ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1065/08.2TVPRT-A.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR LOPES DO REGO

DESCRITORES RECURSO DE REVISÃO
SIMULAÇÃO PROCESSUAL
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO
CONHECIMENTO DA SENTENÇA A REVER

SUMÁRIO 1. O prazo de 60 dias para interpor recurso extraordinário de revisão, fundado em simulação processual, inicia-se com o conhecimento da sentença pelo impugnante – não podendo tal prazo iniciar-se sem que lhe tenha sido facultada plena oportunidade para aceder a tal título judicial , de modo a conhecer e analisar adequadamente o seu teor e conteúdo e as vicissitudes processuais que precederam a sua prolação, já que só desta análise integral e aprofundada poderá emergir – e nem sempre – a invocada simulação processual.

2. Tendo esse interessado sido citado, como credor hipotecário, na acção em que se pretende executar a sentença impugnada com fundamento em simulação processual, sem que lhe tivesse sido entregue, no acto de citação, cópia integral de tal sentença e respectiva fundamentação, o efectivo conhecimento da sentença a rever pressupõe diligências e consultas a realizar por iniciativa do interessado, para as quais nunca se poderá estabelecer prazo inferior a 10 dias, sem o decurso do qual não começa a correr o referido prazo de 60 dias.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Invocando incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda, AA intentou, em 14-11-08, nas Varas Cíveis do Porto, acção declarativa, na forma ordinária, contra BB.

Não tendo sido apresentada contestação, acabou por ser proferida, em 18-3-09, sentença que, julgando a acção procedente, condenou o R. a pagar ao A. a quantia de € 100.000,00, consistente na restituição do sinal em dobro, acrescida de juros de mora, reconhecendo ainda ao demandante, e até pagamento de tal quantia, o direito de retenção sobre o imóvel objecto daquele contrato.

Em 14-6-2010, e por apenso àqueles autos, veio CC interpor recurso extraordinário de revisão daquela sentença, alegando ser ex-cônjuge do R e que o referido contrato-promessa, cujo incumprimento fundamentou a decisão proferida foi simulado, visando as partes, daquele modo, obter uma sentença condenatória para, através de posterior execução, obter a venda judicial do imóvel objecto daquele contrato e, por essa via, atento o direito de retenção ali reconhecido ao A., frustrar os efeitos da hipoteca legal que sobre o mesmo impende para garantia de alimentos à recorrente e a um filho do ex-casal, bem como extinguir a garantia patrimonial de outra dívida para com ela; com o que lhe causaram prejuízo.

Notificados, A. e R. responderam, invocando, além do mais, a extemporaneidade do recurso, alegando que foram ultrapassados os 60 dias previstos no art.772º, nº2, do CPC.

Foi, de seguida, proferida decisão que julgou procedente aquela excepção, considerando o recurso extemporâneo.

Inconformada, a recorrente interpôs recurso de apelação, que a Relação teve por procedente, determinando a improcedência da excepção de caducidade e o prosseguimento do recurso extraordinário interposto.

Após notar  que, em 23-2-2010, o recorrido AA intentou, nos Juízos de Execução do Porto, acção executiva para pagamento de quantia certa contra o recorrido BB, tendo como título executivo a sentença proferida no processo principal, execução aquela na qual foi penhorado, em 29-3-2010, o imóvel objecto do contrato-promessa, sobre o qual incide uma hipoteca a favor da recorrente CC com registo na Conservatória do Registo Predial de 24-3-2010 – fls 68 e ss.; e que, nessa execução, e atenta a existência da referida hipoteca, procedeu-se à citação da recorrente CC, nos termos e para os efeitos do disposto no art.864º do CPC, constando da carta de citação enviada a data de 7-4-2010, à qual foi junto o auto de penhora – fls 253 a 255 - passou o acórdão recorrido a analisar o regime actual do recurso de revisão ( que na reforma de 2007 dos recursos cíveis, aplicável ao caso dos autos,  passou a englobar a figura do antigo recurso de oposição de terceiro):

A decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando, entre outras situações, “o litígio assente sobre acto simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o art.655º, por não se ter apercebido da fraude” – art.771º, al. g), do CPC.

Relativamente ao prazo para interposição do recurso, não podem ter decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão;

devendo o recurso ser interposto no prazo de 60 dias contados, “No caso da alínea g) do artigo 771º, desde que o recorrente teve conhecimento da sentença”.

Assim, e antes de mais, importa assentar em que é a contar do conhecimento da sentença – e não do conhecimento da simulação, como parece defender a recorrente - que começa a contar o prazo para interposição do recurso. Embora, e com RIBEIRO MENDES, in Recursos em Processo Civil, 202, em nota, “É de recear que o novo prazo seja exíguo, na medida em que o terceiro pode ter tido conhecimento da decisão antes de suspeitar que a mesma se devia a simulação”.

No caso em apreço, havia já decorrido aquele prazo de 60 dias a contar do conhecimento, pela recorrente, da sentença proferida no processo principal?

Defendem os recorridos que a recorrente teve conhecimento daquela sentença em 7-4-2010, enquanto na decisão recorrida se considerou a data de 12-4-2010. Pelo que, tendo o recurso sido interposto em 14-6-2010, concluiu-se haver já decorrido aquele prazo.

Vejamos.

Tendo a citação sido efectuada via postal, considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção – art.238º, nº1, do CPC.

No caso, desconhece-se tal data, já que não foi junto o aviso de recepção da carta. Sabendo-se, apenas, que a carta para citação da recorrente para a execução tem a data de 7-4-2010. E que a recorrente alega ter sido citada em 12-4-2010.

Poderia entender-se estarmos perante um prazo processual, pois, e apesar de terem a natureza de acções autónomas, por isso, com um regime processual diferente do dos recurso ordinários – havendo quem defenda que, sendo os recursos ordinários uma mera continuação ou prorrogação da instância, os recursos extraordinários constituem uma nova instância; e quem sustente, ainda, que este últimos têm a natureza de uma acção, ou de um recurso específico, ou mesmo de um misto de recurso e de acção (cfr. LEBRE DE FREITAS in CPC Anotado, 3º, 193 e ss., em anotação ao art.771º) – os recursos extraordinários consistem, tal como os ordinários, numa reacção contra uma decisão judicial proferida. Neste caso, já transitada em julgado. Ou seja, no fundo, a revisão destina-se a “…fazer ressurgir a acção finda, e a reabrir a instância anterior” – cfr RODRIGUES BASTOS in Notas ao CPC, III, 321, em anotação ao art.772º. Na jurisprudência, e neste sentido, embora relativamente a processo de embargos, cfr. ac. da RL de 19-1-99, in BMJ, 483-266, e da RE de 6-4-00, in BMJ, 496-317. Em sentido contrário, entendendo ter o prazo de interposição do recurso natureza substantiva, e que nos parece maioritário, cfr. os ac.s da RE de 7-7-92, in BMJ, 419-840; da RP de 10-12-92, BMJ, 422-434; da RL, de 3-6-93, in BMJ, 428-670; da RL de 22-2-96, in CJ, 1996, I, 126;e da RC, de 16-5-00, in BMJ, 497-453.  

Donde, e a entender-se tratar-se de um prazo judicial, ser-lhe-ia aplicável, para além do disposto no art.144º do CPC – nº4 deste preceito legal - também o disposto no art.145º daquele diploma legal.

Pelo que, mesmo considerando-se a data de 12-4-2010, o recurso, interposto em 14-6-2010, sempre seria tempestivo, desde que observado o disposto no referido art.145º do CPC.

Reconhecemos, todavia, que do disposto no art.144º do CPC parece não resultar consistir o prazo para a propositura de acções, (tal como para a interposição do recurso extraordinário de revisão, se não dever ser considerado acção) num prazo processual. Doutro modo, não faria sentido o seu nº4. Embora pareça que com este nº4 se tenha pretendido por cobro a eventuais dúvidas interpretativas - cfr. LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, 1º, 251.

Seja como for, e diferentemente do que se entendeu na decisão recorrida, não resulta dos autos que a recorrente, com a citação que lhe foi efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no art.864º do CPC, ficou a ter conhecimento da sentença proferida.

Na verdade, e nos termos do disposto no art.864º, nº1, do CPC, a citação dos credores, como foi o caso da recorrente, é efectuada nos termos gerais. Tem em vista, e uma vez que são titulares de direito real de garantia, que reclamem o pagamento dos seus créditos – nº3, al. b). São citados no domicílio que conste do registo – nº9. E, juntamente com os elementos exigidos pelo art.235º, com as necessárias adaptações, é entregue ao citando cópia do auto de penhora – nº6.

