ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
338/08.9TTLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/06/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SAMPAIO GOMES

DESCRITORES SANÇÃO DISCIPLINAR
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
LACUNA
ANALOGIA

SUMÁRIO I- É de caducidade o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua entidade patronal, pois trata-se de um direito que deve ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo.

II - No Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, prevê-se, de forma expressa, a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares (artigo 371.º), bem como o prazo de um (1) ano, a contar da data do despedimento, para intentar a respectiva acção de impugnação, mas é omisso quanto ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar distinta do despedimento.

III- Não contendo a lei qualquer norma aplicável à situação referida, e inexistindo qualquer preceito análogo que possa resolver a referida lacuna, quanto ao início da contagem do prazo, a integração das lacunas de lei deverá fazer-se por analogia iuris, isto é, pelo espírito do sistema jurídico, traduzindo-se na criação de norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.

IV - Atendendo a que com a impugnação judicial de uma sanção disciplinar se visa obter a sua anulabilidade, estabelecendo a lei geral (art. 287.º do Código Civil) o prazo de um ano prazo para a impugnação das invalidades, e que é, também, esse o prazo que o art. 435.º do Código do Trabalho de 2003 fixa para a sanção especifica do despedimento, as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, na vigência do CT, devem ser judicialmente impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor, sob pena de caducidade desse direito.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:                                                      

I)

            1. AA intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa processo declarativo comum contra Companhia Carris de Ferro de Lisboa, SA, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento, com as inerentes consequências, além do reembolso da importância que lhe foi descontada em virtude da aplicação de sanção disciplinar de dez dias de suspensão sem vencimento.

Alegou o seguinte:

-que foi alvo de um primeiro processo disciplinar, que terminou com aplicação de sanção disciplinar de 10 dias de suspensão com perda de vencimento, com a acusação de, em 7.7.06, estando no atendimento ao público, se ter ausentado do local de trabalho; esta decisão suportou-se unicamente do depoimento de uma testemunha;

-a acusação de que era alvo nesse primeiro processo era falsa, e por isso na resposta à nota de culpa refutou as acusações;

- a sua resposta à nota de culpa não foi atendida, porque extemporânea;

-acabou por lhe ser aplicada a sanção disciplinar supra referida;

-a ré, além de não ter considerado a sua defesa neste primeiro processo disciplinar, serviu-se dela para lhe instaurar um segundo processo disciplinar;

-neste foi acusado de ter obtido a declaração supra referida mediante pressão exercida sobre o colega, no sentido de o levar a alterar o depoimento anteriormente prestado;

-que tais factos não são verdade;

-que apesar disso, a ré em 14.05.07, comunicou-lhe a aplicação da sanção disciplinar de despedimento.

A ré contestou, alegando:

-que a resposta à nota de culpa foi tida em conta no primeiro processo disciplinar;

-que, ao contrário do que refere o autor, a declaração rectificativa do colega não foi entregue no decurso desse processo disciplinar;

- a decisão disciplinar de suspensão com perda de vencimento foi comunicada ao autor em 12.12.06, e este apenas em 17.01.07 enviou por fax um documento que era acompanhado da declaração do colega, sendo esta junção completamente extemporânea;

-o segundo processo disciplinar foi baseado no facto de, após a notificação em 12.12.06 da decisão disciplinar de suspensão com perda de vencimento, o autor, já colocado noutro posto de trabalho (estação de Miraflores) se ter deslocado à secção de atendimento ao público, em Santo Amaro, cerca de oito vezes, aí se dirigindo para abordar e pressionar a testemunha e colega BB;

-visava o autor que a testemunha rectificasse as suas declarações, dizendo-lhe que estas o prejudicavam;

-finalmente levou consigo uma declaração já escrita, e onde em suma fez constar "...não declarei o que estava escrito no auto de declarações, tendo assinado sem ter lido o teor do mesmo. Mais declaro que desconheço o que se passou no dia 07 de Julho de 2006 com o meu colega...", obtendo seguidamente da testemunha a sua assinatura;

-esta conduta do autor, visando coagir a testemunha a mudar o conteúdo do depoimento, traduz uma manifesta desonestidade e violação do dever de lealdade justificativa de despedimento.

Foi proferido despacho saneador que, conhecendo da excepção de prescrição a julgou procedente, absolvendo a ré do pedido.

Esta decisão foi alvo de recurso, admitido com subida deferida.

Reconhecendo a nulidade arguida pelo recorrente, a Srª Juíza, no despacho de fls. 257 declarou que a absolvição do pedido respeitava apenas àquele que se refere à sanção disciplinar de suspensão sem vencimento, ordenando o prosseguimento dos autos para apreciação dos restantes pedidos.

Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente o pedido, absolvendo a Ré.

2. Inconformado, o A., apelou de novo, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa concedido provimento ao recurso interposto do despacho saneador, revogando a decisão na parte que julgou prescritos os créditos fundados na aplicação da sanção de dez dias de suspensão com perda de retribuição, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento da impugnação de tal sanção.       

É contra esta decisão que a Ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões:

1º. O prazo para impugnação da sanção disciplinar de 10 dias de suspensão sem vencimento, aplicada pela Recorrente ao Recorrido, é de um ano a contar da comunicação da aplicação dessa sanção.

2º . A decisão disciplinar foi comunicada ao Recorrido em 12.12.2006 e a presente acção foi intentada em 22.01.2008, pelo que, por prescrição, foi ultrapassado o prazo para o Recorrido reagir contra a sanção disciplinar que lhe foi aplicada.

3º . Ao contrário do entendimento do Acórdão em recurso, tal prazo não se inicia no dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho e nem tal prazo se suspende durante a vigência do contrato de trabalho.

4º .

O Recorrido se queria impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela Recorrente, de 10 dias de suspensão sem vencimento, teria que interpor a acção judicial até ao dia 07.12.2007, o que não fez.

5º . Como é referido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.2008, está é a solução que melhor se harmoniza com os princípios de estabilidade e certeza do direito disciplinar evitando que se fique vários anos ... sem se saber se determinada sanção se mantém ou é aplicada.

6º . E tal é assim, quer se entenda que estamos perante um prazo de prescrição ou de caducidade, quer na anterior vigência da LCT, quer na vigência do disposto no art°. 381° n°1 do C.T..

7º . Ou seja, e acompanhando o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça "afigura-‑se como mais correcta a solução de que a reclamação terá de ser feita no prazo de um ano a contar da comunicação de aplicação da sanção".

8º . De tal forma, que não se pode aceitar, como o entende o Acórdão em recurso, que a Jurisprudência do STJ e a sentença de 1ª. Instância, sejam contrárias à Lei, pelo contrário é a Jurisprudência que emana desse Venerando Tribunal que mais se adequa e harmoniza com os princípios de estabilidade e certeza do direito disciplinar laboral, logo a que se mostra em conformidade com a Lei.

9º . Assim sendo, merece censura o Acórdão em recurso, uma vez que errou na interpretação e aplicação do disposto nos art°s. 435°. n°.2 e 381°. n°. 1 do Código do Trabalho, devendo o mesmo ser revogado por outro que considere que o prazo para impugnação da sanção disciplinar de 10 dias de suspensão sem vencimento aplicada pela Recorrente ao Recorrido, é de um ano a contar da comunicação da aplicação dessa sanção.

10°. E tendo o Recorrido sido notificado dessa comunicação no dia 12.12.2006 e a acção ter entrado em juízo no dia 22.01.2008, já passou o prazo permitido, por prescrição, para o Recorrido reagir contra tal sanção disciplinar, uma vez ser esta a solução que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, o que deve ser declarado.

Termina pedindo a revogação do Acórdão da Relação.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Ex. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser concedida, com os fundamentos que, em síntese, se transcrevem:

“Foi aplicada ao A. a sanção disciplinar de 10 dias de suspensão sem vencimento, tendo-lhe sido comunicada a decisão disciplinar, em 12.12.2006.

A presente acção foi intentada em 22.01.2008, quando já havia decorrido mais de um ano a contar da data da comunicação ao infractor, daquela decisão, verificando-se, então já, a caducidade do direito de impugnar judicialmente tal sanção”.

Notificado às partes este parecer, não suscitou qualquer resposta.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, a única questão a apreciar consubstancia-se em saber qual o prazo para o exercício do direito de impugnar sanção disciplinar que não seja o despedimento: se um ano contado da data da sua aplicação, se um ano contado desde a cessação do vínculo laboral.         

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

I I)
1. É a seguinte a matéria de facto que as instâncias deram como provada:
1. A- No despacho que conheceu da questão da prescrição:
2. a-  o A. é trabalhador da R.
3. b-  a R. moveu ao A. um processo disciplinar que culminou com a decisão de aplicação da sanção de dez dias de suspensão com perda de retribuição.
4. c-  Tal decisão foi comunicada ao A. em 12/12/2006 -fls. 81 que se reproduz.
5. d-  A presente acção foi intentada em 22/1/2008.
6. B- Na sentença:
7. Da petição inicial: Artigo 1.°: O A. foi admitido ao serviço da R. em 06 de Outubro de 1981, para sob a autoridade e direcção da R. desempenhar as funções correspondentes à sua categoria profissional; Artigo 2º: O A. é sócio do STRUP - Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal;
8. Artigo 3º: Com fundamento em factos alegadamente ocorridos em 07 de Julho de 2006, a Ré instaurou contra o A. um processo disciplinar, que identificou com o n.° 261/2006, na sequência do qual lhe aplicou a sanção disciplinar de 10 dias de suspensão;
9. Artigo 4º: a ré baseou a acusação do processo referido sob o ponto 3 no depoimento do colega de trabalho do autor, Sr. BB;
10. Artigo 13°: o autor respondeu à nota de culpa que foi junta aos autos de processo disciplinar em 16/10/2006, conforme fls. 105 a 111;
11. Artigo 14°: o autor em 17/01/2007 entregou à ré uma declaração do seu colega BB que havia prestado depoimento no âmbito do referido processo disciplinar e onde constava, entre o mais ("não declarei o que estava escrito no auto de declarações, tendo assinado sem ter lido o teor do mesmo", conforme documentos de fls. 119 a 123, que se reproduzem); Artigo 17°: a ré aplicou ao autor a sanção disciplinar de dez dias de suspensão com perda de retribuição, por decisão tomada em 06/12/2006, conforme fls. 112 a 116 e notificada ao autor em 12/12/2006, conforme fls. 81, que o autor cumpriu sofrendo o desconto na sua retribuição de €: 423,68;
12. Artigo 18°: a ré instaurou um novo processo disciplinar ao autor que identificou com o n° 140/2007, notificando-o da nota de culpa em 08/03/2007, conforme fls. 165 a 167, que se reproduzem;
13. Artigo 19°: Nesta Nota de Culpa vinha o A acusado de ter pressionado o colega BB no sentido de o levar a alterar o depoimento que tinha prestado no anterior processo disciplinar instaurado ao A; Artigo 50°: em 14/05/2007 a ré comunicou ao autor a aplicação da sanção disciplinar de despedimento, conforme fls. 5 e decisão de fls. 194 a 200, que se reproduzem;
14. Artigo 60°: O Autor auferia, ao serviço da Ré, a retribuição base mensal de € 737,93, acrescida da importância mensal de € 190,38 a título de diuturnidades (docs. n°s 2 e 3);
15. Da contestação:
16. Artigo 20°: o autor recebeu a nota de culpa referente ao primeiro processo disciplinar no dia 28/09/2006;
17. Artigo 21°: na resposta à Nota de Culpa não foi junta qualquer declaração do colega de trabalho do A;
18. Artigo 22°: O A. no dia 17.01.2007 enviou àR. por fax um documento a que chamou "Resposta à decisão de suspensão do trabalhador AA", que era acompanhado de uma declaração do colega do A. (doe. 2 fls 119 a 122);
19. Artigo 27°: O A. cumpriu a sanção disciplinar nos dias 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30 e 31 de Janeiro
20. de 2007 e 1 e 2 de Fevereiro de 2007 e no recibo de vencimento de Fevereiro de 2007 foi-lhe descontada a quantia de.€ 337,92 e no recibo de Março de 2007 foi-lhe descontada a quantia de € 85,76, que perfaz o valor global de € 423,68 (does. 3 e 4 que se juntam).
21. Art. 30°:: A sanção aplicada pela ré de suspensão sem vencimento respeitou a factos de 7.7.06, na secção de atendimento ao público de Santo Amaro.
22. Art. 31°: A decisão final foi alicerçada no depoimento de BB, tendo este prestado as declarações de forma livre (fls. 148-9).
23. Art. 32°: Apôs a notificação ao autor da decisão da sanção de suspensão sem vencimento, o autor encontrando-se já a trabalhar noutro local, na Frota de Apoio em Miraflores, dirigiu-se, pelo menos sete vezes, à secção de atendimento ao público de Santo Amaro.
24. Art. 33°: E nessas vezes disse à testemunha, BB, que as declarações por ele prestadas nesse processo disciplinar lhe eram desfavoráveis, pedindo-lhe que as rectificasse.
25. Art. 34°:  Por último, dirigindo-se novamente à estação de Santo Amaro, junto da testemunha BB, entregou-lhe a declaração mencionada sob os pontos 14 e 22 da matéria provada, doe. junta a fls 122, a fim deste a assinar.
26. Art. 35°:- Tal declaração foi assinada por BB, não porque não tivesse dito o que estava no auto de declarações, mas face à insistência dos pedidos do autor manifestada nas vezes que se deslocou ao seu local de trabalho, com o objectivo de alterar o conteúdo do seu depoimento testemunhal constante no processo disciplinar.
27. Art.s 37° e 38°: O autor, através de mandatária, enviou em 17.01.07 a exposição a que se refere o art. 22° da matéria provada da constatação, doe. fls 119 a 121 que se reproduzem, acompanhada da dita declaração assinada pela testemunha BB.
28. Art. 41°: Do cadastro disciplinar do autor consta uma chamada de atenção no âmbito do processo disciplinar n° 154/84, e dez dias de suspensão sem vencimento no âmbito do processo disciplinam. D 261/2006 (fls 157).
29. Art. 45°: BB apenas assinou a declaração de fls 122 em virtude das insistências do autor nesse sentido.

Da factualidade descrita, apenas relevam para apreciação do presente recurso os factos ínsitos sob os pontos 1 a 5.                                         

2.

É aplicável ao caso dos autos, tal como foi entendido nas instâncias, sem discordância das partes, o regime do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27/08.

Conforme resulta da parte inicial, o Autor entendeu impugnar através de recurso de apelação, duas decisões da 1ª instância: a relativa à matéria exceptiva da “prescrição” que foi lavrada no âmbito do despacho saneador, e a própria sentença final.

Subindo em conjunto os dois recursos, o Tribunal da Relação concedeu provimento à 1ª apelação, interposta do despacho saneador, revogando a decisão na parte que julgou prescritos os créditos fundados na aplicação da sanção de dez dias de suspensão com perda de retribuição, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento da impugnação de tal sanção; de seguida, e em consonância com esse entendimento, considerou prejudicado o conhecimento da 2ª apelação.

Foi, agora, a Ré a revelar-se inconformada com a tese da Relação, recorrendo de revista para este Supremo Tribunal, confinando-se o recurso à decisão da Relação que recaiu sobre a apelação do saneador.

            A 1ª instância, na fase de saneamento do processo, julgou procedente a excepção da prescrição invocada pela Ré, na parte atinente à impugnação da sanção disciplinar aplicada ao Autor por facto ocorrido em 07.07.2006, entendendo que a impugnação das sanções disciplinares (que não de despedimento), na falta de disposição legal expressa sobre a questão, teria de ser feita no prazo de 1 (um) ano a contar da data em que a sua aplicação, fosse comunicada ao trabalhador (artº 38º, 1, LCT adaptado).


               A Relação por sua vez, conduzindo-se pela destrinça entre “sanções disciplinares” e “direitos de crédito”, considerou que não estabelecendo a lei um prazo para o trabalhador impugnar decisões de aplicação de outras sanções, diferentes do despedimento, estando em causa créditos cujo reconhecimento dependa de eventual procedência da impugnação da decisão que aplicou tais sanções, o prazo a considerar é o prazo geral da prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação, previsto no artº 381º,
cuja contagem só se inicia no dia seguinte à cessação.

3.

            Sendo a prescrição e a caducidade formas de extinção que o decurso do tempo provoca sobre direitos subjectivos, a sua distinção reside em que a prescrição extingue esses direitos e a caducidade torna-os inexigíveis. E não estabelecendo a lei aquele critério de distinção, esta tem de colher-se na interpretação das disposições normativas que fixam prazos para o exercício de direitos.

            Ora, na situação em apreço, o que se discute é saber qual o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pelo seu empregador.

Desta forma, se aquele direito tiver de exercer-se através de uma acção judicial, a instaurar dentro de determinado prazo, estamos no domínio da caducidade; se, ao invés, esse direito houver de ser exercido dentro de determinado prazo, a sua inobservância provoca a inexigibilidade do direito, e neste caso, fala-se de prescrição.         

            A questão, no domínio específico das sanções disciplinares laborais, tem-se revelado controversa, anotando-se sensíveis divergências sobre ela, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.                  

            De tal dissonância se faz eco no Ac.deste Supremo Tribunal, de 29.11.2005 (Sousa Grandão), que vinha já do “Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho”, aprovado pelo D.L. n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, sendo que a questão não se mostra minimamente resolvida pelo actual Código do Trabalho.

            De um lado sustenta-se, como  Pedro Romano Martinez, que esse prazo é de um ano após a data da cessação do contrato individual de trabalho, independentemente da data em que o trabalhador teve conhecimento da sanção, recorrendo-se, para o efeito, da prescrição contida no art.º 38º n.º 1 da L.C.T. (in “Direito do Trabalho”, pág. 599).

A jurisprudência do S.T.J., vem seguindo a orientação de que o prazo em apreço será de um ano após a comunicação da sanção mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado (Acs. de 22.10.2008 –rec. Nº3787/07; de 29.11.2005, Proc. Nº1703/05).

            E tal controvérsia decorre da inexistência absoluta de norma legal que, directa ou indirectamente, preveja tal questão.

            O Código do Trabalho (2003) já prevê, de forma expressa a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares (artº 371º), assim como o artº 435º do mesmo CT, no seu nº 2, regula, expressamente, o prazo para intentar a acção de impugnação do despedimento, quando rege que “A acção de impugnação deve de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, excepto no caso despedimento colectivo em que a acção de impugnação teve de ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato”.

            Ficou, assim, resolvida a questão do prazo de impugnação da sanção disciplinar do despedimento que, no regime anterior, se considerava ser o prazo de um ano a contar da data da cessação do contrato individual de trabalho, previsto no art.º 38º da L.C.T. para a prescrição dos créditos laborais.

            Contudo - apesar do ordenamento jurídico sentir a necessidade de estabelecer, nos mais variados domínios, prazos concretos para o exercício de direitos - a lei ainda continua a ser omissa no que diz respeito ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar que não seja o despedimento.

            Assim, não contendo a lei qualquer regra aplicável à situação vertente, quando é certo que deveria conter essa regulamentação, estamos perante uma lacuna de lei que tem, necessariamente que ser integrada através da analogia.

            E nesta integração jurídica, temos o caminho da analogia legis ou analogia juris, devendo fazer-se chamamento ao que dispõe o artº 10º do Cód. Civil.

E esta opção prende-se, não só com a existência de razões de paz jurídica, a reclamar que não se protele excessivamente no tempo a resolução dos litígios associados à prática de uma infracção disciplinar e à aplicação da correspondente sanção por banda da entidade empregadora, mas, desde logo face à proibição do non liquet que o artº8 do mesmo Cód. Civil impõe.

Ora, e tal como se refere no citado Ac. deste Supremo de 29.11.2005, “dadas as referidas  razões de paz jurídica nesta matéria, imperioso é concluir que o espírito do sistema jurídico — em geral e, particularmente no domínio laboral — reclama a necessidade de:

- por um lado, estabelecer um prazo para a impugnação judicial das sanções disciplinares diversas do despedimento; e

- por outro, de fazer coincidir o “dies a quo” para a sua contagem com a data da comunicação da sanção, sendo de evitar a sua transferência para o momento incerto da cessação do contrato individual de trabalho”.

            Concluindo, então, pela necessidade de aplicação analógica, tendo por norte o que o artº 10º do Cód. Civil dispõe, não se vê preceito análogo que permita encontrar a solução no nº1 do citado artº 10º isto é, através da analogia legis (da lei).

Se é certo que alguma jurisprudência tem vindo a fazer referência ao art.º 38º n.º 1 da L.C.T. — único que poderia ser eventualmente atendível — não passa por aí a aplicação analógica, pois naquela norma prevê-se expressamente que os créditos laborais prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.

E assim, a analogia seria apenas quanto à duração do prazo mas nunca quanto ao início da sua contagem. E é o início que aqui está em causa.

Desta forma, temos o recurso à integração da lacuna de lei através da analogia juris, isto é, pelo espírito do sistema jurídico, pela norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Citando agora o que se decidiu no citado Ac. deste Supremo de 29.11.2005:

“Já vimos que esse espírito exige a resolução rápida dos conflitos surgidos no âmbito do direito disciplinar laboral: é dizer que o contencioso daí resultante deve ser integralmente resolvido em período que não se distancie demasiado da prática infraccional invocada, abstraindo sempre do ciclo de vida da relação laboral.
Resta proceder à fixação do prazo.

Como a impugnação judicial de uma sanção disciplinar visa obter a sua anulabilidade, parece-nos adequado atender ao regime que a lei geral estipula para esse tipo de invalidade: o prazo de um ano, previsto no art.º 287º do Código Civil.
            De resto, é também esse prazo que o art.º 435º do actual Código de Trabalho veio expressamente fixar para uma das sanções disciplinares: a sanção específica do despedimento.
           Ainda que este preceito não seja analogicamente atendível no caso dos autos — como já referimos — é patente a similitude das situações, porque estamos no mesmo domínio do direito disciplinar laboral, e não devemos ignorar que o legislador acabou por consagrar agora, para o despedimento, uma solução que alguma doutrina e jurisprudência já vinha reclamando para a generalidade das sanções disciplinares.
          Tudo ponderado, entende-se fixar que as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, devem ser impugnadas judicialmente
no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor”.

Revertendo, agora, à situação concreta dos autos, importa concluir, em consonância com a 1ª instância, que ao Autor está já vedado impugnar judicialmente a sanção disciplinar que lhe foi aplicada em 2006 por sido notificado da aplicação daquela sanção em 12/12/2006 (ponto 4 da matéria de facto e doc. de fls. 81), e dispunha de um ano para a impugnar contado dessa notificação, sendo que só veio ajuizar a presente acção em 22.01.2008, ou seja, mais de dois anos depois.

I I I)

Em face do exposto acordam:

- em conceder provimento à revista, julgando extinto por caducidade, o direito à impugnação judicial da sanção disciplinar aplicada ao Autor em 2006 — suspensão de funções durante 10 (dez) dias, com perda de vencimento — revogando-se, nessa parte, o Acórdão da 2ª instância;

- ordenar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para conhecer do recurso interposto a fls.324-346.

Custas deste recurso, nas instâncias e neste Supremo, pelo Autor.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2011

Sampaio Gomes (Relator)

Pereira Rodrigues

Pinto Hespanhol