ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
112/07.0GBMFR-A.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/09/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL HABEAS CORPUS
DECISÃO INDEFERIDO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR RAUL BORGES

DESCRITORES HABEAS CORPUS
ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO
PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO DE PENA DE PRISÃO
PRISÃO ILEGAL

SUMÁRIO



I - A questão da necessidade de notificação pessoal ao arguido do despacho revogatório da pena substitutiva e a aferição da tempestividade do recurso colocam-se no processo e não no procedimento de habeas corpus. De qualquer modo, tendo em conta a jurisprudência do TC bastará a notificação ao defensor, não se estando perante uma decisão surpresa, pois em devido tempo o arguido foi notificado para pagar a multa e ficou a saber das consequências da falta de pagamento.
II - A medida de habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre a decisão judicial de privação de liberdade ou a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades, cometidas na condução do processo. Para esses fins servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, na sede apropriada. Nesta sede cabe apenas verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante enquadrável em alguma das alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP.
III - O art. 222.º, n.º 2, do CPP, constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso da garantia em causa.
IV - Na situação presente, a prisão do requerente foi ordenada por entidade competente, por facto pelo qual a lei a permite (não pagamento da pena de multa substitutiva da pena de prisão aplicada pelo crime praticado integrante da decisão condenatória transitada), não estando em causa qualquer excesso de prazo. Não se verifica, pois, a ilegalidade da prisão, sendo de indeferir a providência.




DECISÃO TEXTO INTEGRAL

O cidadão AA, encontrando-se preso, em cumprimento de pena à ordem do processo comum singular n.º 112/07.0GBMFR, do Juízo de Média e Pequena Instância Criminal de Mafra, da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, veio requerer, em petição elaborada pelo Exmo. Mandatário, a providência de “Habeas Corpus”, invocando o artigo 222.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP, requerendo a libertação imediata, para tanto alinhando o seguinte somatório de razões (em transcrição integral):

“O arguido foi detido no dia 07 de Outubro de 2011, para cumprimento de uma pena de 4 meses de prisão, por um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, p. e p. pelos artigos. 199º, nº 1.195º nº l, e 197º nº 1 do CDADC

De tal despacho/sentença foi o arguido pessoalmente notificado no dia da sua detenção.

Na verdade, à excepção da sua defensor oficiosa, o conteúdo do despacho sentença nunca foi antes notificado ao ora peticionante, conforme se pode constatar a fls. 174 e 180.

Daí constar a promoção de fls., 181 que promoveu que se considerasse o ora peticionante «notificado na pessoa do seu defensor», e bem assim do douto despacho de fls., 171 e 172.

O arguido no dia 24 de Outubro do corrente ano, interpôs recurso do despacho que determinou a sua prisão de 4 meses, e requereu a sua imediata libertação face aos efeitos do recurso.

II - DA PRISÃO

O arguido encontra-se desde o dia 7 de Outubro de 2011, «em cumprimento de pena de 4 meses de prisão» de uma decisão da qual foi interposto recurso ordinário, dentro do prazo legal, após a notificação pessoal do douto despacho determinativo da mesma.

B - DO DIREITO:

IV - REQUISITOS DA PROVIDÊNCIA

O arguido encontra-se, no seu entender, actualmente preso ilegalmente, pelo que reveste o requisito da actualidade. (Ac. STJ, de 28 de Junho de 1989, proc. 18/89/3ª secção e de 23 de Novembro de 1995, CJ. Tomo III pág. 241)).

V - DA ILEGALIDADE DA PRISÃO

O arguido encontra-se em prisão desde o dia 7 de Outubro de 2011-por despacho/sentença que ordenou a sua prisão de 4 meses, sem que a mesma tenha entretanto transitado em julgado.

Na verdade, tendo o arguido sido notificado, no dia 7 de Outubro do despacho/sentença que ordenou o cumprimento de 4 meses de prisão, não podia o mesmo nesse mesmo dia começar a cumprir tal pena sem se deixar decorrer o trânsito da mesma.

E tanto assim é que o recorrente ora peticionante interpôs recurso de tal de despacho/sentença no dia 24 de Outubro de 2011.

Tal recurso tem efeito suspensivo artigo 408º n.º 2 al. c) do CPP

O condenado não foi ouvido sobre os motivos do não pagamento da multa, antes de haver despacho/sentença sobre a revogação da sua pena de multa em prisão, nem por correio nem pessoalmente foi notificado do mesmo, como expressamente e por analogia se depreende do arts 333 nº 5 do ex vi artº 4º do mesmo diploma legal e 113º nº 9 do C.P.P. (cfr. fls., 180 dos autos).

 Na verdade tudo se passou como se a notificação do despacho que substitui a pena de multa em prisão se bastasse com a «mera notificação» ao defensor oficioso e... nada mais?!...

Assim a sua prisão continua por factos que a lei não permite, na medida em que está em cumprimento de pena ainda antes de ter transitado a douta decisão que ordenou o seu cumprimento.

Donde, deve ser declarada inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1, da CRP, as normas constantes do artigos 113º nº 9, 411º nº 1, e 334º nº 6 do CPP, quando interpretadas no sentido de que o prazo para interposição do recurso, pelo condenado, de decisão que revogou a pena de multa em prisão, se conta da data em que se considera efectivada a sua notificação dessa decisão unicamente ao seu defensor oficioso, o que vai desde já alegado.

B - CONCLUINDO:

1º. A sua prisão foi motivada por facto pelo qual a lei não permite e, continuou mesmo após a interposição do recurso do despacho que revogou a pena de multa em prisão.

2º A sua prisão é ilegal, e mantida por violação e má interpretação e aplicação do direito, nomeadamente dos artigos 113º nº 9, 411º nº 1, e 334º nº 6 do CPP, quando interpretadas no sentido de que o prazo para interposição do recurso, pelo condenado, de decisão que revogou a pena de multa em prisão, se conta da data em que se considera efectivada a sua notificação dessa decisão unicamente ao seu defensor oficioso, o que vai desde já alegado, por violação dos artigos 32º nº 1 da nossa Lei Fundamental e, artº 3º da DUDH e artº 5º da CEDH.

      Termina pedindo que a presente providência seja considerada procedente, ordenando-se a sua imediata restituição à liberdade.

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O Exmo. Juiz exarou a informação a que alude o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, consignando:

“Olhando à natureza da petição e sem prejuízo de não se achar junto original, com a assinatura do ilustre advogado aposta, instrua a petição de habeas corpus com a certidão solicitada pelo peticionante e, bem assim, da sentença de fls. 103/113, da notificação de fls. 119/120, de fls. 145 e v., fls. 165 e v., fls. 181/182, 197/201, 205/206, 242/243, 249, 250/251 e 253/254 (esta na medida em que o ilustre advogado diz juntar procuração com a petição, mas o não faz), após e em respeito pelo disposto no art. 223°, n°l, do Cód. de Proc. Penal, remetendo a mesma imediatamente ao Colendo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com a informação de que a prisão se mantém, tendo sido efectuada no cumprimento de decisão que determinou o cumprimento da pena de quatro meses de prisão que fora substituída por igual tempo de multa, em face do não pagamento desta e da inviabilidade de execução com vista ao seu pagamento coercivo”.

                                                           *******

      Mostra-se junta certidão da sentença condenatória, bem como de notificações efectuadas ao arguido.   

      Por não se mostrar junta a certidão pedida pelo peticionante, pretensão deferida no despacho/informação supra, foi solicitada certidão do despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão, bem como das tentativas de notificação ao arguido e motivação de recurso já apresentado.

      Convocada a Secção Criminal e notificado o Ministério Público e o Defensor, teve lugar a audiência.

      Realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.

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      Constam dos autos os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida:

I – No âmbito do processo comum singular n.º 112/07.0GBMFR, do 2.º Juízo da Comarca de Mafra, por sentença de 26 de Maio de 2008, o ora requerente foi condenado pela prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, p. p. pelos artigos 199.º, n.º 1, 195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, do CDADC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14-03 (entretanto alterado), na pena de 4 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, e na pena de 180 dias de multa, num total de 300 dias de multa, à razão diária de € 4,00, o que perfez a multa global de € 1.200,00.

II – No dia 4 de Junho de 2008, pelas 10h55, o arguido foi notificado pela PSP da sentença, a qual transitou em julgado em 25-06-2008.

III – O arguido foi notificado em 3-12-2009 de que poderia pagar a multa global, sob pena de execução da pena em que foi condenado, se não efectuasse o pagamento, tendo então declarado à PSP não ter quaisquer bens penhoráveis móveis ou imóveis, nomeadamente veículo automóvel nem emprego permanente. 

IV – Em 5 de Junho de 2010 o arguido foi notificado pela PSP para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da multa em que foi condenado sob pena de, não o fazendo, esta ser convertida em prisão subsidiária (sic).

V – Por despacho datado de 13-09-2010, fazendo fls. 171/2 do processo, foi determinado o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão de 4 (quatro) meses em que foi condenado, bem como foi convertida a pena de multa de 180 dias, na pena de prisão subsidiária de 120 dias, “condenando o arguido no seu cumprimento, à luz do que dispõe o art. 49.º, n.º 1, do Código Penal”.

VI – Para tanto, o referido despacho teve em consideração que “O arguido não procedeu ao pagamento voluntário da referida multa, nem requereu a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade e não se afigura viável o seu pagamento coercivo, na medida em que não lhe são conhecidos quaisquer bens ou rendimento passíveis de penhora”.

VII – Foi determinada no mesmo despacho a emissão de “mandados de detenção para o cumprimento da pena ora determinado, fazendo, ainda, menção de que o arguido pode evitar a execução da prisão subsidiária (de 120 dias) se proceder ao pagamento da multa (art. 49.º, n.º 2, do Cód. Penal)”.

VIII – Em 16-09-2010 foi tentada a “notificação por via postal registado com prova de recepção” dirigida para a morada do arguido constante dos autos - fls. 173 – do despacho proferido e para no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da multa, sob pena de, não o fazendo, esta ser convertida em prisão subsidiária (sic!), sendo junto o DUC para pagamento de € 1.200,00 (fls. 175), mas veio a mostrar-se infrutífera, sendo tentada a notificação através da PSP - fls. 177 a 180.

IX – No mesmo dia procedeu-se a notificação do despacho, por via postal registada, ao defensor do arguido – fls. 174.

X – Em 21-10-2010, por já não residir na morada indicada e ser desconhecido o seu actual paradeiro ou residência na cidade, foi lavrada certidão negativa de notificação do arguido - fls. 180.

XI – Na sequência de promoção nesse sentido (fls. 181), foi proferido despacho a fls. 182, entendendo-se o arguido notificado do despacho de fls. 171/2, na pessoa do seu defensor, ordenando-se a emissão de mandados de detenção.

 XII – Em 27-01-2011 foi emitido mandado de detenção a determinar a prisão por 4 meses, cumprido em 7 de Outubro de 2011 - fls. 213 - encontrando-se o arguido desde então a cumprir a pena de 4 meses de prisão.

XIII – O arguido procedeu ao pagamento da pena de multa (complementar) de 180 dias.

XIV – O arguido em 24-10-2011 interpôs recurso do despacho de 13-09-2010, que ordenou o cumprimento da pena de 4 meses de prisão, do que foi notificado pessoalmente em 07-10-2011, e que aguarda tramitação.

Apreciando.

                                                                   

Incluída no capítulo «Direitos, liberdades e garantias pessoais», a providência de habeas corpus é uma garantia fundamental privilegiada (no sentido de que se trata de um direito subjectivo «direito – garantia» reconhecido para a tutela do direito à liberdade pessoal, cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 296) e citando este e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, a figura do habeas corpus é historicamente uma instituição de origem britânica, remontando ao direito anglo - saxónico, mais propriamente ao Habeas Corpus Amendment Act, promulgado em 1679, passando o instituto  do direito inglês para a Declaração de Direitos do Congresso de Filadélfia, de 1774, consagrado pouco depois na Declaração de Direitos proclamada pela Assembleia Legislativa Francesa em 1789, sendo acolhido pela generalidade das Constituições posteriores e introduzido entre nós pela Constituição de 1911, tendo como fonte a Constituição Republicana  Brasileira de 1891, muito influenciada pelo direito constitucional americano.  A Constituição de 1933 consagrou igualmente o instituto que só veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 35043, de 20-10-1945, cujas disposições vieram a ser integradas no Código de Processo Penal de 1929 pelo Decreto-Lei n.º 185/72, de 31-05, sendo que no pós 25 de Abril de 1974 teve a regulamentação constante do Decreto-Lei n.º 744/74, de 27-12-1974 e Decreto-Lei n.º 320/76, de 04-05-1976.

A Lei n.º 43/86, de 26-09 - lei de autorização legislativa  a cujo abrigo foi elaborado o Código de Processo Penal vigente - estabeleceu a garantia no artigo 2.º, n.º 2, alínea 39.

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.

Trata-se de uma garantia do direito à liberdade com assento na Lei Fundamental que nos rege, prevista no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa, dispondo o n.º 1, na redacção dada pela 4.ª revisão constitucional – artigo 14.º da Lei Constitucional n.º 1/97, publicada no DR-I.ª Série - A, de 20-09-1997 - que «haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente».

            Sendo o direito à liberdade um direito fundamental – artigo 27.º, n.º 1, da CRP - e podendo ocorrer a privação da mesma, «pelo tempo e nas condições que a lei determinar», apenas nos casos elencados no n.º 3 do mesmo preceito, a providência em causa constitui um instrumento reactivo dirigido ao abuso de poder por virtude de prisão ou  detenção ilegal.

Ou, para utilizar a expressão de Faria Costa, apud acórdão do STJ de 30-10-2001, in CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 202, atenta a sua natureza, trata-se de um «instituto frenador do exercício ilegítimo do poder».

            A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.º 1 do artigo 220.º do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal.

Sendo a prisão efectiva e actual o pressuposto de facto da providência e a ilegalidade da prisão o seu fundamento jurídico, esta providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar (assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II volume, pág. 297) há-de fundar-se, como decorre do artigo 222.º, n.º 2, do CPP, em ilegalidade da prisão proveniente de (únicas hipóteses de causas de ilegalidade da prisão):

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

O artigo 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso da garantia em causa.

                                                           *******

Vejamos se a pretensão do requerente se enquadra no referido preceito.

No caso concreto, o que está em discussão é a questão de saber se a prisão do requerente é ilegal, cabendo indagar da razão dos argumentos invocados – os previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º, do CPP.

Segundo a alínea b) do preceito, a ilegalidade da prisão provém de ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

E segundo a alínea c), a ilegalidade da prisão provém de ser excedido o prazo de prisão.

     Analisando a primeira questão.

     Este Supremo Tribunal já se debruçou sobre pedidos de habeas corpus em situações decorrentes de aplicação do artigo 43.º, n.º 2, do Código Penal, em que teve lugar a revogação da substituição da pena de prisão pela de multa, renascendo a pena principal de prisão, como ocorreu nos acórdãos de 07-08-2009, processo n.º 188/08.2PBEVR-A.S1, de 14-08-2009, processo n.º 178/08.5GTEVR-A.S1, de 26-01-2011, processo n.º 7/11.2YFLSB e de 02-03-201, processo n.º 732/03.1PBSCR-A.S1, todos desta secção, mas em situações em que o despacho a ordenar a execução da pena de prisão havia transitado em julgado após notificação pessoal do condenado.

     Em primeiro lugar há que clarificar a situação do requerente.

     O peticionante foi condenado pela prática de um crime previsto em legislação extravagante – o Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos -, que prevê uma penalidade composta por uma pena de prisão e complementada por uma pena de multa.

     Estamos, assim, perante uma pena compósita, composta por uma pena principal de prisão, a que acresce um suplemento de pena de diversa espécie, de natureza pecuniária, que, ao tempo, se designava de multa complementar. 

     Com a terceira alteração do Código Penal, operada com o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, entrado em vigor em 1-10-1995, procurou-se acabar com a previsão de punição através da cumulação de penas de prisão e de multa, então previstas como punições transitórias em vias de extinção, e daí as normas dos artigos 7.º e 9.º de tal Decreto-Lei.

     Estabelece o artigo 43.º, n. º 1, do Código Penal, na versão actual, que “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa de liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º”.

     De forma clara injunge o n.º 2 que “Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença”.

     Mas acrescenta que “É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º”.

     O que significa que pode não ocorrer a decretada prisão originária, substituída por multa “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa (substitutiva) lhe não é imputável”, podendo então a execução da prisão “ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro”.   

     O requerente não pagou a multa substitutiva da prisão, tendo sido determinada a execução da pena de prisão, nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do Código penal.

                                                              *

     O peticionante coloca a questão de não ter sido oportunamente notificado na sua pessoa do despacho que determinou a execução da pena de prisão, o que só veio a acontecer em 7-10-2011, quando foi preso, tendo interposto recurso em 24-10-2011.

     Não tendo transitado em julgado o despacho que ordenou a execução da pena de prisão de quatro meses e suspendendo o recurso interposto, nos termos do artigo 408.º, n.º 2, alínea c), do CPP, os efeitos da decisão recorrida, a prisão é, em seu entender, ilegal.

     Por outras palavras, entende o requerente que se encontra ilegalmente preso, por ainda não ter transitado em julgado o despacho determinativo da sua prisão, falecendo “título executivo” para a consumada privação de liberdade.

     Esta posição arranca do pressuposto de que se impunha no caso concreto a notificação pessoal do arguido do despacho que ordenou a execução da prisão, nos termos do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, não bastando a notificação ao defensor, efectuada por via postal registada emitida em 16-09-2010 (fls. 174).

     Invoca ainda o requerente as normas dos artigos 334.º e 335.º do CPP, que não têm aplicação no caso concreto, por se reportarem a audiência de julgamento na ausência do arguido, o que não é o caso.

     De acordo com o artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor oficioso.

     A questão que se colocará então é a de saber se releva a notificação já feita ao defensor, bastando esta, ou se se impõe a notificação pessoal ao arguido, só então se marcando o dies a quo do prazo de interposição de recurso.

     Nesta óptica, o Tribunal Constitucional já apreciou a constitucionalidade de normas relativas ao início do prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso em processo penal, tendo-se pronunciado, por diversas vezes, sobre as exigências que devem rodear o acto de notificação do arguido da sentença/acórdão que o condena, ou do acórdão do Tribunal Superior, que reaprecia aquela decisão, nomeadamente, quando confirma a decisão condenatória, tendo em conta, em particular, as exigências decorrentes da protecção constitucional do direito de defesa, incluindo o direito ao recurso, por forma a que seja salvaguardado o núcleo essencial do princípio da defesa proclamado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, como acentuou no acórdão n.º 61/88, publicado no DR, II Série, de 20-08-1998, assegurando-se que o processo penal seja um processo equitativo e leal (a due process of law, a fair process, a fair trial), sendo recorrente a questão da conformidade constitucional do momento a partir do qual se deve contar o prazo de interposição de recurso: se o da notificação postal da sentença, se do seu depósito na secretaria, se é suficiente a notificação do mandatário ou defensor (primitivo ou ad hoc), ou se se impõe a notificação pessoal “tout court”, por contacto pessoal, e não presumida ou ficcionada.

     Nesse tipo de abordagem está em causa a problemática da notificação ao arguido da decisão condenatória, ou sua confirmação pelo tribunal superior, e a marcação do início do prazo para interposição de recurso, ou noutra perspectiva, a defesa do arguido ausente, considerada como assumida pelo defensor, estando sempre presente nesses acórdãos o cuidado de realçar e ter-se em vista as particularidades do caso sujeito, a especificidade de cada processo.

     Sobre esta temática versaram os acórdãos a seguir indicados, que poderão ser vistos em sumário nos acórdãos de 7 e de 14 de Janeiro de 2009, nos processos n.º 2865/08 e 2494/08 (cfr. ainda o acórdão de 26-01-2011, no processo n.º 1349/06.4TBLSB.P1.S1), todos relatados pelo ora relator, em que estava em causa a interposição de recursos por mandatários/defensores de arguidos em julgamentos in absentia (nos casos versados nos dois primeiros referidos acórdãos, os defensores dos arguidos ausentes haviam interposto recurso, apreciado pelo tribunal superior, e posteriormente, após notificação pessoal dos arguidos, foi interposto um “segundo recurso”, então rejeitado).

    Vejamos os acórdãos que se debruçaram sobre esta temática, um dos quais foi invocado pelo recorrente na motivação do recurso, entretanto, interposto.

     Acórdão n.º 59/99, de 2 de Fevereiro de 1999, Processo n.º 487/97- 2.ª secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 75, de 30-03-1999, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 42.º, e BMJ, n.º 484, pág. 48. (Relator Conselheiro Bravo Serra).

     Acórdão n.º 109/99, de 10 de Fevereiro de 1999, Processo n.º 747/98 – 3.ª secção, in DR, II Série, n.º 137, de 15-06-1999, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 42.º, e BMJ, n.º 484, pág. 140. (Relator Conselheiro Messias Bento).

     Acórdão n.º 433/2000, de 11 de Outubro de 2000, Processo n.º 53/00, 2.ª secção, in DR, II Série, n.º 268, de 20-11-2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 48.º (Relator Conselheiro Guilherme da Fonseca).

     Acórdão n.º 87/2003, de 14 de Fevereiro de 2003, Processo n.º 395/2002, in DR, II Série, n.º 119, de 23 de Maio de 2003 (Relator Conselheiro Tavares da Costa). 

     Acórdão n.º 274/2003, de 28 de Maio de 2003, Processo n.º 7/2003, da 3.ª secção, in DR II Série, n.º 153, de 05-07-2003 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 56, págs. 381 e ss. (Relator Conselheiro Bravo Serra).

     Acórdão n.º 378/2003, de 15 de Julho de 2003, Processo n.º 821/2002-2.ª secção, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 56, págs. 757 e ss. (Relator Conselheiro Paulo Mota Pinto).

     Acórdão n.º 429/2003, de 24 de Setembro de 2003, Processo n.º 749/2002-3.ª secção, publicado no DR, II Série, n.º 270, de 21-11-2003. (Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).

     Acórdão n.º 503/2003, de 28 de Outubro de 2003, Processo n.º 37/2003, 1.ª secção, in DR, II Série, n.º 3, de 5-01-2004. (Relator Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira).

     Acórdão n.º 545/2003, de 11 de Novembro de 2003, Processo n.º 799/02-1.ª secção, in DR, II Série, de 6-01-2004 (Relator Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira).

     O Tribunal, na linha do exposto nos acórdãos n.ºs 59/99, 109/99, 433/00 e 378/03, decidiu: «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7, do mesmo Código (actual n.º 9 do artigo 113.º), ambos na redacção resultante da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar notificada ao arguido».  

     Acórdão n.º 36/2004, de 14 de Janeiro de 2004, Processo n.º 627/2002-2.ª secção, in DR, II Série, n.º 43, de 20-02-2004 (Relator Conselheiro Paulo Mota Pinto).

     Acórdão n.º 476/2004, de 2 de Julho de 2004, Processo n.º 151/2004, da 2.ª secção, in DR, II Série, n.º 190, de 13-08-2004 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 60, págs. 163 e ss. (Relatora Conselheira Maria Fernanda Palma).

     Acórdão n.º 77/2005, de 15 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 149/2004, in DR, II Série, de 30-03-2005 e Acórdãos do Tribunal Constitucional volume 61, págs.375 e ss. (Relator Conselheiro Paulo Mota Pinto).

     Acórdão n.º 312/2005, de 8 de Junho de 2005, Processo n.º 856/2003, DR, II Série, n.º 151, de 08-08-2005 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 62, págs. 719 e ss. (Relator Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira).

     Acórdão n.º 418/2005, de 4 de Agosto de 2005, Processo n.º 435/05- 2ª secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt (Relator Conselheiro Paulo Mota Pinto).

     Acórdão n.º 422/005, de 17 de Agosto de 2005, Processo n.º 572/2005 - 2.ª secção, in DR, II Série, n.º 183, de 22-09-2005, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume n.º 62, págs. 1121 e ss. (Relator Conselheiro Mário Torres).

     Acórdão n.º 206/2006, de 22 de Março de 2006, Processo n.º 676/2005 – 1.ª secção, in DR, II Série, n.º 101, de 25-05-2006 (Relatora Conselheira Maria Helena Brito).

     Acórdão n.º 275/2006, de 2 de Maio de 2006, Processo n.º 23/2006 – 2.ª secção, in DR, II Série, n.º 110, de 7 de Junho de 2006 (Relator Conselheiro Mário Torres).

     O Tribunal decidiu: «Não julgar inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1 e 425.º, n.º 6, do Código de Processo penal, interpretados no sentido de o prazo para interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se contar a partir da notificação do acórdão da Relação ao advogado constituído do arguido, quando não é questionado o cumprimento, pelo mandatário, do dever de a comunicar ao arguido».                    

     Acórdão n.º 111/2007, de 15 de Fevereiro de 2007, Processo n.º 761/06-2.ª secção, in DR, II Série, de 20-03-2007, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume n.º 67, pág. 537 (Relator Conselheiro Mário Torres).

     Decidiu: «Não julgar inconstitucional a norma derivada dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que pode ser efectuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura da sentença». 

     Acórdão n.º 489/2008, de 7 de Outubro de 2008, Processo n.º 106/08 – 2.ª secção, in DR, II Série, de 11-11-2008 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume n.º 73, pág. 277 (Relator Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro).

     Acórdão n.º 549/2009, de 27 de Outubro de 2009, Processo n.º 140/09, da 3.ª Secção, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume n.º 76, págs. 183 e ss., que versou sobre o acórdão por nós relatado em 14-01-2009, no processo n.º 2494/08, supra referido (Relator Conselheiro Vítor Gomes).

     Acórdão n.º 483/2010, de 09-12-2010, Processo n.º 452/10, da 3.ª Secção, versando caso de ausência do arguido apenas na sessão de leitura da sentença, mas em que o defensor assistiu à leitura e foi notificado da sentença (Relator Conselheiro Vítor Gomes).

     Nesse circunstancialismo considerou-se que deve considerar-se assegurada, se não o conhecimento efectivo, a plena cognoscibilidade da decisão condenatória pelo arguido, independentemente da respectiva notificação pessoal, bastando-lhe para o seu conhecimento efectivo que contactasse, logo de seguida à data que bem sabia ser aquela em que a decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial.

     Aí se assinala que «O sistema pode em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passe nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão».   

     Veja-se ainda, com algum interesse, o acórdão n.º 17/2010, de 12-01-2010, Processo n.º 498/09, da 2.ª Secção, in DR, 2.ª Série, n.º 36, de 22-02-2010, em que estava em causa a notificação do despacho que designa dia para julgamento.

     O peticionante no requerimento de interposição de recurso, em abono da sua tese, indica o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/2005, supra citado.

     Em causa estava revogação da suspensão da execução da pena de prisão, tendo decidido o Tribunal com um voto de vencido: «Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do CPP, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, interpretadas no sentido de que o prazo de interposição de recurso pelo condenado de decisão que revogou a suspensão da execução da pena de prisão se conta a partir da data em que se considera efectivada a sua notificação dessa decisão por via postal simples».

     Porém, como se refere no acórdão n.º 111/2007, relatado pelo mesmo relator do anterior, no caso do acórdão de 2005 foi atribuída decisiva relevância às circunstâncias de, no caso, já não subsistir o termo de identidade e residência e obrigações conexas e de, tendo a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão sido tomada sem prévia audição do condenado, este não dispor de qualquer indicação da data em que iria ser proferida tal decisão.

     Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional bastará a notificação ao defensor, não se estando perante uma decisão surpresa, pois em devido tempo o arguido foi notificado para pagar a multa e ficou a saber as consequências da falta de pagamento.

     De qualquer modo, a questão da necessidade de notificação pessoal ao arguido do despacho revogatório da pena substitutiva e a aferição da tempestividade do recurso agora interposto colocar-se-ão no processo e não neste procedimento.   

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      A providência de habeas corpus não é o meio próprio para sindicar as decisões sobre medidas de coacção privativas de liberdade, ou que com elas se relacionem directamente.

      Como este Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir, a providência não pode ser utilizada para a sindicação de outros motivos ou fundamentos susceptíveis de por em causa a legalidade da prisão, para além dos taxativamente previstos na lei, designadamente para apreciar a correcção das decisões judiciais em que aquela é ordenada – cfr. acórdão de 30-04-2008, processo n.º 1504/08-5.ª e acórdãos desta 3.ª secção, de 26-09-2007, processo n.º 3473/07, de 25-07-2008, nos processos n.ºs 2532/08 e 2526/08, de 10-09-2008, processo n.º 2912/08, de 09-01-2009, no processo n.º 4154/08, de 25-11-2009, processo n.º 694/09.1JDLSB-B.S1, de 31-03-2011, processo n.º 38/11.2YFLSB.S1.

       Como se referiu no acórdão de 04-02-2009, processo n.º 325/09-3.ª, o habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre as decisões judiciais determinantes da privação de liberdade, ou a sindicar nulidades ou irregularidades nessas decisões – para isso servem os recursos ordinários – mas tão só a verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou erro grosseiro) enquadrável no disposto nas três alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

      O habeas corpus, é assim e, apenas, um meio excepcional de controlo da legalidade da prisão, estritamente vinculado aos pressupostos e limites determinados pela lei.

       Como se pode ler no acórdão do STJ, de 16-07-2003, processo n.º 2860/03-3.ª, de que houve recurso para o Tribunal Constitucional - Acórdão n.º 423/2003, de 24-09-2003 - 3.ª Secção, proferido no processo n.º 571/2003, publicado no DR, II Série, n.º 89, de 15-04-2004, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 57.º, págs. 343 e ss. - «Os fundamentos da providência revelam que a ilegalidade da prisão que lhes está pressuposta se deve configurar como violação directa e substancial e em contrariedade imediata e patente da lei: quer seja a incompetência para ordenar a prisão, a inadmissibilidade substantiva (facto que não admita a privação de liberdade), ou a directa, manifesta e autodeterminável insubsistência de pressupostos, produto de simples e clara verificação material (excesso de prazo)».

       Aditando ainda o seguinte: «Deste controlo estão afastadas todas as condicionantes, procedimentos, avaliação prudencial segundo juízos de facto sobre a verificação de pressupostos, condições, intensidade e disponibilidade de utilização in concreto dos meios de impugnação judicial».

       Como se extrai do acórdão do STJ de 29-07-2003, processo n.º 2882/03, da 3.ª secção, o habeas corpus é um procedimento de natureza excepcional e de via reduzida, restringindo-se o seu âmbito à apreciação da ilegalidade da prisão, por constatação e só dos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 222.º, n.º 2, do CPP.

      A definição dos limites de intervenção ao abrigo da providência foi abordada de forma muito clara em 1990, no acórdão de 10 de Outubro, processo n.º 29/90, in CJ 1990, tomo 4, pág. 28 e BMJ n.º 400, pág. 546, onde se ponderou: «A providência de habeas corpus tem a natureza de medida com a finalidade de resolver de imediato situações de prisão ilegal, e não de meio de reapreciação dos motivos da decisão proferida pela entidade competente. Essa função, de meio de obter a reforma da decisão injusta, de decisão inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento, compete aos recursos. O STJ não pode substituir-se ao tribunal ou ao juiz que detém a jurisdição sobre o processo e não pode intrometer-se numa função reservada aos mesmos, consistindo as suas funções em controlar se a prisão se situa e se está a ser cumprida dentro dos limites da decisão judicial que a aplicou. Existindo uma decisão judicial, ela permanece válida até ser revogada em recurso. Por isso, a providência de habeas corpus apenas pode ser utilizada em situações diferentes. De contrário, estava a criar-se um novo grau de jurisdição, não contemplada. Daí que, quando o despacho de um juiz decreta a prisão baseado em fundamentos que a lei permite, o único meio de impugnação, por se pretender entender que tal fundamento se não encontra preenchido face aos elementos constantes do processo, é o recurso. Pode ao mesmo tempo requerer-se a providência, mas com base em outras razões que não as que foram objecto do recurso». 

      E como se assinala no acórdão de 26-08-2008, no processo n.º 2555/08-3.ª, a providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso de actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis.

     No acórdão de 5-05-2009, processo n.º 665/08.5JAPRT-A.S1, desta secção diz-se: “(…), no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas têm de se aceitar os efeitos que os diversos actos produzam num determinado momento - princípio da actualidade – retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados”.

     Especifica que a providência “não pode decidir sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso dos actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos ou dos modos processualmente disponíveis e admissíveis de impugnação” (...) “A medida não pode ser utilizada para impugnar irregularidades processuais ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o processo ou o recurso como modo e lugar próprios para a sua reapreciação”.  

     Por outro lado, no que toca ao outro fundamento, evidente é que não há qualquer excesso de prazo, pois está em causa o cumprimento de uma pena de quatro meses de prisão e o arguido foi preso em 7 de Outubro passado.

    Concluindo.

    Na situação presente não se verifica qualquer excesso de prazo.

    A medida em causa não se destina a formular juízos de mérito sobre a decisão judicial de privação de liberdade ou a sindicar eventuais nulidades, irregularidades, cometidas na condução do processo.       Para esses fins servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, na sede apropriada.

     Nesta sede cabe apenas verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante enquadrável em alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º.

     O artigo 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso da garantia em causa.

     Na situação presente a prisão do requerente foi ordenada por entidade competente, no caso pelo juiz competente no Juízo de Mafra, por facto pelo qual a lei a permite (não pagamento da pena de multa substitutiva da pena de prisão aplicada pelo crime praticado integrante da decisão condenatória transitada), não estando em causa qualquer excesso de prazo.

     Não se verifica, pois, a ilegalidade da prisão, inexistindo os invocados fundamentos das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, o que inviabiliza desde logo a providência, por ausência de pressupostos, já que a violação grave do direito à liberdade, fundamento da providência impetrada, há-de necessariamente integrar alguma das alíneas daquele n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal.

     Sendo assim, será de indeferir a providência por falta de fundamento bastante - artigo 223.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal.

Decisão

Pelo exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a presente providência de habeas corpus relativa ao cidadão Manuel Nuno da Silva Vilar por falta de fundamento bastante.

Custas pelo requerente, com taxa de justiça de três unidades de conta, nos termos do artigo 8.º e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, com as alterações introduzidas pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31-12), sendo a Tabela actualizada de acordo com o Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, sem prejuízo da isenção subjectiva que venha a ser detectada, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea j), do mesmo diploma, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24-04.

 Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

                                               Lisboa, 9 de Novembro de 2011 

  
Raul Borges (relator)
Henriques Gaspar
Pereira Madeira