Assim, e como entende LEBRE DE FREITAS in CPC Anotado, 3º, 498, em anotação ao art.864º, “Quanto aos credores, além de receberem cópia do auto de penhora (mas não duplicado da petição executiva, embora possam impugnar o crédito exequendo: art.866-3) e de lhes ser feita comunicação de que ficam citados para a execução e dadas as  indicações do art.235-1, é-lhes comunicado que podem reclamar os créditos com garantia real sobre os bens penhorados no prazo de 15 dias (art.865-2), sob pena de não se poderem pagar pelo valor desses bens”.

Ou seja, trata-se de um acto de citação diferente daquele que tem lugar quando está em causa o executado ou o seu cônjuge. Em que, desde logo, e tratando-se da citação do executado, lhe é entregue o duplicado da petição inicial e dos documentos que a acompanham – art.235º, “ex vi” art.864º, nº1, ambos do CPC.

No caso, e tratando-se da citação de uma credora com garantia real, seguiu-se o caminho que ficou indicado para os credores: para além das comunicações constantes da carta de citação, foi entregue à recorrente o auto de penhora. Nada mais.

Pelo que não se pode concluir, e a considerar-se que a citação foi efectuada no dia 12-4-2010, que a recorrente tomou conhecimento, naquela mesma data, da sentença proferida e apresentada como título executivo. Nada legitima tal conclusão.

   2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, que o recorrente encerra com as seguintes conclusões:

I- A nota de citação enviada à Apelada para os autos do processo executivo com o n° 1242/10.6YYPRT, que corre os seus termos no 2° Juízo - 3ª Secção, do Tribunal de Execução do Porto, foi efectuada nos termos e para os efeitos previstos no Art. 864° do c.p.c, tendo como data de expedição o dia 7 de Abril de 2010.

II- Da referida nota de citação consta a identificação do tribunal de execução, juízo e n° do processo executivo ao abrigo do qual a penhora teve lugar, bem como a identificação das partes ali intervenientes, valor da execução, e a junção de cópia do auto da penhora do imóvel.

III- A Apelada não comprovou com uma certidão que atestasse quais os documentos que se encontravam anexados à nota de citação expedida no dia 7 de Abril de 2010, limitando-se somente a juntar cópia da nota de citação e do auto de penhora, doe. n° 24 do requerimento de recurso de revisão.

IV - Aquela data, dia 7 de Abril de 2010, é a ÚNICA DOCUMENTALMENTE COMPROVADA nos autos e foi feita nos termos e para os efeitos do Art. 864° que, no seu n° 6, remete para o cumprimento das obrigações gerais do acto de citação, taxativamente previstas no Art. 235° do cpc.

V- Para o acto da citação prevista no Art. 864° do c.pc. é EXIGÍVEL também a junção do requerimento executivo, documentos, como o título executivo nos termos do Art. 235° do CPCP. até porque nesse mesmo Acto de Citação dá-se ao Citando o Poder Impugnar também o crédito exequendo. Art. 866°. n° 3 do c.pc. uma vez que tais documentos e duplicado do articulado, são elementos essenciais à classificação do acto de citação.

VI- A Irregularidade do acto de citação, cabia à aqui Apelada que, inclusive, a vir a ser provada, redundaria na NULIDADE do ACTO da CITAÇÃO, n° 11 do Art. 864°, por remissão também aos Arts. 195°, alínea a) e 198°, n° 1, todos do cpc, o que não aconteceu.

VII- Não tendo sido arguida tal nulidade perante aquele Tribunal de Execução, encontra-se a mesma sanada, tanto mais que a Apelada apresentou em tempo a sua Reclamação de Créditos, Impugnando também o crédito exequendo do aqui Apelante, alegando vários argumentos que só puderam ser esgrimidos com o conhecimento pormenorizado dos presentes autos, designadamente, da douta sentença proferida cujo recurso foi interposto, Art. 483° do cpc. - Ac. STJ, Proc. n° 8567/05.OTBSTB-B.El.SI.

VIII- Assim, para a admissibilidade do recurso de revisão de sentença, era preciso que, na sua génese, esteja a inexistência ou nulidade da citação, cujo conhecimento da Apelada, Recorrente, não tenha decorrido há mais de 60 dias, o que já verificamos não ser o presente caso, tendo a Apelada Impugnado o crédito exequendo e realizado a sua Reclamação de Créditos -Ac. STJ, Proc. n° 8567/05.OTBSTB-B.El.SI.

IX- Por ter a Apelada, confessadamente, tomado conhecimento da irregularidade da citação que ditava a respectiva nulidade antes de interpor o presente recurso, que motivou, alegadamente várias vindas ao Porto para consulta do Processo, não se encontra cumprido este pressuposto para admissão deste recurso extraordinário - Ac. STJ, Proc. n° 8567/05.0TBSTB-B.E1.S1.

X- Paralelamente, e mesmo que daquela nota de citação enviada no dia 7 de Abril de 2010 à Apelada só tivesse sido enviada uma cópia do auto da penhora e nada mais, nenhuma outra data CONCRETA foi apresentada pela Apelada, limitando-se a alegar que tomou conhecimento em dia posterior ao dia 12 de Abril de 2010.

XI- De todo o modo, em qualquer daqueles dois dias de Abril de 2010 (7 ou 12), com o recebimento da nota de citação, ficou a aqui Apelada a saber da existência de um titulo executivo que justificou e possibilitou a penhora realizada no imóvel sobre o qual tinha já a mesma onerado com uma hipoteca legal, ficando em condições de poder diligenciar todas as providências, designadamente, consultar a acção executiva para saber todos os pormenores.

XII- A citação cumpriu a transmissão de conhecimento à Apelada da existência de uma situação para a qual estava a ser convocada como parte e, consequentemente, do respectivo conhecimento para apresentar a sua defesa.

XIII- Impondo a Lei impõe PRAZOS, como o da Caducidade para este Recurso Extraordinário, n°2, do Art. 772° do CPC, o Julgador tinha que julgar, decidindo, com a única data CONCRETA que dispunha, a de 7 de Abril de 2010 (da expedição da nota de citação à Apelada para os efeitos do Art. 864° do cpc) e com a qual, em SEGURANÇA, tinha como base para o inicio da contagem de tempo, 60 dias, para o exercício de tal direito que constitui um verdadeiro PODER/DEVER, pois incumbe à pessoa sobre a qual possa beneficiar desse direito, o DEVER de o exercer, sob pena do mesmo ficar irremediavelmente precludido - O prazo estipulado no Art. 772°, n° 2 do C.P.C., é um prazo de caducidade, já que define a vida de um direito: o da propositura, ou não de uma acção judicial.

XIV     - É também um prazo contínuo, não podendo suspender-se nem interromper-se, sendo também assim considerado um prazo substantivo, por não ser possível que se descontem sábados, domingos, etc, devendo começar a contar-se a partir do momento em que a parte teve conhecimento do facto que constitui o fundamento do recurso, ou a partir do momento em que a parte podia ter o seu conhecimento, se quisesse, ou seja, este prazo de caducidade, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido. Acórdão do STJ de 15.03.2005.

XV- E é assim porque, "o recurso de revisão, é no fundo um atentado à intangibilidade do caso julgado formado pela sentença revidenda e, desse modo, à segurança ou à certeza jurídica que aquela envolve, só se compreendendo se atentarmos às profundas razões de justiça impostas pelo evoluir da consciência jurídica dos povos mais civilizados e mais conformes à feição social do direito hoje preponderantes", Ac. da Relação do porto de 30.09.2004

XVI- Para os presentes autos, a Apelada PODIA, por estar em condições, se quisesse, ter tomado conhecimento da douta sentença a partir do dia 7 de Abril de 2010.

XVII - Sendo este, sentença, o facto/documento que serve de base à revisão, é a partir desta data que tem inicio a contagem deste prazo de caducidade previsto no n° 2 do Art. 772° do cpcp. RAZÃO PELA QUAL, o RECURSO DE REVISÃO apresentado pela aqui Apelada no dia 14 de Junho de 2010, FOI EFECTIVAMENTE EXTEMPORÂNEO!

Pelo exposto, e pelo que doutamente será suprido, dando-se provimento ao recurso e revogando-se o douto Acórdão recorrido farão Vossas Excelências como sempre a inteira

JUSTIÇA

A recorrida requereu a interposição de recurso subordinado, destinado a apreciar um dos fundamentos da sua defesa, que improcedeu apesar de o acórdão recorrido lhe ter conferido ganho de causa, ao ter por tempestivo o recurso de revisão interposto: porém, neste circunstancialismo, rege o art. 684º do CPC, segundo o qual o meio procedimentalmente idóneo para obter eventual reapreciação do fundamento em que a parte vencedora decaiu é a ampliação do objecto do recurso por iniciativa do recorrido, cabendo-lhe suscitar tal questão na contra alegação que apresente, prevenindo a necessidade da respectiva reapreciação, conforme o entendimento final que venha a prevalecer acerca da composição da lide.

Salienta-se, por outro lado que – apesar de o acórdão da Relação se limitar a mandar prosseguir os termos do recurso extraordinário interposto, tido por tempestivo ( não se configurando, deste modo, como decisão final) – a admissibilidade da revista radica na norma constante dos arts. 691º, nº1, e 721º do CPC, das quais parece resultar a possibilidade de acesso ao STJ quando o acórdão da Relação ( não sendo embora uma decisão final) for revogatório da decisão do tribunal de 1ª instância que inicialmente havia posto termo ao processo.

   3. Saliente-se que a questão da tempestividade do recurso extraordinário interposto passe pela apreciação e resolução de duas questões diferentes:

 - em que data se deve considerar efectivada a citação  do credor hipotecário – que interpôs o presente recurso extraordinário - na acção executiva movida na sequência da sentença proferida na precedente acção condenatória que o recorrente considera inquinada pela invocada simulação processual?

 -  em que preciso momento teve a parte que interpôs o presente recurso extraordinário conhecimento da sentença que, com tal fundamento, pretende impugnar, apesar de transitada em julgado?

   Note-se que a primeira questão é, em bom rigor, uma questão de facto, a dirimir perante a junção aos autos do documento que comprove o dia em que foi assinado o respectivo aviso de recepção – por ser esta a data a que o art. 238º confere relevância.

   Salienta-se que, no caso dos autos, tal citação do credor com garantia real foi efectivada por carta registada com A/R, enviada por solicitador de execução, da qual consta a data de expedição de 7 de Abril de 2010 (fls. 253). Apesar da clareza do regime legal – que apenas implicaria a necessidade de documentar nos presentes autos o A/R assinado – controvertem as partes longamente a data em que tal citação se teria, afinal, efectivado, invocando o ora recorrente a própria data de expedição da referida carta – 7/4 – e pugnando a recorrida pela data de 12/4, ao que se supõe resultante da aplicação analógica à presente situação processual da regra geral que vigora em sede de notificações postais, segundo a qual as mesmas se presumem feitas no 3º dia útil seguinte ( art. 254º, nº3), já que os dias 10 e 11 corresponderam, respectivamente,  a sábado e domingo.

   É, porém, evidente que tal presunção não vigora em sede de citação por carta registada com A/R, impondo-se antes a averiguação da data exacta em que o aviso, obviamente constante do processo executivo, fora efectivamente assinado. Porém, por razões de economia processual, entende-se prescindir de tal diligência , já que – como adiante se demonstrará ao abordar a segunda questão controvertida – ainda que a citação se tivesse consumado no dia seguinte à expedição da referida carta, mesmo assim seria de ter por tempestiva a interposição do recurso extraordinário.

   5. Importa realçar que o DL 303/07 reformulou substancialmente o regime do anterior recurso extraordinário de oposição de terceiro, incluindo as situações que estavam na sua base no âmbito da revisão : e, na sequência de tal absorção, veio o legislador impor um prazo de 60 dias para o interpor, contado, no caso, do conhecimento da sentença pelo recorrente.

   Como vem acentuando a doutrina (CPC Anotado, Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, vol. 3º, pag.233), tal prazo é manifestamente exíguo: melhor seria ter fixado como terminus a quo o momento do conhecimento da simulação, que o conhecimento da sentença não assegura só por si: passa-se de um generoso prazo de 5 anos para a propositura da acção de simulação ( revogado art. 780º-2) para um curtíssimo prazo de 60 dias, de duvidosa constitucionalidade.

   Temos por seguro que tal prazo exíguo não pode ser ainda na prática mais encurtado através de um aligeiramento do fundamental requisito de conhecimento da sentença pelo impugnante – não podendo obviamente tal prazo iniciar-se sem que ao recorrente/impugnante tenha sido facultada plena oportunidade para aceder a tal título judicial , de modo a conhecer e analisar adequadamente o seu teor e conteúdo e as vicissitudes processuais que precederam a sua prolação – já que só desta análise integral e aprofundada poderá emergir – e nem sempre – a invocada simulação processual.

   Não pode, deste modo, bastar para começar a correr o referido prazo de 60 dias que o recorrente saiba que foi proferida sobre determinada matéria decisão judicial , sendo indispensável que lhe haja sido facultado o acesso ao teor integral da sentença e respectiva fundamentação e permitido analisar, em prazo razoável,  o processado que a precedeu, de modo a poder formar uma convicção minimamente segura e consistente sobre as suspeita de ocorrência da simulação processual que pretenda invocar como base do recurso extraordinário.

   Ora, é evidente que a citação que lhe foi feita, como credor dotado de garantia real sobre o bem penhorado, não respeita integralmente estas exigências básicas.

   Como alega o recorrente ( cfr. art. 231º do requerimento, a fls. 46) – e não foi impugnado, em termos consistentes, pela parte contrária, demonstrando esta que foi efectivamente entregue ao citando cópia integral da sentença exequenda – a referida citação ter-se-á consubstanciado nos documentos que juntou, a fls. 253/255, sendo a carta acompanhada apenas do auto de penhora, mas sem que , nesse momento, lhe tivesse sido entregue cópia da própria sentença exequenda.

   Note-se que o que releva não é saber qual o preciso regime legal aplicável  à referida citação em acção executiva , de modo a determinar, face aos preceitos legais em vigor, se tal certidão da sentença deveria ou não ter acompanhado a citação : a questão que interessa para o apuramento da tempestividade situa-se, não no plano normativo, mas antes num mero plano factual, esgotando-se em saber se foi ou não realmente entregue ao interessado citado tal certidão ( e sendo obviamente inadmissível confundir os planos de uma possível nulidade ou irregularidade da citação e do conhecimento ou efectiva cognoscibilidade da sentença pretensamente afectada pelo vício de simulação processual, obviamente não condicionado por um inexistente ónus de tempestiva invocação de tal hipotético vício no âmbito da execução em curso).

   Ora, quanto a este ponto fundamental, não há qualquer razão para pôr em causa a convicção, expressamente formulada no acórdão recorrido, de que , no momento da citação, a recorrente não ficou a ter efectivo conhecimento do teor integral da sentença exequenda – pelo que obviamente não podia ter-se imediatamente iniciado o referido prazo peremptório de 60 para interposição do recurso extraordinário. Ou seja: da citação efectuada apenas resultou a existência de uma execução em que havia sido penhorado o imóvel hipotecado, tendo de resultar o efectivo apuramento do teor e integral conteúdo e fundamentação de tal sentença e das vicissitudes processuais que a precederam de posterior iniciativa a realizar pelo interessado – a quem, aliás, foi facultado o prazo de 15 dias para deduzir a reclamação de créditos.

   E, neste concreto circunstancialismo, entende-se que não é possível «presumir» um conhecimento minimamente adequado da sentença que se pretende impugnar , pressupondo antes este conhecimento efectivo uma indispensável  iniciativa do interessado a quem a mesma não foi logo facultada com o acto de  citação, para o qual nunca poderá aplicar-se prazo inferior ao prazo geral de 10 dias, concedido para a actuação processual as partes : será este, no mínimo, o prazo aplicável para a realização das consultas e diligências indispensáveis a uma efectiva apreensão do teor e conteúdo da sentença, completado com a análise das vicissitudes processuais da acção em que foi proferida – pelo que os referidos 60 dias nunca se poderiam iniciar sem previamente estar exaurido, pelo menos, este prazo de  10 dias para consulta e indagação dos autos pelo interessado: ora, mesmo que se considerasse feita a citação na acção executiva em 8/4/10, a aplicação deste entendimento levaria a considerar obviamente tempestivo o recurso extraordinário interposto em 14/6/10.

   6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento à revista.

   Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor