ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
342/09.0TTMTS.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/15/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PINTO HESPANHOL

DESCRITORES MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTOS CONCLUSIVOS
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA

SUMÁRIO 1.  No respeitante à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, pelo que, uma vez que a recorrente não invoca qualquer dos fundamentos do recurso de revista, previstos nos artigos 722.º, n.º 3, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigo 712.º, n.º 6, do Código de Processo Civil).

2.  As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, e, quando isso não suceda e o tribunal se pronuncie sobre as mesmas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita.

3.  Tendo o trabalhador utilizado recursos humanos e materiais da empregadora para fins diversos da sua actividade comercial, prevalecendo-se do seu cargo de chefia, além de violar os deveres de zelo e diligência, de cumprir as ordens e instruções da empregadora, de lealdade e de boa utilização dos bens relacionados com o trabalho, afectou a relação de confiança que subjaz à relação laboral, gerando fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do seu desempenho profissional, pelo que o despedimento mostra-se proporcional ao comportamento tido.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

           1. Em 16 de Abril de 2009, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, 1.º Juízo, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB – …, S. A., pedindo que o respectivo despedimento fosse declarado ilícito e a condenação da ré a pagar-lhe: a) € 64.890, a título de indemnização por despedimento, acrescida da que lhe couber pelo tempo que vier a decorrer até ao trânsito em julgado da decisão judicial; b) € 1.706, a título de retribuição que deixou de auferir até 16 de Abril de 2009; c) as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final; d) € 744, a título de prémio de produção, que não lhe foi pago no período em que esteve suspenso por decisão da ré; e) € 10.000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos; f) juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas e sobre as que se vencerem no decurso da demanda até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, que foi admitido ao serviço da ré, em 19 de Fevereiro de 1979, e que, em Fevereiro de 2009, exercia as funções de assistente administrativo de 1.ª, auferindo a retribuição base de € 1.442, acrescida de um prémio de produção, no valor de € 12, por cada dia de trabalho efectivo, sendo certo que, em 11 de Fevereiro de 2009, na sequência de procedimento disciplinar instaurado pela ré, foi despedido, pese embora se verificasse a caducidade do direito de aplicar tal sanção, a prescrição das infracções disciplinares imputadas, bem como a caducidade da acção disciplinar e a imprecisão da nota de culpa, defendendo, igualmente, que os factos que lhe são imputados são falsos, o que determinava a ilicitude do despedimento operado.
A ré contestou, invocando a regularidade do procedimento disciplinar, a inexistência dos vícios aduzidos pelo autor e a licitude do despedimento efectuado.

No despacho saneador, julgou-se (i) improcedente a excepção de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, (ii) procedente a excepção de prescrição referente às infracções disciplinares aludidas nos artigos 30.º a 42.º da contestação, (iii) improcedente a nulidade por violação da alínea a) do n.º 2 do artigo 430.º do Código do Trabalho, e (iv) improcedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar, tendo sido arrolados os factos admitidos por acordo e a base instrutória.

Realizado julgamento, exarou-se sentença, que, concluindo pela licitude do despedimento promovido, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 744, a título de prémio de produção que não lhe foi pago durante o período em que esteve suspenso, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a ré dos restantes pedidos.

Subsequentemente, observado o contraditório, o autor foi condenado como litigante de má fé, «numa multa equivalente a 6 UC».

2. Inconformado, o autor recorreu para Tribunal da Relação do Porto, que julgou procedente o recurso de apelação, revogando a sentença recorrida, na parte em concluiu pela licitude do despedimento do autor, condenando a ré a pagar-lhe: «1. [a] indemnização a que alude o artigo 439.º, n.os 1 e 2, do Código do Trabalho de 2003, e que, nesta data, monta ao valor de € 44.702,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da data do presente acórdão e até integral pagamento; 2. [a]s retribuições que o Autor deixou de auferir desde 15.3.2009 e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 437.º do C. do Trabalho, e que, nesta data, monta ao valor de € 43.373,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da data do vencimento de cada uma das referidas retribuições e até integral pagamento; 3. [a] quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da data do presente acórdão e até integral pagamento». Além disso, concedeu provimento ao recurso de agravo, revogando a decisão recorrida que condenou o autor como litigante de má fé, na multa de 6 UC.

É contra o deliberado pelo Tribunal da Relação que a ré, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões:

                 «1.   Por regra, o recurso de Revista, salvo casos devidamente especificados na Lei, tem efeito devolutivo, a recorrente requer face ao prejuízo considerável que a execução da sentença lhe pode causar que seja atribuído ao recurso efeito devolutivo, propondo-se a prestar caução ― através de garantia bancária ― no valor da condenação, ou seja, 98.075 Euros, no prazo a definir por V. Exa.
                     2. A recorrente está convicta que a razão lhe assiste e que esta seja obrigada a entregar os valores considerados pela Relação como devidos ao aqui recorrido, poderá correr o natural risco de os não conseguir recuperar.
                     3. Acresce tal situação obrigaria necessariamente a um conjunto de operações de transferência de fundos cujos custos consideráveis nunca seriam recuperados para a ora recorrente, para além de virem a ser considerados desnecessários.
                     4. Não obstante o recorrido nenhum prejuízo terá caso o efeito seja suspensivo, dado que a  recorrente propõe-se a prestar caução, através de garantia bancária.
                     5. Merece reparo a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.
                     6. A recorrente alegou em sede própria que o A. ora recorrido, violou o disposto no art. 121.º, n.º 1, alíneas c), d) e g), e art. 396.º, n.º 3, alíneas a), b) e e) e com violação grave da confiança e lealdade que nele eram depositados.
                     7. Por acordo das partes, ou confissão, em sede de Despacho de Saneador foram admitidos os seguintes factos [correspondentes aos factos provados 1) a 17) e 21) a 24), que serão adiante discriminados, na pertinente fundamentação de facto]:
                         […]
                     8. Por sua vez, em sede de julgamento de 1.ª Instancia foram considerados provados os seguintes factos [correspondentes aos factos provados 1) a 52), adiante enunciados, na pertinente fundamentação de facto]:
                         […]
                     9. O Mmo Juiz da 1.ª Instância, após a prova dos factos, aplicou o direito avaliando a existência da justa causa de despedimento na qual verificou a proporcionalidade da medida adoptada.
                         Mais não fez o Mmo Juiz do que seguir um critério considerado pela Jurisprudência.
                   10. Tendo valorado devidamente os factos provados e necessariamente concluir pela censura da conduta do A.
                   11. Na relação de emprego os deveres enumerados no art. 121.º do CT de 2003, em especial nas alíneas c) e d), e no art. 396.º, n.º 3, do CT, enumeração esta universalmente reconhecida como exemplificativa, enformam o círculo de actuação do trabalhador (a ler-se na sua relação directa com a entidade empregadora) de tal forma que não podem ser avaliados numa estrita interpretação de um estreito aproveitamento por e para a sua pessoa como se existisse isolado no mundo.
                   12. É inequívoco que quando o trabalhador beneficia por acto próprio, no uso dos poderes hierárquicos que lhe advêm da relação laboral, uma qualquer pessoa terceira da sua família ou não, com prejuízo ou à revelia dos interesses e autorização da a sua entidade patronal, viola ostensivamente os seus deveres laborais.
                   13. Interessa menos o quantum do dano ou a qualidade do eventual beneficiado, do que quem provocou o dano, quem o possibilitou, em suma, quem actuou.
                   14. O que se discute é a qualificação de um comportamento e não um quantum de um eventual enriquecimento, uma vez que a perda de confiança ― dever absoluto que não admite gradações ― se funda na actuação do trabalhador.
                   15. A confiança é um valor absoluto.
                   16. O Tribunal da Relação considera incorrectamente que a matéria dos quesitos 3 e 11 como não provada, contra toda a matéria que acima se expôs (provada porque) aceite pelo recorrido.
                         No entanto, a matéria considerada como não provada pelo Tribunal da Relação tem importância meramente relativa para a decisão e não pode servir para alterar a decisão da 1.ª Instancia.
                   17. Face à posição que o próprio recorrido enquanto autor teve, admitindo por acordo:
                         “I)  O A. é superior hierárquico de vários trabalhadores e, de entre estes, de um de seu nome CC, funcionário que ao tempo da prática dos factos que integram o procedimento disciplinar desempenhava funções na secção de corte.
                          J)   No mês de Novembro de 2007, o trabalhador CC, por ordem e sob as instruções do A, cortou nas instalações e com as máquinas da empresa, madeira ou seus derivados que lhe foram entregues pelo A.
                          L)  Estes materiais eram o produto da desmontagem de uns gabinetes de trabalho e estavam guardados no sótão da sala de exposição da empresa.
                          N) Os materiais destinavam-se à construção de uns armários para os anexos de uma lavandaria de uma pessoa das relações do A., de seu nome DD.
                          O) A montagem foi efectuada na casa do referido DD.
                          R)  Alguns anos a esta parte, pelo menos há dez anos, o A. pelo menos uma vez por ano dá instruções ao trabalhador CC para que este, no tempo de trabalho e utilizando as máquinas e ferramentas da empresa, efectue serviços de corte de madeira ou derivados para as suas colmeias.
                          T)  O A., no ano de 2008 e nos anteriores, por via do funcionário CC, usou máquinas e ferramentas da empresa para fins pessoais, no horário normal de laboração da empresa.
                          U) O A. não pagou à empresa o valor das horas de trabalho do trabalhador CC, nem a utilização das máquinas.”
                   18. Atento a esta posição, perde relevo o teor dos quesitos 3 e 11, que praticamente e sobretudo o 3, limita-se a quantificar, quando o que está em causa para considerar a existência ou não de justa causa é a qualidade do comportamento/actuação à revelia das instruções e autorização da entidade patronal.
                   19. Ademais, as expressões “para fins pessoais do autor” e “no interesse daquele” porque integradas num conjunto de matéria de facto a provar, complementada por factos assentes por acordo e confissão, não reveste natureza conclusiva, e mesmo que o Tribunal da Relação o considerasse deveria ter aproveitado a prova efectuada no âmbito de tais quesitos retirando a parte que considerava ser conclusiva.
                   20. No que concerne aos quesitos 10, 18, 23, 28 e 29 [só o primeiro número se reporta a um quesito, correspondendo os restantes a números da matéria de facto provada], que o Tribunal da Relação considera […] não escritos, com base no art. 646.º, n.º 4, do CPC, este preceito refere que “.. tem-se [por] não escritas as ... ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão”, face ao teor dos factos considerados assentes por acordo ou confissão — já referidos no n.º 7 das conclusões — é evidente que o A. agora recorrido extravasou o âmbito dos seus direitos, actuando à revelia do interesse e autorização da entidade patronal, pelo que a quantificação que se pretendia fazer por via dos quesitos agora considerados não escritos não deveria alterar a decisão. Note-se que a considerar que tais quesitos deveriam considerar-se não escritos era, isso sim, por resultarem provados por acordo das partes.
                   21. Face ao supra referido e ainda aos demais elementos constantes dos autos, só por lapso o Tribunal da Relação pode afirmar o que afirma na pág. 20 do Acórdão nos parágrafos 1.º, 2.º e 4.º
                         Estas conclusões do Tribunal a quo são atentatórias dos mais elementares princípios jurídicos orientadores da relação laboral.
                         O que está em causa é [a] actuação de um trabalhador com violação dos seus deveres laborais.
                   22. Ao Tribunal a quo “parece não interessar” se houve ou não violação dos deveres laborais, se os interesses da recorrente foram postos em causa, mas sim se houve um terceiro beneficiário.
                         A questão do beneficiário dos trabalhos é colateral aos presentes autos, poderá interessar em sede de responsabilidade civil ou criminal, o que não é o caso.
                   23. O art. 396.º do CT 2003, com a epígrafe justa causa de despedimento, no seu n.º 1, refere-se a um comportamento culposo do trabalhador e enumera, exemplificativamente, alguns comportamentos típicos, entre os quais e com interesse para os presentes autos destacam-se as alíneas a), b) e e).
                   24. O A. recorrido desobedeceu ilegitimamente às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores, vide a este respeito os factos assentes por acordo ou confissão vertidos nas alíneas I, J, L, R, T e U, que se citam[:]
                         T)  O A., no ano de 2008 e nos anteriores, por via do funcionário CC, usou máquinas e ferramentas da empresa para fins pessoais, no horário normal de laboração da empresa.
                         U)  O A não pagou à empresa o valor das horas de trabalho do trabalhador CC, nem a utilização das máquinas.
                   25. Os factos provados em sede [de] audiência, os n.os 25, 26, 27, 30, 31 e 32, não colocados em causa pelo Tribunal da Relação, só por si são suficientes para se considerar a existência por parte do recorrido da violação do dever de obediência.
                   26. O A. recorrido violou também os direitos e garantias dos trabalhadores da empresa — art. 346.º, n.º 3, b) [há lapso no artigo invocado, que se refere ao direito a férias].
                   27. Nos cargos de direcção ou de confiança, “a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador”.
                   28. O comportamento do A. causou prejuízos económicos à recorrente, violando o disposto no art. 396.º, n.º 3, e) do CT aplicável.
                   29. A actuação/comportamento do A. não corresponde àquilo que seria o comportamento devido (por estar de acordo com as regras e determinações da recorrente) e que lhe seria exigível, enquanto trabalhador inserido numa organização hierárquica onde exercia funções de chefia.
                   30. Os factos dados como provados consubstanciam grave violação da relação de confiança entre o A. e a recorrente, impossibilitando a continuidade da relação laboral.
                   31. A noção legal de “justa causa” pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
                         –   Um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências;
                         –   Um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
                   32. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto.
                   33. Face ao supra exposto, é inequívoco, que decorre dos factos provados e aceites — por acordo e confissão bem como dos provados em julgamento — que outra solução não restava à recorrente, nem lhe era exigível.
                   34. O despedimento do Autor é lícito.
                   35. O Acórdão violou entre outras as seguintes disposições legais, o art. 121.º, n.º 1, c), d) e g), art. 346.º, n.º 3, b) [há lapso na invocação deste artigo, que respeita ao direito a  férias], art. 396.º, n.º 3, a), b) e e), todos do CT de 2003, o art. 646.º, n.º 4, do CPC.»

A final, defende o provimento do recurso e a revogação do aresto recorrido.

O autor/recorrido contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

No despacho que admitiu o recurso, a Ex.ma Juíza Desembargadora Relatora indeferiu o pedido da recorrente de «prestação de caução, com vista a obter o efeito suspensivo do recurso de revista», determinando que este subisse imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, admissão, efeito e regime de subida confirmados neste Supremo Tribunal, em sede de exame preliminar dos autos.
 
Subsequentemente, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se pela improcedência da revista, porque «os comportamentos imputados pela Ré ao Autor não reúnem matéria que possa ser considerada como fundamento para despedimento com justa causa», parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

              –   Se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto [conclusões 16), 1.ª parte, 19), 20) e 35), nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista];
              –   Se os factos pelos quais o autor foi despedido integram o conceito de justa causa de despedimento [conclusões 5) a 18), 20) a 34) e 35), este na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

Nas conclusões 1) a 4) da alegação do recurso de revista, a recorrente requer a prestação de caução, com vista a obter o efeito suspensivo do recurso de revista, pretensão que foi indeferida no tribunal recorrido, por carecer de fundamento legal, entendimento sufragado neste Supremo Tribunal em sede de exame preliminar dos autos e que ora se reitera, por se mostrar conforme ao estipulado na Lei.

Efectivamente, o Código de Processo do Trabalho aplicável não contém qualquer disposição relativa ao efeito do recurso de revista, em processo comum, pelo que, tratando-se de caso omisso, deve recorrer-se à legislação processual comum civil, aplicando-se a norma que directamente previna o caso, desde que não seja incompatível com a índole do processo laboral, conforme estabelece o artigo 1.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.

O n.º 1 do artigo 723.º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, versão aqui aplicável, estipula que «[o] recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o estado das pessoas», norma compatível com a índole do processo laboral e da qual resulta que o efeito regra do recurso de revista, é o devolutivo.

Este é, aliás, o entendimento uniforme deste Supremo Tribunal.

Adite-se que a recorrente, no corpo da alegação do recurso de revista, afirma a sua discordância relativamente à «condenação da recorrente na quantia de 10.000 euros por danos morais» e no respeitante à absolvição do autor como litigante de má fé; no entanto, aquelas questões mostram-se objectivamente excluídas das conclusões formuladas na pertinente alegação de recurso, pelo que delas não se pode conhecer, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Estando em causa um despedimento ocorrido em 11 de Fevereiro de 2009, portanto, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), considerando o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                                    II

1. As instâncias deram como provados os factos seguintes:
1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 19.2.1979 para, sob a sua autoridade e direcção, exercer as funções de escriturário, conforme documento constante de folhas 21 — alínea A dos factos admitidos por acordo;
2) Pelo menos, desde Março de 2005, que o Autor tem a categoria de Assistente Administrativo — alínea B dos factos admitidos por acordo;
3) Auferia, à data do despedimento, a retribuição base de € 1.442 — alínea C dos factos admitidos por acordo;
4) A que acrescia o valor correspondente ao designado «prémio de produção», no montante de € 12 por cada dia de trabalho efectivo mensal — alínea D dos factos admitidos por acordo;
5) O Autor prestava a sua actividade na sucursal da Ré, sita na …, …, em Vilar do Pinheiro, e o seu horário laboral era de oito horas, por dia, de segunda a sexta-feira — alínea E dos factos admitidos por acordo;
6) De entre as várias tarefas que tem a seu cargo exerce as correspondentes a Gestor Operacional — alínea F dos factos admitidos por acordo;
7) Enquanto Gestor de Operações, o Autor tem de assegurar, entre outras tarefas, a coordenação das operações logísticas de recepção, transferências, armazenamento e transporte nas instalações de Vilar do Pinheiro, reportando ao Director do Centro de Vilar do Pinheiro — alínea G dos factos admitidos por acordo;
8) Para o exercício de tais tarefas, o Autor tem a seu cargo, pelo menos, todo o pessoal do armazém de Vilar do Pinheiro — alínea H dos factos admitidos por acordo;
9) O Autor é superior hierárquico de vários trabalhadores e, de entre estes, de um de seu nome CC, funcionário que ao tempo da prática dos factos que integram o procedimento disciplinar desempenhava funções na secção de corte — alínea I dos factos admitidos por acordo;
            10) No mês de Novembro de 2007, o trabalhador CC, por ordem e sob as instruções do Autor, cortou nas instalações e com as máquinas da empresa, madeira ou seus derivados que lhe foram entregues pelo Autor — alínea J dos factos admitidos por acordo;
            11)  O Autor, juntamente com o DD, deu as medidas ao trabalhador CC para o corte dos materiais referidos nas alíneas J e L — resposta ao quesito 1 da base instrutória;
            12)  Estes materiais eram o produto da desmontagem de uns gabinetes de trabalho e estavam guardados no sótão da sala de exposição da empresa — alínea L dos factos admitidos por acordo;
            13)  Os funcionários EE e FF colocaram os materiais junto do posto de trabalho do trabalhador CC — alínea M dos factos admitidos por acordo;
            14)  Os materiais destinavam-se à construção de uns armários para os anexos de uma lavandaria de uma pessoa das relações do Autor, de seu nome DD — alínea N dos factos admitidos por acordo;
            15)  A montagem foi efectuada na casa do referido DD — alínea O dos factos admitidos por acordo;
            16)  Juntamente com tais materiais, o trabalhador CC ainda cortou uma placa nova de armazém designada por … L1, que se destinou às partes da frente dos referidos armários — alínea P dos factos admitidos por acordo;
            17)  De entre os materiais entregues ao trabalhador CC constava uma placa nova para as portas dos armários — alínea Q dos factos admitidos por acordo;
            18)  Por conta do serviço referido nas alíneas J e O, o CC, a pedido e sob as instruções do Autor, esteve a trabalhar cerca de 13 a 14 horas do seu horário normal de trabalho e no horário normal de laboração da empresa para fins pessoais do Autor — resposta ao quesito 3 da base instrutória [facto considerado não provado pelo Tribunal da Relação];
            19) O Autor não pagou à empresa o valor das horas de trabalho do referido trabalhador, nem a utilização das máquinas — resposta ao quesito 4 da base instrutória;
            20) Exceptuando as placas referidas nas alíneas P e Q descritas nas facturas de folhas 45 e 43 do processo disciplinar, que foram pagas pelo DD, o Autor não pagou os materiais utilizados na construção dos referidos armários — resposta ao quesito 5 da base instrutória;
            21) Alguns anos a esta parte, pelo menos há dez anos, o Autor pelo menos uma vez por ano dá instruções ao trabalhador CC para que este, no tempo de trabalho e utilizando as máquinas e ferramentas da empresa, efectue serviços de corte de madeira ou derivados para as suas colmeias — alínea R dos factos admitidos por acordo;
            22) No ano de 2008, o trabalhador CC efectuou cortes em peças de madeira denominadas painéis trick, sob as ordens e instruções do Autor — alínea S dos factos admitidos por acordo;
            23) O Autor, no ano de 2008 e nos anteriores, por via do funcionário CC, usou máquinas e ferramentas da empresa para fins pessoais, no horário normal de laboração da empresa — alínea T dos factos admitidos por acordo [facto dado como não escrito pelo Tribunal da Relação];
            24) O Autor não pagou à empresa o valor das horas de trabalho do trabalhador CC, nem a utilização das máquinas — alínea U dos factos admitidos por acordo;
            25) No mês de Janeiro de 2008, o trabalhador CC, a pedido e sob as instruções do Autor, cortou nas instalações e com as máquinas da empresa e no horário de trabalho, madeira ou seus derivados que lhe foram mandados entregar pelo Autor — resposta ao quesito 6 da base instrutória;
            26)  Os materiais destinavam-se a construir uns armários da despensa da habitação do afilhado de casamento do Autor, o DD — resposta ao quesito 8 da base instrutória;
            27) O trabalhador CC efectuou os cortes necessários na empresa nas horas de trabalho e utilizando as máquinas e ferramentas da empresa — resposta ao quesito 9 da base instrutória;
            28) O CC, a pedido e sob as instruções do Autor, esteve a trabalhar cerca de 5 a 6 horas do seu horário normal de trabalho no interesse daquele — resposta ao quesito 10 da base instrutória [facto dado como não escrito pelo Tribunal da Relação];
            29) E usou máquinas e ferramentas da empresa para fins pessoais do Autor, no horário normal de laboração da empresa — resposta ao quesito 11 da base instrutória [facto considerado não provado pelo Tribunal da Relação];
           30) O Autor não pagou à empresa o valor das horas de trabalho do referido trabalhador, nem a utilização das máquinas — resposta ao quesito 12 da base instrutória;
           31) O Autor deu instruções ao trabalhador CC para se deslocar a casa do referido DD a fim de efectuar acabamentos nos armários no seu horário normal de trabalho — resposta ao quesito 13 da base instrutória;
           32) O trabalhador CC saiu da empresa uma tarde para cumprir tal instrução, não compareceu ao trabalho e sofreu uma falta injustificada no período da tarde — resposta ao quesito 14 da base instrutória;
           33) Pelo serviço de corte para funcionários, bem como pela apropriação do que constituísse desperdícios, sobras de madeira ou seus derivados, era cobrado um preço diminuto (alguns cêntimos ou escassos euros) — resposta ao quesito 17 da base instrutória;
           34) Em 29.10.2008, a Ré instaurou inquérito disciplinar ao Autor, conforme documento constante de folhas 1 do procedimento disciplinar — alínea V dos factos admitidos por acordo;
           35) Em 18.11.2008, a Ré comunicou, por escrito, ao Autor que havia instaurado contra ele um processo disciplinar, com vista ao seu despedimento, ao qual veio anexa a respectiva «nota de culpa», conforme documentos constantes de folhas 57 a 64 do procedimento disciplinar — alínea X dos factos admitidos por acordo;
           36) Foi, do mesmo modo, informado de que ficava suspenso do exercício das suas funções, sem perda de retribuição, até à decisão final do processo disciplinar, conforme documentos constantes de folhas 63 e 64 do procedimento disciplinar — alínea Z dos factos admitidos por acordo;
           37) O Autor, no dia 3.12.2008, dirigiu à Ré carta, à qual anexou a sua resposta à «nota de culpa», conforme documentos constantes de folhas 66 a 70 do procedimento disciplinar — alínea AA dos factos admitidos por acordo;
           38) Como única diligência probatória, arrolou a testemunha FF , conforme documento constante de folhas 66 a 68 do procedimento disciplinar — alínea BB dos factos admitidos por acordo;
           39) Pelo instrutor do processo disciplinar foi designado o dia 11.12.2008, pelas 10 horas, para audição da testemunha, o que veio a suceder no local pelo mesmo indicado, conforme documento constante de folhas 78 a 81 do procedimento disciplinar — alínea. CC dos factos admitidos por acordo;
           40) Após a audição desta testemunha e por terem surgido algumas dúvidas o instrutor, em 16.12.2008, requereu diligências de prova (solicitação à administração da Ré de esclarecimentos complementares), das quais notificou o ilustre mandatário do Autor, conforme documentos constantes de folhas 82 a 87 do procedimento disciplinar — alínea EE dos factos admitidos por acordo;
           41) Os esclarecimentos solicitados foram prestados entre 6.1.2009 a 16.1.2009, conforme documentos constantes de folhas 88 a 115 do procedimento disciplinar — alínea FF dos factos admitidos por acordo;
           42) A 19 de Janeiro de 2009, estas diligências de prova foram comunicadas ao advogado do Autor, o qual, a 20 de Janeiro de 2009, recebeu a comunicação, conforme documentos constantes de folhas 116 a 116-A do procedimento disciplinar — alínea GG dos factos admitidos por acordo;
           43) Foi concedido um prazo de cinco dias para o advogado do Autor se pronunciar, conforme documentos constantes de folhas 116 a 116-A do procedimento disciplinar, o que não aconteceu — alínea HH dos factos admitidos por acordo;
           44) Por carta registada datada de 9.2.2009 e recebida em 11.2.2009, a Ré comunicou ao Autor a decisão final do processo disciplinar, a qual foi de o despedir «com justa causa sem qualquer indemnização ou compensação», conforme documentos constantes de folhas 117 a 129-B do procedimento disciplinar — alínea II dos factos admitidos por acordo;
           45) Em 19.2.2009, o advogado do Autor requereu cópia de folhas do processo disciplinar, conforme resulta de folhas 130ª do processo disciplinar, tendo-lhe sido enviadas a 25.2.2009, conforme documentos constantes de folhas 134 a 134-A do procedimento disciplinar — alínea JJ dos factos admitidos por acordo;
           46) Durante o período em que o Autor esteve suspenso preventivamente, por decisão da «BB», desde o dia 18.11.2008 até 11.2.2009, a Ré não lhe pagou o correspondente ao «prémio de produção» — alínea LL dos factos admitidos por acordo;
           47) Antes da suspensão decretada pela Ré, o Autor era uma pessoa alegre, auto confiante, participativa e não padecia de insónias — resposta ao quesito 20 da base instrutória;
           48) A partir da suspensão, o Autor sente-se entristecido, introvertido, padecendo de insónias — resposta ao quesito 21 da base instrutória;
           49) Refugia-se em casa, deixou de conviver com os seus familiares e amigos, como fazia anteriormente, só os acompanhando ocasionalmente — resposta ao quesito 22 da base instrutória;
           50) O Autor apresenta um quadro ansio-depressivo, por reacção ao seu despedimento, estando a ser seguido por um médico psiquiatra — resposta ao quesito 23 da base instrutora;
           51) O Autor nasceu em 19.8.1954, conforme documento constante de folhas 27 — alínea MM dos factos admitidos por acordo;
           52) A Ré possui seis sucursais espalhadas do norte ao sul do país, sendo uma empresa especializada na comercialização e distribuição de produtos de madeira e derivados, conforme documento constante de folhas 29 e 30 — alínea NN dos factos admitidos por acordo.

A recorrente aduz, porém, que o Tribunal a quo considerou incorrectamente a matéria dos quesitos 3 e 11 como não provada, «contra toda a matéria que acima se expôs (provada porque) aceite pelo recorrido» e, ainda, que «as expressões “para fins pessoais do autor” e “no interesse daquele” porque integradas num conjunto de matéria de facto a provar, complementada por factos assentes por acordo e confissão, não reveste natureza conclusiva, e mesmo que o Tribunal da Relação o considerasse deveria ter aproveitado a prova efectuada no âmbito de tais quesitos retirando a parte que considerava ser conclusiva».

Tais questões prendem-se com a fixação dos factos materiais da causa.

Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 3, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Especificamente, o n.º 3 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». Por outro lado, o n.º 2 do artigo 729.º referido determina que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 722.º».
Assim, no respeitante à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos dos normativos citados.

O acórdão recorrido pronunciou-se sobre esta questão, nos termos seguintes:

                  «Da alteração da decisão sobre a matéria de facto — as respostas aos quesitos 3, 10, 11, 13, 14, 15 e 17.
                      1. Os quesitos 3, 10 e 11.
                      Pergunta-se no quesito 3: “Por conta do serviço referido nas alíneas J e O, o CC, sob as ordens e instruções do Autor, esteve a trabalhar 16 horas do seu horário normal de trabalho e no horário normal de laboração da empresa para fins pessoais do Autor?”. O Tribunal a quo respondeu: “Provado apenas que, por conta do serviço referido nas alíneas J e O, o CC, a pedido e sob as instruções do Autor, esteve a trabalhar cerca de 13 a 14 horas do seu horário normal de trabalho e no horário de laboração da empresa para fins pessoais do Autor”.
                      Pergunta-se no quesito 10: “O trabalhador CC efectuou os cortes necessários e parte da montagem na empresa nas horas de trabalho e utilizando as máquinas e ferramentas da empresa?”. O Tribunal a quo respondeu: “Provado apenas que o CC, a pedido e sob as instruções do Autor, esteve a trabalhar cerca de 5 a 6 horas do seu horário normal de trabalho no interesse daquele”.
                      Pergunta-se no quesito 11: “E usou máquinas e ferramentas da empresa para fins pessoais do Autor, no horário normal de laboração da empresa?”. O Tribunal a quo respondeu provado.
                      O apelante defende que não podia ter sido dado como provado nos quesitos 3, 10 e 11 que o CC, sob as ordens e instruções do Autor, trabalhou e usou máquinas e ferramentas da Ré no “INTERESSE EXCLUSIVO” e “PARA FINS PESSOAIS” do Autor atendendo aos depoimentos das testemunhas DD e CC, referindo que destes depoimentos resulta que o CC “trabalhou, usando máquinas e ferramentas da empresa, para fins pessoais do seu cliente DD, no interesse deste e também no interesse do próprio CC, na medida em que o mesmo disse ter ganho dinheiro pela execução de tais serviços”. Vejamos então.
                      Este Tribunal procedeu à audição dos referidos depoimentos. A testemunha DD referiu que em Novembro de 2007, o CC fez um armário para a lavandaria da casa da testemunha e que em Janeiro de 2008 fez um armário para a despensa dessa casa. A testemunha CC referiu e confirmou que quer em Novembro de 2007, quer em Janeiro de 2008, executou os referidos trabalhos indicados pela testemunha DD.
                      Ora, e salvo o devido respeito, dos referidos depoimentos resulta, sem margem para dúvidas, que os trabalhos efectuados nas referidas datas não visaram satisfazer os “fins pessoais” do Autor, mas antes os fins, os interesses da testemunha DD. E tal conclusão não é afastada pelo facto de a testemunha DD ter afirmado ao Tribunal que o Autor foi seu padrinho de casamento. Sinal de que tais trabalhos foram efectuados no interesse da testemunha DD é o teor da alínea N da factualidade assente e a resposta ao quesito 8 (correspondem aos números 14 e 26 da matéria dada como provada).
                      Acresce que a expressão “para fins pessoais do Autor” é meramente conclusiva. E também é conclusiva a resposta ao quesito 10 no que respeita à expressão “no interesse daquele”.
                      Assim, os quesitos 3 e 11 têm de considerar-se “não provados” e tem igualmente que considerar-se não escrita a resposta ao quesito 10.
                      […]
                      E em face da conclusão a que se chegou no § anterior considera-se assente a matéria constante do § II do presente acórdão com as seguintes alterações, no que respeita aos números 18, 23, 28 e 29, os quais se declaram não escritos nos termos do artigo 646.º, n.º 4, do C. P. Civil.»

Relativamente aos itens considerados não provados [quesitos 3) e 11), que correspondem aos factos 18) e 29) do tribunal de primeira instância], a recorrente não invoca qualquer dos aludidos fundamentos do recurso de revista, pelo que é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o alegado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 3, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Quanto à natureza conclusiva das expressões «para fins pessoais do autor» e «no interesse daquele», reconduzindo-se tal questão a saber se a matéria constante dos factos em causa é de direito ou de facto versa, afinal, sobre matéria de direito, pelo que não está subtraída ao conhecimento deste Supremo Tribunal, sendo que o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, reza que «[t]êm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».

Atento a que só os factos podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de Setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.

Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, e, quando isso não suceda e o tribunal se pronuncie sobre as mesmas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita.

No facto 23) julgado provado pelo tribunal de 1.ª instância, afirmava-se que «[o] Autor, no ano de 2008 e nos anteriores, por via do funcionário CC, usou máquinas e ferramentas da empresa para fins pessoais, no horário normal de laboração da empresa».

O Tribunal da Relação declarou como não escrito este facto, nos termos do n.º 4 do artigo 646.º transcrito.

Ora, a proposição questionada, na parte em que referia que o autor «usou máquinas e ferramentas da empresa para fins pessoais», assume natureza conclusiva e reporta-se ao thema decidendum, daí que não podia continuar a figurar no elenco da matéria de facto provada, sendo certo que a mesma proposição, expurgada da aludida expressão conclusiva, não pode manter-se, por carecer de qualquer sentido útil.

No facto 28) julgado provado pelo tribunal de 1.ª instância, afirmava-se que «[o] CC, a pedido e sob as instruções do Autor, esteve a trabalhar cerca de 5 a 6 horas do seu horário normal de trabalho no interesse daquele».

O Tribunal da Relação declarou como não escrito este facto, nos termos do n.º 4 do artigo 646.º transcrito.

A proposição questionada, no segmento em que assevera que o CC esteve a trabalhar cerca de 5 a 6 horas do seu horário normal de trabalho no interesse do autor, assume natureza conclusiva e reporta-se ao thema decidendum, pelo que não podia continuar a figurar no elenco da matéria de facto provada, sendo certo que a mesma proposição, expurgada daquela expressão, carece de qualquer sentido útil.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 16), 1.ª parte, 19), 20) e 35), nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que há-de ser resolvida a questão central suscitada no presente recurso.

2. A recorrente sustenta que o autor desobedeceu ilegitimamente às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores, sendo os factos provados n.os 25, 26, 27, 30, 31 e 32 suficientes para se considerar a existência de violação, pelo autor, do dever de obediência, e, além disso, que o autor violou os direitos e garantias dos trabalhadores da empresa, causou prejuízos económicos à recorrente e que «[a] actuação/comportamento do A. não corresponde àquilo que seria o comportamento devido (por estar de acordo com as regras e determinações da recorrente) e que lhe seria exigível, enquanto trabalhador inserido numa organização hierárquica onde exercia funções de chefia», logo, «[o]s factos dados como provados consubstanciam grave violação da relação de confiança entre o A. e a recorrente, impossibilitando a continuidade da relação laboral», sendo o despedimento lícito.

Nesta mesma linha de entendimento, o tribunal de 1.ª instância considerou que se configurava «uma violação grave, continuada, premeditada e inequivocamente dolosa por parte do Autor dos deveres de zelo e diligência na execução das suas funções, e de honestidade e fidelidade para com a sua entidade patronal, além de tal comportamento se traduzir na lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa», pelo que se mostravam preenchidos todos os requisitos do conceito de justa causa, o que determinava a licitude do despedimento promovido pela recorrente.

Diversamente, o acórdão recorrido considerou que «as condutas do Autor não integram quaisquer dos fundamentos que conduziram ao seu despedimento, a determinar, assim, a procedência da acção, por o despedimento ser ilícito — artigo 429.º, al. c), do C. do Trabalho de 2003».

2.1. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).

Por seu turno, a disciplina legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador acha-se contida no artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.

De harmonia com o preceituado no artigo 396.º constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1).

O conceito de justa causa formulado neste normativo integra, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele.

Na concretização do critério geral para determinação da justa causa, o n.º 3 do artigo 396.º indica alguns comportamentos do trabalhador que podem configurar justa causa de despedimento, indicação que assume clara natureza exemplificativa.

Por outro lado, os deveres do trabalhador são listados no artigo 121.º, sendo que o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], de deveres secundários, como o dever de velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho [alínea f)], ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no artigo 119.º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea e)], que constituem apenas afloramentos do dever de lealdade, como flui do termo «nomeadamente» aí utilizado.

No dizer de MONTEIRO FERNANDES, «em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)», sendo que, nos cargos de direcção ou de confiança, «a obrigação de lealdade constitui uma parcela essencial, e não apenas acessória, da posição jurídica do trabalhador», o que aponta no sentido de que «o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)» e que, encarado de um outro ângulo, «apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», «com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 119.º/1 CT», donde promana, «no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional — razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo — da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte» (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 231-234).

Tal como determina o n.º 2 do artigo 396.º, «[p]ara apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».

Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação.

Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível.

Refira-se que, na acção de impugnação do despedimento, o ónus probatório cabe ao trabalhador quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre o empregador quanto à verificação da justa causa de despedimento (artigos 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil e 435.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho).

2.2. No caso, resulta da matéria de facto apurada que o autor prestava a sua actividade na sucursal da ré, em Vilar do Pinheiro, e, de entre as várias tarefas que tinha a seu cargo, exercia as correspondentes a gestor de operações, competindo-lhe assegurar, naquela qualidade, «a coordenação das operações logísticas de recepção, transferências, armazenamento e transporte nas instalações de Vilar do Pinheiro, reportando ao Director do Centro de Vilar do Pinheiro», tendo a seu cargo, para o exercício dessas tarefas, «todo o pessoal do armazém de Vilar do Pinheiro», sendo superior hierárquico de vários trabalhadores e, de entre estes, de CC, que desempenhava funções na secção de corte [factos provados 5) a 9)].
           
Também ficou demonstrado que:

             «10) No mês de Novembro de 2007, o trabalhador CC, por ordem e sob as instruções do Autor, cortou nas instalações e com as máquinas da empresa, madeira ou seus derivados que lhe foram entregues pelo Autor — alínea J dos factos admitidos por acordo;
               11) O Autor, juntamente com o DD, deu as medidas ao trabalhador CC para o corte dos materiais referidos nas alíneas J e L — resposta ao quesito 1 da base instrutória;
               12) Estes materiais eram o produto da desmontagem de uns gabinetes de trabalho e estavam guardados no sótão da sala de exposição da empresa — alínea L dos factos admitidos por acordo;
               13) Os funcionários EE e FF colocaram os materiais junto do posto de trabalho do trabalhador CC — alínea M dos factos admitidos por acordo;
               14) Os materiais destinavam-se à construção de uns armários para os anexos de uma lavandaria de uma pessoa das relações do Autor, de seu nome DD — alínea N dos factos admitidos por acordo;
               16) Juntamente com tais materiais, o trabalhador CC ainda cortou uma placa nova de armazém designada por VAGSP L1, que se destinou às partes da frente dos referidos armários — alínea P dos factos admitidos por acordo;
               17) De entre os materiais entregues ao trabalhador CC constava uma placa nova para as portas dos armários — alínea Q dos factos admitidos por acordo;
               21) Alguns anos a esta parte, pelo menos há dez anos, o Autor pelo menos uma vez por ano dá instruções ao trabalhador CC para que este, no tempo de trabalho e utilizando as máquinas e ferramentas da empresa, efectue serviços de corte de madeira ou derivados para as suas colmeias — alínea R dos factos admitidos por acordo;
               24) O Autor não pagou à empresa o valor das horas de trabalho do trabalhador CC, nem a utilização das máquinas — alínea U dos factos admitidos por acordo;
               25) No mês de Janeiro de 2008, o trabalhador CC, a pedido e sob as instruções do Autor, cortou nas instalações e com as máquinas da empresa e no horário de trabalho, madeira ou seus derivados que lhe foram mandados entregar pelo Autor — resposta ao quesito 6 da base instrutória;
              26)  Os materiais destinavam-se a construir uns armários da despensa da habitação do afilhado de casamento do Autor, o DD — resposta ao quesito 8 da base instrutória;
               27) O trabalhador CC efectuou os cortes necessários na empresa nas horas de trabalho e utilizando as máquinas e ferramentas da empresa — resposta ao quesito 9 da base instrutória;
              30)  O Autor não pagou à empresa o valor das horas de trabalho do referido trabalhador, nem a utilização das máquinas — resposta ao quesito 12 da base instrutória;
              31)  O Autor deu instruções ao trabalhador CC para se deslocar a casa do referido DD a fim de efectuar acabamentos nos armários no seu horário normal de trabalho — resposta ao quesito 13 da base instrutória;
              32)  O trabalhador CC saiu da empresa uma tarde para cumprir tal instrução, não compareceu ao trabalho e sofreu uma falta injustificada no período da tarde — resposta ao quesito 14 da base instrutória;
              33)  Pelo serviço de corte para funcionários, bem como pela apropriação do que constituísse desperdícios, sobras de madeira ou seus derivados, era cobrado um preço diminuto (alguns cêntimos ou escassos euros) — resposta ao quesito 17 da base instrutória;
              52)  A Ré possui seis sucursais espalhadas do norte ao sul do país, sendo uma empresa especializada na comercialização e distribuição de produtos de madeira e derivados, conforme documento constante de folhas 29 e 30 — alínea NN dos factos admitidos por acordo.»

Na correspondente nota de culpa, a empregadora imputa ao trabalhador que o mesmo conhecia as regras «que [devia] cumprir na boa execução das tarefas que [integravam] o seu desempenho laboral, e [tinha] consciência de que não podia usar bens da empresa e apropriar-se de produtos desta sem efectuar o seu pagamento» e que, «tendo vários trabalhadores a seu cargo, o arguido [tinha] a obrigação de ser um exemplo para os seus inferiores hierárquicos», sendo que «agiu com culpa, adoptou um comportamento violador dos seus deveres laborais e da confiança que nele era depositada para o exercício da sua função, agiu de forma voluntária e com consciência da ilicitude do seu comportamento», o que violava os deveres previstos nas alíneas c), d), e g) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho, bem como nas alíneas a), b) e e) do n.º 3 do artigo 396.º do mesmo diploma legal.

Mais se afirmou na mesma nota que «[o] arguido não actuou com o zelo que lhe é exigido e desobedeceu a instruções que conhecia e que lhe foram legitimamente transmitidas pela entidade patronal e pelos seus superiores hierárquicos, actuando de forma a causar prejuízo para os negócios da empresa, prejudicando interesses patrimoniais sérios da mesma. Contribuiu para prejudicar um trabalhador da empresa que viu ser-lhe aplicada uma falta injustificada. O trabalhador arguido violou de forma grave a confiança que nele é depositada pela entidade patronal.»

Face ao acervo factual demonstrado, não se descortina a alegada ofensa dos direitos e garantias de trabalhadores da empresa, nem a pretendida lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa empregadora.

Mas já se provou que o autor não cumpriu as instruções da empregadora quanto ao pagamento do serviço de corte de madeira ou seus derivados para funcionários, bem como pela apropriação do que constituísse desperdícios, sobras de madeira ou seus derivados, e não desenvolveu a sua actividade com o necessário zelo e diligência, ao admitir e promover a utilização de máquinas e funcionários da empregadora, no respectivo horário de trabalho, para finalidades alheias à actividade comercial da empresa, frustrando, deste modo, a confiança que nele era depositada.

Tal comportamento do autor — utilização de recursos humanos e materiais da ré para fins diversos da actividade comercial da empregadora, prevalecendo-se do cargo de chefia que desempenhava — violou, grave e culposamente, os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as instruções da empregadora no concernente ao pagamento do serviço de corte de madeira ou seus derivados para funcionários, bem como pela apropriação do que constituísse desperdícios, sobras de madeira ou seus derivados, de lealdade para com a entidade empregadora, tomado este no sentido de necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, e de boa utilização dos bens relacionados com o trabalho (artigo 121.º, n.º 1, alíneas c), d), e) e f) do Código do Trabalho).

2.3. Verificada a existência de um comportamento ilícito e culposo por parte do trabalhador, terá de se ponderar se o respectivo despedimento, sanção máxima disciplinar, é proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor.

Nesta parametrização, o apurado comportamento do autor não pode deixar de considerar-se particularmente grave e censurável, já que, ocupando, na ré, um cargo com responsabilidades hierárquicas, tais funções pressupunham uma maior exigência e acuidade quanto aos deveres de zelo e diligência, de cumprimento das instruções da empregadora, de lealdade para com a empregadora e de boa utilização dos bens atinentes ao seu trabalho, já que lhe estava adstrito o especial dever de zelar pelos meios humanos e materiais postos à sua disposição pela empregadora.

E nem se diga que não resultaram prejuízos graves daquele comportamento.

Tal como lucidamente pondera JÚLIO GOMES (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 951), no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, «estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador».

E, neste conspecto, há que reconhecer que o sobredito comportamento, nas circunstâncias concretas em que ocorreu, teve necessariamente como consequência a perda de confiança no autor, trabalhador a quem estavam confiadas funções de chefia, estatuto que lhe impunha uma especial postura de zelo, diligência e lealdade, e que, uma vez frustrada, é susceptível de criar na empregadora fortes dúvidas acerca da idoneidade futura do seu comportamento.

Refira-se, ainda, que a antiguidade do autor é, sem dúvida, um elemento a ponderar, mas não pode sobrepor-se à gravidade dos actos praticados; aliás, a dita antiguidade permitia-lhe ter plena consciência das consequências que a sua conduta iria provocar na permanência da confiança em que assentava a relação de trabalho.

Neste contexto, o autor, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a respectiva manutenção, que não é razoável exigir à entidade empregadora, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho aplicável, termos em que procedem as atinentes conclusões da alegação do recurso de revista.

                                                 III

Pelos fundamentos expostos, decide-se (i) conceder a revista trazida pela ré e, em consequência, (ii) revogar o acórdão recorrido, excepto no segmento em que, concedendo provimento ao recurso de agravo, revogou a decisão que condenou o autor como litigante de má fé e (iii) repristinar a sentença do tribunal de primeira instância, que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor € 744, a título de prémio de produção que não lhe foi pago durante o período em que esteve suspenso, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a ré dos restantes pedidos.

Custas, na 1.ª instância, a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento; na 2.ª instância, custas do recurso de apelação a cargo do autor e custas do recurso de agravo a cargo da ré; custas do recurso de revista, a cargo do autor.

Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

 Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)
Fernandes da Silva
Gonçalves Rocha