ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
661/07.0TTLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/09/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PINTO HESPANHOL

DESCRITORES CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
PRESCRIÇÃO

SUMÁRIO
1.  Na cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, a declaração resolutiva, para ser válida, deve fazer-se mediante declaração escrita dirigida ao empregador, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos termos do n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho de 2003, aplicável no caso, e seguindo tal resolução o regime geral definido no Código Civil, trata-se de uma declaração negocial receptícia, no sentido de que se torna eficaz logo que chega ao destinatário ou é dele conhecida, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil.

2.  Resultando provado que a ré recebeu a carta resolutiva enviada pela autora, no dia 1 de Fevereiro de 2006, o início do prazo de prescrição estabelecido no n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003 coincide com o dia 2 de Fevereiro de 2006, pelo que, em 13 de Fevereiro de 2007 ― data em que foi instaurada a presente acção ―, já se encontrava decorrido o período de tempo previsto no aludido preceito legal, verificando-se a prescrição dos créditos peticionados.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 13 de Fevereiro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 1.º Juízo, AA instaurou acção declarativa com processo comum contra BB– CULTURA, ENSINO E INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe (i) € 45.343,34, referentes a diferenças de retribuição desde Janeiro de 2000 a Setembro de 2005, (ii) € 12.676,24, correspondentes ao valor das retribuições não pagas desde Outubro de 2005 a 14 de Fevereiro de 2006 (data da resolução do contrato) e (iii) € 50.128,75, a título de retribuição de férias vencidas em Janeiro de 2006 e respectivo subsídio, proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal e indemnização pela justa causa de resolução do contrato, tudo acrescido de juros contados, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento.

A ré contestou, alegando a incompetência do tribunal de trabalho, em razão da matéria, posto que o vínculo que a autora manteve com a ré não consubstanciava um contrato de trabalho, mas, antes, um contrato de docência atípico, na categoria da prestação de serviço; invocou, ainda, a prescrição dos direitos que a autora pretendia exercer na acção, porquanto, mesmo que se configurasse um contrato de trabalho, a autora resolveu o contrato por carta registada, com aviso de recepção, datada de 31 de Janeiro de 2006, sendo que essa resolução produziu efeitos desde 1 de Fevereiro de 2006, mas a acção só deu entrada em tribunal em 13 de Fevereiro de 2007, tendo a ré sido citada em 14 de Fevereiro de 2007.

A autora respondeu, pugnando pela improcedência das excepções aduzidas.
Realizou-se audiência preliminar, no âmbito da qual foi proferido despacho que julgou improcedente a alegada incompetência do tribunal, relegou para ulterior fase a apreciação da deduzida excepção de prescrição e que, com a colaboração dos mandatários das partes, seleccionou os factos assentes e organizou a base instrutória.

Após o julgamento, foi proferida sentença, que julgou prescritos os créditos peticionados pela autora e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, tendo reapreciado a matéria de facto, julgou aquele recurso improcedente, mantendo a decisão do tribunal de 1.ª instância, sendo contra aquela decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que a autora, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes:

                 «1.   A A. intentou acção contra a R., invocando e pedindo, em suma, o seguinte:
                        a) Fora admitida ao serviço da CC, actualmente BB– Cultura – Ensino e Investigação Cientifica, em 1 de Outubro de 1986, para o desempenho de funções docentes;
                        b) A relação jurídica existente desde então entre as partes era a emergente de um contrato de trabalho subordinado, embora a empregadora denominasse os contratos celebrados como contratos de docência;
                        c) Ao longo dos anos a R. fora-lhe diminuindo a retribuição até que, a partir de Setembro de 2005, deixara de lhe atribuir funções docentes e de lhe pagar a retribuição, razão porque a A. resolvera o contrato de trabalho com fundamento em justa causa por carta datada de 31 de Janeiro de 2006, resolução que operava os seus efeitos na data da recepção daquela carta, recepção pela R. que ocorrera no dia 14 de Fevereiro de 2006, data em que a R. havia respondido àquela carta da A.;
                        d) Pedia por essa razão a condenação da R. a pagar-lhe as diferenças salariais referentes aos períodos de tempo em que lhe diminuíra a retribuição, as retribuições não pagas de Outubro de 2005 a 14 de Fevereiro de 2006, as quantias devidas a título de férias, subsídio de férias e de Natal vencidos em razão da cessação do contrato de trabalho e ainda a indemnização devida em função da resolução com justa causa;
                   2.   A acção deu entrada em Juízo com pedido de citação prévia, citação da R. que efectivamente veio a ocorrer dentro do prazo;
                   3.   Estabelece o art. 224.º, n.º 1, do Código Civil, que a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida, prevendo o n.º 3 do mesmo normativo que a declaração é ineficaz quando chega ao destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida;
                   4.   E o art. 306.º do Código Civil estabelece que a o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido;
                   5.   Vale isso para dizer que, tratando-se no caso dos autos de uma resolução que só operava os seus efeitos na data em que a carta de resolução chegasse ao conhecimento do destinatário, neste caso da R., como consta da carta a fls. 17 dos autos, o prazo prescricional para a A. reclamar os seus créditos só começava a correr quando a A. tivesse conhecimento de que a carta fora entregue à R. e em condições de esta perceber o seu conteúdo;
                   6.   Ou seja, teria a A. que ter o conhecimento de que a carta fora entregue e não se extraviara;
                   7.   Sobre essa matéria a A. invocara nos arts. 14.º e 15.º da petição inicial que enviara carta de despedimento por carta datada de 31 de Janeiro de 2006 (Doc. 4 oferecido com a petição inicial) e que fora recebida pela R. no dia 14 de Fevereiro seguinte, juntando a carta da R. a acusar a recepção (Doc. 5 oferecido com a petição inicial);
                   8.   A R. no art. 118.º da contestação veio contrapor que a citada carta fora recebida no dia 1 de Fevereiro de 2006, era uma carta registada com aviso de recepção e que, por essa razão, tendo a acção entrado em Juízo no dia 13 de Fevereiro de 2007, estava prescrito o direito invocado na acção pela A.;
                   9.   À R. cabia a prova dos factos integradores da prescrição que invocava ― art. 342.º, n.º 2, do Código Civil ― mas a R. não só não invocou os factos probatórios da ocorrência da prescrição, mas também não os provou;
                   10. E, tratando-se de carta registada e de que a R. tinha o respectivo envelope com a menção do número do registo, a pesquisa da data de expedição e recepção da carta, bem como da devolução do aviso de recepção à A. estava à disposição da R. através de busca efectuada nos CTT, mesmo através da Internet (www.ctt.pt – Pesquisa de Objectos), mas a R., no momento próprio, não invoca que o tenha feito e não demonstra nos autos o resultado obtido, não relevando que o tenha invocado em audiência, não cumprindo o ónus probatório que lhe cabia;
                   11. Querendo suprir tal prova através de menções escritas manualmente em documentos internos da R. e que não se sabe em que data teriam sido apostas;
                   12. E assim sendo, o que importa para contagem do prazo prescricional previsto no art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 é não só a data em que a carta chegou ao conhecimento da R. e de forma legível, mas também a data em que a A. teve conhecimento desse facto, por força do princípio consignado no art. 306.º, n.º 1, do Código Civil;
                   13. Ou seja, a resolução só operou os seus efeitos no dia em que a R. tomou conhecimento da mesma e o prazo prescricional só se iniciou quando a A. teve conhecimento desse facto, e esse conhecimento da A. só existiu quando esta teve conhecimento da carta datada de 14 de Janeiro de 2006 escrita pela R. ― ver facto provado sob o n.º 10 na sentença recorrida ― e que a A. só recebeu a 23 do mesmo mês e ano;
                   14. E a norma do art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, ao estabelecer que o prazo prescricional se começa a contar desde o dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho não colide com o princípio geral que consta do art. 306.º, n.º 1, do Código Civil, pois a data da cessação do contrato é a data em que as partes dela tiveram conhecimento;
                   15. É pois irrelevante o facto dado por provado sob o n.º 78 na matéria de facto e ainda que assim se não entendesse aquele facto não podia dar-se por provado;
                   16. Em suma:
                        a) Da prova produzida não poderiam a douta sentença de 1.ª instância e o Acórdão recorrido extraírem com segurança que a carta de resolução da A., datada de 31 de Janeiro de 2006, chegara ao conhecimento da R. no dia 1 de Fevereiro de 2006;
                        b) Mas ainda que o tivesse sido, tal era irrelevante, pois o prazo prescricional previsto no art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, só começava a correr para a A. na data em que esta tivesse conhecimento da recepção da carta pela R, e em condições de ter lido o seu conteúdo, pois a resolução operava-se com a recepção da carta e a A. só teve conhecimento de que a R. a recebera quando ela própria A. recebeu uma carta da R., datada do dia 14 de Fevereiro de 2006, através da qual a A. conheceu a recepção da sua carta datada de 31 de Janeiro anterior;
                        c) O prazo prescricional iniciara-se pois na data em que a A. recebera a carta da R. datada de 14 de Fevereiro de 2006, razão pela qual a R. foi citada antes do termo do prazo prescricional de um ano previsto no art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003;
                        d) Sendo à R. que cabia, pelos meios probatórios que estavam ao seu alcance, fazer a prova não só da data em que recebera a carta da A, datada de 31 de Janeiro de 2006, mas também da data em que a A. tivera conhecimento da sua recepção pela R., pois era a R. que invocava a prescrição;
                   17. A douta sentença de 1.ª instância e o Acórdão recorrido que a confirmou, ao considerarem como provado o facto que fez constar do n.º 78 fez incorrecta valoração da prova, erro de julgamento que não obstante não permitia a conclusão de que ocorrera o prazo prescricional previsto no art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, decisão que por essa forma violou os arts. 224.º, n.os 1 e 3, 342.º, n.º 2, e 306.º, n.º l, do Código Civil.»

Defende, a final, que a decisão recorrida deve ser anulada, determinando-se «a baixa dos autos à 1.ª instância para apreciação das demais questões suscitadas pelas partes, ou, quando o Tribunal entenda fazer uso da faculdade prevista no art. 715.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que se digne ouvir para o efeito as partes nos termos do n.º 3 do mesmo normativo processual».

A ré contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta sustentou que, quando a acção foi proposta, já os créditos peticionados pela autora se encontravam extintos por prescrição, por isso, devia improceder a revista, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da recorrente para discordar daquela posição.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

              –   Se ocorreu erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto (conclusões 15.ª, 16.ª e 17.ª, nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista);
                Se os créditos reclamados pela autora se acham prescritos (conclusões 1.ª a 17.ª, nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista).

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                              II

1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:
1) A Ré é uma Fundação que se dedica ao ensino, tendo inicialmente a denominação de CC, CRL e possuindo, entre outros estabelecimentos, a Univerdidade L... (A);
2) Em Outubro de 1986, a Autora iniciou funções docentes na Univerdidade L..., desempenhando desde então estas funções naquela Universidade (B);
3) Foram efectuadas, na remuneração da Autora, as deduções previstas para os trabalhadores por conta de outrem (C);
4) Foram concedidas à Autora férias anuais remuneradas e pagos os respectivos subsídios de férias e de Natal (D);
5) No início do ano lectivo de 2005/2006, a Univerdidade L... não atribuiu qualquer serviço docente à Autora, tendo deixado de lhe pagar qualquer remuneração desde o final de Setembro de 2005 (E);
6) Desde Janeiro de 2000 até Setembro de 2005, ao serviço da Univerdidade L..., a Autora auferiu as remunerações e subsídios que resultam do documento junto de fls. 14 a fls. 16 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (F);
7) A BBemitiu a Declaração junta de fls. 9 a fls. 12 dos presentes autos, datada de 29 de Março de 2005, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (G);
8) Dá-se por reproduzido o conteúdo do documento designado por “Justificação de Falta”, junto a fls. 13 dos presentes autos (H);
9) A Autora emitiu e enviou à BB, por carta registada com aviso de recepção, a carta datada de 31 de Janeiro de 2006, junta por cópia a fls. 17 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, nomeadamente o seguinte:
                    «Nos termos dos art°s 441º e seguintes do Código do Trabalho informo que resolvo com fundamento em justa causa o contrato de trabalho que me liga a essa instituição, produzindo a resolução efeitos na data da recepção desta carta.
                      A resolução tem por fundamento o facto de não me estar a ser paga qualquer retribuição desde o mês de Outubro de 2005 (inclusive), não me tendo sido dada qualquer explicação aceitável desde então»(I);
10) Em resposta, a BBremeteu à Autora carta datada de 14 de Fevereiro de 2006, junta por cópia a fls. 18 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, nomeadamente o seguinte:
                    «Acusamos a recepção da carta de V. Exª, de 31 de Janeiro de 2006, que nos causou estranheza.
                      Em resposta, informamos que não aceitamos a invocação de justa causa para a rescisão do contrato de docência nela declarada.
                      Na verdade e contrariamente ao que invoca, devemos recordar V. Exa. que lhe foi atribuída, no mês de Setembro de 2005, pelo Sr. Director da Faculdade de Ciências da Economia e da Empresa, e foi por si aceite, a regência da disciplina, do segundo semestre, de História Geral da Civilização, do 1º ano do Curso de Licenciatura de Turismo, a que corresponde a carga horária de 4 horas teóricas por semana» (J);
11) A Cooperativa de Ensino Univerdidade L..., CRL e a Autora celebraram os acordos designados por «Contrato de Docência», datados de 30 de Outubro de 1986 e 1 de Outubro de 1987, juntos por cópia de fls. 80 a 85 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido (L);
12) A Autora e a Cooperativa de Ensino Univerdidade L..., CRL, celebraram ainda os acordos datados de 1 de Outubro de 1992 e de Setembro de 1989, juntos por cópia de fls. 86 a 94 dos presentes autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (M);
13) Dá-se por reproduzido o teor dos documentos juntos por cópia de fls. 95 a 98 dos presentes autos, subscritos pela Autora (N);
14) Dá-se por reproduzido o Curriculum Vitae da Autora junto a fls. 99 a 108 dos presentes autos (O);
15) A Autora fazia parte do Departamento de História da Univerdidade L... (P);
16) A Autora integrava júris de exames, orais e escritos, nos quais procedia à avaliação dos alunos (Q);
17) A Autora era e é investigadora do Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa (R);
18) A Autora é licenciada em Ciências Históricas, tendo frequentado o Curso de Mestrado de História Cultural e Política (S);
19) A Autora tem de utilizar, no exercício da sua actividade, os seus próprios livros, sebentas, apontamentos e todo o material de investigação que tenha recolhido (T);
20) A Autora estava integrada na estrutura da Univerdidade L..., onde leccionava (resposta ao item 6°);
21) A BBe a Univerdidade L... possuem órgãos próprios e competências distintas (resposta ao item 8°);
22) À Ré compete proceder à gestão administrativa das instalações e equipamentos por forma a optimizar o funcionamento da Universidade (resposta ao item 9.º);
23) A Univerdidade L... possui autonomia científica, pedagógica e cultural, com a qual a Ré não interfere (resposta ao item 10.º);
24) À Univerdidade L... cabe gerir e decidir da melhor forma de exercer a actividade docente com vista ao resultado que constitui o seu objectivo e fim último que é o ensino universitário (resposta ao item 11.º);
25) A Ré não possui órgãos, autoridades ou departamentos académicos ou universitários (resposta ao item 12.º);
26) À Ré cabe a celebração dos contratos dos docentes, enquanto entidade instituidora (resposta ao item 13.º);
27) O âmbito da função docente de cada um dos docentes contratados é anualmente fixado pelos Conselhos Escolares dos respectivos Departamentos (resposta ao item 14.º);
28) Todas as decisões relativas a selecção e escolha dos docentes são tomadas pelos órgãos académicos da Universidade (resposta ao item 15.º);
29) A Autora prestava a sua actividade autonomamente e sem qualquer intervenção da Ré (resposta ao item 16.º);
30) Os docentes da Univerdidade L... não são seleccionados nem designados pela Ré, nem esta interfere na sua específica prestação (resposta ao item 17.º);
31) A Autora teve e tem conhecimento de que as únicas entidades de que sempre e exclusivamente dependeu no exercício da sua actividade docente são os órgãos académicos ― o Reitor da Universidade, o seu Conselho Directivo, o seu Conselho Pedagógico, o seu Conselho Cientifico e o Conselho Escolar de cada um dos Cursos, nomeadamente o Conselho Escolar do Departamento de História (resposta ao item 18.º);
32) Ao Conselho Escolar de cada departamento e por proposta do respectivo Director compete proceder à admissão dos docentes, atribuir-lhes as disciplinas que vão ensinar, com a carga horária que lhe tenha sido fixada pelo Ministério da Educação (resposta ao item 19.º);
33) A docência depende dos órgãos académicos, a saber, o Reitor, Conselho Directivo, Conselhos Pedagógicos, Conselhos Científicos, Conselhos Escolares, de que depende a homologação dos programas das disciplinas, as normas de avaliação das respectivas provas, a composição dos júris, as condições de matrículas nos cursos da Universidade, os deveres e direitos dos docentes e a data das suas férias (resposta ao item 20.º);
34) A Ré é de todo estranha a esse envolvimento, à admissão dos docentes e às condições da sua contratação (resposta ao item 21.º);
35) As referidas autoridades académicas é que admitem os docentes e com eles ajustam as suas funções e condições do seu exercício e desempenho (resposta ao item 22.º);
36) A Ré limita-se a formalizar o respectivo contrato com os docentes que as ditas autoridades académicas lhe indicam (resposta ao item 23.º);
37) A Ré nunca fixou horário de trabalho à Autora (resposta ao item 24.º);
38) A Autora exercia a função docente, ministrando as aulas da sua disciplina nos dias da semana e à hora que o Conselho Directivo da Universidade fixara nos mapas da organização e do funcionamento da Universidade (resposta ao item 25.º);
39) Os Conselhos Escolares dos diferentes cursos distribuem o serviço docente pelos professores e assistentes do curso (resposta ao item 26.º);
40) A carga horária atribuída à Autora era fixada em função da distribuição do serviço docente feita pela Direcção do Departamento onde a Autora leccionava (resposta ao item 27.º);
41) As respectivas secretarias, com prévio parecer de uns e de outros, distribuem a carga horária constante da Portaria que fixa o currículo do curso, correspondente à disciplina que cada um ensina, pelos diferentes dias lectivos e suas horas (resposta ao item 28.º);
42) O «contrato de docência» finda quando o Director do respectivo Departamento assim o decidir ou ainda quando o contrato cessa por razões a ele inerentes (resposta aos itens 30.º e 31.º);
43) A Ré não fixa os programas da docência respeitantes aos graus académicos, aos institutos, centros de estudo, de investigação ou de informática (resposta ao item 32.º);
44) A Ré não fixa as turmas com os respectivos tempos lectivos de trabalho dos docentes (resposta ao item 33.º);
45) A Ré não estabeleceu a duração das aulas de cada disciplina leccionada pela Autora (resposta ao item 34.º);
46) O plano de estudos do curso com as respectivas cargas horárias de cada disciplina é fixado pelo Ministério da Educação (resposta ao item 35.º);
47) O docente exerce a sua actividade em obediência à libertas docendi nos termos de um programa cuja elaboração é da sua exclusiva autonomia científica e pedagógica (resposta ao item 36.º);
48) A Autora exercia a sua actividade de acordo com um programa por si elaborado (resposta ao item 37.º);
49) A Autora, enquanto docente da disciplina de História Cultural das Mentalidades Medieval, do Departamento de História, e posteriormente como docente de outras disciplinas que veio a leccionar, decidia como deveria leccionar as disciplinas e corrigir os exames de frequência (resposta ao item 38.º);
50) Cabia à Autora estabelecer o conteúdo das aulas que leccionava (resposta ao item 39.º);
51) À Autora cabia organizar a sua actividade (resposta ao item 40.º);
52) À Autora cabia determinar e fixar os respectivos resultados (resposta ao item 41.º);
53) A Autora exercia parte da sua actividade nas instalações da Universidade e a parte respeitante à investigação e preparação das aulas em casa (resposta ao item 43.º);
54) À Ré incumbia a gestão administrativa das instalações e equipamentos da universidade (resposta ao item 44.º);
55) O número de aulas semanal e a sua duração é fixado pelo Ministério da Educação (resposta ao item 45.º);
56) O professor é quem disciplina a actividade docente e decide o que ensinar e como (resposta ao item 46.º);
57) Os Professores da Univerdidade L... encontram-se organizados em Departamentos (resposta ao item 47.º);
58) Cada curso universitário possui um Departamento próprio e a cada um destes corresponde um Conselho Escolar, onde tem assento todos os docentes que leccionam nesse mesmo Departamento e onde todos tomam as decisões sobre o funcionamento dos respectivos cursos (resposta ao item 48.º);
59) A Autora tinha assento no Conselho Escolar do Departamento de História, participando na tomada de todas as decisões respeitantes ao próprio Departamento (resposta ao item 49.º);
60) A Ré não interferia na forma como a Autora procedia à avaliação dos alunos, nem no resultado da mesma (resposta ao item 50.º);
61) A Autora elaborava os exames como melhor entendia e avaliava os alunos da forma que entendia mais conveniente (resposta ao item 51.º);
62) À Ré não cabia determinar a que exames a Autora devia presidir ou integrar o júri dos mesmos (resposta ao item 53.º);
63) Dentro dos horários fixados de acordo com as directivas do respectivo Departamento, os docentes podiam, de acordo com a sua disponibilidade e conveniência, trocar entre si a distribuição pelos dias de semana da sua carga horária, com o acordo daquele Departamento (resposta aos itens 54.º a 56.º);
64) A remuneração do docente estava ligada ao número de horas que este leccionava (resposta ao item 57.º);
65) A carga horária dos docentes universitários advém do número de horas leccionado (resposta ao item 58.º);
66) O número de horas leccionado advém da distribuição de serviço docente efectuado pelo respectivo Departamento (resposta aos itens 59.º e 60.º);
67) Todos os docentes da Univerdidade L..., e assim também a Autora, bem sabem que o número de alunos em cada disciplina varia conforme os anos e os semestres (resposta ao item 61.º);
68) Desde a celebração do primeiro contrato de docência com a Autora, que foi ajustado entre esta e a Ré, que a remuneração mensal resultava da multiplicação do número de horas de docência, de acordo com os horários atribuídos, por um valor horário acordado (resposta ao item 62.º);
69) Nunca foi acordada uma remuneração mínima, nem um número mínimo de horas de leccionação (resposta ao item 63.º);
70) Havendo várias turmas em determinadas disciplinas, verificando-se uma acentuada diminuição no número de alunos inscritos, haverá docentes com diminuição ou exclusão da carga horária (resposta ao item 64.º);
71) Se se verificar um aumento do número de alunos e, em consequência, for alargada a carga horária de um docente, a remuneração deste também será naturalmente aumentada (resposta ao item 65.º);
72) A Autora sabia que o aumento, diminuição ou exclusão da carga horária acarretava o aumento, diminuição ou exclusão da remuneração (resposta aos itens 66.º e 67.º);
73) Desde o início da relação de docência que a Autora sabia que a sua remuneração seria calculada com base na carga horária que lhe iria ser atribuída, a qual podia ser aumentada ou diminuída (resposta ao item 68.º);
74) Estas condições de remuneração foram comunicadas à Autora que com elas concordou (resposta ao item 69.º);
75) Para o ano lectivo de 2005-2006, a Univerdidade L... deparou-se com uma grande diminuição do número de alunos para o curso de História, curso em que a Autora era docente (resposta ao item 70.º);
76) O curso de História passou a ser um curso de frequência muito pouco procurada (resposta ao item 71.º);
77) Em face daquela falta de candidatos, a Univerdidade L... teve de suspender o funcionamento daquele curso (resposta ao item 73.º);
78) A Ré recebeu a carta junta a fls. 17 dos presentes autos no dia 1 de Fevereiro de 2006 (resposta ao item 74.º).

A recorrente, nas partes atinentes das conclusões 15.ª, 16.ª e 17.ª da alegação do recurso de revista, defende que é «irrelevante o facto dado por provado sob o n.º 78 na matéria de facto e ainda que assim se não entendesse aquele facto não podia dar-se por provado», que «[d]a prova produzida não poderiam a douta sentença de 1.ª instância e o Acórdão recorrido extraírem com segurança que a carta de resolução da A., datada de 31 de Janeiro de 2006, chegara ao conhecimento da R. no dia 1 de Fevereiro de 2006» e que «[a] douta sentença de 1.ª instância e o Acórdão recorrido que a confirmou, ao considerarem como provado o facto que fez [sic] constar do n.º 78, fez [sic] incorrecta valoração da prova».
    
Tal questão prende-se, pois, com a fixação dos factos materiais da causa.

Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Especificamente, o n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova». E o n.º 2 do indicado artigo 729.º dispõe que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º».

A propósito da sobredita alegação, o acórdão recorrido afirmou o seguinte:

                  «Nas suas alegações de recurso, a autora/apelante insurge-se contra a circunstância do Tribunal a quo haver considerado como provada a matéria de facto que consta do referido ponto 78. ― que traduz a resposta dada por aquele Tribunal ao quesito 74.º da Base Instrutória organizada nos autos ― ponto em que fixara como assente que “A Ré recebeu a carta junta a fls. 17 dos presentes autos no dia 1 de Fevereiro de 2006”.
                      Essa carta trata-se de uma missiva que a autora enviou à ré, datada de 31 de Janeiro de 2006, através da qual lhe dava conhecimento da sua decisão de resolução do contrato de trabalho que as ligava, afirmando ainda que a resolução produziria os seus efeitos na data da recepção dessa carta e explanando, depois, sumariamente, os fundamentos que a teriam levado a decidir-se por essa forma de cessação da relação contratual entre ambas estabelecida (Cfr. o ponto 9. dos factos provados).
                      Afirma a autora/apelante, nas suas alegações de recurso, que “Em sede de fundamentação quanto à prova daquele facto (então constante do quesito 74.º) a sentença recorrida socorreu-se do depoimento prestado em audiência pela testemunha DD que afirmou que todos os dias é elaborado um documento como consta de fls. 220 dos autos e que se daquele documento constava uma carta recebida da A. era a carta de resolução do contrato”, acrescentando, depois, que “Com o devido respeito, trata-se de um documento interno da R. podendo (ainda hoje) ser elaborado um documento reportado a qualquer data do ano de 2005 ou 2006, não podendo a testemunha assegurar no ano de 2010 (como fez) que aquela carta recebida (a da resolução do contrato pela A.) fora escriturada naquele momento há quatro anos” e que “o mesmo se diga do documento Doc. 10 oferecido com a contestação onde se mostra exarada uma anotação manuscrita com a data de 1-2-2006, porquanto se trata de um documento na posse da R. e que pode ser objecto de qualquer anotação ainda com aposição de data anterior”.
                      Importa referir, antes de mais, que no nosso ordenamento jurídico, um dos princípios basilares, em termos de apreciação de prova, é o da liberdade de julgamento consagrado no art.º 655.º do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide apenas com base na sua prudente convicção acerca de cada facto.
                      Não se exige, pois, a este Tribunal da Relação, no âmbito da pretendida apreciação de prova, que procure formar uma nova convicção em termos de matéria de facto, quiçá diferente da que foi alcançada pelo Tribunal de 1.ª instância, circunstância que, pela própria natureza das coisas, levaria a que se devesse proceder a uma sistemática e global apreciação da prova produzida em audiência, mas apenas a detecção e correcção de eventuais mas concretos erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente terá o dever de apontar claramente e de fundamentar na sua alegação de recurso[-].
                      Na verdade, o que este Tribunal da Relação é chamado a fazer em tais circunstâncias, é verificar se a convicção expressa pelo Tribunal de 1.ª instância na prolação de decisão sobre matéria de facto, tem suporte razoável nos elementos de prova que lhe são apresentados nos autos e produzidos em audiência, e, consequentemente, se uma tal decisão não deriva de um qualquer erro de julgamento.        
                      Deste modo e partindo deste pressuposto, verificamos que a Sr.ª Juíza do Tribunal a quo, depois da audiência de discussão e julgamento da presente causa e ao ser chamada a decidir a matéria de facto constante do quesito 74.º da base instrutória do processo, quesito em que se perguntava se “A R. recebeu a carta junta a fls. 17 dos presentes autos no dia 01/Fevereiro/2006?”, respondeu claramente, com um provado, fundamentando essa resposta no depoimento da testemunha DD, secretária de administração, primeiro da Cooperativa de Ensino e actualmente da Fundação ora Ré, acrescentando que “A testemunha explicou a forma de recebimento e distribuição da correspondência na Universidade e na Fundação. A testemunha explicou ainda que recebe toda a correspondência que se dirija ao Presidente da Fundação ou à Fundação, que é também, posteriormente, entregue a este”, acrescentando ainda na mencionada fundamentação que, “Perante o documento de fls. 220 que lhe foi exibido, a testemunha explicou que todos os dias é elaborado um documento semelhante no qual se faz menção da correspondência recebida. No caso tratava-se da correspondência dirigida ao Prof. Martins da Cruz (que a ele vinha dirigida ou dirigida à própria Fundação) e nela se fez referência à carta recebida pela Autora.
                      A testemunha referiu que tal carta foi recebida na data constante do documento, ou seja, a 1 de Fevereiro de 2006”.
                      Ora, admitindo-se que esta fundamentação reflecte o depoimento prestado pela mencionada testemunha ― dado que não poderemos sindicar tal depoimento uma vez que a prova testemunhal não foi objecto de registo ― e tendo em consideração o que referimos sobre a problemática de reapreciação de provas por parte deste Tribunal da Relação, de forma alguma poderemos concluir pela verificação de erro de julgamento quanto à matéria de facto que integrava o quesito 74.º da base instrutória do processo. Com efeito, a resposta que lhe foi dada pelo Tribunal a quo tem efectivo suporte não só no depoimento da mencionada testemunha, como também em prova documental junta ao processo, designadamente o documento de fls. 220.
                      É certo que a carta remetida pela aqui autora à ré e que constitui o documento de fls. 17 dos presentes autos foi remetida com aviso de recepção, como resulta do ponto 9. dos factos provados por acordo das partes ― cfr. o ponto 9. dos factos provados e que reproduz a al. I) da selecção de factos assentes feita pelo Tribunal de 1.ª instância com a colaboração dos ilustres mandatários das partes, muito embora nem da petição inicial (art. 15.º), nem da própria carta em causa (doc. n.º 4 de fls. 17 dos autos) conste que a mesma haja sido remetida com aviso de recepção ― sendo certo que esse elemento seria importante para se verificar a data em que a referida missiva teria sido efectivamente recebida pela ré.
                      No entanto, a não junção de tal elemento por parte da autora ― última destinatária desse aviso de recepção depois de assinado pelo receptor da correspondência ― não tem a virtualidade de pôr em crise a prova que a ré apresentou quanto a essa matéria e que, efectivamente, logrou produzir, não fazendo qualquer sentido o que, apenas agora, em sede de alegações de recurso, a apelante soube vir invocar, ou seja, que “não tinha sequer a certeza da data em que pusera no correio a carta datada de 31 de Janeiro de 2006, mas enviara-a com aviso de recepção que não lhe fora devolvido”, que “Ficara a R. com o aviso de recepção como não é raro suceder?” ou, então, que “Extraviara-se o aviso de recepção?”, para concluir depois, que “São factos que não são possíveis de conhecer pois os próprios CTT alegadamente não conseguem localizar dados referentes à carta em questão”. Com efeito, nada alegou a autora, em tempo oportuno, em termos de diligências que, porventura, haja feito ― se é que as fez ― junto dos CTT, para saber da razão de ser da invocada não recepção do aludido aviso de recepção.
                      Mantém-se, pois, aqui a resposta de provado, dada pelo Tribunal a quo ao aludido quesito 74.º (ponto 78. dos factos considerados como assentes na sentença recorrida), como aliás se mantém a demais matéria de facto tida por provada pelo mesmo Tribunal.»

A transcrita decisão do Tribunal da Relação sobre o ponto da matéria de facto concretamente impugnado foi proferida no quadro dos poderes que lhe são  conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil.

E não tendo sido alegado que, nessa reapreciação, a Relação tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), pelo que improcedem as conclusões 15.ª, 16.ª e 17.ª, nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que há-de ser resolvida a questão central suscitada no presente recurso.

2. A recorrente propugna que, à data em que propôs a presente acção, o prazo de prescrição legalmente previsto para a extinção dos créditos que através dela reclama não se encontrava decorrido, porquanto, «tratando-se no caso dos autos de uma resolução que só operava os seus efeitos na data em que a carta de resolução chegasse ao conhecimento do destinatário, neste caso da R., como consta da carta a fls. 17 dos autos, o prazo prescricional para a A. reclamar os seus créditos só começava a correr quando a A. tivesse conhecimento de que a carta fora entregue à R. e em condições de esta perceber o seu conteúdo», entendendo, assim, que «o que importa para [a] contagem do prazo prescricional previsto no art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 é não só a data em que a carta chegou ao conhecimento da R. e de forma legível, mas também a data em que a A. teve conhecimento desse facto, por força do princípio consignado no art. 306.º, n.º 1, do Código Civil», tudo para concluir que «o prazo prescricional previsto no art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, só começava a correr para a A. na data em que esta tivesse conhecimento da recepção da carta pela R, e em condições de ter lido o seu conteúdo pois a resolução operava-se com a recepção da carta e a A. só teve conhecimento de que a R. a recebera quando ela própria A. recebeu uma carta da R. datada do dia 14 de Fevereiro de 2006, através da qual a A. conheceu a recepção da sua carta datada de 31 de Janeiro anterior».

Diversamente, as instâncias convergiram no sentido de que, à data em que a presente acção foi intentada, já se encontravam prescritos os créditos reclamados. 

Neste particular, o acórdão recorrido decidiu nos termos seguintes:

                  «Passando-se, agora, à apreciação da segunda das suscitadas questões de recurso, afirma a apelante, a dado passo das suas alegações e em síntese, que “…tratando-se no caso dos autos de uma resolução que só operava os seus efeitos na data em que a carta de resolução chegasse ao conhecimento do destinatário, neste caso da R., como consta da carta a fls. 17 dos autos, o prazo prescricional para a A. reclamar os seus créditos só começava a correr quando a A. tivesse conhecimento de que a carta fora entregue à R. e em condições de esta perceber o seu conteúdo. Ou seja, teria a A. que ter conhecimento de que a carta fora entregue e não se extraviara, de que o envelope não se teria aberto e perdido o seu conteúdo, ou o texto da carta tivesse chegado por forma imperceptível por a carta ter apanhado chuva ou qualquer razão anormal”.
                      Refere, depois, noutro passo e em termos conclusivos que “A resolução só operou os seus efeitos no dia em que a R. tomou conhecimento da mesma (carta) e o prazo prescricional só se iniciou quando a A. teve conhecimento desse facto. E esse conhecimento da A. só existiu quando esta teve conhecimento da carta datada de 14 de Janeiro de 2006 escrita pela R. e que A. só recebeu a 23 do mesmo mês e ano”.
                      Com todo o respeito que este entendimento nos possa merecer, desde já se afirma não assistir razão à apelante.
                      Nada na lei permite considerar tais exigências, as quais, convenhamos dizer, seriam excessivas na medida em que fariam depender a eficácia da declaração resolutória do contrato de diversos factores que ela própria não prevê. Com efeito, a lei apenas faz depender essa eficácia da circunstância da declaração chegar ao poder ou ao conhecimento do seu destinatário. É o que, claramente, resulta do disposto no art. 224.º, n.º 1, do Código Civil.
                      A própria autora/apelante ao emitir a declaração de resolução do contrato que configura, claramente, como contrato de trabalho e que a ligava à ré/apelada, tinha essa mesma noção, já que, contrariamente ao que afirma nos excertos alegatórios anteriormente reproduzidos, na própria carta de resolução de contrato que dirigiu à ré ― doc. de fls. 17 e a que se alude no ponto 9. dos factos provados ― a mesma refere que a resolução produz efeitos na data da recepção da carta (pelo respectivo destinatário, entenda-se).
                      Ora, no caso em apreço, demonstrou-se que a ré recebeu, em 1 de Fevereiro de 2006, a carta de resolução contratual que lhe fora enviada pela autora/apelante com data do dia anterior, ou seja, em 31 de Janeiro de 2006, não podendo, portanto, a autora desconhecer que, efectivamente enviara à ré essa missiva nesta última data e que, em circunstâncias normais, a mesma a deveria receber num dos três dias úteis subsequentes.
                      A própria ré deu conhecimento à autora da recepção dessa carta de resolução contratual, através de uma carta que lhe enviou em 14 de Fevereiro de 2006. Todavia, a circunstância da ré apenas nesta última data haver acusado a recepção da aludida carta de resolução contratual, não pode significar nem significa que só então a mesma tenha recebido a declaração resolutória de contrato emitida pela autora ou dela tivesse, apenas então, tomado conhecimento. Nada se provou nesse sentido.
                      Ao invés e como referimos, demonstrou-se que a ré recebeu a aludida carta da autora em 1 de Fevereiro de 2006, sendo esta, pois, a data a considerar como a de produção de eficácia da mencionada declaração negocial receptiva de resolução contratual.
                      A circunstância de se haver demonstrado que a referida carta de resolução contratual fora expedida com aviso de recepção ― aspecto que apenas resultou demonstrado por concordância dos ilustres mandatários das partes em audiência preliminar, embora nada, nesse sentido, tivesse sido alegado nos articulados nem constasse de qualquer documento junto ao processo ― e não obstante esse documento poder ser importante para a determinação do momento de recepção da mesma pelo seu destinatário ou por alguém a ele ligado, não afasta, como vimos, a possibilidade de demonstração daquele facto por outros meios de prova, sendo certo que, no momento adequado, a autora não alegou nem demonstrou não lhe haver sido devolvido esse aviso de recepção, assim como não alegou e não demonstrou haver feito qualquer diligência junto dos CTT ante um qualquer eventual extravio do mesmo, não fazendo qualquer sentido que apenas em sede de alegações de recurso venha, de algum modo, suscitar estes aspectos.
                      Tendo a autora/apelante enviado à ré/apelada a carta de resolução de contrato que configurava como de trabalho em 31 de Janeiro de 2006, deveria a mesma, ante o estipulado no art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 e à cautela, ter deduzido a presente acção dentro do ano subsequente a essa data para não correr o risco de prescrição dos créditos nela invocados.
                      No mínimo exigia-se-lhe que, na presente acção e no momento próprio, tivesse alegado e demonstrado que não recebera entre 31 de Janeiro e 23 de Fevereiro de 2006 o aviso de recepção que acompanhara a carta de resolução contratual enviada à ré e quais as diligências efectuadas junto dos CTT tendo em vista a devolução do mesmo e os resultados delas obtidos.
                      Exigia-se-lhe, por outro lado, que, tal como alegara no art. 15.º da sua petição, tivesse demonstrado que a ré recebera a carta de resolução de contrato em 14 de Fevereiro de 2006.
                      Ora, tendo a ré/apelada alegado e logrado demonstrar que recebera da autora/apelante a aludida carta de resolução contratual em 1 de Fevereiro de 2006, não podemos deixar de concluir pela verificação da prescrição dos créditos reclamados por esta na presente acção, quando resulta dos autos que a acção apenas foi interposta em 13 de Fevereiro de 2007 e a ré citada para os seus termos no dia seguinte, ou seja, volvido que se mostrava já há muito o prazo de um ano a que se alude no mencionado n.º 1 do art. 381.º do aludido Código do Trabalho.
                      Não merece, pois, censura a sentença recorrida ao haver concluído do mesmo modo e ao fazer improceder a presente acção com base naquele fundamento, absolvendo a ré do pedido deduzido pela autora.»

Tudo ponderado, subscrevem-se, no essencial, as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.

Efectivamente, o n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003, aqui aplicável, reza que «[t]odos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

No caso, provou-se que a autora enviou à ré carta, datada de 31 de Janeiro de 2006, a informá-la, nos termos do artigo 441.º e seguintes do Código do Trabalho de 2003, que resolvia, com fundamento em justa causa, o contrato de trabalho, aí consignando que a resolução produzia efeitos na data da recepção dessa carta, e mais se demonstrou que «[a] ré recebeu a carta junta a fls. 17 dos presentes autos no dia 1 de Fevereiro de 2006» [factos provados 9) e 78)].

Como é sabido, a declaração negocial conducente a fazer cessar o vínculo laboral, seja ela emitida pelo empregador (em sede de despedimento), seja pelo trabalhador (traduzindo a denúncia ou a resolução do contrato), é receptícia, o que significa que, para ser eficaz, deve ser levada ao conhecimento do destinatário quer através de palavras, escritas ou transmitidas por qualquer outro meio de manifestação da vontade, quer através de actos equivalentes, que revelem, clara e inequivocamente, a vontade de fazer cessar o vínculo que ligava as partes.

Em sede de resolução do contrato pelo trabalhador, a declaração resolutiva, para ser válida, deve fazer-se mediante declaração escrita dirigida ao empregador, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos termos do n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho de 2003, e seguindo tal resolução o regime geral definido no Código Civil, trata-se de uma declaração negocial receptícia, no sentido de que se torna eficaz logo que chega ao destinatário ou é dele conhecida, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º daquele diploma legal.

Posto que a autora operou a resolução do contrato através de carta, a mesma tornou-se eficaz logo que a ré a recebeu e se inteirou do seu conteúdo, pelo que nesse momento extinguiu-se o vínculo laboral que unia a autora à ré, podendo a autora, no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, reclamar os créditos alegadamente resultantes daquele contrato.

Assim, tendo a ré recebido a carta resolutiva enviada pela autora, no dia 1 de Fevereiro de 2006 [factos provados 9) e 78)], o início do prazo de prescrição estabelecido no n.º 1 do citado artigo 381.º coincide com o dia 2 de Fevereiro de 2006, pelo que, em 13 de Fevereiro de 2007 ― data da instauração da presente acção ―, já se encontrava decorrido o período de tempo previsto no aludido preceito legal, pelo que se verificava a prescrição dos créditos peticionados pela autora.

Nesta conformidade, não ocorre a alegada ofensa do estatuído nos artigos 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, 224.º, n.os 1 e 3, 342.º, n.º 2, e 306.º, n.º l, do Código Civil, termos em que improcedem as conclusões 1.ª a 14.ª, 15.ª, 16.ª e 17.ª, as três últimas nas partes atinentes, da alegação do recurso de revista.

                                             III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.


Lisboa, 9 de Novembro de 2011


Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha