ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
369/05.0TTLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/16/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PEREIRA RODRIGUES

DESCRITORES ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURANÇA NO TRABALHO
PRESTAÇÃO AGRAVADA

SUMÁRIO
I. Devendo existir um compromisso no seio da empresa entre a entidade empregadora e trabalhador no sentido de obstar à preterição das regras de segurança, a responsabilidade principal recai, todavia, sobre a entidade empregadora a quem compete prevenir os riscos, estabelecer as normas e fazê-las cumprir pelo trabalhador.

II. Assim, nos termos do artigo 18.º e seguintes da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (aplicável na situação), se o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, a entidade empregadora responderá pelo pagamento de prestações agravadas nos termos aí descritos, sem prejuízo de responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral e da responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido.

III. Tendo-se provado que um cabo de amarração de um rebocador se partiu atingindo mortalmente um trabalhador, que acidentalmente se encontrava no convés do mesmo rebocador, mas não se tendo provado que um cabo de amarração seja potencialmente perigoso na utilização, nem que o seu controlo pelo empregador fosse manifestamente insuficiente, antes estando provado que as várias tripulações o verificavam diariamente e que no caso o cabo foi verificado pela tripulação do rebocador, não se pode concluir pela violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL  

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA e BB intentaram a presente acção emergente de acidente de trabalho, sob a forma do processo especial, contra "CC — COMPANHIA DE ..., SA" (actualmente designada por DD — ..., SA) e "EE — COMPANHIA DE SEGUROS, SA", alegando, em síntese, que:

A Autora é viúva e o Autor é filho do sinistrado FF, que tinha categoria profissional de maquinista prático de 1.ª classe e exercia funções por conta da Ré "CC — COMPANHIA DE ..., SA";

No dia 16.01.2005, pelas 09 horas, aquando da movimentação deste no convés do rebocador "C...", FF foi vítima de acidente de trabalho que lhe causou a morte;

O acidente ocorreu porque o cabo de amarração "spring" se encontrava em tensão entre o cabeço do rebocador e o cabeço do cais, partindo-se a cerca de um metro da sua extremidade em terra;

A aludida Ré nunca procedeu à inspecção dos cabos de amarração "spring" e, consequentemente, não elaborou os relatórios de verificações e ensaios aos cabos de amarração nos termos legalmente exigidos;

A Ré "CC — COMPANHIA DE ..., SA" não tomou medidas para que o sinistrado recebesse formação adequada, em especial sobre os riscos que decorriam da utilização do cabo de amarração, bem como não procedeu à colocação de uma forra na zona em que o cabo roça na muralha do cais;

A morte do sinistrado resultou da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho;

À data do acidente o sinistrado auferia a retribuição global anual de € 18.744,70 (€ 734,63 x 14 meses + € 107,80 x 11 meses de subsídio de alimentação + € 36,74 x 14 meses de diuturnidades + € 554,09 x 12 meses de horas extraordinárias + € 9,22 x 12 meses de outras remunerações).

A Ré "CC – COMPANHIA DE ..., SA" tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA", em função de tal salário.

Pede que a Ré "CC – COMPANHIA DE ..., SA" seja condenada a pagar à Autora a pensão anual e vitalícia de € 18.744,70, a partir de 17.01.2005, bem como o subsídio por morte, no montante de € 2.248,20, e ao Autor a pensão anual temporária de € 18.744,70, desde 17.01.2005, bem como o subsídio por morte no montante de € 2.248,20, quantias acrescidas de juros de mora; ou, subsidiariamente, a Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA" condenada a pagar à Autora a pensão anual e vitalícia de € 5.623,41, a partir de 17.01.2005, bem como o subsídio por morte no montante de € 2.248,20, e ao Autor a pensão anual temporária de € 3.748,94 desde 17.01.2005, bem como o subsídio por morte no montante de € 2.248,20, quantias estas acrescidas de juros de mora.

A Ré "CC – COMPANHIA DE ..., SA" contestou, alegando, em síntese, que não infringiu qualquer norma legal, não tendo a causa da morte do sinistrado resultado da falta de observação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho. Mais alegou que os valores peticionados pelos Autores nunca seriam devidos nos termos peticionados.

Conclui requerendo o chamamento da sociedade GG, Lda, a quem contratou a prestação dos serviços de segurança, higiene e medicina no Trabalho e pugnando pela sua absolvição dos pedidos contra si formulados.

Por seu turno, sustentou a Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA", que a Ré "CC – COMPANHIA DE ..., SA" desrespeitou as regras de segurança, sendo tal desrespeito causa exclusiva do acidente.

Conclui pugnando pela condenação da Ré "CC - COMPANHIA DE ..., SA" na reparação do acidente e pela sua responsabilidade apenas subsidiária.

Por seu lado, o Instituto de Segurança Social requereu a condenação das Rés no pagamento da quantia de € 24.693,92, acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas na pendência da acção, bem como dos respectivos juros de mora legais desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Alegou para tanto ter pago a aludida quantia aos Autores no período de Outubro de 2005 a Abril de 2007 a título de pensões de sobrevivência.

A Ré CC respondeu, pugnando pela improcedência do pedido de reembolso formulado e a sua absolvição do mesmo.

Por despacho oportunamente proferido foi aceite o requerido chamamento para intervenção acessória da "GG" e determinada a sua citação, a qual, uma vez citada, veio a apresentar o articulado constante de fls. 523 a 529 dos presentes autos.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e,

Proferiu-se sentença cujo segmento decisório foi o seguinte:

 «Por tudo quanto se deixa exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a. condena a Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA" no pagamento, à Autora, desde 17 de Janeiro de 2005, de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 5.623,41 (cinco mil seiscentos e vinte e três Euros e quarenta e um cêntimos) até perfazer a idade da reforma por velhice, sendo que, a partir desta data terá direito a receber uma pensão anual e vitalícia no valor de €7.497,88 (sete mil quatrocentos e noventa e sete Euros e oitenta e oito cêntimos);

b. condena a Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA" no pagamento, ao Autor, desde 17 de Janeiro de 2005, de uma pensão anual no valor de € 3.748,94 (três mil setecentos e quarenta e oito Euros e noventa e quatro cêntimos) até que perfaça 25 anos de idade e enquanto frequente o ensino superior;

c. a cada uma das pensões já vencidas acrescem os juros legais desde a data de vencimento de cada uma delas;

d. condena a Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA" a pagar à Autora, a título de subsídio por morte, o valor de € 2.248,20 (dois mil duzentos e quarenta e oito Euros e vinte cêntimos), quantia à qual acrescem juros legais, desde 17 de Janeiro de 2005, até efectivo e integral pagamento;

e. condena a Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA" a pagar ao Autor, a título de subsídio por morte, o valor de € 2.248,20(dois mil duzentos e quarenta e oito Euros e vinte cêntimos), quantia à qual acrescem juros legais, desde 17 de Janeiro de 2005, até efectivo e integral pagamento;

f. condena a Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA" a pagar ao Instituto de Segurança Social a quantia de €74.118,88 (setenta e quatro mil cento e dezoito Euros e oitenta e oito cêntimos), bem como as quantias que venham a ser pagas, após Abril de 2010, na pendência da presente acção, a título de "pensão de sobrevivência" aos Autores, acrescida de juros, à taxa legal, desde 19 de Janeiro de 2009 e até integral e efectivo pagamento;

g. determina que às quantias a pagar pela Ré "EE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA" aos Autores seja deduzido o montante referido em f);

h. absolve as Rés do demais peticionado».

Inconformados, os Autores recorreram da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se acordou, por unanimidade, em confirmar a decisão recorrida.

Mais uma vez irresignados, os Autores interpuseram recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1- Um cabo de amarração é potencialmente perigoso, não por si, mas pela utilização que lhe é dada pela 1.ª R. Como tal, deve ser sujeito a apertado controlo por parte desta, pois pode pôr em causa a saúde dos seus trabalhadores.
2- O controlo dos cabos de amarração como o que está em causa nos presentes autos feito pela primeira R. era manifestamente insuficiente para aferir da segurança da utilização e do estado dos mesmos.
3- O cabo rebentou, além de se encontrar em tensão entre o cabeço do rebocador e o cabeço do cais (cfr. ponto n.° 12 da matéria assente), pelo seu estado (Cfr. ponto 52 da matéria dada como assente).
4- Está assente que o cabo não se encontrava em boas condições, pois caso estivesse não teria rebentado.
5- O cabo tinha três meses de uso (Cfr. ponto 15 da matéria dada como assente), sendo certo que este tipo de cabos são mudados, em regra, de cinco em cinco meses, consoante o seu estado e utilização (Cfr. n° 14 da matéria dada como assente).
6- O cabo que rebentou e vitimou o sinistrado já tinha ultrapassado mais de metade da sua vida útil previsível, o que implicava cuidados redobrados no controle do seu estado por parte da primeira R.
7- Este tipo de cabos permanecem no cais, por norma dobrados, e não no rebocador, enquanto existem operações de desatracação e atracação, conforme resulta do n° 6 da matéria dada como assente, o que significa que nas manobras de atracação, como aquela em que se deu o rebentamento do cabo em causa nos presentes autos, a tripulação não tem capacidade para sequer proceder à vistoria visual do cabo (entendida pela Meritíssima Juiz do Tribunal de primeira instância como suficiente), pois este está no caís, fixo/encapelado a um cabeço aí existente e é com a ajuda de um craque ou mãozinha que o marinheiro o alcança e, posteriormente, procede ao encapelamento do outro extremo do cabo no próprio rebocador (Cfr. n°s 5 e 8 da matéria dada como assente).
8- Nesse momento, o próprio marinheiro só tem acesso à extremidade do cabo e não à sua totalidade, nomeadamente aos pontos de contacto com a muralha.
9- Não ficou provado quanto tempo antes da manobra de atracação é que a verificação do cabo foi feita, e em que condições, nomeadamente, se era noite ou dia.
10- Entre a saída do rebocador C... do dito cais e a sua chegada e respectiva manobra de atracação poderá o cabo ter sido usado por um ou mais rebocadores e em circunstâncias desconhecidas, nomeadamente, altura da maré, vento, etc, pela tripulação do C....
11 - A "verificação diária” do estado dos cabos não era feita imediatamente antes da utilização dos mesmos, pelo que não pode deixar de concluir-se que a primeira R. violou efectivamente as regras de segurança no trabalho relativamente à utilização do cabo de amarração.
12- Bastaria que a 1.ª R. tivesse um trabalhador disponível no cais - local onde fica este tipo de cabos - no momento das manobras de atracação (como é comum ver-se nas manobras de atracação dos cacilheiros, por exemplo) que pudesse manusear e verificar o estado dos cabos antes de estes serem utilizados em cada manobra.
13- Estando provado que o cabo rebentou pelo seu estado, enquanto estava a ser utilizado em circunstâncias normais, faz ressaltar à evidência que, caso o dito cabo tivesse sido verificado antes, não teria chegado a ser utilizado e não se teria verificado o acidente em causa nos presentes autos.
14- O acidente só se deu porque a 1ª R. descurou a verificação do estado do cabo de amarração antes de este ser utilizado, numa altura em que o cabo já tinha chegado aos dois terços da sua vida útil previsível, ou seja, numa altura em que o risco da utilização do cabo era maior do que uns meses antes.
15- Os usos da primeira R. quanto à verificação dos cabos de amarração dado como assente é, no mínimo, temerário e não é compatível com a segurança dos seus trabalhadores expostos nos rebocadores.
16- A colocação das forras nos cabos tem como objectivo prolongar a vida útil dos cabos, pelo que, se a forra prolonga a vida útil dos cabos, é porque os protege.
17- A 1ª R. veio dizer que é sua política a não utilização de forras nos cabos, mas ter-se-á esquecido que existem fotografias do rebocador C... nos autos, tiradas à data do acidente (Cfr. fls. 88, 89 e 90) nas quais se vê nitidamente o uso de forras nos cabos de rebocagem, para protecção dos mesmos na zona em que roçam com um tubo de ferro do rebocador.
18- A não utilização de forras na zona em que esta roça com a muralha por parte da 1.ª R. é, portanto, intencional por parte desta. O fundamento é que não colhe, nomeadamente pelo contraste com a utilização de forras nos cabos de rebocagem em zonas em que estes roçam com mais frequência.
19- O que é um facto notório é que tal atitude contribui e contribuiu no caso do acidente dos autos para o próprio acidente, pois caso tivesse forra e tivesse tido a mesma utilização que teve sem a forra na zona em que roçava com a muralha, certamente estaria em melhor estado e não se teria partido naquela fatídica utilização.
20- A violação das regras de segurança por parte da primeira R. nomeadamente no que diz respeito à utilização e verificação do estado do cabo de amarração foi a causa directa e necessária para a produção do acidente que vitimou o marido da ora recorrente.
Pelo que deve o douto Acórdão ser revogado, por haver lugar ao agravamento das prestações devidas à recorrente e ao seu filho, nos termos dos arts. 18°, n° 1, alínea a) e 37°, n° 2, da Lei n° 100/97, de 13/09, devendo a 1.ª R. ser condenada a pagar à recorrente AA a pensão anual e vitalícia actualizável de € 18.744,70 a partir de 17/01/2005 e ser condenada a pagar ao filho da recorrente BB a pensão anual temporária de € 18.744,70, desde 17/01/2005 enquanto este frequentar o ensino superior e/ou até aos 25 anos, ao abrigo no disposto na alínea a), do n° 1, do art. 18° e alínea c), do n.° 1, do art° 20, da Lei n° 100/97, de 13/09.
Preceitos estes que foram violados no douto Acórdão.
Nestes termos e nos mais de direito, nomeadamente, e com sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências, como é de JUSTIÇA».

A 1.ª R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo:
«A) - Os cabos de amarração devem reunir determinadas características garantidas pelos seus fornecedores e foi o caso do cabo "spring" dos autos que nada se provou que as não possuísse;
B) - A perigosidade potencial destes cabos é aquela que resulta do exercício da actividade para que foram concebidos e não outra;
C) - O controlo destes cabos faz-se pela garantia das características (e fez-se); faz-se pela sua substituição após o termo da vida útil (estava a meio); e faz-se pela verificação visual "ín loco" por parte dos elementos da tripulação (mestre e marinheiros) que os utilizam diariamente (e fez-se);
D) - O cabo rebentou por alguma eventual maior tensão a que foi sujeito, pela força da máquina do rebocador e não rebentou pelo seu uso, uma vez que estava a metade da sua vida útil normal e nada se provou quanto a um desgaste anormal. Como nada se provou sobre qualquer deterioração que fosse visível;
E) - A estadia dos cabos de amarração no cais é o seu estado natural de utilização, competindo às tripulações e só a estas zelar pelo seu bom estado e substituição quando após, um maior ou mais rápido desgaste, tal se verificar e justificar;
F) - Os marinheiros e demais membros da tripulação têm acesso à totalidade da extensão dos cabos e não apenas à extremidade;
G) - A matéria das conclusões 9 e 10 da Recorrente não foi sequer alegada e muito menos provada e a ela competia fazê-lo;
H) - A verificação dos cabos era feita diariamente (e ficou provado que neste caso foi) pelas tripulações (no caso pela tripulação do "C...") e não foi verificada/provada qualquer anomalia deteriorante;
I) - Um trabalhador disponível no cais seria pretender um "polícia" para vigiar outro "polícia" e o caso dos cacilheiros nada tem a ver com o caso dos autos. Nos cacilheiros existe uma actividade contínua de “vai e vem" constante de passageiros a embarcar e a desembarcar, sendo que o pessoal que permanece no cais tem por função, não a verificação específica dos cabos de atracação/desatracação, mas sim a colocação de pranchas de acesso e o auxílio e a ajuda aos passageiros que ali afluem para entrar e sair destas embarcações de transporte fluvial;
J) -A verificação do cabo seria sempre em qualquer modo de tempo, de lugar e de circunstância, da responsabilidade da tripulação e o seu estado, no que era visível, não alertou os membros da tripulação (mestre, marinheiros e maquinistas) para qualquer anormalidade de estado, de uso ou de utilização);
K) - A Ré/Recorrida não tinha, como bem decidiram as Instâncias, qualquer outro meio visual ou técnico ao seu dispor para a todo o momento poder inspeccionar os cabos. Não tinha, não tem e ele é inexistente;
L) - Quanto à existência ou não de forras nos cabos, ficou provado que elas não são utilizadas por serem maiores as desvantagens do que as vantagens. Nem as alegadas fotografias de que fala a Recorrente têm algo a ver com os rebocadores e, no caso, com o "C...";
M) - Em suma, a Ré/Recorrida não violou qualquer regra, norma ou princípio sobre segurança a bordo;
N) - Não tendo violado regas de segurança não há direito ao agravamento das prestações pretendidas pelos decorrentes e reclamadas no final do recurso de Revista que interpõem para o STJ.
Termos em que, negando provimento à revista e decidindo pela manutenção do decidido pelas Instâncias, se fará a costumada Justiça.»

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da Revista.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar a questão que se coloca à apreciação, que é a de saber se o acidente dos autos se verificou em consequência de violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora.

II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os seguintes:

1) Entre o sinistrado GG e a Ré CC Companhia de ..., S.A. foi celebrado um contrato de trabalho, em 01/02/2002, desempenhando aquele as funções de maquinista prático de 1.ª classe, nas instalações da 1.ª Ré, conforme escrito de fls. 114 dos autos (Alínea A) dos Factos Assentes);

2) No dia 16.01.2005, pelas 9 horas, na execução das funções referidas em 1), sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, quando o rebocador C... efectuava a atracação ao Cais da Rocha de Conde de Óbidos, em Lisboa, foi atingido na cara, pescoço e tórax pelo cabo de amarração "spring" (Alínea B) dos Factos Assentes);

3) Porque o cabo de amarração se partiu fazendo efeito de mola (Alínea C) dos Factos Assentes);

4) FF movimentava-se no convés do rebocador, da proa para a popa, a bombordo (Alínea D) dos Factos Assentes);

5) A Ré CC procedia à manobra de encapelamento do cabo do rebocador para o cais, com o recurso de um croque, ou mãozinha, para alcançar o cabo cuja alça se encontra encapelada no cabeço do cais e proceder ao encapelar do outro extremo do cabo no próprio rebocador (Alínea E) dos Factos Assentes);

6) Tal exige que o cabo de amarração permaneça sempre no cais, por norma dobrado, e não no rebocador, enquanto existem operações de desatracação e atracação (Alínea F) dos Factos Assentes);

7) A aproximação ao cais foi efectuada com a máquina de propulsão em "ponto morto", ou seja, não estava engrenado qualquer ponto de velocidade (Alínea G) dos Factos Assentes);

8) Aquando da atracação do rebocador o trabalhador HH encapelou o cabo de amarração no cabeço existente a bombordo (BB) à ré do casario situado a meia nau sensivelmente e orientado à popa "spring", utilizando para o efeito o croque (Alínea H) dos Factos Assentes);

9) Após esta manobra competia ao trabalhador II efectuar a amarração do lançante à proa, utilizando também o croque para puxar o cabo de amarração/lançante que está em cima da muralha (Alínea 1) dos Factos Assentes);

10) Mas antes que o fizesse o cabo de amarração spring partiu-se (Alínea J) dos Factos Assentes);

11) A cerca de um metro da sua extremidade em terra (Alínea K) dos Factos Assentes);

12) Porque se encontrava em tensão entre o cabeço do rebocador e o cabeço do cais (Alínea L) dos Factos Assentes);

13) A rotura do cabo "spring" ocorreu após a costura do mesmo junto ao cabeço do cais (Alínea M) dos factos Assentes);

14) Este tipo de cabos são mudados, em regra, de cinco em cinco meses, consoante o seu estado e a sua utilização (Alínea N) dos Factos assentes);

15) O cabo tinha cerca de 3 meses de uso (Alínea 0) dos Factos Assentes);

16) Quando necessário, os marinheiros do rebocador cortam o cabo à medida e depois efectuam as costuras, utilizando para o efeito os caveirões, de modo a que a costura possibilite que haja uma alça (Alínea P) dos Factos Assentes);

17) O cabo de amarração em causa tinha as seguintes características: era em polipropileno, marca Taurus, 8 strand (4x2 strand), com 44 milímetros de diâmetro, com um peso por cada 100 metros de 87,5 Kg e uma capacidade de carga mínima de 24,8 Toneladas (MBL-Minimal Breaking Load), conforme descrição do produto da entidade fornecedora (Cordoaria ... SA) (Alínea Q) dos Factos Assentes);

18) O rebocador era propriedade da JJ, S.A, e foi fretado à CC desde 1 de Julho de 2002 (Alínea R) dos Factos Assentes);

19) Tinha as seguintes características: número de matrícula - LX-; ano de construção – 1970 - comprimento total - 33,00 metros; comprimento entre perpendiculares (perpendiculares são duas rectas normais à linha de água projectada, contidas no plano diametral e traçadas em dois pontos especiais na proa e na popa, no desenho de linhas do navio) – 30,00 metros; - boca máxima (é a maior largura do casco medida entre as superfícies externas do forro exterior ou do verdugo, se existir) (ossada) – 8,50 metros; -          pontal (distância vertical medida sobre o plano diametral e a meio-navio, entre a linha recta do vau do convés principal e a linha da base moldada) – 4,30 metros; - calado (é, em qualquer ponto que se tome, a distância vertical entre a superfície da água e a parte mais baixa do navio naquele ponto) - 4,60 metros; G.T."gross tonnage" (tonelagem bruta) - 204,64 - N.T."net tonnage" (tonelagem líquida) – 61,39 - imersão a vante - 2,55 metros; -   imersão a meio - 3,25 metros; - imersão a ré - 3,95 metros; - deslocamento (é o peso da água deslocada por um navio flutuando em águas tranquilas) -- 385 toneladas; - sistema de propulsão - motor diesel MWM (sobrealimentado), modelo TBRHS --345 A; - potência - 2160 BHP (1590 Kw) 1450 rpm; - hélice - 1 em bronze, 4 pás, passo esquerdo; - leme - tubeira Kort orientável; - velocidade - 13,30 nós; - força de tracção - 35 toneladas - sistema de reboque e manobra - gato fixo WiltonlLisnave (120 tons), molinete 2,0 toneladas, cabrestante e lança cabos (Alínea S) dos Factos Assentes);

20) A Ré CC não elaborou relatórios de verificações e ensaios aos cabos de amarração (Alínea T) dos Factos Assentes);

21) A Ré CC contratou a prestação dos serviços de segurança, higiene e medicina no trabalho à chamada GG, Lda (Alínea H) dos Factos Assentes);

22) Antes da data referida em 2) a GG, Lda. não realizou qualquer auditoria; relatório de actividade ou avaliação de riscos (físicos, mecânicos; tecnológicos) a qualquer rebocador ou embarcação ao serviço da ré CC (Alínea V) dos Factos Assentes);

23) Em consequência do referido em 2), FF sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 292 a 299, que aqui se dá por integralmente reproduzido (Alínea W) dos Factos Assentes);

24) Lesões que foram causa directa e necessária da sua morte, a 16.01.2005 (Alínea X) dos Factos Assentes);

25) À data referida em 2) FF auferia a retribuição anual global de € 18.744,70, sendo: a. € 743,63 de salário base x 45 meses; b. € 107,80 de subsídio de alimentação + 11 meses; c. € 63,47 de diuturnidades x 14 meses; d. € 554,09 de horas extraordinárias x 12 meses; e. 9,22 de outras remuneração x 12 meses (Alínea Y) dos Factos Assentes);

26) O casamento da Autora AA e do sinistrado GG, em 19 de Outubro de 1969 e a dissolução, por óbito do marido, a 16 de Janeiro de 2005, encontra-se registada no assento de nascimento daquela, a fls. 52 dos autos, (Alínea Z) dos Factos Assentes);

27) O Autor BB é filho do sinistrado FF, tendo nascido a … de … de …, conforme certidão do respectivo assento de nascimento, a fls. 46,  e é estudante universitário (Alínea AA) dos Factos Assentes);

28) A CC, S.A. tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a 2.ª ré, EE, Companhia de Seguros, S.A. por contrato titulado pela apólice n.° …, em função do salário de € 18.744,70 (Alínea AB) dos Factos Assentes);

29) O sinistrado FF era beneficiário da Segurança Social (Alínea AC) dos Factos Assentes);

30) Quando o rebocador efectuava a manobra de atracação ao referido cais as condições de acostagem eram de vento fraco (Resposta ao art.° 1° da Base Instrutória);

31) A corrente era nula (Resposta ao art.° 2° da Base Instrutória);

32) A maré tinha cerca de 1:30 horas de vazante (Resposta aos art.°s 3° e 48° da Base Instrutória);

33) Dos alojamentos não existe passagem interior para a casa das máquinas (Resposta ao art.° 5° da Base Instrutória);

34) A manobra de acostagem ao cais efectuou-se a bombordo (BB) (Resposta ao art.° 7° da Base Instrutória);

35) Inexistiam embarcações acostadas à proa (Resposta ao art.° 9° da Base Instrutória);

36) O leme foi posicionado a 10 graus a estibordo (EB) (Resposta ao art.° 11° da Base Instrutória);

37) O rebocador ao acostar ia com algum seguimento para vante (não mais de 1 m/s - metro/segundo) (Resposta ao art.° 12° da Base Instrutória);

38) O referido em 2) ocorreu antes da amarração do lançante à proa (Resposta ao art.° 15° da Base Instrutória);

39) A primeira fase de acostagem da embarcação efectuou-se à conta da capacidade do cabo de amarração, mas com o auxílio do leme, para quebrar o movimento da embarcação (Resposta ao art.° 16° da Base Instrutória);

40) Os cabos de amarração são auxiliares da manobra de parar o movimento das embarcações (Resposta ao art.° 17° da Base Instrutória);

41) As sucessivas atracações poderem danificar os cabos de amarração pelo contínuo roçar do seu seio na muralha do cais (Resposta ao art.° 19° da Base Instrutória);

42) Deteriorando-os ao ponto de entrarem em rotura e rebentarem (Resposta ao art.° 20° da Base Instrutória);

43) O contacto do seio do cabo com o rebordo da muralha foi um dos factores que levou à rotura do cabo de amarração "spring" (Resposta ao art.° 21° da Base Instrutória);

44) Sobre a qual esta exerceu fricção (Resposta ao art.° 22° da Base Instrutória);

45) A Ré CC não procedeu à colocação de uma forra na zona em que o cabo roça na muralha do cais, junto à sua alça (Resposta ao art.° 23° da Base Instrutória);

46) As várias tripulações verificavam diariamente os cabos de amarração "spring" que utilizavam (Resposta ao art.° 25° da Base Instrutória);

47) A Ré CC não submeteu os cabos spring que utilizava a ensaios (Resposta ao art.° 26° da Base Instrutória);

48) No ano de 2003 a Ré CC elaborou relatório de segurança, higiene e saúde no trabalho relativo aos escritórios da mesma (Resposta ao art.° 27° da Base Instrutória);

49) Existe um manual de segurança a bordo (Resposta ao art.° 41° da Base Instrutória);

50) A Ré CC não informou o sinistrado FF das condições de utilização dos cabos de amarração (Resposta ao art.° 42° da Base Instrutória);

51) A Ré CC não promoveu a formação aos trabalhadores e tripulantes dos rebocadores ao seu serviço (incluindo o "C...") sobre aquele tipo de equipamento (condições de utilização do cabo e riscos subjacentes a tal utilização) (Resposta ao art.° 46° da Base Instrutória);

52) O cabo rebentou, além do referido em 12), pelo seu estado (Resposta ao art.° 47° da Base Instrutória);

53) O espaço de acostagem não tinha mais de 45 metros entre as embarcações ali acostada (Resposta ao art.° 49° da Base Instrutória);

54) Pelo que a acostagem obrigava à inversão do sentido de marcha do rebocador (Resposta ao art.° 50° da Base Instrutória);

55) Para quebrar o movimento à vante e estabilizar o rebocador (Resposta ao art.° 51° da Base Instrutória);

56) A Ré CC preparou e divulgou junto das suas tripulações o manual de segurança existente a bordo do rebocador (Resposta ao art.° 53° da Base Instrutória);

57) O posto de trabalho do sinistrado era dentro da casa da máquina (Resposta ao art.° 54° da Base Instrutória);

58) E não no convés do rebocador (Resposta ao art.° 55° da Base Instrutória);

59) Uma vez que o rebocador se encontrava em manobra (Resposta ao art.° 56° da Base Instrutória);

60) O sinistrado FF não participava nas operações de atracação e manuseamento dos cabos (Resposta ao art.° 57° da Base Instrutória);

61) O sinistrado não usava capacete ou qualquer meio ou equipamento de segurança (Resposta ao art.° 58° da Base Instrutória);

62) Existia no "C..." capacete (Resposta ao art.° 59° da Base Instrutória);

63) Sem que o mestre se tivesse apercebido da sua presença no convés (Resposta ao art.° 60° da Base Instrutória);

64) O cabo entra em tensão após estar estabelecido entre o cabeço do cais e o cabeço do rebocador (Resposta ao art.° 61° da Base Instrutória);

65) E o mestre ter dado um ponto de máquina a vante para o rebocador acostar ao cais (Resposta ao art.° 62° da Base Instrutória);

66) Sendo consequência directa e necessária da manobra de acostagem operada (Resposta ao art.° 63° da Base Instrutória);

67) O cabo em tensão não partiu pela alça feita pelos marinheiros (Resposta ao art.° 64° da Base Instrutória);

68) O cabo foi verificado pela tripulação (Mestre) do rebocador (Resposta ao art.° 65° da Base Instrutória);

69) O roçar na muralha é próprio do uso corrente dos cabos (Resposta ao art.° 66° da Base Instrutória);

70) O cabo com forra roçaria/roçará sempre na muralha (Resposta ao art.° 67° da Base Instrutória);

71) A Ré proporcionou ao sinistrado cursos de formação na área dos primeiros socorros e segurança a bordo, ministrados pela escola de Pedrouços (Resposta ao art.° 68° da Base Instrutória);

72) Os conhecimentos do manuseamento dos cabos e consequências da sua deficiente utilização foram adquiridos com a cédula marítima necessária ao exercício das funções do sinistrado (Resposta ao art.° 69° da Base Instrutória);

73) A Autora AA, por si e em representação do Autor BB, requereu junto do ISS/CNP as prestações por morte do sinistrado FF (Resposta ao art.° 70° da Base Instrutória);

74) Até Abril de 2007 o ISS/CNP pagou aos Autores a título de pensões de sobrevivência e por referência ao período de Outubro de 2005 até tal data o montante global de € 24.693,92, cifrando-se tal montante global em Abril de 2010 no montante de € 74.118,88 (Resposta ao art.° 71° da Base Instrutória);

75) Em Maio de 2007 o valor mensal de tal pensão se cifrava em € 857,64 para a Autora AA e € 258,88 para o Autor BB, cifrando em Abril de 2010 tais montantes em € 906,27 e € 302,09, respectivamente (Resposta ao art.° 70° da Base Instrutória).

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

A obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil, tem como suposição, para além da verificação do facto, que este seja imputável ao lesante a título de culpa e que exista um nexo de causalidade entre o mesmo facto (ilícito) e um resultado (danoso) (art.s 483º e 563º do CC).

O primeiro requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é, pois, que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído. Como sucederá, em termos gerais, se o agente, na situação concreta, podia, e devia, ter agido de modo a não cometer o ilícito e não o fez.

O nosso Código Civil, no tocante à culpa, quer no âmbito da responsabilidade extra-obrigacional (art. 487º, n.º 2), quer no da responsabilidade obrigacional (art. 799º, n.º 2) manda apreciá-la em abstracto, isto é, segundo «a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso». Assim, existirá culpa sempre que o agente não proceda como procederia, no caso concreto, uma pessoa normalmente diligente.

O segundo requisito para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º).

A obrigação de indemnizar, em qualquer dos casos, tem por finalidade reparar um dano ou prejuízo, ou seja, «toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, tanto de carácter patrimonial (desvantagem económica), como de carácter não patrimo­nial (relativos à vida, à honra, ao bem estar, etc.) [M J. Almeida Costa, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª ed., pg. 171). Acresce que o «obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (art. 562º do CC).

Sucede, porém, que a reparação não abrange, indiscriminadamente, todos e quaisquer danos, mas tão-somente os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir. Com efeito, estipula o já citado art. 563º do CC que «a obrigação de indem­nização só existe em relação aos danos que o lesado prova­velmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

A nossa lei acolheu, nesta matéria, a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente [I. G. Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., pg. 404. e ss].

Temos, pois, que «a ideia fulcral desta doutrina é a de que se considera causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequa­da a produzi-lo. Torna-se necessário, portanto, não só que o fac­to se revele, em concreto, condição “sine qua non” do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção» [M J. Almeida Costa, in Ob. Cit., pg. 172].

Na verdade, para se saber se estamos perante uma relação de causalidade adequada, diz A. Varela que formulou ENNECCERUS-LEHMANN a teoria de que «o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (gleichgultig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto» [Das Obrigações em Geral, I, 3.ª ed., pg.761].

E no ensinamento do mesmo A. Varela «a doutrina mais criteriosa, quando a lesão proceda de facto ilícito (contratual ou extracontratual), é a da formulação negativa correspondente ao ensinamento de ENNECCERUS-LEHMANN, será essa a posição que, em princípio, deve reputar-se adoptada no nosso direito constituído» [Obra Citada, pg. 772].

No caso vertente, nenhuma dúvida se suscita quanto à verificação do evento — embate do cabo de amarração do rebocador no corpo do trabalhador — nem dúvida sobre o resultado danoso de tal evento, que se traduziu na morte do sinistrado. E porque tudo se verificou no local e no tempo de trabalho, é quanto basta para se concluir que o decesso do trabalhador ocorreu no âmbito de um acidente de trabalho.

Porém, importa verificar se o acidente de trabalho dos autos se deveu a conduta culposa da entidade empregadora, como defendem os Autores, ora Recorrentes, para efeitos de saber se aquela deve ser responsabilizada pelo pagamento de prestações agravadas no seu montante.

Decorre do artigo 120.º do CT de 2003 (art. 127.º do CT 2009) que são deveres do empregador, entre outros, os de «proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral»; «prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo de acidentes de trabalho» e «adoptar, no que respeita à higiene, segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram, para a empresa, estabelecimento ou actividade, da aplicação das prescrições legais e convencionais vigentes» [alíneas c), g) e h)].

Estes deveres da entidade empregadora em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, enunciados no Código do Trabalho, foram mais amplamente tratados no Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro [revogado e substituído pela Lei de 102/2009, de 10 de Setembro], designadamente quanto à prevenção dos riscos, adopção de medidas, informação, instrução, consulta e formação dos trabalhadores e obrigações que a estes competem.

Temos, assim, que em face das disposições legais, o empregador se mostra adstrito, por força do vínculo laboral, à observância das normas em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, com vista a prevenir os riscos emergentes da violação dessas regras.

Muito embora deva existir um compromisso no seio da empresa entre empregador e trabalhador no sentido de obstar à preterição das regras de segurança, a responsabilidade principal recai sobre a entidade empregadora a quem compete prevenir os riscos, estabelecer as normas e fazê-las cumprir pelo trabalhador.

Assim, nos termos do artigo 18.º e seguintes da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (ainda aplicável ao caso dos autos) se o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, a entidade empregadora responderá pelo pagamento de prestações agravadas nos termos aí descritos, sem prejuízo de responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral e da responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido.

Aqui chegados, em face da facticidade que resultou definitivamente assente, cabe indagar se a Ré empregadora actuou com negligência ou se violou regras de segurança que, ao abrigo da doutrina acima descrita, tenham sido a condição para que o evento que vitimou o trabalhador se tivesse verificado.

Os Recorrentes batem-se por demonstrar a culpa da Ré empregadora, alegando que um cabo de amarração é potencialmente perigoso na utilização e o seu controlo por aquela Ré era manifestamente insuficiente, sendo que o cabo rebentou, além de se encontrar em tensão, pelo seu estado, não se encontrando em boas condições, pois caso estivesse não teria rebentado.

Alega mais que o cabo tinha três meses de uso, já tendo ultrapassado mais de metade da sua vida útil previsível, o que implicava cuidados redobrados no controle do seu estado por parte da Ré e não ficou provado quanto tempo antes da manobra de atracação é que a verificação do cabo foi feita, e em que condições.

Acrescenta que a "verificação diária” do estado dos cabos não era feita imediatamente antes da utilização dos mesmos, nem existia a colocação das forras nos cabos, o que contribuiu no caso dos autos para o próprio acidente, pois caso tivesse forra e tivesse tido a mesma utilização que teve sem a forra na zona em que roçava com a muralha, certamente estaria em melhor estado e não se teria partido naquela fatídica utilização.

E conclui que a violação das regras de segurança por parte da primeira Ré nomeadamente no que diz respeito à utilização e verificação do estado do cabo de amarração foi a causa, directa e necessária, para a produção do acidente que vitimou o sinistrado.

Ora, os Recorrentes invocam na sua alegação circunstâncias e fazem deduções que a crueza dos factos provados não consente.

Com efeito, não está provado que um cabo de amarração seja potencialmente perigoso na sua utilização, nem que o seu controlo pela primeira Ré fosse manifestamente insuficiente.

O facto de o cabo já ter três meses de uso, já tendo ultrapassado mais de metade da sua vida útil previsível, não permite concluir que implicasse cuidados redobrados no controle do seu estado por parte da primeira Ré, pois se o tempo de duração era de cerca de cinco meses é suposto que oferecia condições de segurança até esse limite.

É verdade que se deu como provado que o cabo se partiu devido ao seu estado, mas, não se tendo apurado concretamente qual o estado do cabo, está-se em face de uma conclusão que não assenta em qualquer premissa e, por isso, é irrelevante e inatendível.

É também certo que a 1.ª Ré não usava colocar forras nos cabos, mas não está provado que isso contribuiu no caso dos autos para o próprio acidente, nem tão-pouco que as forras diminuíssem o risco de acidente, pois, como se refere na sentença da 1.ª instância, até fora referido pelas testemunhas que o uso das forras comportava mais inconvenientes do que vantagens, por cobrirem o cabo nessa parte e não permitirem visualizar eventuais deteriorações.

Também não está provado que a "verificação diária” do estado dos cabos não fosse feita imediatamente antes da utilização dos mesmos, pois que os factos até sugerem o contrário, por estar provado que as várias tripulações verificavam, diariamente, os cabos de amarração "spring" que utilizavam. Fazendo todo o sentido que o fizessem antes da utilização e não depois. Aliás, no caso vertente o cabo foi verificado pela tripulação (Mestre) do rebocador.

Por outro lado, é necessário não olvidar que o posto de trabalho do sinistrado era dentro da casa da máquina e não no convés do rebocador, dado que o rebocador se encontrava em manobra e foi no convés que o sinistrado veio a ser atingido pelo cabo que se partiu.

O sinistrado FF não participava nas operações de atracação e manuseamento dos cabos, sendo atingido acidentalmente pelo cabo nas descritas circunstâncias.

Não permitem, deste modo, os factos concluir por qualquer comportamento culposo da entidade empregadora ou por violação de regras de segurança, designadamente em relação às funções que competiam ao sinistrado, no momento em que se verificou o fatídico acidente.

De resto, até se provou que aquela promoveu formação aos trabalhadores e tripulantes dos rebocadores ao seu serviço (incluindo o "C...") sobre aquele tipo de equipamento (condições de utilização do cabo e riscos subjacentes a tal utilização) e preparou e divulgou junto das suas tripulações o manual de segurança existente a bordo do rebocador.

E ao próprio sinistrado a Ré proporcionou cursos de formação na área dos primeiros socorros e segurança a bordo, ministrados pela escola de Pedrouços.

O que mostra que as regras de segurança no trabalho faziam parte das suas precauções.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a Revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 16 de Novembro de 2011. 

        

 Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva