreensibilidade do modelo que sustenta o paradigma processual estabelecido no CPP, concretizar o mesmo princípio, agora na sua vertente de tutela, surgirá como tarefa sequencial e sobretudo fundamental.

            Sublinhar o valor essencial da imparcialidade, numa vertente global e sobretudo integrada na acepção de processo justo, não omitindo, por isso essa dimensão autónoma da imparcialidade, significa reconhecer um conjunto de situações previstas na lei que tutelem inequivocamente o direito à imparcialidade do juiz. Tal significa uma rede normativa de garantias, identificada processualmente com o regime das incompatibilidades, dos impedimentos, das recusas e das escusas do juiz no processo.

            Só a formulação e articulação de regras processuais acaba por garantir a dimensão total do princípio da imparcialidade ou seja: a) garantir um juiz idóneo que assume a posição de terceiro perante as partes processuais; b) garantir que uma parte pública exerça a acusação segundo um agir leal e segundo critérios de estrita objectividade; c) garantir que uma parte privada não condicionada no exercício dos seus direitos fundamentais possa contrapor, sobre um plano de paridade à acusação as suas razões defensivas; d) garantir um mecanismo de prova efectuado com garantia de publicidade para um controlo social da decisão; e) garantir um sistema que recuse considerar o arguido culpado antes que a sua responsabilidade seja legalmente determinada, Ou seja garantir a própria jurisdição.

            A garantia da imparcialidade do juiz no decurso do processo exige a configuração e previsão de normas que impeçam qualquer tipo de suspeita sobre o exercício da acção de julgar de modo a condicionar o juízo que este terá que proferir e o entendimento que dele tenham os cidadãos. Assim, uma rede normativa de proibições específicas decorrentes, por um lado da sua posição pessoal no processo e por outro da sua posição funcional do mesmo processo que, tendo em atenção a relevância da função jurisdicional, suscitam condicionamentos ao seu próprio exercício, surge como estrutura fundamental da garantia.

Os factos consubstanciadores de tais proibições específicas não podem, no entanto, posicionar-se aleatoriamente nos vários tipos de formas de garantia da imparcialidade, seja o impedimento, a escusa ou a recusa. Na verdade, sendo diferenciados os seus fundamentos, as suas consequências são-no ainda mais. A expansividade dessa factualidade, na medida em que se inserir numa ou noutra categoria, releva para níveis diferenciados a própria garantia da imparcialidade do juiz.

Colocar as várias "fattispecie" ou no domínio dos impedimentos ou no âmbito dos casos de escusa ou de recusa, reflecte uma diversa articulação da tutela do processo justo. Daí a relevância da integração da factualidade condicionante da imparcialidade numa ou noutra categoria.

O artigo em causa-40 do Código de Processo Penal- integra uma especifica dimensão processual que tem por objectivo essencial o assegurar uma das finalidades últimas do processo penal que é do da garantia da imparcialidade que caracteriza o processo justo a que tem direito qualquer arguido.

            A alteração legal na conformação do referido normativo teve em atenção não só a orientação jurisprudencial apontada pelo Tribunal Constitucional como essencialmente a jurisprudência oriunda do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem .

            Seguindo a exposição deste autor a Lei nº 48/2007 ao acrescentar também o impedimento do juiz que participou em qualquer recurso ou pedido de revisão anterior tem justificação material em alguns casos, como por exemplo relativamente à intervenção dos mesmos juízes do tribunal de recurso que anularam uma decisão de arquivamento no julgamento do recurso sobre a condenação do arguido (acórdão do TEDH Oberschlick v. Áustria de 23.5.1991).

            Todavia, a suspeita legal não parece objectivamente fundada em muitos outros casos, como, por exemplo, quando o juiz do tribunal de recurso que conhece o recurso interposto do despacho do tribunal de primeira instância de rejeição de constituição como assistente não pode intervir no recurso interposto no mesmo processo de uma decisão do Tribunal de primeira instância que não admite a intervenção de parte civil. A este propósito é de sublinhar que o TEDH admite que o juiz do tribunal de recurso que manteve a decisão de prolongamento da prisão preventiva com isolamento solitário do arguido intervenha no julgamento do recurso interposto da decisão final (acórdão do TEDH Hauschildt v. Dinamarca (Plenário), de 24.5.1989), como admite mesmo que os mesmos juízes do tribunal de recurso que decidiram o recurso interposto contra o despacho que pronunciou o arguido intervenham no julgamento do recurso interposto contra a condenação do arguido se este recurso estava confinado a questões de direito e vícios de forma (Acórdão do TEHD Depiets v.França de 10.02.2004)

 

            É também nesta perspectiva teleológica que deve ser adaptado o discurso interpretativo da norma do artigo 40 na sua aplicação ao caso vertente. No que respeita saliente-se que a decisão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2008 considerou que:

……………No caso concreto, a Relação, ao proceder da forma como indicámos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que nem a rejeitou - o que em certos casos atrás indicados se impõe - nem lhe deu a resposta adequada, com o exame efectivo e a análise crítica da prova documentada.

Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportamos art.°s 379.°, n.º 1, al. c) e 425.°, n.º 4, do CPP.

Esse vício é sanável no tribunal recorrido, devendo o mesmo, antes de mais, conceder um prazo ao dito recorrente para o aperfeiçoamento das conclusões e só destas, pois já não lhe é permitido modificar a motivação, limite absoluto que não pode ser extravasado.

…….Só depois de fixada a matéria de facto é que o tribunal da Relação terá nova oportunidade de abordar as restantes questões suscitadas pelo recorrente, nomeadamente, se ficou provado o crime, se o tráfico é agravado e qual a medida da pena, pelo que o respectivo conhecimento neste recurso fica comprometido.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso e em anular o acórdão recorrido na parte que respeita a este arguido, devendo ser repetido no tribunal recorrido por forma a aí se conhecer, após convite a aperfeiçoamento das conclusões nos termos apontados (ver fls. 83 e seguintes), à impugnação da matéria de facto.

            Significa o exposto que este Supremo Tribunal de Justiça anulou parcialmente a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa porquanto entendeu que este Tribunal não se tinha pronunciado em relação a matéria de facto cuja sindicância lhe tinha sido solicitada pelo recorrente. Ao mesmo Tribunal foi, então, solicitado que apreciasse matéria em relação á qual não o tinha feito, tendo omitido qualquer juízo valorativo.

            A pronuncia feita na decisão recorrida, emitida na sequência da determinação deste Supremo Tribunal de Justiça, não tem subjacente uma decisão anterior sobre a mesma matéria, mas sim uma omissão pura e simples, ou seja, a inexistência de uma valoração substancial sobre uma parte do objecto de recurso o que consubstancia uma patologia formal concretizada na omissão praticada.

            Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2011 a propósito de situação paralela: Em todos estes arestos, como no presente caso, está em causa o impedimento de o juiz intervir em novo julgamento quando participou no anterior julgamento que, tendo conhecido do mérito da causa, veio a ser considerado inválido por razões distintas da apreciação desse mérito. Em todos estes casos – em que a anulação do primitivo julgamento era devida a falta de gravação da prova na audiência (Acórdão n.º 399/2003), revogação do despacho que desentranhara a contestação e o requerimento de prova do arguido (Acórdão n.º 393/2004), anulação parcial da decisão sobre a matéria de facto (Acórdão n.º 324/2006) e necessidade de apuramento da situação económica e encargos pessoais do arguido (Acórdão n.º 167/2007) – o Tribunal considerou que o entendimento segundo o qual o juiz que participara no primeiro julgamento não estava impedido de participar no novo julgamento não violava a Constituição.

No caso dos autos, a anulação do acórdão proferido em 17.08.2009, que julgou improcedente o recurso do arguido, ficou igualmente a dever-se exclusivamente ao desrespeito de regras processuais (o acórdão fora proferido em conferência, quando o arguido havia requerido que o recurso fosse julgado em audiência).

Salientou-se, a este respeito, no Acórdão n.º 393/2004: primeiro, que na aferição da garantia de imparcialidade, quando esteja em causa a intervenção em julgamento de juiz que interveio em anteriores fases do mesmo processo, há que atender ao tipo e frequência dessa intervenção e ao momento em que, dentro de cada fase, ela ocorreu: é da conjugação destes factores que há de resultar o juízo sobre a isenção, imparcialidade e objectividade do juiz, enquanto julgador; segundo, que no que concerne à anulação de julgamentos, há que distinguir entre as anulações decorrentes de vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a matéria de facto ou de erros ostensivos na valoração da prova e as anulações reflexamente determinadas por via da anulação de outros actos em consequência do cometimento de nulidades processuais decorrentes da tramitação da causa. E concluiu-se que nestas últimas situações, não constitui forçosamente violação da garantia da imparcialidade do julgador a participação no novo julgamento de juízes que integraram o colectivo que efectuou o julgamento anulado.

A fundamentação dos arestos citados – para cuja versão integral remetemos e a que aderimos – deve ser reiterada no caso em apreço.

   Sendo assim, é permitido concluir que não só o objecto do recurso decidido na decisão recorrida é substancialmente diferente daquele que constituía o objecto de recurso sobre o qual recaiu decisão anterior do Tribunal da Relação de Lisboa, como também é exacto que incide sobre matéria em relação á qual não existia pronuncia prévia.

 Certamente foi essa a razão pela qual o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 20 de Novembro de 2008, e na sequência do qual foi proferida a decisão recorrida, expressamente ordena a repetição do julgamento no tribunal recorrido por forma a conhecer-se dos factos sobre os quais recaiu a omissão praticada    

                 Em conclusão,   

Entende-se que o funcionamento da tutela da imparcialidade, ínsito na reformulação operada no artigo 40 do Código Processo Penal, exige que a decisão de recurso proferida previamente pelo juiz impedido tenha subjacente uma coincidência, ainda, que parcial das mesmas decisões. No caso vertente a situação é distinta uma vez que a patologia existente é exactamente o facto de o tribunal não ter decidido, ou seja, não ter apreciado a questão sobre a qual é agora chamado a pronunciar-se.

De igual forma se concluirá, também, na perspectiva adjacente ao Acórdão do Tribunal Constitucional supracitado, que decidiu Não julgar inconstitucional a norma da alínea d) do artigo 40.º do Código de Processo Penal (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, e alterado, por último, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, rectificada, por último, pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, de 9 de Novembro), quando interpretada no sentido de que o juiz que tenha participado em acórdão que conheceu do mérito do recurso, mas declarado nulo por inobservância de regra processual, não fica impedido de intervir na audiência destinada a julgar o mérito desse recurso.[2] Também no caso vertente decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que o Tribunal da Relação não conheceu da impugnação da matéria de facto e, portanto, omitiu pronuncia sobre questão de que deveria conhecer, incorrendo na nulidade a que se reportam os artigos 379 nº1 alínea c e 425 nº4 do Código de Processo Penal, ou seja, um vicio meramente formal.

            Nesta conformidade entende-se que não existe impedimento relevante nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal a afectar a decisão recorrida.

Aliás, importa referir que, mesmo partindo do pressuposto da existência de impedimento nos termos propostos pelo recorrente, a arguição da respectiva nulidade não foi efectivada atempadamente. Na verdade, como se refere no Acórdão deste Supremo tribunal de Justiça  de 2/04/2008 [3]a nulidade ora em causa não se encontra prevista em qualquer das alíneas do artigo 119º, nem se mostra cominada a sua insanabilidade em qualquer outra disposição legal, maxime no artigo 41º.

É pois uma nulidade sanável.

As nulidades sanáveis devem ser arguidas pelos interessados nos termos dos artigos 120º e 121º. Da análise daqueles preceitos resulta que o prazo de arguição da nulidade que ora nos ocupa é o de dez dias – artigo 105º, n.º 1 –, prazo que se conta a partir do momento em que o interessado tem conhecimento do impedimento do juiz ou dele devia ter tido conhecimento.

No caso vertente o recorrente podia ter tido conhecimento do impedimento dos juízes no dia em que foi notificado da decisão ou seja 4 de Abril de 2011, posto que notificado por via postal registada enviada no dia 1 de Abril do mesmo

Certo é que só no recurso o arguido AA suscitou a questão da ilegal participação dos juízes no acórdão ora recorrido sendo a respectiva motivação junta em 29 do mesmo mês.

Assim, é manifesto que a arguição de nulidade não foi efectuada oportunamente pelo que se deve ter por sanada.

II

 Indica o recorrente que, invocado o impedimento nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal, deveria o Juiz Relator decidir no prazo de cinco dias nos termos do nº2 do artigo 41 o que não aconteceu no caso vertente.

Porém, importa não confundir a irregularidade relativa ao não cumprimento de um prazo processual e a nulidade inscrita na prática de um acto por juiz impedido tal como prevê o artigo 41 nº3 do diploma citado.

O facto de a decisão sobre o impedimento não ter sido oportunamente decidida não tem qualquer efeito anulatório em relação ao acto processual que é praticado com observância dos ditames da legalidade formal e substancial.

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentários ao Código de Processo Penal pag 319) nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades: só são relevantes as irregularidades que possam afectar o valor do acto praticado (princípio da relevância material da irregularidade). Este critério de relevância material, que está fixado no final do nº 2 do artigo 123 para a irregularidade oficiosamente arguida, vale também para a arguição de irregularidade por interessado, pois não se compreenderia que o poder de sindicância material do juiz fosse neste caso menor do que naquele outro. Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afectar o valor do acto praticado, não se verifica uma irregularidade para os efeitos do artigo 123, isto é, a ilegalidade do acto é inócua e juridicamente irrelevante.

Na verdade, o processo penal é um encandeado de actos processuais que, no respeito dos direitos individuais, visa a funcionalidade e eficiência da justiça penal como pressuposto do Estado de Direito. Caso a irregularidade não afecte a regularidade formal e substancial de nenhum acto processual a sua declaração não pode ter quaisquer outros que não a mera constatação da sua existência.

  No caso vertente é manifesto que aquele incumprimento de prazos em nada afecta a validade da decisão recorrida.

Aliás, o aproveitamento dos actos os processuais penais imperfeitos, fundamentado, no essencial, por razões de segurança e economia processual, equaciona uma questão relevante no caso vertente. Como refere João Conde Correia (Contributo Para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais pag 125 e seguintes) entre a prática do acto processual e a declaração judicial da sua nulidade, ou a sua sanação, pode mediar um curto período de tempo, mas também um longo intervalo. Nalguns casos o vício que constitui causa de nulidade é arguido e declarado logo após a sua prática; noutros, por omissão e mesmo por estratégia de algum sujeito processual, é declarado muito tempo depois da sua consumação. Além disso, algumas causas de sanação sucedem com celeridade enquanto que outras só ocorrem com o trânsito em julgado da decisão final.

Caso o legislador não regulasse este período de hiato os actos imperfeitos só produziriam efeitos jurídicos estáveis a partir da verificação das causas de sanação e os efeitos práticos que tivessem sido produzidos não teriam qualquer valor jurídico. Um tal sistema, independentemente da duração daquele intervalo, comprometeria, em termos definitivos, as exigências de conservação dos actos inválidos. A economia processual seria sacrificada, em particular, quando o acto nulo e todos aqueles que dele dependessem tivessem que ser renovados. Os interesses dos sujeitos processuais não intervenientes na prática de um acto nulo poderiam ser prejudicados; vendo os actos que tivessem praticado em consequência e na convicção da validade de um acto inválido reduzidos a nada. O processo perderia eficácia, celeridade e segurança.

Consciente desta problemática, o legislador procurou regulamentar aquele hiato, estabelecendo regimes provisórios, por forma a debelar as consequências negativas que adviriam da não produção de efeitos jurídicos pelo actos processuais que, apesar de imperfeitos, ainda podem ser aproveitados. 

A conservação dos actos imperfeitos consiste em reconhecer-lhes capacidade para provocar os efeitos correspondentes aos actos válidos, mediante a sua coligação com outros factos sucessivos, que vêm suprir ou tornar irrelevantes as deficiências cometidas. Tais factos, geralmente denominados causas de sanação, abrangem um conjunto muito variado de situações, cuja verificação permite que a menor relevância dos actos imperfeitos seja substituída pela relevância atribuída aos actos perfeitos. Com a ocorrência desses eventos posteriores, tipificados na lei, os efeitos produzidos pelos actos defeituosos tornam-se definitivos e alcançam a tutela jurídica.

 O especifico regime da sanação no caso do impedimento está inscrito no artigo 41 nº3 do Código de Processo Penal o qual refere que os actos praticados por juiz impedido não são repetidos se tal repetição não tiver utilidade ou se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça do caso vertente. Mas, sendo assim, não se vislumbra como é possível defender, como faz o recorrente, que a mera irregularidade resultante da inobservância do prazo de declaração de impedimento conduz, necessariamente, a consequências mais gravosas do que a declaração do próprio impedimento.

Assim,

  No caso vertente não se vislumbra qualquer relação de causalidade entre a irregularidade consubstanciada na ultrapassagem do prazo legal e a validade do despacho de pronuncia.

            Termos em que se entende inexistir a invocada nulidade.    

III

Importa aqui precisar que constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça a de que, nos recursos para si interpostos, seja de acórdãos finais do tribunal colectivo, seja de acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais da relação, está vedada a invocação de eventuais vícios previstos no nº 2 do artº 410º do CPP. Na verdade, funcionando o Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista, tais recursos só podem visar o reexame de matéria de direito (arts. 432º-d) e 434º, do CPP) e essa alegação envolver, mais ou menos profundamente, a apreciação de matéria de facto. Tal sucede sem embargo de o próprio Supremo Tribunal de Justiça, em recurso restrito à matéria de direito, poder/dever conhecer oficiosamente dos mesmos vícios, de modo a que a decisão de facto constitua base suficiente para a decisão de direito e/ou viabilize a decisão jurídica da causa (artº 729º, nº3, do CPC).

                                                 *

 O recorrente invoca a existência de um erro notório na apreciação da prova o qual consubstanciaria um vicio da decisão e, consequentemente, a existência da patologia a que alude o artigo 410 do C.P.P. consubstanciada no erro notório de apreciação da prova.

  Nesta disposição alude-se aos vícios da decisão recorrida, umbilicalmente ligado aos requisitos da sentença previstos no artigo 374 nº2 do Código de Processo Penal, concretamente á exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.

Assim, num ponto concorda a doutrina: o artigo 410 do Código de Processo Penal consagra doutrinalmente o recurso de revista ampliada o que significa que, quando tiver havido renúncia ao recurso em matéria de facto, nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça o Tribunal "ad quem" não tem que se restringir á tradicionalmente denominada questão de direito, mas antes pode alargar o seu conhecimento a questões documentadas no texto da decisão proferida pelo tribunal "a quo" que contendam com a apreciação do facto.

  Consubstancia-se tal recurso de revista ampliada na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico-subsuntivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária, ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária á exposta pelo tribunal.

Analisando agora em concreto a existência do vício a que se reporta aquele artigo 410 no sentido apontado pelo recorrente dir-se-á que é, também, seu entendimento o de que existe erro notório na apreciação da prova na medida em que as regras da lógica e os juízes de normalidade e da experiência comum não permitiam as conclusões inferidas na decisão recorrida.

Porém, o conceito de erro notório tem de ser interpretado, como o tem sido o de facto notório em processo civil, mormente para os efeitos do artigo 514 nº1 do respectivo Código, isto, é um facto de que todos se apercebem directamente, ou como um facto que adquire carácter notório por via indirecta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos. Erro notório existirá, assim, sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.

Igualmente é exacto que nunca poderá deixar de se considerar o pressuposto base de que a existência daquele vício tem de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos..

Face ao exposto:

Conforme se constata da análise dos autos, e na sequência de decisão deste Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação de Lisboa foi chamado a pronunciar-se sobre a impugnação da matéria de facto produzida pelo arguido AA.

De uma forma linear pode-se referir que a impetração dirigida ao mesmo tribunal superior se centrava em sede de facto nos seguintes eixos essenciais:

I - insuficiência da matéria de facto para a decisão por, unicamente da análise do texto da decisão recorrida, face à matéria que foi dada como provada e não provada, decorrer que o Tribunal “a quo” teve dificuldades em justificar a participação do arguido AA no crime de tráfico de estupefacientes, justificando tal participação a partir de prova indiciária insusceptível se sustentar uma condenação, a seu ver só admissível com base em prova directa,

II - contestando a decisão assumida quanto aos factos provados nos segmentos que assinala, pretendendo-a incorrecta face a prova que igualmente indica (seja por inadequação, seja por insuficiência para sustentar os factos provados relevantes no que lhe respeita) considerando ainda nula a valoração que foi feita de alguns dos meios de prova considerados,

O Tribunal da Relação de Lisboa apreciou sobre a existência do referido vício do artigo 410 do em relação aos segmentos específicos apontados pelo recorrente.

            Face a tal decisão, e no que toca aos factos elencados sob os nº 62;64;65;66;67;69;70;71 e 74 entende existir uma extrapolação conclusiva  consequência de manifesto erro de apreciação da prova porquanto em lado algum se retira a indicação de um qualquer meio de prova que permita sustentar esse facto alcançado. Tal extrapolação resultaria da circunstância de o envolvimento do recorrente na alegada importação do produto consistir meramente em prova indiciária.

 No que toca aos factos elencados sob os nº 77,82,87 entende o recorrente que existe um salto lógico na decisão recorrida uma vez que nada permite concluir a presunção conclusiva de que a sua deslocação ao Brasil teria a finalidade de importar o produto estupefaciente dissimulado.

Relativamente aos factos relacionados sob os nº 91,92 e 93 afirma existir um vicio presuntivo que reside na conclusão que é retirada sem qualquer facto ou elemento probatório Como se afirma no ponto 52 das conclusões a prova produzida não é suficiente para dar como provados os factos assentes impugnados

No que concerne ao elemento subjectivo do tipo aludidos nos números 126,127 e 128  afirma o recorrente de forma algo confusa que  também aqui o Tribunal "a quo" incorre manifestamente em erro notório na apreciação da prova nos termos do art°. 410 nº2 al. c) do C.P.P. quando faz consignar tal argumentação no texto da decisão, segundo a qual se abstém de apreciar os factos impugnados atinentes ao alegado dolo do Recorrente com base na materialidade factual assente, incorrendo assim no denominado dolo presumido (dolus in re ipsa).

Entende o mesmo recorrente que, se a falta de efectivo conhecimento da importação do produto estupefaciente foi um dos pontos fulcrais de toda a impugnação do Recorrente, o Tribunal "a quo" não podia reapreciar a impugnação de tais factos com a leviandade com que fez, remetendo para a materialidade fáctica adquirida, sem dar cabal resposta, com base na prova produzida, da actuação do Recorrente, designadamente consubstanciar em factos que este bem sabia e quis importar produto estupefaciente. 

Quanto aos bens apreendidos ao Recorrente, tendo sido contestada a factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido (factos 99, 103, 108, 112 e 117 dados como provados), nomeadamente, a sua obtenção ou relação com a descrita actividade de tráfico, também não pode colher a argumentação que é dada pelo Tribunal "a quo" segundo a qual, por dos factos anteriores concluir que o Recorrente se dedica ao tráfico de estupefacientes, então tudo o que foi encontrado na posse do Recorrente provém desse tráfico.

Cotejando globalmente a impugnação produzida pelo recorrente verificamos a existência de um denominador comum que integra dois elementos distintos:

Por um lado a discordância do recorrente fundamenta-se numa profunda discordância em relação aos factos que a decisão recorrida considerou provados e á forma como formou a sua convicção. O que está em causa é a divergência entre a argumentação lógica que o acórdão tece estribando-se na prova que relaciona para extrair conclusões e o entendimento do requerente sobre a forma como funcionou o silogismo judiciário entendendo que a prova não é suficiente para extrair aquelas conclusões.

 Sendo assim é evidente que não estamos perante um juízo probatório arbitrário desprovido de senso ou de razão, mas perante uma pura e simples discordância da matéria de facto o que poderá permitir uma reavaliação da mesma matéria á luz da prova produzida, mas que infirma qualquer afirmação que tenha na génese o pressuposto da existência de um erro notório.

Na verdade, é manifesto que a alegação do recorrente sobre a existência de um erro notório está inexoravelmente ligada ao pressuposto de que a responsabilização criminal do recorrente assenta em prova indiciária e que tal prova surge sem qualquer outra factualidade que permita fazer esse salto conclusivo (conf. fls 8839)

Relativamente á mesma matéria de facto a decisão recorrida analisou rigorosamente toda a prova produzida decidindo em conformidade e indicando os elementos probatórios conducentes ás conclusões. Para atingirmos tal conclusão atentemos no que consta da decisão recorrida relativamente á impugnação da matéria de facto:

Relativamente ao primeiro grupo de factos.-Assim, contrariamente ao que defende, toda a matéria factual relativa à importação de carvão (como forma de dissimular cocaína importada da América do Sul) matéria de facto relevante – ainda que se faça asserção algo conclusiva no item 62, a mesma é incontestavelmente introdutória ao que a seguir se explana, que, explicitando-a, a estrutura enquanto facto – o seu acolhimento como assente, também no que lhe concerne, não envolve, em vista da prova disponível e considerada, qualquer erro.

Desde logo, do depoimento de BB, não resulta o afastamento do recorrente AA da realização/intervenção do negócio de importação de carvão proposto àquele, tal não podendo retirar-se do facto de as “negociações” levadas a cabo se terem iniciado e sido levadas a cabo pelo co-arguido BB, circunstância irrelevante no contexto do que demais se colhe da prova disponível.

Efectivamente, se tudo quanto se refere à proposta da importação do carvão por parte do arguido BB ao dito NN nos termos que lhe foi feita é incontornável face ao depoimento deste, face ao que o mesmo relata quanto a incentivo para efectuar o negócio por parte do recorrente e entrega de sacos de carvão para experimentar por ambos  (transcrição, pasta 2, fs. 468) e quanto a terem andado ambos com ele à procura do armazém (transcrição, pasta 2, fs. 486) no contexto do que se colhe quanto a diligências e conversações relativas à importação do carvão das intercepções telefónicas, seja dos arguidos entre si, seja com o despachante LL  (vd. nomeadamente 1E 486, sessão 263, 1-F 26974, sessão 48 e sessão 84, sessão 85), resulta patente não apenas o envolvimento de AA nessa importação do carvão, mas mesmo que era ele quem comandava a operação de expedição do contentor com carvão a importar para o nosso país no qual seria dissimulado estupefaciente  .

Aspectos há porém nesses itens, ainda que meramente circunstanciais, relativamente aos quais a prova é de facto inconsistente e insuficiente para os sustentar para além de dúvida razoável, a saber os segmentos descritivos de detalhes relativos ao circuito do carvão que veio a ser encontrado nos contentores constantes dos itens 69, 71 e 74 que, havendo tais segmentos de ter eliminados, determinarão correspondentes alterações na matéria acolhida.

Passarão assim os itens 71 e 74 a ter a seguinte redacção:

71. Foram então efectuados carregamentos de carvão, um que terminou com o carregamento dos contentores CGNU 464774-7 e CGNU 465562-6, os quais foram transportados para o terminal 32 da Mesquita e outro que terminou a 21/07/2005, com o carregamento dos contentores CADU 701.438-1 e GSTU 757.228-2, os quais foram encaminhados para o terminal da RODRIMAR, em Santos, onde posteriormente veio a ser detectada e apreendida cocaína pelas autoridades brasileiras.

 74. O contrato para o transporte dos contentores foi negociado pelo despachante LL com a empresa transportadora HHH-T... – Transportes Rodoviários Ltda. e consistia no transporte de quatro contentores de Santos para Bebedouro e retorno a Santos.

 Será eliminado o item 69 da matéria assente.

Na medida do vindo de expor procederá o recurso quanto a tais itens impugnados sob grupo 5, improcedendo no mais.

 E, procedendo em tal medida, será consequentemente levado à matéria não provada

que - na esteira do consignado sob itens 64 a 68 da matéria de facto assente -  já no Brasil o carvão foi transportado para o armazém situado na Rua Alcides Paganeli, 550, JD. Candá, a cerca de 40 Kms de Barretos, arrendado a II e JJ, respectivamente pai e filho, pelo LL a pedido do AA.

que - na esteira do consignado sob itens 64 a 68 e 70 da matéria de facto assente - tenham sido efectuados vários carregamentos de carvão para o armazém arrendado pelo arguido AA em Candá, iniciando-se um em 21/06/2005 e o segundo em 21/07/2005, tendo-se realizado em período nocturno.

- que o despachante LL tenha negociado como se consigna sob item 74 dos factos provados “directamente com MM, proprietário da empresa aí referida”.

Em relação aos factos elencados sob os nº 91;92 e 93

Analisando a prova no seu conjunto e conjugação, e ponderando, nomeadamente os elementos de prova que o recorrente invoca para fundamentar a impugnação a estes itens, não pode ser-lhe dada razão.

Desde logo, esses elementos (declarações e depoimentos) que invoca, têm de ser ponderados tendo por referência todos os elementos de prova atendíveis (v. g. conversações telefónicas havidas entre os vários intervenientes, relatos de diligência externa, documentação atendível) que sustentam todo o conjunto de contactos, movimentações e descritos nos factos provados tal como emergem da reapreciação ora em curso, e bem assim tais factos e o “percurso” e evoluções que os mesmos deixam delineado, culminando na apreensão na “Fenoca”.

                        Assim,

                        perante o que se descreve sob itens da matéria assente 1 a 7 (e considerando, ainda que apenas como meramente circunstancial e descritivo do “quadro” envolvente  dos factos susceptíveis de integrar ilícito, o consignado sob itens 8, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 - última frase - 31, 32, 33, 33, 34, 35, 38, 39, 41, 42, 43, 44, 46, 47, 48, 50 a 54, 55, 60 e 61, 75 a 78 e 96, circunstancialismo de que resulta claramente o envolvimento do recorrente com elementos de rede de narcotráfico com ligações na Espanha, Colômbia e Brasil) 49, 62 a 74, 85, 86, 87 – e bem assim perante os elementos probatórios que sustentam tal factualidade,

                        considerando o que de tudo o vindo de expor resulta quanto a ter o recorrente não apenas intervenção na importação de estupefaciente dissimulado nos contentores em causa (e bem assim no que transportara o estupefaciente apreendido  na carrinha guardada na “Fenoca”, relativamente a cujo aluguer o mesmo mostrara reservas referindo - conforme se colhe de conversação telefónica interceptada - que é “assim que os outros caem”) mas mesmo um papel preponderante nessa importação,

                        e atentando no depoimento da testemunha OO que refere que no dia da apreensão viu o recorrente AA com o co-arguido BB, antes do almoço, junto ao escritório da “Fenoca”  (depoimento que, por sua vez,  estrutura o referido pela testemunha QQ  que, relatando o circunstancialismo em que surgiu a operação que culminou naquela apreensão, refere que o coordenador que determinou que se avançasse para a mesma, tendo indicações obtidas por diversas equipas de vigilância do que se ia passando no terreno, lhe referiu que o recorrente estivera no local , tendo ele próprio passado pelo recorrente e pelo co-arguido BB na zona, concretamente na EN que liga Alcochete ao Cadaval ),

 nenhum reparo merece - por razoável, segundo critérios de logicidade e de conformidade às regras da experiência comum - e sempre tendo por referência os parâmetros que presidem à reapreciação de facto pelo Tribunal de recurso (de detecção de erro pontual e clamoroso de julgamento) - o juízo que lhe está subjacente - o acolhimento dos factos impugnados vindos de referir, de modo algum a prova convocada pelo recorrente como fundamento da sua impugnação  podendo, dum ponto de vista objectivo, infirmar aquela razoabilidade e bem assim impor as modificações fácticas pretendidas.

                         Improcederá assim a sua impugnação e bem assim o recurso no que a tais itens se refere.

            No que a factos descritivos de acção típica se refere impugna ainda o recorrente o consignado sob itens 126, 127 e 128:

 relativos ao elemento subjectivo do tipo considerado, convocando para fundamentar tal impugnação toda a argumentação expendida para impugnar o que concerne à materialidade respectiva.

Ora, não tendo a sua argumentação, como resulta do exposto, tido acolhimento no que concerne aos factos relativos a esta materialidade , e bem assim a sua impugnação, não o poderá também ter neste segmento, já que, também no que lhes respeita, a prova atendível e considerada, nomeadamente a que se veio referindo, suporta, de acordo com um juízo razoável, também os factos consignados sob itens 126, 127 e 128.

Improcederá pois no que se lhes refere a impugnação do recorrente.

Em relação aos seguintes factos

99. Na residência do arguido AA, situada na Rua J... V..., nº ..., em Brejos de Azeitão, este detinha consigo e foram apreendidos, os seguintes artigos, obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

- €8.300,00 em notas de €20;

- €49.000,00, em notas de €50, que se encontravam dentro de um cofre;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 1100, da operadora V..., com o nº ...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 1100, da operadora V..., com o nº ...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 6820, e respectivo cartão da operadora T..., com o PIN ...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 2300, com cartão da operadora V... ;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 3100, com cartão da operadora T... (Brasil);

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 2100, com cartão da operadora T... (Brasil);

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 1100-A, com cartão da operadora T...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 3120, com cartão da operadora V...;

- 1 telemóvel de marca N..., modelo 3300, sem cartão;

- Documentação em nome de Dr. CC acerca da genuinidade de várias notas;

- 2(dois) relógios da marca R...;

101. Nas imediações da residência do arguido AA, encontrava-se estacionado o veículo de marca T...L...C..., com a matrícula ...-...-QL, registado em nome da empresa Fenoca, em cujo interior se encontravam, para além de uma caixa contendo 50 munições 6.35 m/m da marca “L... B...”, os seguintes artigos, obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

- 2 cartões da operadora V..., com os nºs de PIN e PUK , .... e ..., respectivamente;

- 1 chip de telemóvel da operadora brasileira T...;

- 2 cartões de carregamento de telemóvel da operadora T...;

- 2 cartões telefónicos “supernature”;

- 1 folha impressa por computador, contendo as matrículas de vários veículos em nome do arguido BB, bem como de outros em nome da firma Fenoca, LDA;

- 1 envelope, tamanho A-4, com as inscrições “WR TURISMO LTDA, Embratur ... 2”, em cujo interior se encontrava: 1 livrete com o título “Condições Gerais Plano Turista Básico”, com um cartão emitido em nome de MMM; 1 bilhete electrónico aéreo de viagem de São Paulo-Lisboa, com partida de São Paulo-Guarulhos, no dia 19/04/2005, em nome do arguido AA; 1 bilhete electrónico aéreo de viagem de São Paulo-Lisboa, com partida de São Paulo-Guarulhos no dia 24/05/2005, em nome do arguido BB; 1 “e-ticket” de voo interno entre Ribeirão Preto-São Paulo efectuado a 19/04/2005, em nome do arguido AA; 1 “e-ticket” de voo interno entre Ribeirão Preto-São Paulo efectuado a 19/04/2005, em nome do arguido BB.

103. Na Herdade das C..., em Portalegre, o arguido AA detinha consigo os seguintes artigos, obtidos ou relacionados com a descrita actividade de narcotráfico:

- €20.000,00 (vinte mil euros) em notas de €50 do BCE;

108. Com a actividade descrita, os arguidos AA e BB, ao longo do tempo, auferiram elevadas quantias pecuniárias, para além das que lhes foram apreendidas em numerário, supra descritas.

112. Os arguidos, com os proventos obtidos na descrita actividade, procederam também à aquisição de diversos imóveis.

117. O arguido AA, por sua vez, em Janeiro de 2005, adquiriu 20 lotes de terrenos urbanos, sitos na Quinta da S..., G..., em Setúbal pelo preço unitário €35.000, correspondente ao valor global de €700.000,00 (setecentos mil euros). Com a celebração do contrato de promessa de compra e venda, datado do dia 9 de Janeiro de 2005, o arguido AA, o qual se apresentou como sendo agente da Polícia Judiciária, entregou a SSS, id. a fls. 1643, a quantia, em numerário, obtida na descrita actividade de tráfico de droga, de €300.000,00 (trezentos mil euros), correspondente ao sinal, comprometendo-se a entregar o remanescente (€400.000,00) em cheque, no momento da assinatura da escritura definitiva.

Relativamente a todos estes segmentos da matéria de facto improcederá a impugnação do recorrente.

Desde logo, na medida em que a sua impugnação aos mesmos decorria do pretendido afastamento do acolhido quanto ao seu envolvimento na actividade de tráfico (com a abrangência e projecção no tempo e no espaço que inequivocamente resulta dos factos disponíveis), desatendida que foi esse afastamento, claudicará, necessariamente tal pretensão.

Bem assim, assentes os factos relativos a tal envolvimento e penalmente relevantes (o que, nos moldes do atrás decidido, se eliminou da matéria consignada sob factos provados nada retira dos factos de que tal decorre, consubstanciando, numa parte, afirmações genéricas e conclusivas, sempre, como se disse, inatendíveis, e noutra, matéria meramente circunstancial cujo afastamento não influi no suporte da incriminação assumida) não se encontra, em vista do conjunto da prova disponível e sempre tendo presentes os sobreditos critérios a atender quanto a reapreciação de facto e atendibilidade de prova, erro de julgamento no acolhimento do assumido quanto a terem os bens mencionados nos itens impugnados sido obtidos e utilizados na actividade de narcotráfico descrita (com a abrangência e projecção no tempo e no espaço que resulta dos factos atendíveis, repete-se) nos precisos termos em que tal se mostra justificado na motivação, cuja razoabilidade de acordo com as regras da experiência comum, é inatacável: contrariamente ao pretendido pelo recorrente, a ausência, no quadro da actuação delineada pelos factos assentes disponíveis e penalmente relevantes (entre os quais se contam, aqui especialmente significativos, os consignado sob itens 5  e 7, 119 a 121  e 123 a 125), de fontes de rendimento que pudessem justificar, minimamente que fosse, as aquisições dos bens/montantes em questão, permite, de acordo com um juízo razoável, estruturar o assumido quanto à obtenção, utilização  e relação de bens/valores indicados nos itens impugnados ora em apreço (o item 112, na medida em que é concretizado, no que lhe respeita, nos itens 117 a 122) com aquela actividade.

                                                                  *

Face ao exposto é manifesto que a invocação do vício do artigo citado efectuada pelo recorrente é despropositada. O mesmo recorrente denomina de erro notório a mais patente e refinada discordância em termos de matéria de facto. Saber se a prova produzida fundamenta, ou não, uma convicção sobre a autoria dos factos ilícitos é o topo de uma avaliação que integra a globalidade da mesma prova. É que não se pode confundir erro notório com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência.

  A lógica argumentativa do recorrente arranca da ideia de uma ideia de violação das regras da experiência ou da lógica como pressuposto da afirmação de um erro notório. Particularmente apropriadas a tais argumentos são as palavras de Paulo Mendes (A prova penal e as regras da experiência in Estudos em Homenagem ao Professor Figueiredo Dias pag 1010 e seg)  quando refere, citando Castanheira Neves,  que a liberdade do julgador "[ ... ] não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objectividade - não aquela que permita uma  intime conviction, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, i. é, uma verdade que transcenda a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros - que tal só pode ser a verdade do direito e para o direito. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é da própria um principio de direito [ ... ], ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva. O que envolve, por sua vez, duas importantes consequências: 1) --,- havendo a convicção probatória de ser fundamentada, deverá ser motivada [confr. actual art. 374.°, nº 2, CPP] ou (quando as leis processuais o não exijam formalmente) motivável; 2) - sujeira à exigência de objectividade, enquanto princípio jurídico, não deixará de ser controlável mesmo pelos tribunais de recurso com competência apenas 'de direito' (STJ., como tribunal de 'revista'), sempre que a violação do princípio da objectividade for evidente sem outras investigações probatórias [cfr. actual art. 434.° CPP] - assim, por ex., quando for contraditória (ilógica), quando estiver em flagrante e insanável contradição com os elementos adquiridos nos autos, quando for impossível ou evidentemente errada a sua conclusão, de acordo com as regras válidas da experiência, etc. (cfr. actual artigo.410º, nº 2, CPP ).

Cabe perguntar: aceitar a revisibilidade da decisão com base na sua fundamentação contrária às regras da experiência não é pôr em causa a legitimidade do julgador de apreciar livremente os factos concretos? Assim seria, mas Castanheira Neves só pretende a revisibilidade se houver uma conclusão "impossível ou evidentemente errada" em função das regras da experiência.

Admitindo que a ostensiva violação das regras da experiência nos pode convocar para a existência de um erro notório é evidente, também, que, no caso vertente, os segmentos da matéria de facto a que o recorrente aponta o invocado vicio assentam em inferências que consubstanciam a existência de prova indiciária.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         Porém, por maior que possa ser a discordância do recorrente é evidente que as premissas, ou seja, os indícios de que arranca a decisão recorrida permitem, á luz de um juízo de normalidade e das regras da experiência, extrair as conclusões de que extrai a mesma decisão. As inferências realizadas não constituem, de forma alguma, aquela gritante violação das leis da experiência que a existência de erro notório clama.

     Subjacente ás alegações do recorrente está presente a ideia de que a prova indiciária constitui um tipo de prova inferior o que  fundamentaria a ideia, que abertamente exprime a fls 8455 (nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação,) de que sem que se tenha feito prova directa em julgamento da participação do arguido no crime em que foi condenado   inexiste matéria de facto suficiente para a condenação, ou a afirmação ainda mais ousada, de que nenhuma condenação em julgamento pode ser sustentada apenas e só com base em prova indiciária        Foi com base nesse pressuposto que o recorrente recorreu para o tribunal da Relação denominando de impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412 do CPP uma discordância que assentava na circunstância de considerar insuficiente a prova indiciária.

Decidido o recurso no Tribunal da Relação com precisa indicação de uma matéria de facto que assenta essencialmente em prova indiciária o recorrente recorre para este Supremo Tribunal transmutando aquilo que era uma impugnação da matéria de facto por assentar em prova indiciária num erro notório em virtude de assentar no mesmo tipo de prova.

Todo o argumentário do recorrente em sede de prova indiciária não logra obter a nossa adesão e pelo contrário assenta em fundamentos incorrectos que começam pela desvalorização de tal tipo de prova.    

 Na verdade,

   Relativamente ao valor da prova indiciária entendemos que é particularmente impressiva a referência constante do  acórdão de primeira instância.   Aliás, o que ali está escrito era já era para nós uma evidência quando o mesmo foi escrito pelo relator, e signatário do presente acórdão e foi certamente mero lapso que o Sr.Juiz de primeira instância se esqueceu de citar o nosso acórdão de  19 Dezembro de 2007 (Base de Dados da DGSI)sendo certo que faz uma transcrição parcial do  mesmo sem qualquer referência á sua origem.

Como já se salientou a actividade probatória é constituída pelo complexo de actos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência ou inexistência de uma determinada situação factual. Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos, e as segundas nos permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam  poder inferir.

            Aliás, é importante que se refira que a prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência, é transversal a toda a teoria da prova começando pela averiguação do elemento subjectivo de crime[4] que só deste modo pode ser alcançado até á própria creditação da prova directa constante do testemunho.

                Como  refere  Marieta [5] são dois os elementos da prova indiciária:

  a)-Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar conhecer outro facto que com ele está relacionado. (Dellepiane define-o como todo o rasto vestígio, circunstancia e em geral todo o facto conhecido, ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido)

  O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ,ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (v.g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros).

b)- Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que, aliada ao indício, permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior:-a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indicio-premissa menor- permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.

            A inferência realizada deve apoiar-se numa regra geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando o estado de dúvida e probabilidade.

            Sufragando nós tal entendimento, expresso por Marieta, não podemos deixar de aprofundar algumas das questões suscitadas pela elaboração do juízo de inferência que justifica o salto entre o facto básico ou indicio e o facto consequência

            Na verdade, como refere Ragués i Vallès [6] ao pronunciar-se sobre a prova do dolo em processo penal na prova indiciária intervêm dois tipos de enunciados distintos que se empregam  num juízo de inferência: as chamadas regras da lógica formal  e as regras da experiência. Para se poder afirmar que a conclusão obtida através da prova de indícios coincide com a realidade afirma o mesmo Autor que são necessários dois pressupostos básicos e irrenunciáveis: as regras da experiência que se apliquem em termos de premissa maior devem ser enunciados por forma a que transmitam declarações seguras, e irrefutáveis, sobe o conteúdo da referida realidade e, em segundo lugar, é necessário também que os factos provados, que se conjugam em termos de premissa menor do silogismo judiciário correspondam inteiramente á realidade.

  Dentro das regras da experiência que vigoram na nossa sociedade podem identificar-se dois grandes grupos: por um lado as leis científicas e, por outro, todas aquelas ilações que não são mais do que as regras de experiência quotidiana. As primeiras  formam-se a partir dos resultados obtidos pelas investigações das ciências,  a que se atribui o carácter de empíricas, enquanto que as outras assentam  na denominada experiência quotidiana  que surge através da observação, ainda que não exclusivamente  cientifica, de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se podem estabelecer consenso.[7]

            Partindo do pressuposto da necessidade de uma afirmação certa e segura da inferência, consubstanciada na regra de experiência, adianta aquele mesmo Autor (referindo-se ás condições de legitimidade que uma concepção psicológica de determinação do dolo exige em termos de indícios) que, para que se afirme uma determinada realidade como consequência do facto indiciante é necessária a existência de regras que afirmem que é segura a existência dessa realidade (a água passa do estado liquido a sólido aos zero graus de temperatura; ninguém pode estar em dois lados distintos ao mesmo tempo).Assim, as regras que afirmam sob que condições é provável um determinado  conhecimento não respeitam as condições para afirmação de uma concepção psicológica do dolo pois que não permitem afastar  que no caso concreto se verifique a hipótese excluída da probabilidade, ou seja, a admissibilidade do juízo de probabilidade[8] como base do indicio implica a aceitação da possibilidade de que a conclusão não corresponda com a realidade.

Tal concepção é, quanto a nós, seguramente de rejeitar pois que, como bem refere Marker [9], a maior parte das vezes a premissa maior é uma regra de probabilidade que, frequentemente, nem sequer é segura. Stein por sua vez entende que as regras da experiência quotidiana só podem levar a apreciações aproximativas. Aliás, o entendimento de que a actual sociedade  só atribui capacidade  de transmitir  conhecimento certos sobre a realidade  ás regras obtidas mediante conhecimento científico-únicas que seriam as únicas susceptíveis de uma afirmação de incontida certeza sobe a realidade que atesta- implicaria  a negação da possibilidade de existência de regras de experiência  do quotidiano como suporte de conhecimento e de prova indiciária[10].

            Certamente que não é esse grau de absoluta certeza que deve estar presente em cada inferência que se faz do facto indiciante como ligação ao facto indiciado. Como afirma Marieta, corroborado pela totalidade dos Autores que se debruçaram sobe esta matéria a prova indiciária é uma prova de probabilidades e é a soma das probabilidades que se verifica em relação a cada facto indiciado que determinará a certeza. Todavia, a transposição da soma de probabilidades que dá a convergência dos factos indiciados para a certeza sobre o facto, ou factos probandos, que consubstanciam a responsabilidade criminal do agente é uma operação em que a lógica se interliga com o domínio da livre convicção do juiz. Convicção sustentada, e motivada, mas que, nem por isso deixa de significar a passagem do Rubicão,  ou seja, do domínio da possibilidade para a formatação de uma intima convicção sobre a certeza do facto. 

            Na verdade, a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência  que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como afirma Tonini[11], como uma possibilidade mais ou menos ampla.

A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos  consequentemente origina um juízo de probabilidade e não de certeza.

            As inferências lógicas aptas a propiciar a prova indiciária podem, também, consistir em conhecimentos técnicos que fazem parte da cultura media ou leis científicas aceites como válidas sem restrição. Em matérias que impliquem especiais competências técnicas cientificas ou artísticas, e que se fundamentam naquelas leis, é evidente que a margem de probabilidade será cada vez mais reduzida e proporcionalmente inversa á certeza da afirmação científica.[12]

Como refere Dellepiane só quando a premissa maior é uma lei, que não admite excepções, a inferência que consubstancia a prova indiciária revestirá a natureza de uma dedução rigorosa. A inferência só é certa, por excepção, quando se apoia  numa lei geral e constante, ou seja, quando deixa de ser uma inferência analógica para passar a ser  uma dedução rigorosa[13]

Noutras circunstâncias estaremos sempre perante uma probabilidade, ou seja, como afirma Lopez Moreno [14] a teoria dos indícios reduz-se á teoria das probabilidades e a prova indiciária  resulta do concurso de vários factos  que demonstram a existência de um terceiro que é precisamente aquele que se pretende averiguar. Note-se que a concorrência de vários indícios numa mesma direcção, partindo de pontos diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles com uma nova probabilidade que resulta da união de todas as outras constituindo uma verdadeira resultante

No mesmo sentido se pronuncia Clement Duran quando refere que o princípio da normalidade se torna o fundamento de toda a presunção abstracta. Tal normalidade deriva da circunstância de a dinâmica das forças da natureza e, entre elas, das actividades humanas existir uma tendência constante para a repetição dos mesmos fenómenos. O referido principio está intimamente ligado com a causalidade: as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos e tem justificação na existência de leis mais ou menos imutáveis que regulam de maneira uniforme o desenvolvimento do universo.

O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.

Do exposto resulta que o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.

Só este convencimento, alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária-quando é este tipo de prova que está em causa-, pode alicerçar a convicção do julgador. Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.

A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para alem do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerente aos principio da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indicio e a presunção que dele se extrai.

Como tal a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base, ou indícios, que se considere provados e que vão servir de fundamento á dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação ainda que sintética é essencial para avaliar da racionalidade das inferências constantes dos autos .[15]

                                                            

C)

Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária.

O funcionamento, e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a  qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável nomeadamente em sede de sentença..

Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indicio  que resiste ás objecções  e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno é preciso o indicio quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado ou, como refere Tonini corre-se o risco de construir um castelo de argumentação lógica que não está sustentado em bases sólidas

Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão facto indiciante. Porém, uma perplexidade assalta o analista estas áridas matéria na enumeração dos requisitos deste tipo de prova, pelo menos em face da lógica. É que ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indicio, o certo é que, quando existe aquela pluralidade, coloca-se a questão do objecto em função dos quais se deve avaliar os requisitos enunciados. Nunca é demais sublinhar que é a compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e lógica intrínsecas que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando.

            Tal debate, crucial na jurisprudência italiana, tem tido três respostas diferentes: uma mais garantista; uma avaliação mais elástica e teleológica e uma tese intermédia. Para os primeiros os requisitos da gravidade; precisão e concordância devem verificar-se em relação a cada indicio. Para a tese intermédia a avaliação da prova indiciária deve considerar os mesmos indícios em parte isoladamente e em parte na sua complexidade total. Mais precisamente  o juízo de avaliação  da prova indiciária deve acontecer em dois momentos bem distintos. No primeiro momento ocorre a avaliação de cada um dos indícios em termos de gravidade e precisão com o que se pretende, ante do mais, que cada indicio deve ser certo sobre a sua base de partida e, assim, deve estar rigorosamente provada a existência de uma circunstância indiciante; para além disso as regras de experiência comum; lógica ou científicas devem trazer á circunstância indiciante um número restrito e bem preciso de consequências devendo-se excluir da categoria de indicio todas as inferências excessivamente vagas. Só depois  de se ter correctamente individualizado os indícios é possível- e necessário- passar á sua avaliação em termos de concordância  por forma a restringir o campo das múltiplas possibilidades a uma única certeza.

A terceira tese coloca sobre um plano distinto os pressupostos e consequências. Segundo esta interpretação a prova indiciária deve emergir de uma avaliação global e unitária dos indicio: eles devem ser graves, precisos e concordantes, mas sempre numa perspectiva global, e não considerados isoladamente. É esta, no dizer de Tonini, a convergência na multiplicidade e o que importa é somente o resultado final de uma operação de co-avaliação  dos indícios. Na verdade, o indício que, isoladamente, parece ser de pouca gravidade pode assumir uma importância decisiva no seu cotejo e articulação com os restantes indícios.[16]

             Pretendendo, ainda, desenhar alguns dos princípios a que se refere a prova indiciária diremos que na mesma devem estar presentes condições relativas aos factos indiciadores; á combinação ou síntese dos indícios; á indiciárias combinação das inferências indiciárias; e á conclusão das mesmas [17] [18] [19]

Assim

1 )  Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa, o que não obsta a que a prova possa ser composta, utilizando-se, para o efeito, provas directas imperfeitas ou seja insuficientes para produzir cada uma em separado prova plena[20]

            Porém, estamos em crer que a exclusão de indícios contigentes e múltiplos que não deixam dúvidas acerca do facto indiciante como prova de um facto judiciário, e pela simples circunstância de serem resultado de prova indirecta, é arbitral e ilógica e constitui um consequência de preconceitos considerando a prova indiciária como uma prova inferior

A prova por inspecção ocular é a que, normalmente facilita a recolha de indícios pelo menos numa fase inicial de recolha da prova . Porém, como acentua Clement Duran os demais meios probatórios também transmitem elementos indiciários de relevo. Assim pode suceder com uma declaração ou um documento, uma parte ou um segmentos dos quais pode fazer alusão a um facto indiciário que é relevante para o julgamento (por exemplo se era noite se o carro tinha ficado fechado ou aberto qual foi o preço de aquisição etc)

Directamente relacionada com a questão da unidade, ou pluralidade de indícios, que se examinará, situa-se a questão dos indícios periféricos ou instrumentais em relação ao facto probando. Significa o exposto que os factos indiciantes não têm de coincidir necessariamente como os que conformam o facto sujeito a julgamento, ou algum  dos seus elementos  ou bem a autoria material do facto ilícito, mas podem tratar-se  de factos que estão em conexão ou relação directa  com aqueles, situando-se na sua periferia sendo indicativos da realidade do facto que se pretende provar. Isto significa que devem ser concomitantes, ou seja, que  devem acompanhar-se entre si por constituir diversos aspectos fácticos de um determinado facto penalmente relevante e que, em consequência têm uma existência comum e em paralelo[21] [22]

2) Os factos indiciadores devem ser objecto de análise crítica dirigida á sua verificação, precisão e avaliação o que permitirá a sua interpretação como graves, o médio ou o ligeiro. Porém, e como refere Bentham, não é pela circunstância de se inscreverem nesta última espécie que os indícios devem ser afastados pois que o pequeno indicio conjugado como outros pode assumir uma importância fundamental

3) Os indícios devem também ser independentes e, consequentemente, não devem considerar-se como diferentes os que constituam momentos,  ou partes sucessivas, de um mesmo facto acessórios sucessivas de um único fato do processo ou do acessório. Framarino ilustra este último ponto com o seguinte exemplo: “uma testemunha  terá visto o arguido sair precipitadamente da casa da licença de Ticio; outro tê-lo-á visto numa viela transversal á mesma casa e uma  outra viu entrar no carro na mesma transeversal e ausentar-se”. Estas três declarações não servem dar a fé mais do que de um único fato do indiciário, do vôo, e deste fato, por mais do que é provado de mil maneiras, nunca constituem mais do que uma única indicação “.

 4) Quando não se fundamentem em leis naturais que não admitem excepção os indícios devem ser vários.

Todavia, a exigência formulada por alguns autores no sentido de existência de um determinado número de indícios concordantes não se afigura de todo razoável e antes se reconduz a uma exigência matemática de algo que se situa no domínio da lógica. De concreto pensamos que apenas se pode formular a exigência daquela pluralidade de indícios quando os mesmos, considerados isoladamente, não permitirem a certeza da inferência   

            Porém quando o indício mesmo isolado é veemente, embora único, e eventualmente assente apenas na máxima da experiência o mesmo será suficiente para formar a convicção sobre o facto

. 5) Os indícios deve ser concordantes, ou seja, que se conjuguem entre si, de maneira a produzir um todo coerente e na­tural, no qual cada facto indiciário tome a sua respec­tiva colocação quanto ao tempo, ao lugar e demais circunstancias[23].-

Neste aspecto Devis Echandia refere que os indícios se pesam, e não se contam, motivo pelo qual não basta somente a pluralidade  já que é indispensável que , examinados em conjunto produzam a certeza sobre o facto investigado e para que isto ocorra requere-se que sejam graves que concorram harmonicamente a apontar o mesmo facto.

6) As inferências devem ser convergentes ou seja não podem conduzir a conclusões diversas.

7)- Por igual  forma deve estar afastada a existência de contra indícios  pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder  a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária.[24]

            Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupões três momentos distintos.:- a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.

 Assim,

             Em primeiro lugar é necessário que os indícios seja verificados, precisados e avaliados. Em seguida  tem lugar a sua combinação ou síntese .Esta operação intelectual  efectiva-se com a colocação respectiva  de cada facto ou circunstância acessória,  e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos,  e dá lugar é reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos  indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exactidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios.[25]

             Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena os autores exigem, uniformemente, como se irá explanar a concordância de todos os indícios [26] pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstancias de um único facto,  de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo , o lugar e acção por forma  a que cada indicio está obrigado a combinar-se com os outros ou seja a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço  e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza  e carácter  ou segundo relações de causa a efeito.

Em ultima análise está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de índicos poder apontar noutro sentido que não o atingido (Exemplo: feridas múltiplas –ódio; ameaças de morte ; arma pertencente ao arguido)

O terceiro momento reside no exame da relação entre facto indiciante e facto probando ou seja o funcionamento da presunção. Como refere Duran a essência da prova indiciária reside na conexão entre o indicio base e o facto presumido, fundamentada no principio da normalidade conectado a uma máxima da experiência é a essência de toda a presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção- em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do principio da normalidade [27] [28]

No caso vertente em ultima análise a decisão recorrida parte de uma pluralidade de indícios que se consubstanciam em meio de prova de tipos diversos para concluir pela responsabilização criminal do arguido.

            Sinteticamente perguntaremos se a disponibilidade injustificada de grandes somas de dinheiro; as viagens ao Brasil e aos locais de expedição da cocaína dissimulada e os contactos com traficantes; a proximidade física e jurídica com a logística relacionada com a droga; a manifesta desproporcionalidade entre o património e os proventos não constituem índicos graves precisos e convergentes da intervenção criminosa no tráfico de droga. Pode-se discutir se a força dos indícios é suficiente para fundamentar um inabalável convicção do julgador mas então a questão é da forma como se formou a convicção, ou seja, se esta está suficientemente fundamentada. O que não se pode afirmar é que a mesma convicção constitua uma violação das regras da experiência.

Como se disse aqui reside a aporia em que cai o recorrente que classifica como erro notório aquilo que não é mais de que a afirmação de uma discordância em relação aos factos provados. Toda a argumentação expendia pelo recorrente emerge de um pressuposto incorrecto qual seja o de que a prova indiciária, só por si, não tem virtualidade para fundamentar um juízo de convicção.

               Tal ponto de partida não é válido e, bem pelo contrário, não só a prova indiciária é suficiente como também é certo que, no caso vertente ela se apresenta densa e convergente no apontar da autoria pelo recorrente do crime praticado

IV

No que concerne ao elemento subjectivo do tipo é evidente que a impetração do recorrente arranca da indemonstração dos pressupostos de facto que indicam a prática de actos integrantes do tipo legal imputado

A partir do momento em que estes factos existem a afirmação do elemento subjectivo é uma questão de dedução lógica ou seja, e também aqui, de prova indiciária                                                     

V

Refere-se no ponto 108 da matéria de facto descrita que os arguidos AA e BB ao longo do tempo auferiram elevadas quantias pecuniárias para além das que lhes foram apreendidas. Esta referência ao tempo tem de ser entendida nos precisos termos temporais traçados pela matéria da acusação e que obteve o aval em sede de julgamento.

Concretamente se a aquisição de activos sucede num período em que, concomitantemente, se desenvolve uma actividade ilícita geradora de rendimentos ilícitos é admissível que se estabeleça uma relação de causa para efeito como se estabelece no caso vertente em relação a alguns bens apreendidos.

Porém, excluídos aqueles factos que, inexoravelmente, apontam para ligação entre o ilícito concretamente imputado  e o incremento patrimonial, está afastada a possibilidade de criar uma conexão fundamentada numa imputação abstracta, onde tudo cabe, e a concreta patrimonialização. Assim, no caso vertente, não é admissível a atribuir á expressão “ao longo do tempo” uma latitude abrangente de todo e qualquer acto praticado, mesmo que sem qualquer concretização especifica, e a coberto de uma genérica referência global.

Como refere Figueiredo Dias (Direito Processual Penal-Secção de Textos da Faculdade de Direito de Coimbra 1988-pag 104 e seguintes) a acusação define e fixa perante o tribunal, o objecto do processo. A actividade cognitória e decisória do tribunal está estritamente limitada pelo objecto da acusação.

O objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado. É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal.

Os valores, e interesses, subjacentes a esta vinculação temática do tribunal, implicada no princípio da acusação, ressaltam quando se pense que ela constitui a pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido - sem o qual o fim do processo penal é inalcançável -, que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência e quando se pense, também, que só assim o Estado pode ter a esperança de realizar os seus interesses de punir só os verdadeiros culpados e de economia processual, perante processos que (pressuposto um real direito de defesa do arguido) deveriam conduzir a absolvições maciças.

Sucede que se refere, em sede de matéria provada, que os arguidos, com os proventos obtidos na actividade descrita, procederam em Janeiro de 2005 á aquisição de lotes urbanos que são identificados. Igualmente é certo que, se está provado que os contactos do arguido com suspeitos de pertencerem a uma rede de tráfico se verificaram em 3 de Janeiro de 2005, igualmente é exacto que os actos relatados na materialidade provada, e em relação àquele mês, configuram meros actos preparatórios sem que se indique qualquer operação financeira ou qualquer relação de carácter económico.

Assim, continuando no caso vertente, em abstracto a aquisição em Janeiro pode ter-se verificado antes, ou depois, do início da data dos factos ilícitos em causa o que não é elucidado pela expressão “ao longo do tempo”. Na verdade não é demais sublinhar que segundo o artigo 36 nº2 do Decreto Lei 15/93 2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem. 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos, objectos ou vantagens obtidos mediante transacção ou troca com os direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidos por meio da infracção.

Significa o exposto que a matéria de facto considerada provada ao deixar indeterminado se foram os proveitos económicos obtidos com o crime de tráfico pelo qual o arguido foi condenado que possibilitaram uma aquisição de imóveis, relativamente á qual nem sequer está esclarecido se foi antes, ou depois, do inicio dos factos a que se reportam os autos, incorre na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que se reporta o artigo 410 nº 2 alínea a) do Código de Processo Penal.

VI

No caso vertente estamos perante um crime de tráfico agravado nos termos da alínea c) do artigo 24 do Decreto Lei 15/93.

Importa considerar que a descrição das referidas agravante assume uma natureza ampla com um segmento de indeterminação que impõe ao intérprete uma actividade interpretativa em que se recorta a procura da teleologia do preceito.

As circunstâncias de agravação, que, como tal, integram o tipo agravado, e pertencem, num certo limite, ainda à tipicidade, adensam a ilicitude revelando maior contributo na dimensão do perigo para os bens jurídicos que as incriminações dos tráficos de estupefacientes se destinam a tutelar.

A maior dimensão da ilicitude que a agravação traduz há-de ser essencial para a interpretação e integração da referida noção indeterminada, que, por integrar ainda por si um elemento do tipo agravado, requer a definição segundo o modele de rigor que tem de ser próprio à definição dos elementos da tipicidade.

A agravação supõe, pois, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base - os artigos 21º, 22º e 23º do referido Decreto-Lei, e consequentemente, uma dimensão que, referenciada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o circulo base das descrições tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base.(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2004).

O crime base tipificado no artigo 21 do diploma em causa está delineado para assumir uma função de defesa social ou protecção da comunidade perante a actividade de tráfico que se projecta numa dimensão mediana utilizando recursos e propondo meios e objectivos que não apresentam grande traço de dissemelhança perante o perfil que apresenta, normalmente, a patologia criminal deste tipo.

Por exclusão de partes a densificação das circunstâncias que apresentam a nota de diferença em sede de carga de ilicitude relevante terá de apresentar-se como algo que apresenta natureza de excepcionalidade ou pelo menos revela, no que respeita a esta circunstância concreta, um procura de avultados proventos económicos, ou seja, ganhos que projectam o agente para um nível superior próprio das grandes organizações a nível nacional ou internacional e resultados de uma dimensão superior em termos financeiros. Reportando-nos novamente á decisão supracitada dir-se-á que o acto ilícito tem de apresentar uma projecção de especial saliência, avaliada por elementos objectivos que revertem, necessariamente, á intensidade (mais que à duração) da actividade conjugada com as quantidades de produto e montantes envolvidos nos "negócios" - o que aponta para operações ou "negócios" de grande tráfico, longe, por regra, das configurações da escala de base típicas e próprias do «dealer de rua» urbano e suburbano ou do seu sucedâneo no espaço rural.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido abundante relativamente à referida circunstância (cfr., entre outros, os acórdãos de 4/10/2001, na CJ (STJ), Ano IX, tomo III, pág. 178; de 17/4/2000, na CJ (STJ), Ano VIII, tomo II, pág. 193, com indicação de variada jurisprudência anterior, e, mais recentes, de 29/5/2003, proc. 1662/03; de 27/2/2003, proc. 515/03; de 26/3/2003, proc. 3152/02; de 28/6/2002, proc.1099/01 e de 10/10/2002, proc. 2539/01).

No caso sob recurso, considerou-se provado que a quantia objecto de tráfico era de 597,7 Kg o que, considerando os valores de mercado indicados para o ano de 2005- cerca de 30 Euros/ grama (Relatório da DCITE da Policia Judiciária) permite considerar um valor superior á dezena de milhão de Euros  Tal facto por si, e independentemente de outras considerações sobre quantias  apreendida,  dá uma ideia clara de que a actividade ilícita em que o arguido estava inserido se situava num patamar superior e muito distante de uma organização de modesta ou mediana dimensão. Estamos já no cume da actividade organizatória estruturada para o grande tráfico com a adequada mobilização de meios e pessoas.

É grande o grau de ilícito em que está em causa um acto ilícito que alimenta a desagregação social na comunidade e a degradação física e psíquica da pessoa. Por igual forma densas são as exigências de prevenção a nível geral nas quais cidadão comum expressa o seu repúdio por uma actividade em que a obtenção de um lucro ilícito é feita á custa do aniquilamento da própria personalidade.

            A culpa é intensa, revelando uma opção de vida á revelia de valores que deveriam informar o arguido o qual escolheu o caminho do lucro fácil ainda que ilícito. Tal opção tem subjacente o conhecimento de que a sua actividade se inscrevia numa actividade ilícita situada já num patamar superior em termos de tráfico.

Não merece censura a decisão recorrida no que concerne á medida da pena

Temos em que se julga improcedente o recurso interposto pelo arguido AA exceptuando a matéria de facto em relação á qual se entendeu existir o vicio do artigo 410 do Código de Processo Penal, nomeadamente a origem dos bens imóveis referidos.

Consequentemente, determina-se o reenvio do processo nos termos do artigo 426 do mesmo diploma para novo julgamento restrito unicamente á referda questão da relação entre os bens referidos e o crime de tráfico imputado

Sem custas  

Lisboa, 26 de Outubro de 2011.


Santos Cabral (relator)

Oliveira Mendes

_______________________________________________

[1] Proc. n.º 1126/08 -3.ª Secção Santos Cabral (relator)

[2] Confrontar ainda Acórdão do Tribunal Constitucional 281/2011
[3] Relator Juiz Conselheiro Oliveira Mendes
[4] Como refere o Tribunal Supremo Espanhol “salvo espontânea manifestação do autor só um acertado juízo de inferência por parte dos juízes permite escrutinar este pensamento intimo ( animus necandi) no mais profundo do ser humano  “no arcano escondido da sua consciência”
[5] La Prueba em Processo Penal pag 59
[6] El dolo y su prueba en el proceso penal pag 243
[7] Como refere Jaime Torres importa distinguir dois tipos diferentes de regra de experiência: as regras de experiência de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte.
Usando tais regras de experiência entendemos que o juiz pode utilizar livremente, sem necessidade de prova sobre elas, as regras de experiência cujo conhecimento se pode supor numa pessoa com a sua formação (concretamente formação universitária no campo das ciências sociais). O próprio ordenamento jurídico parte da liberdade do juiz para utilizar estas máximas da experiência de conhecimento geral sem que as mesmas se inscrevam no processo através da produção de prova.
As razões que fundamentam a liberdade do juiz para a utilização dos seus conhecimentos de máxima da experiência são as mesmas que impõem a desnecessidade de fixação de factos notórios. Em qualquer um destes casos o que se pede ao juiz é que utilize os seus conhecimentos sobre máximas da experiência comum sem que importe a forma como os adquiriu
[8] Da sua exigência de uma regra certa como base de inferência parte Vallés para uma situação de quase aporia dificilmente sustentável quando em relação á prova psicológica do dolo afirma eu para se ser coerente  a exigência de uma plena constatação  da realidade psicológica passa necessariamente por uma redução do número de casos em que é possível  formula uma condenação pela prática de um crime doloso.
[9] Vorsatz und Fahrlassigkeit pag 182, citado por Vallés
[10] Sem embargo não  possível descartar a possibilidade teórica de, em determinados casos existirem  regras de experiência quotidiana susceptíveis de transmiti conhecimentos certos e seguros
[11] La Prova Penale pag 16 e seg
[12] Independentemente da questão da natureza da inferência que constitui a prova indiciária; dedução indução abdução ou inferência analógica o certo é que a aplicação de um conhecimento científico está sujeito ás características de ser genérico experimentável e controlável
[13] .A inferência indiciária de ordem analógica raras vezes é passível de chegar a um resultado certo pois que dificilmente se encontram duas hipóteses exactamente iguais
[14] La prueba de indícios pag 145
[15] Transcreve-se exemplo da tais inferências existentes nos autos:- Assim, perante o facto incontornável, que aliás não contesta, de lhe ter sido apreendida, na sequência de um controle a que foi sujeito pela Guardia Civil, em Badajoz, quando se aprestava para regressara Portugal, a quantia de dois milhões, quinhentos e quarenta e nove mil euros (facto que, como atrás expusemos, encontra, suporte probatório seguro no conjunto do teor de fs. 14, cuja valoração não está vedada, e no depoimento da testemunha CC – o qual, para além do conhecimento de tal facto, à data como se disse publicamente noticiado, relatou a abordagem de que pessoalmente foi alvo, quer por parte do AA dizendo-lhe que tinha dito às autoridades espanholas que o dinheiro era dele - Luz Rodrigues - quer por parte de Inocência XX, a mulher do arguido AA, instando-o para ir a Espanha a fim de recuperar o dinheiro) e bem assim, perante a prova que suporta tal facto, nenhum reparo pode merecer, por absolutamente razoável segundo as regras da experiência, o acolhimento como assente de que a movimentação do arguido em Espanha já era seguida pelas autoridades espanholas (sendo como é facto notório que a realização desse controle, levado a cabo em Espanha a um cidadão português – e como tal sem qualquer razão de ser no quadro da livre circulação vigente na união europeia - não surge do nada, tendo seguramente indissociável uma vigilância prévia) em Espanha, onde se havia dirigido na viatura onde foi abordado.
Não merece pois reparo a decisão no que concerne a tais segmentos de facto contestados.
b)fls 215 Efectivamente, desde logo no que concerne a algumas das movimentações e encontros descritos nos itens 41, 42, 56, 57, 58, 60 e 61, não se dispõe de prova atendível que permita sustentá-los para além de dúvida razoável.
É certo que se colhe das intercepções telefónicas matéria que aponta fortemente para a existência desses encontros e movimentações.
Porém, não se dispondo – por não poderem integrar, nem integrarem, a prova produzida em audiência – dos elementos que terão sido facultados pelas autoridades espanholas durante a investigação e que terão permitido sedimentar a respectiva indiciação, não pode, mesmo perante o que se colhe das intercepções em causa, concluir, para além de uma razoável dúvida, pela realidade desses encontros.
Assim, com base na prova disponível, e nomeadamente no que das intercepções se colhe de incontornável (como seja, perante a existência de conversações a partir dos números escutados, a utilização desses números por parte dos arguidos, ou o que resulta directamente de afirmações dos próprios, por exemplo a afirmação do recorrente em 3.4.2005 de que já se encontrava em Madrid – cf. transcrição, alvo 26974, apenso 1-F, sessão 22, fs. 14), o que tão só se pode acolher como assente, com suporte bastente, para além de dúvida razoável é o que a seguir se consigna
c)217 e 218 Já no que concerne ao facto 49º não se dá razão ao recorrente, certo que é que, perante a abundante e sólida prova da viagem de LL a Portugal e dos seus contactos com os arguidos e o teor de conversações mantidas entre eles (vd. nomeadamente intercepções telefónicas, alvo 1E394, sessão 3922, alvo 1E647, sessão 1042,  apenso IF, alvo 26974, sessão 84) não envolve erro de julgamento, seja por inadequação, seja por inconsistência, o acolhimento do facto de  na viagem daquele despachante a Portugal, o mesmo ter tido oportunidade de acordar com os arguidos AA e BB os procedimentos necessários relativamente a  dissimulação de cocaína importada através de sacos de carvão cuja aquisicão seria providenciada pelo despachante nos meses seguintes de Junho e Julho de 2005, altura em que os arguidos se iriam deslocar ao Brasil (importação cuja preparação, e bem assim esta deslocação[15], por parte de ambos, encontram também sólido suporte na prova disponível, nomeadamente os elementos atendíveis considerados constantes da carta rogatória - atrás referidos a propósito da rectificação da paginação – o que se infere de intercepções telefónicas - v. g. de chamadas efectuadas pelo recorrente de números do Brasil,em I-N alvo 1E 911, sessão 1042 apenso I-E , teor do apenso I-I, sessão 84-IF, alvo 26974, apenso I-D, alvo 1-E 486 sessões 245 e 263 - de relatos de diligência externa - de fs. 883, 997-1002 e documento de fs. 885 - e do depoimento de Manuel Francisco Rosalino).
d) fls 221 e 222 Assim, contrariamente ao que defende, toda a matéria factual relativa à importação de carvão (como forma de dissimular cocaína importada da América do Sul) matéria de facto relevante – ainda que se faça asserção algo conclusiva no item 62, a mesma é incontestavelmente introdutória ao que a seguir se explana, que, explicitando-a, a estrutura enquanto facto – o seu acolhimento como assente, também no que lhe concerne, não envolve, em vista da prova disponível e considerada, qualquer erro.
Desde logo, do depoimento de BB, não resulta o afastamento do recorrente AA da realização/intervenção do negócio de importação de carvão proposto àquele, tal não podendo retirar-se do facto de as “negociações” levadas a cabo se terem iniciado e sido levadas a cabo pelo co-arguido BB, circunstância irrelevante no contexto do que demais se colhe da prova disponível.
Efectivamente, se tudo quanto se refere à proposta da importação do carvão por parte do arguido Carlos ao dito BB nos termos que lhe foi feita é incontornável face ao depoimento deste, face ao que o mesmo relata quanto a incentivo para efectuar o negócio por parte do recorrente e entrega de sacos de carvão para experimentar por ambos  (transcrição, pasta 2, fs. 468) e quanto a terem andado ambos com ele à procura do armazém (transcrição, pasta 2, fs. 486) no contexto do que se colhe quanto a diligências e conversações relativas à importação do carvão das intercepções telefónicas, seja dos arguidos entre si, seja com o despachante LL  (vd. nomeadamente 1E 486, sessão 263, 1-F 26974, sessão 48 e sessão 84, sessão 85), resulta patente não apenas o envolvimento de AA nessa importação do carvão, mas mesmo que era ele quem comandava a operação de expedição do contentor com carvão a importar para o nosso país no qual seria dissimulado estupefaciente  .
e) fls 222 rodapé e a intervenção dos dois arguidos recorrentes nos autos nessa operação encontra na prova sólido suporte, começando pela documentação efectivamente invocada constante de cartas rogatórias (como já dissemos elementos obtidos em fase de inquérito e chamados, nos termos atrás referidos, à discussão em audiência, que mantém a sua validade probatória no julgamento, a cujo consideração como mais um elemento de consolidação do assumido quanto a tal matéria nada obsta), designadamente na medida em que das mesmas resulta, para além do mais, patente a intervenção na expedição desse contentor de LL, perito em questões de comércio externo com o qual, como decorre de forma incontestável da conjugação de outra abundante prova (como sejam intecepções telefónicas - v. g. no apenso I-F - conjugadas com documentação vária relativa a tais “importações” - que esse indivíduo chegou a “acompanhar” fisicamente, deslocando-se a Portugal, v. g, na situação em que aqui se deslocou e em que, para além dos contactos telefónicos cuja transcrição bem espelha a concatenação com os recorrentes nessas práticas, existiram mesmo contactos directos referidos no competente relato de diligência externa que inclui registos fotográficos) os recorrentes vinham mantendo contactos relacionados com as “importações” em referência nos autos e fizeram deslocações a locais do Brasil e desenvolveram aí diligências - cf. v. g. documentos apreendidos relativos a essas deslocações, a estadias em hotéis - que, em coerência, evidenciam por forma incontestável contactos revelando o fio condutor dos procedimentos levados a cabo por todos (e em conjugação também com outros indivíduos, brasileiros e colombianos, que vária outra prova disponível demonstra - veja-se v. g. o que resulta das escutas várias, concatenado com o que se colhe de relato de diligência externa quanto a contactos do recorrente AA com cidadã brasileira, Zedna, mencionados nessas escutas) para concretizar a expedição para o nosso país desses produtos importados em cujo “seio” viria dissimulado estupefaciente

f) fls 227 Assim, comprovado que se mostra que o recorrente viajou para o Brasil ainda em Junho , (conforme consignado sob facto 77 tal como emerge da modificação - traduzida em eliminação parcial - vinda de decidir, como dissemos devidamente sustentada na prova), onde a sua família e o co-arguido BB se lhe juntaram (tendo partido em 7/7/2005 conforme consta do item 82 dos factos, como dissemos já não impugnado pelo recorrente), conjugando a realidade de tais factos (como dissemos devidamente alicerçados em prova adequada e bastante) com tudo o que se colhe das intercepções de conversações telefónicas com LL (nomeadamente as transcritas em 1-F 26974, sessão 48 e sessão 84, sessão 85, já atrás referidas) e entre os dois arguidos (no Apenso I-N Alvo 1E911, citadas no próprio item 87 ), e tudo ponderando no contexto de toda a demais prova atendível (que sustenta, nos termos já expostos e que ainda exporemos, a factualidade a ele relativa) sempre tendo por referência os critérios atrás plasmados quanto a reapreciação de facto e atendibilidade de prova, não envolve erro de julgamento o acolhimento dos segmentos de facto impugnados dos itens 82* e 87, mostrando-se razoável, às luz das regras da experiência comum, o juízo que lhe subjaz.
g) fls 229  Analisando a prova no seu conjunto e conjugação, e ponderando, nomeadamente os elementos de prova que o recorrente invoca para fundamentar a impugnação a estes itens, não pode ser-lhe dada razão.
Desde logo, esses elementos (declarações e depoimentos) que invoca, têm de ser ponderados tendo por referência todos os elementos de prova atendíveis (v. g. conversações telefónicas havidas entre os vários intervenientes, relatos de diligência externa, documentação atendível) que sustentam todo o conjunto de contactos, movimentações e descritos nos factos provados tal como emergem da reapreciação ora em curso, e bem assim tais factos e o “percurso” e evoluções que os mesmos deixam delineado, culminando na apreensão na “Fenoca”.
                               Assim,
                               perante o que se descreve sob itens da matéria assente 1 a 7 (e considerando, ainda que apenas como meramente circunstancial e descritivo do “quadro” envolvente  dos factos susceptíveis de integrar ilícito, o consignado sob itens 8, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 - última frase - 31, 32, 33, 33, 34, 35, 38, 39, 41, 42, 43, 44, 46, 47, 48, 50 a 54, 55, 60 e 61, 75 a 78 e 96, circunstancialismo de que resulta claramente o envolvimento do recorrente com elementos de rede de narcotráfico com ligações na Espanha, Colômbia e Brasil) 49, 62 a 74, 85, 86, 87 – e bem assim perante os elementos probatórios que sustentam tal factualidade,
                               considerando o que de tudo o vindo de expor resulta quanto a ter o recorrente não apenas intervenção na importação de estupefaciente dissimulado nos contentores em causa (e bem assim no que transportara o estupefaciente apreendido  na carrinha guardada na “Fenoca”, relativamente a cujo aluguer o mesmo mostrara reservas referindo - conforme se colhe de conversação telefónica interceptada - que é “assim que os outros caem”) mas mesmo um papel preponderante nessa importação,e atentando no depoimento da testemunha OO que refere que no dia da apreensão viu o recorrente AA com o co-arguido Carlos, antes do almoço, junto ao escritório da “Fenoca”                (depoimento que, por sua vez,  estrutura o referido pela testemunha QQ  que, relatando o circunstancialismo em que surgiu a operação que culminou naquela apreensão, refere que o coordenador que determinou que se avançasse para a mesma, tendo indicações obtidas por diversas equipas de vigilância do que se ia passando no terreno, lhe referiu que o recorrente estivera no local , tendo ele próprio passado pelo recorrente e pelo co-arguido Carlos na zona, concretamente na EN que liga Alcochete ao Cadaval ),
 nenhum reparo merece - por razoável, segundo critérios de logicidade e de conformidade às regras da experiência comum - e sempre tendo por referência os parâmetros que presidem à reapreciação de facto pelo Tribunal de recurso (de detecção de erro pontual e clamoroso de julgamento) - o juízo que lhe está subjacente - o acolhimento dos factos impugnados vindos de referir, de modo algum a prova convocada pelo recorrente como fundamento da sua impugnação  podendo, dum ponto de vista objectivo, infirmar aquela razoabilidade e bem assim impor as modificações fácticas pretendidas

[16] Conf Tonini Prova Penale pag 12 e seg
[17] Dellepiene  obra citada pag 93
[18] Para Mittermeier a força dos indícios  determina-se pelo cumprimento em cada caso e para cad um dos indícios das condições exigidas; pelo seu número; pela sua natureza e concordância: pelas suas elações  com as presunções informativas

[19]  Conforme Rosas Castaneda Algumas Consideraciones sobre la teoria de la prueba  indiciaria em el proceso penal  y los derechos  fundamentales del imputado:-  os indicios también pueden observarse según su fuerza conviccional, como tal, distinguirlos entre indicios necesarios y contingentes,  según se requiera de uno o varios para formar la convicción del juzgador. Empero, la clasificación más utilizada es aquella que toma en cuenta, el momento de la producción de los indicios, en cuya virtud  los indicios pueden ser antecedentes, concomitantes y subsiguientes, esto es, según se trate de circunstancias anteriores, coetáneas o posteriores al delito. Por su fuerza Conviccional: Indicios necesarios y contingentes  Ahora bien, lo expuesto precedentemente, obliga a reconocer que existen indicios necesarios e indicios contingentes, en función a las causalidades que emergen de ellos. Los indicios necesarios prueban por sí solos plenamente la veracidad del “dato indicado” al que conducen, por lo que están extensos del requisito de pluralidad; el dato cierto resulta de una relación causal unívoca. Los indicios contingentes, que son los más numerosos, por el contrario, para generar convicción o consolidar ésta sobre algún aspecto del thema probandum o de ésta como totalidad, deben ser mínimo dos; uno solo representa apenas un argumento de probabilidad; más o menos mayor según las circunstancias de cada caso, de la existencia o inexistencia del hecho desconocido que se investiga, que no descarga generalmente el peligro del azar o de la causalidad. Por su relación fáctica con el delito .- Indicios Antecedentes Estos indicios son los anteriores al delito. Están referidos a la capacidad para delinquir y a la oportunidad para la comisión de un delito, tales como tenencia de instrumentos, amenazas previas, ofensas, enemistades, interés en la desaparición de una persona. Los tres últimos son los denominados indicios de móvil delictivo, que son indicios psicológicos de suma importancia, en el entendido que toda acción human, y, especialmente la delictiva, que implica sanciones y molestias, tiene una razón, un motivo que la impulsa. Sólo asociados a otros indicios, éstos pueden constituir prueba suficiente.- Indicios Concomitantes Son los indicios que resultan de la ejecución del delito, se presentan simultáneamente con el delito. A este rubro pertenecen los indicios de presencia y los indicios de participación en el delito. Los primeros, en la clasificación de GORPHE, también llamados de “oportunidad física”, están dirigidos a establecer la presencia física del imputado en el lugar de los hechos. Los segundos, tienden a señalar una participación más concreta del imputado en los hechos.3.- Indicios SubsiguientesSon, al decir de MARTÍNEZ RAVE, los que se presentan con posterioridad a la comisión del delito. En la clasificación de GORPHE se trata de los indicios de actividad sospechosa. Pueden ser acciones o palabras, manifestaciones hechas posteriormente a amigos, el cambio de residencia sin ningún motivo, el alejarse del lugar donde se cometió el ilícito, el fugarse después de estar detenido, el ocultar elementos materiales del delito, la preparación de falsas pruebas sobre su inocencia, la consecución de testigos falsos.Los indicios de presencia y participación en el delito, que también se pueden llamar de oportunidad física, o de oportunidad material en sentido estricto, obtenidos del importante hecho de que el individuo estuviera, sin razón plausible, en el lugar y al tiempo del delito. En sentido amplio, aquí se ubican indicios muy diversos, sacados de todo vestigio, objeto o circunstancias que implique un acto en relación con la perpetración del delito: señales de fractura o de sustracción, rastros de golpes o de polvo, manchas de sangre o barro, tenencia del instrumento del delito, descubrimiento de un objeto comprometedor en el lugar del hecho o en la casa del sospechoso.[ Ese hecho material resulta sospechoso, solo porque no tiene justificación o, más aún, porque el acusado lo explica mal[Ahora bien, en cuanto a los Indicios provenientes de la personalidad, esta clase de indicios tienden a tomar en consideración la conducta anterior del sujeto y su personalidad a fin de inferir de ello si tiene capacidad delictiva que conduzca a presumir su autoría en el hecho que se investiga. En consecuencia, liminarmente es preciso hacer una importante aclaración respecto a que ello no importa adoptar un “Derecho Penal de autor”, sino simplemente valorar como prueba esos extremos para añadir al resto del material probatorio otros que resultan importantes para determinar en conjunto su responsabilidad. Así, los indicios de capacidad para delinquir, que también pueden llamarse de oportunidad personal proceden de la compatibilidad de la personalidad física y moral con el acto cometido. Por lo que se sabe del conjunto de su carácter, de su conducta pasada, de sus costumbres y disposiciones, se deduce que el acusado era capaz de haber cometido el delito imputado o, inclusive, que fue llevado a ejecutarlo. [33] Constituye una condición necesaria, pero no suficiente, de la culpabilidad: unas veces proporciona una simple posibilidad y otras, una probabilidad o verosimilitud, pero no certeza.Indicios sobre el móvil delictivo: Se debe partir de la premisa general de que no existe acto voluntario sin motivo o móvil. […] de modo que cuando un individuo, se decide a quebrantar la ley y exponerse a una sanción penal, es porque persigue obtener una ventaja, una venganza, o cualquier otro objetivo que se le presenta con tal intensidad que lo lleva a estimar con desdén la eventual sanción. Esta razón predominante es lo que se llama el móvil para delinquir; el cual, como es una condición esencial de todo delito, es de necesaria comprobación, ya por medio de verdaderas pruebas, ya por simples presunciones. El móvil puede considerarse bajo dos aspectos: externo, y entonces es el suceso, la causa, el accidente, que impulsan el ánimo, e interno, siendo entonces el afecto mismo del ánimo que impulsa el delito.[35] De allí que, el autor opta por realizar su objetivo asumiendo el riesgo de las consecuencias. Estos objetivos son los motivos o móviles de los que, cuando el individuo ha obrado voluntariamente, es importante indagar para encontrarle un justificativo al acto delictivo. Indicios de actitud sospechosa: Generalmente existen comportamientos del sujeto, anteriores o posteriores al hecho, que por su especial singularidad o extravagancia permiten inferir que tiene relación con el delito cometido.Deducidos de lo que se llama rastros mentales o, en términos más genéricos, de las manifestaciones del individuo, anteriores o posteriores al delito; en pocas palabras, al comportamiento en cuanto revela el estado de ánimo del acusado en relación con el delito; es decir, tanto su malvada intención antes del delito, como su conciencia culpable después de haberlo realizado.Indicios derivados de una mala justificación: Una vez colectados suficientes elementos probatorios que indiquen a determinado sujeto como autor del hecho delictivo, es menester interrogar al mismo a los fines de que, dando su versión, explique las razones de la existencia de ese material de cargo uno por uno. Su discurso, cualquiera que sea, servirá para integrar la interpretación de aquellas pruebas. Tanto es así que si el inculpado suministra explicaciones satisfactorias y que además se comprueban, los elementos indiciarios existentes pierden eficacia. A la inversa, si sus justificaciones son inaceptables, ambiguas, equívocas, tendientes a eludir una respuesta concreta, deficientes, inventadas o mendaces, todo lo cual también debe comprobarse, ello configurará un refuerzo de aquellos indicios, dando lugar a edificar una plataforma de cargos desfavorable a su situación procesal. La mala justificación se erige así como un complemento indiciario de los demás elementos de prueba.Como se observa, las pautas que se han seguido en las ejecutorias mencionadas, responden a la clasificación que realiza GORPHE, según su papel en la prueba de la imputabilidad y de la culpabilidad, tanto en cargo, como en descargo.

[20] Para Clement Duran La prueba Penal pag 639 a prova indiciária pode realizar-se por qualquer meio probatório incluindo outra presunção(com recusa do velho aforismo praesumptio de praesumptione non praesimitur).No mesmo sentido Echandia Teoria General da Prueba judicial
[21] Clement Duran obra citada pag 640
[22] Por exemplo as circunstancias de lugar e tempo são factos especialmente indicativos  no que respeita á consumação de um crime de furto: se uma pessoa é surpreendida ás quatro da madrugada  nas imediações de um ou vários veículos furtados têrm-se indícios muito fortes para  fundamentar a atribuição de autoria.
Outro tanto se pode dizer no caso de um vestígio de uma mancha de sémen na roupa da vitima e que segundo um relatório pericial corresponde ao sémen do acusado. Trata-se de um facto periférico ou alheio ao cato constitutivo da agressão sexual mas que indica claramente que aquele acusado foi o autor da agressão  
[23] Os indícios podem referir-se á integração dos elementos materiais do tipo legal (indicio do delito) ou á autoria material do crime.
[24] Contra indícios ou contra presunções lhe chama Mittermaier Tratado  pag 376
[25] Uma questão importante que se suscita a propósito da concordância de indícios é da suficiência de um único indicio para  fundamentar o facto probando.Estamos em crer que nada impede que um único indicio possa fundamentar tal conclusão desde que a prova indiciária conjugada com os restantes elementos pernita inferir sobre a certeza da conclusão.   
[26] Deve afirmar-se que concordância e convergência são conceitos distintos. Como afirma Dellapiene .
A primeira refere-se aos indícios ou factos indiciadores a segunda ás deduções ou inferências judiciárias
[27] Vg a venda de objecto a preço muito abaixo do preço de custo ou a posse dos papelinhos de droga
[28] IV
Prova indiciária e motivação
A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade as formalidades legais e as garantias constitucionais.
As regras da experiência ou regras de vida como ensinamentos empíricos que simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtem mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização.
Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.