ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
811/06.3TDLSB-D.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/02/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO PROVIDO PARCIALMENTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR OLIVEIRA MENDES

DESCRITORES BURLA
RECEPTAÇÃO
FALSIFICAÇÃO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
PENA CUMPRIDA
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL

SUMÁRIO

I - A Lei 59/07, de 04-09, alterou a redacção do art. 78.º do CP, tendo suprimido do texto do n.º 1 a expressão “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”. Por outro lado, aditou àquele texto a expressão “sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”. Tal modificação impõe se incluam no cúmulo jurídico de penas a efectuar nos termos do n.º 1 do art. 78.º do CP, as penas já cumpridas, penas que serão descontadas na pena conjunta. E por efeito desse desconto a inclusão no cúmulo jurídico de penas já cumpridas não envolve qualquer prejuízo para o condenado, podendo, ao invés, representar significativo benefício.
II - Com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.
III - Analisando os factos dos autos verifica-se que todos eles possuem uma forte conexão, visto que traduzem uma forma de comportamento social específica, consubstanciada na assunção de condutas dirigidas à obtenção de dinheiro ou valores alheios, mediante engano, fraude e dissimulação, as quais atenta a sua multiplicidade e persistência temporal, reflectem uma personalidade com alguma propensão criminosa, se bem que circunscrita a factos delituosos contra o património e de falsificação.
IV - Com efeito, o arguido, de 96 a 99 e depois de 2003 a 2006, perpetrou múltiplos crimes de burla, receptação e falsificação, razão pela qual há que concluir não estarmos perante uma mera pluriocasionalidade. No entanto, o complexo criminoso protagonizado pelo arguido assume uma gravidade relativa, traduzida na medidas das penas parcelares aplicadas, todas elas entre 1 e 2 anos de prisão, com excepção de duas, uma de 3 anos de prisão, a outra de 2 anos e 6 meses de prisão.
V - Tudo ponderado, tendo em especial atenção a gravidade dos dois ilícitos globais e o efeito dissuasor e ressocializador que se pretende e espera que as penas exerçam, entendemos reduzir as duas penas conjuntas cominadas, a que foi fixada em 10 anos de prisão para 6 anos de prisão, e que a foi fixada em 9 anos para 8 anos de prisão.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Na 8.ª Vara Criminal de Lisboa (no âmbito do processo acima referenciado), após contraditório, foi decidido:

Condenar o arguido AA, com os sinais dos autos, como co-autor, em concurso real, de:

- 4 (quatro) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão por cada um deles;

- 6 (seis) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles;

- 3 (três) crimes de burla, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um deles;

- 1 (um) crime de tentativa de burla, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;

- 12 (doze) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º n.º 1, al. a) a c) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão por cada um deles; 

- 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a) a c), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- 1 (um) crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

Em cúmulo destas penas, ao abrigo do disposto no artigo 77.º, do Código Penal, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Absolver o arguido BB, com os sinais dos autos, da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

Condenar o arguido CC, com os sinais dos autos, como co-autor, em concurso real, de:

- 23 (vinte e três) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a) e b) e n.º 3 do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão por cada um deles;

- 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a) e b), do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão;

- 9 (nove) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão por cada um deles;

 - 1 (um) crime de coação, p. e p. pelo artigo 154.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- 8 (oito) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles;

 - 5 (cinco) crimes de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um deles;

-1 (um) crime de tentativa de burla, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;

Em cúmulo destas penas, ao abrigo do disposto no artigo 77.º do Código Penal, na pena única de 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Condenar o arguido DD, com os sinais dos autos, como co-autor, em concurso real, de:

- 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1 als. a) a c) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão por cada um deles;

 - 4 (quatro) crimes de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um deles;

- 3 (três) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles;

Em cúmulo destas penas, ao abrigo do disposto no artigo 77.º, do Código Penal, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Condenar a arguida EE, com os sinais dos autos, como co-autora, em concurso real, de:

- 2 (dois) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a) a c) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão por cada um deles;

- 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão por cada um deles;

Em cúmulo destas penas, ao abrigo do disposto no artigo 77.º do Código Penal, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, sujeito a regime de prova, devendo a arguida cumprir o plano de readaptação social a efectuar, e ainda responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego.

Absolver o arguido FF da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

Condenar o arguido GG, com os sinais dos autos, como co-autor, em concurso real, de:

- 3 (três) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão por cada um deles;

- 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- 3 (três) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles;

- 1 (um) crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º n.º 1 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão;

Em cúmulo destas penas, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

        Absolver o arguido HH da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

        Condenar o arguido II, com os sinais dos autos, como co-autor, em concurso real, de:

- 3 (três) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão por cada um deles;

 - 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena 3 (três) anos de prisão;

- 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão por cada um deles;

Em cúmulo jurídico desta penas, na pena conjunta de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sujeito a regime de prova, devendo o arguido cumprir o plano de readaptação social a efectuar, e ainda responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego.

Absolver o arguido JJ da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

Condenar a arguida KK, com os sinais dos autos, como co-autora, em concurso real, de:

- 4 (quatro) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão por cada um deles;

- 3 (três) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles;

Em cúmulo destas penas, na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

Absolver o arguido LL da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

Absolver o arguido MM da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

Condenar o arguido NN, com os sinais dos autos, como co-autor e em concurso real, de:

- 2 (dois) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão por cada um deles;

- 2 (dois) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão por cada um deles;

Em cúmulo destas penas, na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

Absolver o arguido OO da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

Absolver o arguido PP da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

Absolver o arguido QQ da prática de todos os crimes pelos quais estava pronunciado.

Condenar o arguido RR, com os sinais dos autos, como co-autor, em concurso real, de:

- 2 (dois) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão por cada um deles;

- 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal na pena 3 (três) anos de prisão;

- 1 (um) crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

Em cúmulo destas penas, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sujeito a regime de prova, devendo o arguido cumprir o plano de readaptação social a efectuar, e ainda responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego.

Absolver todos os Arguidos da prática de um crime de associação criminosa pelo qual estavam pronunciados.

Absolver todos os arguidos da prática dos demais crimes, designadamente de burla, receptação e falsificação de documentos pelo qual estavam pronunciados e que não constam das respectivas condenações.

Inconformados com o assim decidido recorreram os arguidos AA, CC, DD, EE, GG, KK e NN, para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este tribunal decidido:

 - Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.

- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido CC, com redução da pena que lhe foi aplicada pelo crime de coacção p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Penal, para 1 (um) ano de prisão e repercutindo essa diminuição no respectivo cúmulo jurídico de penas condenando o mesmo, na pena única de 13 (treze) anos e 3 (três) meses de prisão.

- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido SS, e nessa conformidade, absolvê-lo do crime de receptação referido no ponto IX b) (a referente ao veículo de matrícula 65-AH-17). Reformulando o cúmulo jurídico de penas que lhe foi efectuado, condená-lo na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
- Julgar improcedente o recurso interposto pela arguida EE.
- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido GG, e nessa conformidade, absolvê-lo do crime de receptação referido no ponto II C c) (a referente ao veículo de matrícula 04-18-HP). Reformulando o cúmulo jurídico de penas que lhe foi efectuado, condená-lo na pena única de 5 (cinco) e 4 (quatro) meses de prisão.
- Julgar procedente, ainda que com diversa fundamentação o recurso interposto pela arguida KK, e nessa conformidade, determinar o reenvio do processo para novo julgamento quanto à integralidade da sua responsabilidade criminal nestes autos, com a oportuna separação do respectivo processo nos termos do artigo 426.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido NN, e nessa conformidade absolvê-lo dos dois crimes de falsificação pelos quais foi condenado, reduzir as penas que lhe foram aplicadas pelos dois crimes de burla agravada (artigo 218.º, n.º 2, al. a, do Código Penal) para os 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Reformulando o cúmulo jurídico de penas que lhe foi efectuado, condená-lo na pena única de 4 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, com suspensão da sua execução por igual tempo, mediante acompanhamento a realizar pelo IRS mediante plano que para o efeito elaborará.

Interpõem agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os arguidos AA, CC e GG[1].

Nas motivações apresentadas os arguidos AA e CC não suscitam qualquer questão atinente às penas conjuntas que lhes foram aplicadas, penas que não impugnam, tendo circunscrito os seus recursos a questões respeitantes aos crimes em concurso pelos quais foram condenados.

Na vista que teve nos autos a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido da rejeição de todos recursos interpostos, com o fundamento de que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é irrecorrível.

Respondeu o arguido AA pugnando pela recorribilidade do acórdão impugnado, sob a alegação de que o que releva para efeitos de recurso de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, é a pena aplicada, conforme preceito da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, sendo que a pena que lhe foi cominada excede o limite a partir do qual a lei torna o recurso admissível.

No exame preliminar relegou-se para conferência o conhecimento da questão da rejeição dos recursos suscitada pelo Ministério Público.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                

Questão a decidir em primeiro lugar é, obviamente, a suscitada pelo Ministério Público atinente à rejeição dos recursos.

Decidindo, dir-se-á.

A lei adjectiva penal manda rejeitar o recurso sempre que seja manifesta a sua improcedência, se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414º e o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afecte a totalidade do recurso nos termos do n.º 3 do artigo 417º – n.º 1 do artigo 420º.

Primeira causa de não admissão do recurso prevista no n.º 2 do artigo 414º é a da irrecorribilidade da decisão.

De acordo com o preceituado no artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, o que significa, como este Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo, de forma constante e pacífica, só ser admissível recurso de decisão confirmatória da relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo[2].

Mais vem este Supremo Tribunal entendendo, maioritariamente, que a decisão proferida em recurso que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta, deve ser considerada confirmatória, porquanto não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica dos factos, o arguido tivesse que conformar-se com a decisão que mantém a pena, mas já pudesse impugná-la caso a pena fosse objecto de redução[3].

Por maioria de razão, dever-se-á considerar confirmatório, também, o acórdão que, absolvendo o arguido de um ou mais dos crimes em concurso, reduza a pena conjunta aplicada por efeito dessa absolvição.

No caso de sucessão de leis processuais, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1ª instância, entendimento a que este Supremo Tribunal chegou no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/09, de 09.02.18, publicado no DR, I Série, de 09.03.19.

No caso vertente estamos perante decisão condenatória de 1ª instância confirmada pelo Tribunal da Relação, sendo todas as penas parcelares aplicadas a todos os três recorrentes não superiores a 8 anos, conquanto a pena conjunta cominada aos arguidos AA e CC ultrapasse aquele patamar, situando-se nos 8 anos e 6 meses de prisão e 13 anos e 3 meses de prisão, respectivamente.

Deste modo, certo é ser irrecorrível a decisão impugnada no que respeita a todas as penas parcelares aplicadas, consabido que a decisão de 1ª instância foi prolatada em 12 de Maio de 2009, isto é, após a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, a significar que relativamente à condenação de todos os recorrentes pelos crimes em concurso está este Supremo Tribunal impossibilitado de exercer qualquer sindicação, sindicação que só seria admissível no que tange às penas conjuntas cominadas aos arguidos AA e CC, ou seja, no que concerne à operação de formação das penas únicas pelas quais foram condenados, caso aqueles as tivessem impugnado, o que não se verificou.

Com efeito, estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange a qualquer um dos recorrentes pelos crimes em concurso pelos quais foram condenados, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação dos recorrentes por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram às condenações pelos crimes em concurso, ou seja, que a jusante das condenações se situam.

De outra forma estar-se-ia a violar o princípio constitucional non bis in idem (n.º 5 do artigo 29º da Constituição), concretamente na sua dimensão objectiva, que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, através da imutabilidade do definitivamente decidido.

Há pois que rejeitar todos os recursos.                           

Termos em que se acorda rejeitar os recursos interpostos pelos arguidos AA, CC e GG.

Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça devida por cada um em 5 UC, a que acresce o pagamento de 3 UC a título de sanção processual – n.º 5 do artigo 420º do Código de Processo Penal.

Lisboa, 2 de Novembro de 2011

Oliveira Mendes (Relator)

Maia Costa

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[1] - Certo é que os arguidos SS e KK também interpuseram recurso para este Supremo Tribunal, porém, os mesmos não foram admitidos.
[2] - Entre muitos outros, os acórdãos de 08.11.13, 09.09.23 e 10.06.23, proferidos nos Processos n.ºs 3381/08, 27/04.3GGBTMC.S1 e 1/07.8ZCLSB.L1.S1

[3] - Cf. entre muitos outros, os acórdão deste Supremo Tribunal de 06.11.08,  08.09.16, 10.01.13 e 11.02.17, proferidos  nos Processos n.ºs  3113/06, 2383/08, 213/04. 6PCBRR.S1.L1 e 460/06. 6GBPNF.P1.S1.